Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006122-63.2020.4.03.6000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

APELADO: HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA

Advogado do(a) APELADO: RENATO DE PERBOYRE BONILHA - MT3844/O-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006122-63.2020.4.03.6000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

APELADO: HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA

Advogado do(a) APELADO: RENATO DE PERBOYRE BONILHA - MT3844-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (ID’s 158865318 e 158865321) em face da r. sentença (ID’s 158865315, 158865316 e 158865317), proferida pelo MM. Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS e da lavra do Eminente Juiz Federal Dalton Igor Kita Conrado, que deferiu Pedido de Restituição formulado por Humberto Teixeira de Oliveira atinente ao veículo Ford Mustang, 2018/2018, cinza, possuidor de placas QCM-9990, diante da ausência de interesse em mantê-lo apreendido.

 

Em suas razões recursais, o Parquet federal aduz, sinteticamente, que o requerente Humberto Teixeira de Oliveira não teria conseguido demonstrar capacidade financeira para aquisição do bem vindicado, de molde que a constrição deveria ser mantida – a propósito, colhem-se os seguintes termos de seu recurso (ID 158865321):

 

(...) 10. Contudo, no caso em comento, restou nebulosa a capacidade econômica do requerente para adquirir veículo tão alto valor de mercado (cerca de R$ 250.00,00). Intimado, mais de uma vez, a apresentar documentos aptos a comprovar o referido lastro, não o fez. 11. Pelo contrário: o demonstrativo de Imposto de Renda do exercício-calendário 2019 aponta que a renda total declarada pelo requerente, naquele ano, foi de R$ 178.898,38, valor em muito inferior ao que pagou pelo Ford MUSTANG (ID 43395393 e 43395394). 12. Além disso, também causa estranheza o fato do veículo não ter sido declarado ao Fisco, embora adquirido no ano de 2018. (...) 13. Diferentemente do alegado pelo requerente (e posteriormente acolhido pelo juízo), a existência de financiamento não implica a automática presunção de capacidade econômica. Não se pode estabelecer que a instituição financeira realizou levantamento acerca da renda e patrimônio do beneficiado e, por isso, se lhe concedeu o montante, é porque, com certeza, possui lastro para tal. Houvesse tal checagem séria pelos bancos e este órgão ministerial não atuaria em tantas fraudes de financiamentos, consistentes meramente na apresentação de CPF e RF falsos em nome de terceiros. 14. Ora, é de conhecimento geral que grupos criminosos atuantes na lavagem de capitais estão em constante aprimoramento, a fim de dificultar o rastreamento da verdadeira propriedade de bens oriundos de infração penal. No caso da Operação Status, os investigados, ao utilizarem as garagens já acima citadas, muitas vezes também o faziam através de financiamentos dos veículos por eles vendidos. (...) 17. E, nesta demanda, neste momento, ausente a possibilidade de assegurar a ausência de ilicitude sobre o negócio jurídico envolvendo o veículo pleiteado. Persistem dúvidas sobre seu direito. Tal fator, por si só, afasta a hipótese de levantamento da restrição. (...) 19. Necessário, então, que o requerente aguarde a conclusão da ação penal principal, já que contestável sua capacidade financeira para aquisição lícita e onerosa do veículo. 20. Pelos fundamentos expostos, o Ministério Público Federal pede a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido de restituição de coisas apreendidas (...) – destaque no original.

 

Com contrarrazões (ID 158865326), vieram os autos a esta E. Corte.

 

Oficiando nesta instância, o Ministério Público Federal opinou pelo improvimento do recurso (ID 159044100).

 

É o relatório.

 

Dispensada a revisão, na forma regimental.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006122-63.2020.4.03.6000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

APELADO: HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA

Advogado do(a) APELADO: RENATO DE PERBOYRE BONILHA - MT3844-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Objetiva o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL a reforma da r. sentença que acolheu pedido formulado por HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA para determinar a restituição do veículo Ford Mustang, 2018/2018, cinza, possuidor de placas QCM-9990 (apreendido, por força do cumprimento de Mandado de Busca e Apreensão, no bojo da “Operação STATUS” – Feito nº 5005120-92.2019.403.6000). Para tanto, alega o órgão acusatório que o recorrido não teria conseguido demonstrar capacidade financeira para aquisição do bem vindicado, de molde que a constrição deveria ser mantida. A propósito, pertinente trazer à colação o conteúdo do r. provimento judicial recorrido (ID’s 158865315, 158865316 e 158865317):

