APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013920-49.2005.4.03.6110
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: CAMPARI DO BRASIL LTDA
Advogado do(a) APELANTE: WERNER GRAU NETO - SP120564
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: DCM INDUSTRIA COMERCIO E SERVICOS LTDA, REDE FERROVIARIA FEDERAL S A
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: GILBERTO GIUSTI - SP83943
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013920-49.2005.4.03.6110 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: CAMPARI DO BRASIL LTDA Advogado do(a) APELANTE: WERNER GRAU NETO - SP120564 APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta por CAMPARI DO BRASIL LTDA contra sentença proferida em ação ordinária movida por ela em face da UNIÃO FEDERAL objetivando o reconhecimento judicial de servidão de aqueduto e declaração de pagamento do valor de indenização devido à requerida ou o arbitramento de indenização suplementar, com a expedição de ofício ao Primeiro Ofício do Registro de Imóveis da Comarca de Sorocaba/SP para averbação do direito real de servidão da autora na matrícula do imóvel da requerida. Não obstante, o limite de tamanho mencionado, previsto no contrato, não seria suficiente para assegurar a realização de obras de manutenção e conservação da própria adutora. Por este motivo, foi realizado um redimensionamento da área, por meio de um levantamento topográfico, para o fim de se garantir uma faixa ‘non aedificandi’ ao longo do perímetro da adutora. Diz que, a partir de 1992, diversos termos aditivos vêm sendo firmados entre as partes, sempre com o mesmo propósito de se garantir o uso da servidão com o abastecimento de água à fábrica da autora, prorrogando-se, ano a ano, o prazo inicialmente contratado, que era de cinco anos. No último termo aditivo antes da propositura da presente ação (14.05.2001), convencionou-se o pagamento mensal de uma taxa de permissão de uso no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), prorrogando-se o contrato por mais dois anos, até 31.05.2001. Afirma que, a despeito de todos os esforços dos seus prepostos para obter uma nova prorrogação do contrato em questão, não foi localizado nenhum interlocutor da requerida que pudesse discutir o assunto. Além disso, diz que, em razão da liquidação pela qual vem passando, a ré pretende colocar o imóvel à venda por meio de procedimento licitatório, fato que poderá comprometer o uso da faixa adutora (Num. 89145611 – pág. 10/19). Contestação pela RFFSA (Num. 89145611 – pág. 98/103). O Ministério Público do Estado de São Paulo opinou pelo prosseguimento do feito e requereu a realização de prova pericial nos imóveis das partes (Num. 89145612 – pág. 53/56). Indeferido o pedido de tutela antecipada e deferida a prova pericial requerida pelo Parquet (Num. 89145612 – pág. 64). Manifestação do Ministério Público do Estado de São Paulo pela ausência de motivo para a sua intervenção no feito (Num. 89145612 – pág. 99/100). Com o término do processo de liquidação da Rede Ferroviária Federal S/A – RFFSA, foi determinada a remessa dos autos à Justiça Federal (Num. 89145613 – pág. 76/78 e 89145615 – pág. 43). Laudo pericial lavrado em 31/10/2006 (Num. 89145613 – pág. 137/179 e 180/188). Parecer do assistente técnico nomeado pela autora lavrado em 20/12/2006 (Num. 89145615 – pág. 05/18 e 19/22). A E. Primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial provimento a agravo de instrumento interposto pela autora para conceder parcialmente a tutela antecipada, para o fim de impedir a interrupção do uso do complexo pela autora até o julgamento definitivo da ação (Num. 89145615 – pág. 51/56). Com o ingresso da União no feito, os autos foram redistribuídos à Justiça Federal (Num. 89146515 - pág. 43 e 48). Em sentença publicada em 14/03/2008, o Juízo de Origem julgou improcedente o pedido, condenando a autora a arcar com as despesas processuais (honorários do perito) e ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), com fulcro no parágrafo quarto do artigo 20 do CPC/73 (Num. 89145615 – pág. 72/80 e 81). A parte autora apela para ver acolhido o seu pedido inicial, sem condenação em indenização ante os pagamentos anteriormente feitos ou com sua fixação no patamar de R$ 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos reais) (Num. 89145615 – pág. 84/100). Sem contrarrazões (Num. 89145615 – pág. 117 e 119). É o relatório.
Narra a autora em sua inicial que, em 01/12/1992, havia firmado com a FEPASA (posteriormente sucedida pela RFFSA) contrato de permissão de uso a título oneroso de uma área localizada em terreno de propriedade da ré, destinada à passagem de uma adutora de 150 milímetros (aproximadamente 6 polegadas) para o abastecimento de água à fábrica da requerente.
