APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006040-32.2020.4.03.6000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
APELADO: PAULO HENRIQUE MENEZES DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: GABRIEL TAQUINO DE PAULA - MS22711-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006040-32.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL APELADO: PAULO HENRIQUE MENEZES DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: GABRIEL TAQUINO DE PAULA - MS22711-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (ID 156368403) em face da r. sentença (ID’s 156368395, 156368396 e 156368397), proferida pelo MM. Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS e da lavra do Eminente Juiz Federal Dalton Igor Kita Conrado, que julgou procedente Embargos de Terceiro para determinar o levantamento integral, via sistema RENAJUD, da restrição de indisponibilidade (circulação/transferência) que recaía sobre o veículo Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71. Em suas razões recursais, o Parquet federal aduz, sinteticamente, que o embargante Paulo Henrique Menezes de Souza não teria conseguido demonstrar capacidade financeira para aquisição do bem vindicado, de molde que a constrição deveria ser mantida – a propósito, colhem-se os seguintes termos de seu recurso: (...) 5. A restituição de coisas apreendidas e desbloqueio de bens sequestrados estão estritamente ligados à inexistência de dúvida quanto ao direito do reclamante. 6. Especificamente nos delitos de lavagem de dinheiro, é imprescindível a prova do tripé: I - onerosidade do negócio realizado; II - capacidade financeira do requerente; III - ausência de elementos indicativos de envolvimento da requerente com a organização criminosa. 7. Tal análise torna-se tanto mais criteriosa quando se está diante de esquemas criminosos que adotem como ‘modus operandi’ o registro de bens em nome de interpostas pessoas para fins de ocultação da propriedade. 8. É este o caso da Operação Status. A organização criminosa investigada, dedicada ao tráfico internacional de entorpecentes e lavagem de dinheiro, era chefiada por EMÍDIO MORINIGO, JEFFERSON MORINIGO e KLEBER MORINIGO, com o auxílio direto de TAIRONE CONDE, responsável pela empresa Classe A Veículos, e SLANE CHAGAS, responsável pela empresa JV Motors. Ambas as garagens funcionavam como instrumento do branqueamento de capitais, realizando, em muitos casos, registro de bens em nome de terceiros. 9. Por esse motivo, para afastar, por completo, a hipótese de simulação, indispensável a clareza dos requisitos acima descritos. 10. No caso em comento, não há elementos concretos acerca da capacidade econômica do embargante. Este, a fim de alegá-la, juntou documentação das causas em que atua como advogado, afirmando que não declara imposto de renda. Simples assim! 11. É neste fator que reside a estranheza dos fatos. Não é crível que o causídico, com tamanho grau de instrução, deixe de declarar rendimentos por mera liberalidade e, ainda, declare isso abertamente em ação judicial. 12. Nesse contexto, os alvarás apresentados pelo recorrido são insuficientes para confirmar seu lastro econômico. 13. Ora, a análise da capacidade econômica precisa levar em consideração rendimentos, patrimônios e bens do interessado, e não tão somente sua ocupação laborativa. Seria essa justamente a finalidade do demonstrativo de Imposto de Renda. 14. Ausente a possibilidade de realizar detido estudo sobre o lastro financeiro do requerente, persiste dúvida sobre seu direito. Tal fator, por si só, afasta a hipótese de levantamento da restrição (...) – destaques no original. Com contrarrazões (ID 156368407), vieram os autos a esta E. Corte. Oficiando nesta instância, o Ministério Público Federal opinou pelo improvimento do recurso (ID 157027160). É o relatório. Dispensada a revisão, na forma regimental.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006040-32.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL APELADO: PAULO HENRIQUE MENEZES DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: GABRIEL TAQUINO DE PAULA - MS22711-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Objetiva o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL a reforma da r. sentença que acolheu pedido formulado em sede de Embargos de Terceiro ajuizado por PAULO HENRIQUE MENEZES DE SOUZA para determinar o levantamento integral, via sistema RENAJUD, da restrição de indisponibilidade (circulação/transferência) que recaía sobre o veículo Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71 (apreendido – sequestrado – no bojo da “Operação STATUS”). Para tanto, alega o órgão acusatório que o embargante não teria conseguido demonstrar capacidade financeira para aquisição do bem