 

(...) Trata-se de incidente de restituição de coisas apreendidas, por meio do qual HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA objetiva a imediata restituição do veículo Ford MUSTANG, ano/modelo 2018, chassi nº 1FA6P8CF7J5130596, placa QCM9990, cor cinza, Renavam nº 01147431326. Alega ser o legítimo proprietário do bem e terceiro de boa-fé, sendo que não possui qualquer envolvimento com os fatos investigados no âmbito da nominada Operação Status. Informa que adquiriu o veículo diretamente da FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA, via concessionária CITAVEL, por meio de financiamento pelo Banco Bradesco Financiamento. Alega ainda que após a aquisição, deixou o veículo em exposição na empresa Classe A para venda. Juntou documentos. Instado, o Ministério Público Federal pugnou pela intimação do requerente para juntar aos autos documentação demonstrativa de sua capacidade econômica, particularmente indicando fonte de renda lícita (ID 40840927). Intimado, o requerente colacionou aos autos o seu imposto de renda do ano-calendário de 2019 (ID 40952364). Novamente intimado, o Ministério Público Federal requereu a juntada da declaração de imposto de renda ano-calendário 2018, tendo em vista que a declaração de imposto de renda juntada pelo requerente é uma retificadora feita poucos dias depois da manifestação ministerial anterior (ID 41680527). Em atendimento ao pedido ministerial o requerente juntou aos autos o imposto de renda do ano-calendário de 2018 (ID 43395393). Em novo parecer acostado ao ID 44230889, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo indeferimento do pedido do requerente, uma vez que, embora o veículo tenha sido comprado no ano de 2018, ele não consta na declaração de imposto de renda do ano seguinte (ano-exercício 2019), sendo que a renda declarada total do requerente para o ano de 2018 foi de R$ 178.898,38, incompatível com o valor do veículo. Por fim, o requerente aduziu que o veículo foi sim declarado no ano-exercício 2019 e que possui renda compatível com a aquisição deste, tanto que a compra foi totalmente financiada pelo Banco Bradesco e, por certo, a instituição financeira não concederia esse financiamento para quem não tivesse lastro patrimonial. Ademais, o saldo bancário declarado pelo requerente em seu imposto de renda ultrapassava a importância de R$1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil reais). É a síntese do necessário. Decido. Como é cediço, o artigo 120 do Código de Processo Penal admite como cabível a restituição de bem apreendido, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Neste sentido, compulsando detidamente os autos, não vislumbro, por parte da esfera penal, interesse na manutenção do bem objeto do presente pedido. ‘In casu’, verifica-se que há indicativos claros nos autos de que o requerente seja terceiro de boa-fé e real proprietário do bem em questão, o qual foi adquirido diretamente da fábrica consoante nota fiscal do ID 38924139. Os documentos juntados pelo requerente comprovam que de fato o veículo foi adquirido em 2018 por meio de financiamento bancário a ser pago em 36 meses (ID 38924142), o que comprova a onerosidade da aquisição do bem. Ademais, as declarações de imposto de renda juntadas aos autos (IDs 40952364 e 43395393) revelam que o requerente possui diversos bens imóveis e veículos, além de participações societárias. Assim, ainda que o valor declarado como renda auferida no ano-exercício 2018 seja inferior ao valor do veículo tal fato, por si só, não obsta o reconhecimento da licitude da aquisição do bem. Isto porque, como acima já mencionado, houve o financiamento do valor integral da compra pelo Banco Bradesco. Nesse sentido, entendo, assim como aventado pelo requerente, que certamente seu lastro financeiro para a aquisição do veículo foi auferido pela instituição financeira, que liberou vultosa quantia para a efetivação do financiamento. Desse modo, entendo que resta evidenciada a capacidade financeira do requerente para a compra do veículo. Para concluir, não foram encontrados indícios de envolvimento do requerente com a atividade ilícita supostamente praticada pelos proprietários da empresa Classe A. Além disso, o bem objeto do presente pedido de restituição corre risco de perecimento, o que também pode causar desnecessário e injustificável prejuízo econômico ao requerente. Em suma, comprovada a propriedade e a aquisição lícita do bem, a boa-fé e a capacidade econômica do requerente e a ausência de indícios de envolvimento deste nos ilícitos investigados, a restituição do veículo é cabível na espécie. Por todo o exposto, DEFIRO o pedido de restituição do veículo Ford MUSTANG, ano/modelo 2018, chassi nº 1FA6P8CF7J5130596, placa QCM9990, cor cinza, Renavam nº 01147431326, diante da ausência de interesse deste juízo em mantê-lo apreendido. Traslade-se cópia desta decisão aos autos nº 5008202-86.2019.4.03.6000. Proceda-se às devidas atualizações no controle de bens e nos autos de alienação de bens apreendidos nº 5007354-13.2020.4.03.6000. Sem custas e/ou honorários advocatícios, por se tratar de incidente processual. Ciência ao MPF. Oportunamente, arquivem-se os autos (...) – destaques no original.