V O T O - V I S T A O Desembargador Federal Hélio Nogueira: trata-se de ação confessória proposta pela Campari do Brasil Ltda. visando ao reconhecimento do direito à existência de servidão de passagem forçada de água (aqueduto) em face da União na condição de sucessora da Rede Ferroviária Federal S.A., cumulado com pedido de declaração de pagamento de indenização. A ação foi julgada improcedente. Apelou a parte autora objetivando a reforma da sentença para ver seu pedido inicial julgado procedente. O e. Relator apresentou voto provendo o recurso para julgar procedente o pedido e determinar o registro da servidão de passagem de águas na matrícula do imóvel, além de declarar paga a indenização prevista no artigo 117, caput, do Decreto nº 24.643/1934. Pedi vista para melhor analisar a questão debatida na ação. De início, a ação confessória tem por objetivo reconhecer ao autor o direito à servidão existente entre prédios vizinhos, quando o proprietário do prédio serviente se recusa a reconhecê-la. Por seu turno, a instituição da servidão pressupõe o pagamento de indenização ao proprietário do prédio serviente (art. 117 do Código de Águas e art. 1.293 do CC). No caso, a União, em sua manifestação quando de sua intimação para integrar a lide, por ocasião da redistribuição da ação à Justiça Federal, aquiesceu tacitamente com a instituição da servidão e pugnou pela fixação da indenização, nos termos indicados pelo perito judicial. A instituição de servidão não se assemelha à usucapião e, assim, não pode a inaptidão do bem público de se submeter a essa forma originária de aquisição da propriedade ser adotada como fundamento para não se reconhecer o direito à instituição do aqueduto pretendido pela parte autora. Assim, ainda que não se vislumbre no caso resistência do proprietário do prédio serviente, neste ponto, acompanho o e. Relator para reconhecer o direito à instituição da servidão, com o respetivo registro. Por seu turno, aquiescendo a parte ré com a instituição da servidão, o ponto controvertido no presente caso diz respeito à indenização e seu valor. O e. Relator reconheceu que a mesma restou adimplida integralmente pelos valores pagos ao longo dos anos pela parte autora, com base no contrato de permissão de uso firmado junto à extinta FEPASA, posteriormente sucedida pela RFFSA. E no ponto, peço vênia ao e. Relator para divergir. Os valores pagos a título de permissão de uso, de acordo com contrato firmado com a extinta FEPASA, não podem ser considerados como pagamento de indenização a título de instituição de servidão. Decerto, a servidão é constituída por ocasião do registro na matrícula do imóvel, nos termos do art. 1.227 do CC e, assim, neste momento é que deve se dar o pagamento da indenização prevista no art. 117 do Decreto nº 24.643/1934 (Código de Águas) e art. 1.293 do CC. Nesse quadro, os pagamentos realizados com fundamento no acordo de permissão de uso, se destinam a retribuir esta finalidade, sendo certo que a União, ora ré, sequer era, inicialmente, parte naquele contrato, não se vislumbrando qualquer tratativa posteriormente à sucessão da FEPASA pela RFFSA e, após, à União. Assim, instituída a servidão, deve o proprietário do prédio dominante indenizar o titular do prédio serviente. E no caso, a indenização foi regularmente apurada pelo perito judicial nomeado pelo Juízo a quo, devendo esta balizar o montante a ser pago pela parte autora pela instituição da servidão, inexistindo motivo suficiente para afastar o quanto concluído pelo expert naquela ocasião. Deveras, o laudo pericial elaborado e apresentado ao Juízo (fls. 301/352 – ID 89145613) apresenta descrição minuciosa do imóvel, com a indicação pormenorizada dos valores e dos critérios utilizados no cálculo. Por seu turno, o parecer do assistente técnico indicado pela parte autora (fls. 422/433 – Id 89145615) não é capaz de afastar o acolhimento da perícia oficial, realizada mediante análise in loco, sendo certo que a não concordância com os critérios adotados pelo perito nomeado pelo Juízo é insuficiente para se adotar o fator indenizatório indicado pelo assistente, que está fundado em alegações genéricas, utilizando-se de um julgado de caso distinto e de local e região diversos. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação para reconhecer a instituição da servidão, mediante o pagamento de indenização à parte ré (art. 117, caput, do Decreto nº 24.643/1934), tendo por base o valor apurado pela perícia oficial. Considerando que a sentença recorrida foi proferida sob a égide do revogado CPC/1973 e, sendo a sucumbência recíproca, ficam os honorários compensados (art. 21 CPC/1973). É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013920-49.2005.4.03.6110
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V O T O
No caso dos autos, pretende a autora o reconhecimento judicial de servidão de aqueduto e declaração de pagamento do valor de indenização devido à requerida ou o arbitramento de indenização suplementar, com a expedição de ofício Registro de Imóveis para averbação do direito real de servidão da autora na matrícula do imóvel da requerida.
O Juízo de Origem julgou improcedente o pedido, em sentença proferida nos seguintes termos (Num. 89145615 – pág. 72/80):
“(...)
No caso objeto de apreciação, a servidão irá beneficiar um particular em detrimento de um bem público pertencente à Administração Federal, visto que as estradas de ferro são bens da União por força da alínea "g" do artigo 1° do Decreto-Lei n° 9.760/46 e também por força do que determina o inciso II do artigo 2° cumulado com o artigo 8° inciso 1 da Lei n° 11.483/2007. Este último diploma normativo determinou que os bens imóveis da RFFSA sejam transferidos para a União, sendo que os imóveis operacionais foram transferidos para o DNIT (autarquia pública).