vindicado, de molde que a constrição deveria ser mantida. A propósito, pertinente trazer à colação o conteúdo do r. provimento judicial recorrido (ID’s 156368395, 156368396 e 156368397): (...) PAULO HENRIQUE MENEZES DE SOUZA opõe embargos de terceiro (ID 38697384), com pedido de liminar, requerendo o levantamento da indisponibilidade que incide sobre o veículo Renault Captur, ano/modelo 2019/2019, cor branca, Renavam nº 01180195350, placa QQA6C71, sequestrado no bojo da Operação Status (Autos nº 5008205-86.2019.403.6000). Alega o embargante, em síntese, que é o legítimo proprietário do bem, sendo que o adquiriu de boa-fé em 10 de setembro de 2020 da pessoa jurídica JV Motors, mediante a dação em pagamento do veículo CAOACHERRY ARRZO5 RX, cor prata, chassi nº 9BRDC21B6KA012620, placa QAS8673, pelo valor de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais) e R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) financiados pelo Banco Safra. Informa que após o Banco Safra realizar o pagamento do financiamento para a garagem JV Motors e o embargante realizar a entrega do veículo CAOACHERRY ARRZO5 RX, placa QAS8673, outorgando procuração a SLANE CHAGAS para a venda/transferência do bem, houve o preenchimento do recibo do veículo Renault Captur, placa QQA6C71 com o reconhecimento de firma, ainda no dia 10/09/2020. Ocorre que no dia 11/09/2020 houve a deflagração da Operação Status e o veículo em questão foi objeto de constrição judicial estando com restrição de circulação. Decorrido o prazo assinalado por este juízo sem qualquer manifestação do Ministério Público Federal este pugnou pela concessão de prazo adicional para a análise do caso (ID 39501707). Contudo, novamente houve o decurso do prazo sem qualquer manifestação do órgão ministerial. Posteriormente, o Ministério Público Federal pugnou pela intimação do embargante para a complementação da documentação comprobatória de sua capacidade econômica para a aquisição do veículo (ID 40582822). Instado, o embargante apenas informou ser advogado e, por ser profissional autônomo, não declara imposto de renda, entendendo restar presumida sua capacidade econômica haja vista a entrega de veículo de sua propriedade como parte do pagamento pelo negócio celebrado (ID 40612922). Ainda, em nova manifestação (ID 40677681), o embargante juntou aos autos lista de processos cíveis e trabalhistas em que atuaria, de modo a demonstrar sua capacidade econômica. O Ministério Público Federal foi intimado para manifestação acerca da documentação juntada aos autos pelo embargante, novamente deixando escoar o prazo ‘in albis’. O embargante, em nova petição, colacionou aos autos lista de alvarás recebidos no ano de 2020, pugnando pela procedência do pedido por entender estar comprovada sua capacidade financeira (ID 41102302). O Ministério Público Federal, por sua vez, aduziu haver incongruência entre as alegações do embargante, motivo pelo qual pugnou por sua intimação para esclarecimento dos fatos (ID 42150839). Em nova manifestação, o embargante rebateu as alegações ministeriais, alegando estar suficientemente comprovada sua capacidade financeira e condição de terceiro de boa-fé (IDs 42450328 e 42980913). Por derradeiro, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo indeferimento do pedido por entender que após diversas tentativas, o embargante não conseguiu demonstrar os elementos necessários à restituição do veículo (ID 44322558). Em manifestação final, o embargante pugna pelo deferimento do pleito, argumentando que o fato de não ter declarado imposto de renda é um problema exclusivamente deste com a Receita Federal, mas que não justifica a manutenção da constrição judicial (ID 46196370). É o relato do essencial. Decido. No presente caso, vislumbro que o embargante logrou demonstrar de plano o direito que alega possuir, revelando-se despicienda a produção de outras provas. Desse modo, passo ao julgamento antecipado do mérito. Como é cediço, para o levantamento de medida assecuratória de sequestro a parte interessada pode valer-se do procedimento dos embargos de terceiro, previsto nos artigos 129 e 130 do Código de Processo Penal, devendo comprovar, para tanto, além da propriedade por terceiro de boa-fé, a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua aquisição e, efetivamente, a desvinculação do referido bem com os fatos apurados na ação penal onde perdurar a contrição. Nessa linha, trago à colação o seguinte aresto: (...). No âmbito dos autos de sequestro nº 5008205-86.2019.4.03.6000, foi decretada a constrição de bens de diversos investigados, dentre eles, da pessoa jurídica JV Motors, que na época da apreensão figurava como proprietária do bem ‘sub judice’, e que, segundo as investigações, estaria, em tese, imbricada