 

DA CONTEXTUALIZAÇÃO DA APREENSÃO QUE RECAIU SOBRE O VEÍCULO FORD MUSTANG (2018/2018, CINZA, POSSUIDOR DE PLACAS QCM-9990) LEVADA A EFEITO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO – “OPERAÇÃO STATUS”

 

A apreensão que recaiu sobre o veículo Ford Mustang, 2018/2018, cinza, possuidor de placas QCM-9990, objeto deste Incidente, decorreu de medida constritiva deferida no âmbito da “Operação STATUS”, cuja fase ostensiva foi deflagrada em 11 de setembro de 2020, investigação policial esta que tinha por escopo desmantelar suposta organização criminosa voltada ao tráfico internacional de entorpecentes (especialmente cocaína), ressaltando-se, por oportuno, que o proveito econômico obtido com a execução de tal atividade seria objeto de diversos atos de lavagem – importante destacar que, segundo o até então apurado, a organização criminosa que teria sido descoberta seria chefiada pelo “Clã MORINIGO”, composto pelas pessoas de EMÍDIO MORINIGO, de JEFFERSON MORINIGO e de KLEBER MORINIGO.

 

DO REGIME JURÍDICO APLICADO À “COISA APREENDIDA” NO PROCESSO PENAL

 

No processo penal, coisas apreendidas são aquelas que, de algum modo, interessam à elucidação do crime e de sua autoria, podendo configurar tanto elementos de prova, quanto elementos sujeitos a futuro confisco, pois coisas de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção ilícita, bem como as obtidas pela prática do delito (NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado, Editora Forense, 16ª edição, Rio de Janeiro/2017, p. 358).

 

Com efeito, a teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo, cabendo destacar que o art. 120 do mesmo diploma determina que a restituição, quando cabível, poderá ser ordenada tanto pela autoridade policial como pelo juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. A propósito, vide os seguintes julgados:

 

REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA LEGITIMA PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA DO RECURSO FINANCEIRO PARA A AQUISIÇÃO DO BEM. COMPROMETIMENTO COM A ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o art. 118 do CPP firmou compreensão de que as coisas apreendidas na persecução criminal não podem ser devolvidas enquanto interessarem ao processo. 4. Encontrando-se o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça, a pretensão recursal esbarra no óbice previsto na Súmula nº 83/STJ, também aplicável aos recursos interpostos com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional. (...) (STJ, AgRg no AREsp 1049364/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, v.u., DJe 27.03.2017) – destaque nosso.

 

INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. APREENSÃO DE VEÍCULO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA REAL PROPRIEDADE DO BEM. ARTS. 118 E 120 DO CPP. 1. Embora o veículo esteja registrado em nome do requerente, tal fato não comprova a real propriedade, pois estava na posse de pessoa que o teria utilizado na prática do tráfico de drogas. 2. A apreensão também deve ser mantida com fundamento no art. 118 do CPP. 3. Pedido improcedente. (TRF3, autos nº 0003219-61.2016.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, 11ª Turma, v.u., e-DJF3 18.12.2017) – destaque nosso.

 

PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. RESTITUIÇÃO DAS COISAS APREENDIDAS. INTERESSE AO PROCESSO (CPP, ART. 118). APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo, conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal. 2. Em que pese a documentação apresentada pela apelante (fls. 12/14 e 20/41), a apreensão dos bens ainda interessa ao processo, considerando não estarem satisfatoriamente esclarecidas as circunstâncias relativas ao uso do veículo e do semirreboque durante a prática do fato delituoso, o que pode ensejar decisão sobre sua destinação conforme o art. 91, II, do Código Penal. (...) (TRF3, autos nº 0001602-30.2016.4.03.6116 - Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, 5ª Turma, v.u., e-DJF3 28.08.2017) – destaque nosso.