Na análise da questão deve-se assentar que bens de domínio público não são passíveis de usucapião, nos termos da súmula n° 340 do Supremo Tribunal Federal, do artigo 200 do Decreto-lei n° 9.760/46, do artigo 102 do Novo Código Civil e, especificamente em relação às estradas de ferro, consoante determina o artigo 1° da Lei n° 6.428/77.
Outrossim, pondere-se que em relação à servidão legal de aqueduto se deve atribuir o mesmo regime jurídico de inalienabilidade dos bens públicos.
Com efeito, existe uma distinção de que deve ser feita entre a servidão em sentido estrito e outras espécies de servidões que decorrem de imperativo legal. Tal distinção vem aclarada pelo mestre Caio Mário da Silva Pereira, em sua obra "Instituições de Direito Civil", Volume IV (Direitos Reais), editora forense, 19° edição (2005), nos seguintes termos:
(...)
De qualquer forma, neste caso estamos diante de uma categoria jurídica que se assemelha a servidão em sentido estrito, tanto que o objetivo da autora expresso na inicial é o de que seja expedido mandado de registro do direito real de servidão em seu favor perante o Primeiro Oficio de Registro de Imóveis de Sorocaba.
Ocorre que, ao ver deste juízo, não se afigura viável que se estabeleça uma servidão coativa em face de um bem de domínio público, ao menos enquanto este bem estiver afetado, ou seja, enquanto não seja vendido para um particular e não mais esteja afetado ao serviço relacionado com a ferrovia.
Com efeito, a constituição de uma servidão representa uma alienação parcial do direito de propriedade, uma vez que, registrada a servidão no Cartório de Registro de Imóveis, ela é oponível ao Poder Público que não poderá dar o destino que pretende ao imóvel sem considerar a servidão em seu detrimento. A servidão é um direito real incidindo diretamente sobre bens imóveis estando munida de seqüela, oponível erga omnes.
(...)
O regime de inalienabilidade dos bens públicos faz com que se tome inviável e incompatível a declaração por sentença de uma servidão em detrimento de um bem público, na medida em que ele está sujeito a uma forma de utilização e a um regime jurídico diverso dos bens privados.
Aliás, neste caso, verifica-se que desde o início das obras o uso da área referente ao aqueduto objeto desta ação confessória somente foi possível através de permissão de uso a título oneroso acertada com a FEPASA, ou seja, uma das formas previstas no direito público para o uso de bens públicos.
(...)
Portanto, interpretando o ordenamento jurídico pátrio, este juízo entende que não se afigura possível a instituição de uma servidão coativa de aqueduto sobre um bem público, com o conseqüente registro da servidão em caráter indefinido (perpétuo) perante o Cartório de Registro de Imóveis, devendo a autora se valer dos instrumentos previstos no Decreto-lei n° 9.760 de 5 de setembro de 1946 (com as alterações legislativas posteriores) para poder se utilizar do aqueduto na propriedade da União. Tal conclusão gera a improcedência da ação confessória e a inviabilidade de indenização prevista no parágrafo segundo do artigo 120 do Código de Águas.
(...)
Em face do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão da autora de constituição de servidão de aqueduto, resolvendo o mérito da questão com fulcro no artigo 269, inciso 1 do Código de Processo Civil.
(...)” (destaquei).
Pois bem.
Embora hígidos os fundamentos adotados em sentença, não comungo do entendimento adotado pelo Juízo Sentenciante.
Quanto à matéria, trago à colação os ensinamentos de Carlos Ari Sundfeld, Jacintho Arruda Câmara e Rodrigo Pagani de Souza:
“RESUMO: O presente estudo pretende demonstrar que os bens públicos, inclusive os da União, estão sujeitos às hipóteses de servidão de aqueduto fixadas em lei. Se não houver interesse público específico que inviabilize a instituição da servidão, esta deve operar-se normalmente, em conformidade com os requisitos gerais fixados em lei.
INTRODUÇÃO
O Código de Águas (Dec. 24.643, de 10.07.1934) instituiu a servidão de passagem nas hipóteses de uso da água para fins industriais. Mais recentemente, o assunto voltou a ser tratado pelo art. 1.293 do CC/2002. O presente estudo pretende contribuir para a interpretação e correta aplicação desses preceitos legais, considerando muito especialmente o problema da passagem desses dutos por imóveis públicos.
O primeiro tema a discutir é o da viabilidade de os vários tipos de imóveis públicos serem objeto de servidão compulsória em favor de interesses privados. O problema se põe pelo fato de não haver norma legal geral expressa respondendo sim ou não a essa dúvida. O segundo tema diz respeito à interpretação do art. 1.293 do CC/2002, relativo às servidões de aqueduto, discutindo-se se, no regime atual, o direito de servidão só foi conferido para a fruição de água indispensável para as primeiras necessidades da vida ou se também comporta a servidão para uso industrial.
A FALSA IDEIA DE CONTRAPOSIÇÃO ENTRE O INTERESSE PRIVADO E O PÚBLICO NA INSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO SOBRE BEM PÚBLICO.