com atos de movimentação e de ocultação de patrimônio adquirido com o resultado do tráfico de drogas. É certo que, dentro do lapso temporal compreendido entre a aquisição do veículo pelo acusado em referência e a decretação da medida de sequestro, o bem possa ter sido negociado com terceiro de boa-fé, que na atualidade veio a suportar os efeitos do bloqueio patrimonial. Esse justamente é o caso dos autos. Conforme se verifica dos documentos coligidos ao feito, a inserção de indisponibilidade do veículo em questão se deu em 11/09/2020 (Autos nº 5008205-86.2019.4.03.6000 - ID 38475401), enquanto que sua aquisição pelo embargante se deu em 10/09/2020 (ID 38697770), o que corrobora sua boa-fé. Ademais, o embargante comprova a onerosidade do negócio, que se deu, mediante a dação em pagamento do veículo CAOACHERRY ARRZO5 RX, cor prata, chassi nº 9BRDC21B6KA012620, placa QAS8673, pelo valor de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais) e R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) financiados pelo Banco Safra. Assim, o embargante demonstra satisfatoriamente a sua qualidade de terceiro de boa-fé e a onerosidade do negócio jurídico. Quanto a sua capacidade econômica para adquiri-lo, entendo que as provas colacionadas aos autos, ao contrário do alegado pelo Ministério Público Federal, são suficientes a comprovar que o embargante possui condições financeiras para a aquisição do bem. Isto porque, conforme depreende-se dos documentos juntados nos IDs relacionados às manifestações dos IDs 40677681 e 41102302, o embargante é advogado atuante em diversos processos na seara cível e trabalhista, tendo recebido valores compatíveis com a aquisição do veículo objeto do presente pedido. Ademais, a compra do veículo deu-se em grande parte pela dação em pagamento de outro veículo de sua propriedade, não havendo qualquer elemento nos autos que indique uma possível suspeita quanto sua aquisição. O valor remanescente foi pago por meio de financiamento bancário, cuja análise de crédito certamente envolveu a consideração acerca da capacidade econômica do embargante. Destaco que a não declaração de imposto de renda pelo embargante nos anos anteriores, por si só, não deve conduzir à conclusão de que não possui lastro financeiro para a aquisição do veículo em questão e assim obstar o reconhecimento de seu direito, especialmente quando as demais provas documentais produzidas demonstram o contrário. Havendo suspeitas de eventual prática de delito fiscal, caberá ao Ministério Público Federal, caso entenda pertinente, tomar as medidas que entender cabíveis para o fim de investigar tal conduta. Por derradeiro, friso que não há qualquer indício de que o embargante esteja envolvido nos fatos que deram ensejo à constrição judicial levada a efeito nos autos nº 5008205-86.2019.4.03.6000. Dessa feita, a medida que se impõe é o deferimento do pedido. Diante do exposto, julgo PROCEDENTES os presentes embargos e determino o levantamento integral, via sistema RENAJUD, da restrição de indisponibilidade (circulação/transferência) que recai sobre o veículo Renault Captur, ano/modelo 2019/2019, cor branca, Renavam nº 01180195350, placa QQA6C71 (...) – destaques no original. DA CONTEXTUALIZAÇÃO DA INDISPONIBILIDADE QUE RECAIU SOBRE O VEÍCULO RENAULT CAPTUR (2019/2019, BRANCO, POSSUIDOR DAS PLACAS QQA-6C71) LEVADA A EFEITO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO – “OPERAÇÃO STATUS” A indisponibilidade que recaiu sobre o veículo Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71, objeto destes Embargos de Terceiro, decorreu de medida constritiva deferida no âmbito da “Operação STATUS”, cuja fase ostensiva foi deflagrada em 11 de setembro de 2020, investigação policial esta que tinha por escopo desmantelar suposta organização criminosa voltada ao tráfico internacional de entorpecentes (especialmente cocaína), ressaltando-se, por oportuno, que o proveito econômico obtido com a execução de tal atividade seria objeto de diversos atos de lavagem – importante destacar que, segundo o até então apurado, a organização criminosa que teria sido descoberta seria chefiada pelo “Clã MORINIGO”, composto pelas pessoas de EMÍDIO MORINIGO, de JEFFERSON MORINIGO e de KLEBER MORINIGO. DO REGIME JURÍDICO APLICADO À “COISA APREENDIDA” NO PROCESSO PENAL No processo penal, coisas apreendidas são aquelas que, de algum modo, interessam à elucidação do crime e de sua autoria, podendo configurar tanto elementos de prova, quanto elementos sujeitos a futuro confisco, pois coisas de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção ilícita, bem como as obtidas pela prática do delito (NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado, Editora Forense, 16ª edição, Rio de Janeiro/2017, p. 