Nos debates mais genéricos sobre a viabilidade de um particular obter judicialmente a instituição, em seu favor, de servidão sobre imóvel público, uma ideia comum imediatamente aparece: a de que haveria contraposição entre o interesse privado (do particular interessado na servidão) e o interesse público (o da entidade pública titular do bem serviente), devendo este prevalecer sobre aquele.
Segundo tal premissa, o interesse público residiria na proteção do patrimônio público contra qualquer tipo de gravame, inclusive servidões de passagem em favor de imóveis de particulares. Já o interesse privado residiria n’alguma sorte de apropriação egoística de propriedade pública, com vistas a uma (ilegítima) atividade lucrativa à custa do patrimônio alheio. Postos assim os interesses em jogo, a solução estaria dada de antemão: a proteção à propriedade pública, supostamente insuscetível a qualquer gravame, deveria ser garantida em detrimento deste e de quaisquer outros interesses privados.
Tal premissa de análise, contudo, é falsa. Em realidade, a instituição de servidões, inclusive sobre bens públicos, em favor de imóveis utilizados para a realização de empreendimentos econômicos privados, pode sim ser de interesse público. Desde que compatível a servidão com as demais destinações do imóvel público serviente e, ainda, indenizado o Poder Público pelo sacrifício parcial às faculdades inerentes ao seu direito de propriedade – por exemplo, faculdade de uso da faixa de terra objeto da servidão -, a servidão poderá ser de interesse público. Poderá sê-lo, por exemplo, por promover o desenvolvimento da indústria no imóvel dominante (com as possíveis consequências positivas daí advindas, econômicas ou sociais).
Aliás, a óptica de que a servidão de aqueduto para os serviços da indústria, prevista na alínea b do art. 117 do Código de Águas, pode ser de interesse público, decorre dos próprios consideranda daquele Código, que já dispunham ter ele, entre outros fins, o de permitir ‘ao poder público controlar e incentivar o aproveitamento industrial das águas’. Viabilizar este aproveitamento, portanto, é um fim almejado pela legislação.
(...)
Não há qualquer fundamento para supor a existência de uma ‘insuscetibilidade da propriedade pública a servidões’, do mesmo modo que não faria sentido a ‘impossibilidade absoluta de qualquer uso privativo particular da propriedade pública’. O uso de bens públicos por particulares é algo simplesmente natural à vocação desses bens. Eles não são, nem poderiam ser, bens de uso e gozo exclusivo do Estado.
A SERVIDÃO SOBRE BENS IMÓVEIS PÚBLICOS
Um raciocínio por vezes invocado contra a viabilidade da instituição compulsória de servidão sobre bens públicos, em especial sobre os pertencentes à União, é o de que a servidão seria equiparável à usucapião e à desapropriação. Como os bens públicos em geral são insuscetíveis de usucapião e os bens federais não podem ser desapropriados por Estados e Municípios, pelas mesmas razões seria juridicamente impossível a instituição judicial de servidão sobre bem público.
(...)
A previsão de que aquedutos passem por vias públicas é uma verdadeira admissão, pela própria lei, de que em relação a tais bens públicos seja instituída a citada servidão de aqueduto. Aliás, vale notar que, se é permitida sobre bens públicos afetados a uma finalidade – como o são as vias públicas – com maior razão há de ser tolerada sobre bens dominicais (por definição desafetados).
Não poderia ser diferente. A instituição de servidão de aqueduto sobre bens públicos é, na vida prática, uma necessidade bastante frequente. Tomem-se os rios de propriedade da União e os respectivos terrenos marginais, também de propriedade desta, qualquer aproveitamento de suas águas por particular, mediante canalização feita por este, dependerá inevitavelmente da passagem de dutos pelos terrenos marginais de propriedade federal. Negar a possibilidade de instituição dessa servidão seria o mesmo que obstaculizar a canalização destas águas federais por particulares; equivaleria a supor, absurdamente, que somente a União poderia derivar água de seus próprios rios, sendo defeso a qualquer particular fazê-lo, mesmo com a respectiva outorga de uso da água. Nada disso, contudo, seria condizente com a realizada.
(...)
A instituição de servidão implica ao proprietário do imóvel serviente, como regra, um ônus de suportar, ou de não fazer, em favor do proprietário do imóvel dominante. Claramente, não implica alienação de domínio, mas apenas restrição às faculdades de uso e gozo inerentes ao domínio. Já a usucapião e a desapropriação, diferentemente, implicam sim, ao proprietário do imóvel expropriado, a perda do domínio – algo muito além, portanto, da mera restrição a determinadas faculdades inerentes à propriedade.
(...)