358). Com efeito, a teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo, cabendo destacar que o art. 120 do mesmo diploma determina que a restituição, quando cabível, poderá ser ordenada tanto pela autoridade policial como pelo juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. A propósito, vide os seguintes julgados: REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA LEGITIMA PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA DO RECURSO FINANCEIRO PARA A AQUISIÇÃO DO BEM. COMPROMETIMENTO COM A ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o art. 118 do CPP firmou compreensão de que as coisas apreendidas na persecução criminal não podem ser devolvidas enquanto interessarem ao processo. 4. Encontrando-se o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça, a pretensão recursal esbarra no óbice previsto na Súmula nº 83/STJ, também aplicável aos recursos interpostos com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional. (...) (STJ, AgRg no AREsp 1049364/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, v.u., DJe 27.03.2017) – destaque nosso. INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. APREENSÃO DE VEÍCULO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA REAL PROPRIEDADE DO BEM. ARTS. 118 E 120 DO CPP. 1. Embora o veículo esteja registrado em nome do requerente, tal fato não comprova a real propriedade, pois estava na posse de pessoa que o teria utilizado na prática do tráfico de drogas. 2. A apreensão também deve ser mantida com fundamento no art. 118 do CPP. 3. Pedido improcedente. (TRF3, autos nº 0003219-61.2016.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, 11ª Turma, v.u., e-DJF3 18.12.2017) – destaque nosso. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. RESTITUIÇÃO DAS COISAS APREENDIDAS. INTERESSE AO PROCESSO (CPP, ART. 118). APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo, conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal. 2. Em que pese a documentação apresentada pela apelante (fls. 12/14 e 20/41), a apreensão dos bens ainda interessa ao processo, considerando não estarem satisfatoriamente esclarecidas as circunstâncias relativas ao uso do veículo e do semirreboque durante a prática do fato delituoso, o que pode ensejar decisão sobre sua destinação conforme o art. 91, II, do Código Penal. (...) (TRF3, autos nº 0001602-30.2016.4.03.6116 - Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, 5ª Turma, v.u., e-DJF3 28.08.2017) – destaque nosso. Sem prejuízo do exposto, há que se observar, ainda, os termos do art. 91 do Código Penal, referente aos efeitos da condenação, tratando da perda de bens em favor da União nas seguintes hipóteses: Art. 91. São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. § 1º. Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. § 2º. Na hipótese do § 1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda. Outrossim, cuidando-se a situação concreta de potencial perpetração do delito de lavagem de dinheiro, incide também o arcabouço normativo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 (redação conferida pela Lei nº 12.682/2012): § 2º. O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou seqüestrados quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos causados e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. Destaque-se que o dispositivo legal em tela estabeleceu a inversão do ônus da prova da origem lícita do bem pelo investigado, na esteira da Convenção de Viena sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (art. 5º, item 7), da Convenção de Palermo contra o Crime Organizado Transnacional (art. 12, item 7), da Convenção de Varsóvia sobre Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (art. 3º, item 4) e da Recomendação nº 4º do Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, cabendo salientar que a Exposição de Motivos da Lei nº 9.613/1998, no seu item 67, deixa evidente que essa inversão restringe-se à apreensão e ao sequestro de ativos. Luiz Flávio Gomes, comentando o art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998 (na redação anterior à conferida pela Lei nº 12.682/2012) sustentava que o significado da norma é a possibilidade de liberação, sem necessidade de se aguardar a decisão final, se o acusado espontaneamente demonstrar a licitude do bem (vide, a propósito, Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 365-366). Assim, o legislador, para viabilizar a medida assecuratória, consagrou a presunção juris tantum da ilicitude, desde, é claro, que presentes indícios suficientes (art. 4º, caput), que somente restarão afastados a partir do momento em que o interessado comprovar o contrário. Consigne-se, ainda no contexto do art. 4º da Lei nº 9.613/1998, que o tempo de duração de vigência das medidas assecuratórias (até então previsto no § 1º de indicado artigo legal, que aduzia que deveria haver seu levantamento caso a Ação Penal não fosse iniciada no prazo de 120 – cento e vinte – dias contados da data em que concluída a diligência) foi suprimido pela Lei nº 12.683/2012. Aliás, a jurisprudência pátria, mesmo antes da supressão legislativa, já admitia a dilação do lapso temporal em comento mesmo com a aparentemente hermética redação original do tipo excogitado, de molde que referendava que as regras jurídicas deveriam ser interpretadas à luz das exigências do caso concreto (notadamente sua complexidade), sem desvirtuar ou exceder os parâmetros estabelecidos pelo legislador. Este método hermenêutico não implicava a inobservância das normas cogentes, ao revés, impunha o exame da ratio legis de cada dispositivo legal e determinava acurado estudo da finalidade e da essência do instituto jurídico a ser aplicado. Ademais, o mesmo art. 4º da Lei nº 9.613/1998, agora em seu § 3º, na redação imposta pela Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012, determina a impossibilidade de que haja a liberação de qualquer bem sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa – a propósito: Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º. Sem prejuízo do que se acaba de indicar, o plexo normativo anteriormente descrito acabou sendo fortalecido por meio de instituto trazido à baila por força da edição da Lei º 13.964, de 24 de dezembro de 2019, nominado de “confisco alargado”, cujas regras de aplicabilidade encontram-se dispostas no art. 91-A do Código Penal – a propósito: Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito. § 1º. Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. § 2º. O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio. § 3º. A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada. § 4º. Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. § 5º. Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes. Concluindo: tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 04 (quatro) requisitos, quais sejam: 1) propriedade do bem pelo requerente (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão (art. 118 do Código de Processo Penal); 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento clássico (art. 91, II, do Código Penal, dos produtos e/ou instrumentos do delito), por equiparação (art. 91, § 1º, do Código Penal, dos bens lícitos equivalentes) e alargado (art. 91-A do Código Penal, dos bens alargados dada sua incompatibilidade com os rendimentos); e 4) comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa (art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.613/1998, aplicável exclusivamente a crimes de lavagem). Em outras palavras, a liberação de bens envolvidos com a prática criminosa obedece a rigoroso tratamento, sendo que, para a relevação da constrição, deverá ser atestada, para além da propriedade em si, a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua aquisição, sem prejuízo da desvinculação do expediente com os fatos apurados na investigação criminal ou na persecução penal. DA ANÁLISE DO CASO CONCRETO Compulsando os elementos fático-probatórios amealhados nestes autos virtuais, mostra-se defeso prover o recurso de Apelação aviado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL na justa medida em que o embargante (ora recorrido) Paulo Henrique Menezes de Souza conseguiu demonstrar a propriedade do bem vindicado (configurando a condição de terceiro de boa-fé), a sua desvinculação com a investigação penal / persecução penal subjacente, bem como a origem lícita do automóvel ou dos valores empregados em sua aquisição. Com efeito, conforme é possível ser aferido do documento ID 156368129 – pág. 01, o embargante (ora recorrido) Paulo Henrique Menezes de Souza adquiriu, no dia 10 de setembro de 2020, pelo valor de R$ 69.500,00 (sessenta e nove mil e quinhentos reais), o veículo Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71, junto à pessoa jurídica “JV MOTORS” (um dos alvos da “Operação STATUS”), oportunidade em que ofertou, como forma de pagamento, seu anterior automotor (CAOA CHERRY ARRIZO 5 RX, possuidor das placas QAS-8673), que entrou na negociação pelo importe de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais), tendo financiado o restante (R$ 25.500,00 – vinte e cinco mil e quinhentos reais) junto ao “Banco Safra” (mediante a assunção de responsabilidade do pagamento de 48 – quarenta e oito – parcelas na casa de R$ 868,24 – oitocentos e sessenta e oito reais e vinte e quatro centavos). Ressalte-se, por oportuno, que o automotor em tela pertencia, anteriormente, à empresa “JV MOTORS”, que o tinha adquirido da “Locadora Unidas S.A.” nos idos