Por outro lado, é verdade que na instituição da servidão, à semelhança do que ocorre caracteristicamente com a usucapião e a desapropriação, pode haver sacrifício do direito do proprietário de imóvel atingido em benefício de outrem. Nas servidões de passagem de infraestrutura (cabos, redes de transmissão elétrica, aquedutos, etc.) geralmente existe este sacrifício de direito, mas de que direito se trata? Do direito de propriedade tout court? Não. Restam sacrificadas apenas as específicas faculdades de uso e o gozo, com exclusividade, daquela faixa de terra, daquele caminho em que construída a passagem (e instalados os dutos, cabos, ou qualquer outro tipo de infraestrutura); continua em mãos de seu proprietário a faculdade de alienar a propriedade serviente, de construir eventualmente sobre a passagem se isto não prejudicá-la ou de usar e usufruir de todo o restante. O sacrifício implicado na servidão é, portanto, quando existente, parcial, circunscrito a algumas faculdades inerentes ao domínio e atinente a uma parcela específica do bem. Algo muito diverso se passa com os casos de usucapião ou desapropriação; nesses, o sacrifício é do direito de propriedade como um todo, operando-se a sua alienação forçada em favor de terceiro.
(...)
Por essas razões, não passa de um excesso retórico, conducente a erro de juízo, a afirmação de que, com a instituição de servidão de passagem sobre imóvel público em favor de imóvel pertencente a particular, se estaria conferindo ao particular a prerrogativa de ‘assenhorar-se de parte do patrimônio público’. Não se trata, em absoluto, de aquisição de senhoria ou domínio, mas de simples exercício de direito de passagem sobre imóvel que continua, inequivocamente, sob senhoria alheia.
(...)
CONDIÇÕES LEGAIS PARA INSTITUIÇÃO DA SERVIDÃO DE AQUEDUTO
Os requisitos para a instituição da servidão de aqueduto foram dados pelo Código de Águas (Dec. 24.643, de 10.07.1934), o qual previu a ‘servidão legal de aqueduto’, dedicando-lhe um capítulo específico (o Título VII).
(...)
Dentre os casos legais, os mais importantes na realidade econômica são os da alínea b, especialmente a servidão legal de aqueduto para os serviços da indústria. O mesmo Código de Águas dispôs que a servidão legal de aqueduto pode ser decretada pelo juiz sempre que não tiver sido outorgada mediante concessão por utilidade pública.
(...)
O atual Código Civil (Lei 10.406, de 10.01.2002) contém disposições sobre o direito de constituir canais, ou aquedutos, sobre propriedade alheia (direito de servidão de aqueduto, noutras palavras). Destacam-se, entre elas, as do art. 1.293, que dispõem:
(...)
É de se notar que os requisitos para a constituição do direito de servidão de aqueduto, previstos no caput deste artigo do Código Civil, são, em primeiro lugar, quanto à sua finalidade, que o aqueduto sirva: (i) para atender ‘às primeiras necessidades da vida’, (ii) para atender ‘à agricultura e à indústria’, (iii) para o ‘escoamento de águas supérfluas ou acumuladas’ ou (iv) para a ‘drenagem de terrenos’. Noutras palavras, à luz desse dispositivo do Código Civil, deve o aqueduto servir a pelo menos uma dessas quatro finalidades.
(...)
Alguns leitores apressados têm entendido que, para a existência de direito à canalização de águas pelo imóvel alheio, o art. 1.293 do CC/2002 exigiria que as mesmas tivessem por fim tão somente o atendimento às primeiras necessidades da vida, com exclusão de quaisquer outros fins. Mas não é isto o que diz o preceito legal, que admite o aqueduto para diversas finalidades, sendo apenas uma delas o uso das águas para fins de atendimento às primeiras necessidades vitais. Embora a redação do preceito seja ruim, não há margem suficiente para que seja mal interpretado. No próprio texto legal fica claro que os canais através de prédios alheios servirão ‘(...) para receber as águas (...) indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e (...)’ – frise-se o conectivo legal ‘e’ – também para outros fins. Isto é evidente.
(...)
O preceito trata da hipótese de o proprietário do imóvel dominante receber as águas a que tenha direito indispensáveis às primeiras necessidades da vida e, também, da hipótese de receber as águas indispensáveis à agricultura e à indústria. A conduta que não deve causar ‘prejuízo considerável’, de acordo com esta leitura, é a construção de canais através de imóveis alheios. E tal exercício não deve causar ‘prejuízo considerável’ a quem? Ao proprietário do imóvel serviente.
Esta interpretação é a correta não apenas porque só ela permite que seja extraído um sentido lógico do texto. É também a única admissível porque corroborada pelo histórico normativo que precede o dispositivo. Primeiro, o próprio Código de Águas, muito antes do atual Código Civil, já previu, no seu art. 117, a a d, as mesmas quatro finalidades para a servidão de aqueduto (inclusive a servidão para fins industriais). Em segundo lugar, o antigo Código Civil (Lei 3.071, de 01.01.1916) também já previa, no seu art. 567, o direito de servidão de aqueduto ‘em proveito agrícola ou industrial’;
(...)
Assim, a própria história normativa que conduz ao teor atual do Código Civil, particularmente do seu art. 1.293, evidencia que o direito de servidão de aqueduto para fins industriais já existia; não haveria razão para ter sido extirpado do ordenamento pela nova legislação civil. Extirpá-lo, inclusive, seria um duro golpe contra toda atividade industrial no Brasil que conte com a água como insumo e os aquedutos como solução; definitivamente, não faz sentido imaginar que o moderno legislador tenha pretendido aberração assim.