de julho de 2020 (conforme é possível ser aferido do documento ID 156368282). Em razão de tal aquisição, foram elaborados “Certificado de Garantia” (ID 156368129 – pág. 02), “Termo de Responsabilidade” por meio do qual a pessoa jurídica “JV MOTORS” assumia o encargo de pagar eventuais débitos pretéritos à celebração do negócio jurídico (ID 156368129 – pág. 03), “Check-List” de entrega do novo veículo (ID 156368129 – pág. 04) e “Vistoria de Identificação Veicular” (ID 156368284 – pág. 01), todos no mesmo dia 10 de setembro de 2020, cabendo salientar, por oportuno, que o documento ID 156368283 tem o condão de materializar o financiamento levado a efeito junto à “Safra Financeira” (albergando “Proposta de Operação e Ficha Cadastral – Veículos e Crédito Rotativo – Pessoa Física”, “Custo Efetivo Total”, “Cédula de Crédito Bancário”, “Proposta de Adesão a Seguro” e “Relatório de Avaliação do Veículo”). Agregue-se, por oportuno, que o negócio comercial ora em comento ensejou o preenchimento do “Certificado de Registro de Veículo” (ID 156368282), também no dia 10 de setembro de 2020, podendo ser constatados os seguintes elementos: (i) o veículo Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71, pertencia anteriormente à empresa “JV MOTORS Comércio de Veículos EIRELI”; (ii) a venda ocorreu pelo importe de R$ 69.500,00 (sessenta e nove mil e quinhentos reais); (iii) o comprador foi o embargante Paulo Henrique Menezes de Souza; (iv) a venda foi realizada em 10 de setembro de 2020; e (v) os reconhecimentos de firma, tanto do vendedor (representante legal da empresa “JV MOTORS”: SLANE CHAGAS) como do comprador (o embargante Paulo Henrique Menezes de Souza, ocorreram também no dia 10 de setembro de 2020. Justamente a data em que realizados os reconhecimentos de firma possuem o desiderato de demonstrar que o negócio jurídico de compra e venda efetivamente foi executado antes da deflagração da fase ostensiva da “Operação STATUS” (fato que ocorreu em 11 de setembro de 2020), cabendo destacar, a teor do documento ID 156368284 – pág. 02 (extrato de “Consulta de Restrições” junto ao DETRAN de Mato Grosso do Sul), que a indisponibilidade incidente sobre o automotor foi implementada em sistema exatamente no dia 11 de setembro de 2020 às 10 horas, 38 minutos e 34 segundos, ou seja, ulteriormente à concretização da alienação (inclusive da assinatura do “Certificado de Registro de Veículo”). Há que ser trazido à baila, ainda, a comprovação de que houve, de fato, a entrega à pessoa jurídica “JV MOTORS” do antigo veículo de propriedade do embargante Paulo Henrique Menezes de Souza (qual seja, um CAOA CHERRY ARRIZO 5, possuidor de placas QAS-8673) como parte de pagamento do automóvel Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71. Nessa toada, nota-se, de acordo com o documento ID 156368129 – pág. 05, a celebração de contrato de compra do CAOA CHERY ARRIZO por parte da empresa “JV MOTORS” pela quantia de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais), carro este que era de propriedade do embargante e que, por expressa observação constante de tal documento, entrou como parte de pagamento do Renault Captur. Houve, outrossim, a emissão de “Check-List” de entrada de indicado carro (quando de sua recepção junto à “JV MOTORS”, conforme se depreende do documento ID 156368129 – pág. 06). Há que ser tecida outra observação afeta a este veículo CAOA CHERY ARRIZO (dado como parte de pagamento pelo embargante na aquisição do Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71). A despeito do “Certificado de Registro de Veículo” acostado ao documento ID 156368128 não encontrar-se preenchido no que tange ao negócio então entabulado (qual seja, sua venda, por R$ 44.000,00 – quarenta e quatro mil reais -, à empresa “JV MOTORS”), o documento ID 156368131 materializa uma “Procuração por Instrumento Público”, lavrada perante o 7º Tabelionato de Notas de Campo Grande/MS, nos idos de 10 de setembro de 2020, por meio do qual o outorgante (embargante) Paulo Henrique Menezes de Souza nomeia como seu procurador a pessoa de SLANE CHAGAS (representante legal da empresa “JV MOTORS Comércio de Veículos EIRELI”), outorgando-lhe poderes para vender (e praticar todos os demais atos necessários para tanto, inclusive perante órgãos do Poder Público) o tal automotor CAOA CHERY ARRIZO 5 (possuidor das placas QAS-8673) – nesse diapasão, é possível inferir que o “Certificado de Registro de Veículo” somente seria preenchido em nome do cliente da “JV MOTORS” que porventura viesse a se interessar em comprar o CAOA CHERY ARRIZO (não havendo, assim, a passagem formal para o patrimônio da pessoa jurídica “JV MOTORS”). Portanto, à luz dos elementos concatenados acima, mostra-se lícito concluir a efetiva realização do negócio jurídico de compra e venda do veículo Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71, ao embargante Paulo Henrique Menezes de Souza, configurando, assim, sua condição de terceiro de boa-fé, não havendo qualquer elemento nos autos possibilitando vinculá-lo à organização, em tese, criminosa que teria sido descortinada na investigação subjacente. Avançando a análise para o implemento do requisito que impõe a necessidade de origem lícita do automóvel ou dos valores empregados em sua aquisição (ponto em que o Parquet federal se debate para a finalidade de requerer o provimento de seu apelo), nota-se dos autos, a par da declaração constante do peticionamento encartado no documento ID 156368301 (no sentido de que, justamente porque o embargante é “advogado autônomo”, não declararia Imposto de Renda), aspecto que será tratado mais adiante, a demonstração de que Paulo Henrique Menezes de Souza é advogado militante, conforme é possível ser visto dos documentos ID’s 156368307 e 156368308 (extratos obtidos em sistemas processuais dando conta de inúmeras ações patrocinadas por sua pessoa), bem como auferiu renda suficiente ao longo do ano de 2020 para permitir-se adquirir um carro novo (a propósito, vide os documentos ID’s compreendidos entre 156368311 e 156368327, aptos a demonstrarem a entrada de numerário – honorários advocatícios sucumbenciais – por meio de sua atuação como causídico). Desta feita, plenamente comprovada a origem dos valores empregados na aquisição do veículo Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71 (que, de mais a mais e conforme já salientado anteriormente, foi pago por meio da entrega de outro carro e o restante foi financiamento em 48 – quarenta e oito – prestações). Especificamente sobre a celeuma causada pela declaração no sentido de que o embargante Paulo Henrique Menezes Souza não apresentaria Declaração de Imposto de Renda (ID 156368301 – a propósito: (...) o Embargante é advogado autônomo, NÃO DECLARA IMPOSTO de renda (...) – destaque no original), imperioso ressaltar que a liberação de um veículo não está atrelada, necessariamente, à sua inclusão em relação de Bens e Direitos em sede de Declaração de Imposto de Renda, ainda que tal seja um grande indicativo de propriedade e ajude a referendar a conclusão pelo levantamento de eventuais constrições. Agregue-se, outrossim, que a via processual ora em apreciação não se mostra a escorreita para a perquirição acerca de alguma conduta potencialmente ilícita executada pelo embargante que teria o condão de macular a Ordem Tributária. De toda forma, conforme até mesmo restou assentado pela autoridade judicante monocrática, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL tem a plena possibilidade de, diante do alegado, dar início a uma investigação ou instar que a Receita Federal do Brasil fiscalize o contribuinte, não havendo como impedir, nesta senda, a liberação do veículo Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71, sob o pálio de uma potencial sonegação fiscal. Conclusão: tendo como base todas as premissas aventadas, pertinente MANTER o levantamento integral da restrição de indisponibilidade (circulação/transferência) que recaía sobre o veículo Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71, motivo pelo qual se NEGA PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo órgão acusatório. DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos anteriormente expendidos.
E M E N T A
PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. CONTEXTUALIZAÇÃO DA INDISPONIBILIDADE QUE RECAIU SOBRE O VEÍCULO RENAULT CAPTUR (2019/2019, BRANCO, POSSUIDOR DAS PLACAS QQA-6C71) LEVADA A EFEITO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO – “OPERAÇÃO STATUS”. REGIME JURÍDICO APLICADO À “COISA APREENDIDA” NO PROCESSO PENAL. ANÁLISE DO CASO CONCRETO: MANUTENÇÃO DO LEVANTAMENTO INTEGRAL DA RESTRIÇÃO DE INDISPONIBILIDADE QUE PENDIA SOBRE O AUTOMOTOR.
- A indisponibilidade que recaiu sobre o veículo Renault Captur, 2019/2019, branco, possuidor das placas QQA-6C71, objeto destes Embargos de Terceiro, decorreu de medida constritiva deferida no âmbito da “Operação STATUS”, cuja fase ostensiva foi deflagrada em 11 de setembro de 2020, investigação policial esta que tinha por escopo desmantelar suposta organização criminosa voltada ao tráfico internacional de entorpecentes (especialmente cocaína), ressaltando-se, por oportuno, que o proveito econômico obtido com a execução de tal atividade seria objeto de diversos atos de lavagem – importante destacar que, segundo o até então apurado, a organização criminosa que teria sido descoberta seria chefiada pelo “Clã MORINIGO”, composto pelas pessoas de EMÍDIO MORINIGO, de JEFFERSON MORINIGO e de KLEBER MORINIGO.