Enfim, por todos os ângulos em que examinado o dispositivo – seja o da lógica, seja o da história normativa que o precede -, a conclusão é que ele admite a servidão de aqueduto para fins industriais”.
(SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda; SOUZA, Rodrigo Pagani. “Servidão de aqueduto em imóvel público”. in Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, Ano 1, vol. 2, Set-Out/2013, Coord. Geral Marçal Justen Filho. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2013) (destaquei).
Não é outra a lição de Odete Medauar acerca do instituto da servidão e do eventual direito de indenização ao proprietário do imóvel serviente:
“A servidão não opera transferência do domínio, nem da posse, nem do uso total do bem a terceiros ou ao poder público. Apenas parcela do bem tem seu uso compartilhado ou limitado em vista do atendimento do interesse público. Por isso, se a limitação acarretar realmente prejuízo, quanto ao uso, caberá indenização, referida só a esse aspecto”.
(MEDAUAR, Odete. “Direito Administrativo Moderno”. 10 ed. São Paulo: Ed. RT, 2006 – p. 348).
Firmadas estas premissas, tenho por inaplicável ao caso o enunciado da Súmula n° 340 do E. Supremo Tribunal Federal, segundo o qual “desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”, eis que a discussão posta nos autos não diz com a aquisição de propriedade imóvel pela autora, mas constituição de servidão sobre imóvel da requerida, situação muito diversa, já que se trata de mera limitação ao direito de propriedade da ré, e não de sua alienação.
Em outras palavras, a instituição de servidão de passagem sobre imóvel público não importa em perda, sequer parcial, do direito de propriedade do ente público, mas apenas em restrição às suas faculdades de usar e fruir do bem.
Tampouco se vislumbra, in casu, qualquer prejuízo ao interesse público, já que o imóvel em questão acresceu ao patrimônio da União após ter ela sucedido a Rede Ferroviária Federal S/A – RFFSA, sem que se tenha nos autos qualquer notícia acerca do presente uso do local como linha férrea.
Assim, evidente que o imóvel em comento se encontra desafetado do serviço público a que servia anteriormente (transporte por via férrea) e, o que é ainda mais importante, que a servidão de passagem pretendida pela parte autora em nada prejudica a utilidade do imóvel serviente.
Tanto isto é verdade que a própria União não se opõe ao pedido de constituição de servidão, limitando-se a pugnar, antes da prolação da sentença, pela fixação de indenização no valor indicado pelo perito judicial, nos seguintes termos (Num. 89145615 – pág. 70):
“A UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, com sede em Brasília -DF, por seu advogado ‘ex lege’, do quadro de carreira instituído pela Lei Complementar nã 73, de 10 de fevereiro de 1993, vem respeitosamente presença de Vossa Excelência, para manifestar ciência do R. despacho de fls. 475, bem como de todos os demais atos e termos do presente feito, que comporta solução de mérito, tendo em mira encontrar-se adequadamente instruído, em especial, no que tange ao valor da indenização, apurado com acerto pelo perito nomeado por esse R. Juízo” (destaquei).
Não prejudica eventual interesse público, portanto, a manutenção da adutora da requerente em imóvel da requerida, especialmente porque a antiga linha férrea ali antes existente não mais subsiste.
Ao contrário, o que se extrai dos autos é que, antes mesmo da sucessão da FEPASA pela RFFSA, a autora já fazia uso de parte do imóvel em questão com a colocação de aqueduto destinado a abastecer de água a sua fábrica, mediante ajuste privado que previa o pagamento de taxa mensal de ocupação pela autora à então proprietária do imóvel.
Desta forma, tenho que não apenas inexiste contraposição entre o interesse privado da parte autora em continuar a fazer uso de seu aqueduto parcialmente localizado em imóvel da ré e um possível interesse público como, ao contrário, este é melhor atendido pela manutenção deste estado de coisas, que conferia à requerida a percepção de remuneração pelo uso de parte de seu imóvel que, de outro modo, muito provavelmente remanesceria sem qualquer uso.
Sequer se há de falar em prejuízo pela limitação do uso da propriedade do imóvel, eis que, para isto, a solução é o pagamento de indenização pela autora à ré, matéria que analisarei mais adiante.
De rigor, portanto, a reforma da sentença para se determinar o registro da servidão de passagem de águas (aqueduto) na matrícula do imóvel, nos termos do art. 167, inciso I, alínea “6” da Lei nº 6.015/1973.
Dito isto, cumpre apreciar a matéria atinente à fixação de indenização a ser paga pela autora à ré em razão da servidão em comento.
Registre-se que o Código de Águas é expresso ao prever a necessidade de prévia indenização do proprietário do imóvel dominante ao proprietário do imóvel serviente, nos seguintes termos:
Art. 117. A todos é permitido canalizar pelo prédio de outrem as águas a que tenham direito, mediante prévia indenização ao dono deste prédio:
a) para as primeiras necessidades da vida;
b) para os serviços da agricultura ou da indústria;
c) para o escoamento das águas superabundantes;
d) para o enxugo ou bonificação dos terrenos.
Quanto ao ponto, sustenta a parte autora nada mais ser devido em favor da ré, em razão dos pagamentos anteriormente feitos extrajudicialmente.
Mais especificamente, alega a parte vir realizando pagamentos mensais à requerida, além de já ter fornecido à RFFSA equipamentos de rádio transceptores em dação ao pagamento, como se extrai do seguinte trecho de sua peça recursal (Num. 89145615 – pág. 99/100):
“40. Restará, pois, a definição da indenização. Na forma da petição inicial, a Rede Ferroviária já foi beneficiária de ampla e suficiente indenização, haja vista o recebimento de equipamentos de rádio transceptores e muitos pagamentos mensais a título de permissão de uso da área. A rigor, enquanto perdura esta contenda, ainda são feitos pagamentos mensais hoje da ordem de R$876,97, como provam os recibos anexos dos três meses mais recentes (docs. anexos). Daí porque a Apelante requer que, provido o recurso, seja reconhecido e declarado que os pagamentos antecedentes satisfazem e equilibram as partes, não havendo cabimento de indenização adicional.
41. Ad argumentandum tantum não seja esse o entendimento de Vossa Excelência, que seja fixada indenização, jamais superior, porém, a R$ 37.500,00, conforme expressamente requerido em contestação, cessados pagamentos periódicos e mensais, ad perpetuam enquanto perdurar o interesse econômico no uso da servidão de aqueduto para transporte da água de um terreno ao outro” (destaquei).
De fato, havia entre autora e FEPASA um acordo particular para uso da propriedade da requerida para passagem de duto de água por força do qual a requerente se obrigou a efetuar pagamentos mensais e sucessivos, ajuste este que veio a ser prorrogado por tempo indeterminado.
Quanto ao ponto, veja-se que restou incontroversa nos autos a afirmação da parte autora no sentido de que vem pagando mensalmente uma quantia à ré pelo uso de seu imóvel, como visto até aqui.
Bem compreendidas as premissas fáticas da demanda, cumpre consignar que a matéria está assim disciplinada pelo Código Civil de 2002:
Art. 1.225. São direitos reais:
(...)
III - as servidões;
(...)
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos ( arts. 1.245 a 1.247 ), salvo os casos expressos neste Código.
(...)
Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis.
De se ver, portanto, que a servidão, direito real que é, se constitui mediante o registro no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do art. 1.225, inciso III, c.c. art. 1.227 e art. 1.378, todos do Código Civil de 2002.
Desta forma, é com o registro no Registro de Imóveis - que estou a determinar - que se constitui a servidão em favor da autora no imóvel de propriedade da requerida, de sorte que, em regra, é a partir daí que o beneficiário da servidão deve pagar indenização cabal ao proprietário do imóvel serviente.
Nada obstante, o caso traz uma particularidade digna de nota: a autora havia firmado ajuste particular com a FEPASA em 1992 para fazer uso de uma faixa de imóvel da companhia ferroviária mediante pagamento de taxas mensais, acordo este que veio a ser prorrogado diversas vezes; com a incorporação da FEPASA pela RFFSA, passou a ter dificuldades para encontrar interlocutores que pudessem levar adiante as tratativas para novos aditamentos ao contrato. Assim é que a requerente ajuizou a presente demanda no ano de 2005, com o julgamento de improcedência em primeira instância, que estou a reformar.
Tudo isto é incontroverso nos autos.
De se ver, portanto, que desde o ajuizamento da demanda, em 14/05/2001, pretende a parte autora fazer valer o seu direito subjetivo à constituição da servidão discutida nestes autos, o que só não foi possível até o presente momento em razão de não ter a requerida reconhecido administrativamente a servidão, nos termos do artigo 1.378 do Código Civil, o que ensejou o ajuizamento da presente demanda, bem como da demora na tramitação do feito, sendo certo que o requerente não deu causa a quaisquer destes fatos.
E, durante todo este período, a requerente efetuou pagamentos mensais à requerida por força
daquele ajuste anteriormente havido entre as partes, em valores não discriminados precisamente nestes autos, mas que, à época do ajuizamento da demanda, estavam próximos do patamar de R$ 400,00 (quatrocentos reais) mensais, sendo alçados à importância de R$876,97 (oitocentos e setenta e seis reais e noventa e sete centavos) mensais quando da interposição do presente recurso de apelação, de sorte que a quantia paga pela autora à ré certamente superam o valor indenizatório estipulado por assistente técnico nomeado nestes autos, de R$ 55.192,00 (cinqüenta e cinco mil cento e noventa dois reais) em novembro de 2.006 (Num. 89145615 - pág. 13).