- A teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo, cabendo destacar que o art. 120 do mesmo diploma determina que a restituição, quando cabível, poderá ser ordenada tanto pela autoridade policial como pelo juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Sem prejuízo do exposto, há que se observar, ainda, os termos do art. 91 do Código Penal, referente aos efeitos da condenação, tratando da perda de bens em favor da União. Ademais, cuidando-se a situação concreta de potencial perpetração do delito de lavagem de dinheiro, incide também o arcabouço normativo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998.
- Cuidando-se a situação concreta de potencial perpetração do delito de lavagem de dinheiro, incide também o arcabouço normativo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998. O dispositivo em tela estabeleceu a inversão do ônus da prova da origem lícita do bem pelo investigado, na esteira da Convenção de Viena sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (art. 5º, item 7), da Convenção de Palermo contra o Crime Organizado Transnacional (art. 12, item 7), da Convenção de Varsóvia sobre Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (art. 3º, item 4) e da Recomendação nº 4º do Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, cabendo salientar que a Exposição de Motivos da Lei nº 9.613/1998, no seu item 67, deixa evidente que essa inversão restringe-se à apreensão e ao sequestro de ativos. Nessa toada, o legislador, para viabilizar a medida assecuratória, consagrou a presunção juris tantum da ilicitude, desde, é claro, que presentes indícios suficientes (art. 4º, caput), que somente restarão afastados a partir do momento em que o interessado comprovar o contrário.
- Ainda no contexto do art. 4º da Lei nº 9.613/1998, o tempo de duração de vigência das medidas assecuratórias (até então previsto no § 1º de indicado artigo legal, que aduzia que deveria haver seu levantamento caso a Ação Penal não fosse iniciada no prazo de 120 – cento e vinte – dias contados da data em que concluída a diligência) foi suprimido pela Lei nº 12.683/2012. Aliás, a jurisprudência pátria, mesmo antes da supressão legislativa, já admitia a dilação do lapso temporal em comento mesmo com a aparentemente hermética redação original do tipo excogitado, de molde que referendava que as regras jurídicas deveriam ser interpretadas à luz das exigências do caso concreto (notadamente sua complexidade), sem desvirtuar ou exceder os parâmetros estabelecidos pelo legislador. Este método hermenêutico não implicava a inobservância das normas cogentes, ao revés, impunha o exame da ratio legis de cada dispositivo legal e determinava acurado estudo da finalidade e da essência do instituto jurídico a ser aplicado. Outrossim, o mesmo art. 4º da Lei nº 9.613/1998, agora em seu § 3º, na redação imposta pela Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012, determina a impossibilidade de que haja a liberação de qualquer bem sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa.
- Tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 04 (quatro) requisitos, quais sejam: 1) propriedade do bem pelo requerente (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão (art. 118 do Código de Processo Penal); 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento clássico (art. 91, II, do Código Penal, dos produtos e/ou instrumentos do delito), por equiparação (art. 91, § 1º, do Código Penal, dos bens lícitos equivalentes) e alargado (art. 91-A do Código Penal, dos bens alargados dada sua incompatibilidade com os rendimentos); e 4) comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa (art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.613/1998, aplicável exclusivamente a crimes de lavagem). Em outras palavras, a liberação de bens envolvidos com a prática criminosa obedece a rigoroso tratamento, sendo que, para a relevação da constrição, deverá ser atestada, para além da propriedade em si, a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua aquisição, sem prejuízo da desvinculação do expediente com os fatos apurados na investigação criminal ou na persecução penal.
- Compulsando os elementos fático-probatórios amealhados nestes autos, mostra-se defeso prover o recurso de Apelação aviado pelo órgão acusatório na justa medida em que o embargante (ora recorrido) conseguiu demonstrar a propriedade do bem vindicado (configurando a condição de terceiro de boa-fé), a sua desvinculação com a investigação penal/persecução penal subjacente, bem como a origem lícita do automóvel ou dos valores empregados em sua aquisição.
- Negado provimento ao recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.