Reputo correto este valor, e não o antes apontado pelo perito judicial, de R$ 175.513,00 (cento e setenta e cinco mil, quinhentos e treze reais) em novembro de 2.006 (Num. 89145613 - pág. 172), porque o laudo pericial foi elaborado levando-se em consideração as Normas Para Avaliações de Imóveis nas Varas da Fazenda Pública da Capital, razão pela qual se estipulou o fator de servidão em 53%, percentual aplicável a tubulação de vulto, para abastecimento público, e não o aqueduto ora analisado, que se trata de uma tubulação com 150 milímetros, ou sejam, 15 centímetros, e localizada em terras rurais no município de Sorocaba/SP e não na capital do Estado, como bem apontado pelo assistente técnico (Num. 89145615 - pág. 11/12).
Por tais razões, forço acolher integralmente o recurso da parte autora, para o fim de declarar paga a indenização prevista no artigo 117, caput, do Decreto nº 24.643/1934.
Com o provimento de seu recurso para se julgar procedente o seu pedido, a parte autora passa a se sagrar vencedora na demanda, não lhe cabendo arcar com custas processuais nem honorários advocatícios.
Desta forma, e considerando a baixa complexidade do feito, condeno a ré ao pagamento de custas e despesas processuais em reembolso e de honorários advocatícios fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com fundamento no artigo 20, § 4º do Código de Processo Civil de 1973, vigente ao tempo da publicação da sentença.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação para julgar procedente o pedido, para o fim de determinar o registro da servidão de passagem de águas (aqueduto) na matrícula do imóvel discutido nos autos, nos termos do art. 167, inciso I, alínea “6” da Lei nº 6.015/1973, e declarar paga a indenização prevista no artigo 117, caput, do Decreto nº 24.643/1934, condenando a ré ao pagamento de custas e despesas processuais em reembolso e de honorários advocatícios fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com fundamento no artigo 20, § 4º do Código de Processo Civil de 1973, vigente ao tempo da publicação da sentença.
E M E N T A
CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO EM AÇÃO CONFESSÓRIA. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE SERVIDÃO DE PASSAGEM FORÇADA DE ÁGUA. INDENIZAÇÃO. VALORES PAGOS A TÍTULO DE PERMISSÃO DE USO. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 942 DO CPC. RECURSOS IMPROVIDOS.
1 – Recurso de apelação interposto em face de sentença que julgou improcedente pedido inicial de reconhecimento de existência de servidão de passagem forçada de água (aqueduto).
2 – A ação confessória tem por objetivo reconhecer ao autor o direito à servidão existente entre prédios vizinhos, quando o proprietário do prédio serviente se recusa a reconhecê-la.
3 – A instituição da servidão pressupõe o pagamento de indenização ao proprietário do prédio serviente (art. 117 do Código de Águas e art. 1.293 do CC).
4 – A instituição de servidão não se assemelha à usucapião e, assim, não pode a inaptidão do bem público de se submeter a essa forma originária de aquisição da propriedade ser adotada como fundamento para não se reconhecer o direito à instituição do aqueduto pretendido pela parte autora.
5 – Aquiescendo a parte ré com a instituição da servidão, o ponto controvertido no presente caso diz respeito à indenização e seu valor.
6 – Os valores pagos a título de permissão de uso, de acordo com contrato firmado com a extinta FEPASA, não podem ser considerados como pagamento de indenização a título de instituição de servidão.
7 – Decerto, a servidão é constituída por ocasião do registro na matrícula do imóvel, nos termos do art. 1.227 do CC e, assim, neste momento é que deve se dar o pagamento da indenização prevista no art. 117 do Decreto nº 24.643/1934 (Código de Águas) e art. 1.293 do CC.
8 - Nesse quadro, os pagamentos realizados com fundamento no acordo de permissão de uso, se destinam a retribuir esta finalidade, sendo certo que a União, ora ré, sequer era, inicialmente, parte naquele contrato, não se vislumbrando qualquer tratativa posteriormente à sucessão da FEPASA pela RFFSA e, após, à União.
9 - Instituída a servidão, deve o proprietário do prédio dominante indenizar o titular do prédio serviente.
10 - No caso, a indenização foi regularmente apurada pelo perito judicial nomeado pelo Juízo a quo, devendo esta balizar o montante a ser pago pela parte autora pela instituição da servidão, inexistindo motivo suficiente para afastar o quanto concluído pelo expert naquela ocasião.
11 – O laudo pericial elaborado e apresentado ao Juízo (fls. 301/352 – ID 89145613) apresenta descrição minuciosa do imóvel, com a indicação pormenorizada dos valores e dos critérios utilizados no cálculo.
12 – O parecer do assistente técnico indicado pela parte autora (fls. 422/433 – Id 89145615) não é capaz de afastar o acolhimento da perícia oficial, realizada mediante análise in loco, sendo certo que a não concordância com os critérios adotados pelo perito nomeado pelo Juízo é insuficiente para se adotar o fator indenizatório indicado pelo assistente, que está fundado em alegações genéricas, utilizando-se de um julgado de caso distinto e de local e região diversos.
13 – Recurso parcialmente provido para reconhecer a instituição da servidão, mediante o pagamento de indenização à parte ré (art. 117, caput, do Decreto nº 24.643/1934), tendo por base o valor apurado pela perícia oficial.