 

Sem prejuízo do exposto, há que se observar, ainda, os termos do art. 91 do Código Penal, referente aos efeitos da condenação, tratando da perda de bens em favor da União nas seguintes hipóteses: Art. 91. São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. § 1º. Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. § 2º. Na hipótese do § 1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.

 

Outrossim, cuidando-se a situação concreta de potencial perpetração do delito de lavagem de dinheiro, incide também o arcabouço normativo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 (redação conferida pela Lei nº 12.682/2012): § 2º. O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou seqüestrados quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos causados e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. Destaque-se que o dispositivo legal em tela estabeleceu a inversão do ônus da prova da origem lícita do bem pelo investigado, na esteira da Convenção de Viena sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (art. 5º, item 7), da Convenção de Palermo contra o Crime Organizado Transnacional (art. 12, item 7), da Convenção de Varsóvia sobre Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (art. 3º, item 4) e da Recomendação nº 4º do Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, cabendo salientar que a Exposição de Motivos da Lei nº 9.613/1998, no seu item 67, deixa evidente que essa inversão restringe-se à apreensão e ao sequestro de ativos.

 

Luiz Flávio Gomes, comentando o art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998 (na redação anterior à conferida pela Lei nº 12.682/2012) sustentava que o significado da norma é a possibilidade de liberação, sem necessidade de se aguardar a decisão final, se o acusado espontaneamente demonstrar a licitude do bem (vide, a propósito, Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 365-366). Assim, o legislador, para viabilizar a medida assecuratória, consagrou a presunção juris tantum da ilicitude, desde, é claro, que presentes indícios suficientes (art. 4º, caput), que somente restarão afastados a partir do momento em que o interessado comprovar o contrário.

 

Consigne-se, ainda no contexto do art. 4º da Lei nº 9.613/1998, que o tempo de duração de vigência das medidas assecuratórias (até então previsto no § 1º de indicado artigo legal, que aduzia que deveria haver seu levantamento caso a Ação Penal não fosse iniciada no prazo de 120 – cento e vinte – dias contados da data em que concluída a diligência) foi suprimido pela Lei nº 12.683/2012. Aliás, a jurisprudência pátria, mesmo antes da supressão legislativa, já admitia a dilação do lapso temporal em comento mesmo com a aparentemente hermética redação original do tipo excogitado, de molde que referendava que as regras jurídicas deveriam ser interpretadas à luz das exigências do caso concreto (notadamente sua complexidade), sem desvirtuar ou exceder os parâmetros estabelecidos pelo legislador. Este método hermenêutico não implicava a inobservância das normas cogentes, ao revés, impunha o exame da ratio legis de cada dispositivo legal e determinava acurado estudo da finalidade e da essência do instituto jurídico a ser aplicado.

 

Ademais, o mesmo art. 4º da Lei nº 9.613/1998, agora em seu § 3º, na redação imposta pela Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012, determina a impossibilidade de que haja a liberação de qualquer bem sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa – a propósito: Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º.

 

Sem prejuízo do que se acaba de indicar, o plexo normativo anteriormente descrito acabou sendo fortalecido por meio de instituto trazido à baila por força da edição da Lei º 13.964, de 24 de dezembro de 2019, nominado de “confisco alargado”, cujas regras de aplicabilidade encontram-se dispostas no art. 91-A do Código Penal – a propósito: Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito. § 1º. Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. § 2º. O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio. § 3º. A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada. § 4º. Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. § 5º. Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes

 

Concluindo: tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 04 (quatro) requisitos, quais sejam: 1) propriedade do bem pelo requerente (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão (art. 118 do Código de Processo Penal); 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento clássico (art. 91, II, do Código Penal, dos produtos e/ou instrumentos do delito), por equiparação (art. 91, § 1º, do Código Penal, dos bens lícitos equivalentes) e alargado (art. 91-A do Código Penal, dos bens alargados dada sua incompatibilidade com os rendimentos); e 4) comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa (art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.613/1998, aplicável exclusivamente a crimes de lavagem). Em outras palavras, a liberação de bens envolvidos com a prática criminosa obedece a rigoroso tratamento, sendo que, para a relevação da constrição, deverá ser atestada, para além da propriedade em si, a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua aquisição, sem prejuízo da desvinculação do expediente com os fatos apurados na investigação criminal ou na persecução penal.

 

DA ANÁLISE DO CASO CONCRETO

 

Compulsando os elementos fático-probatórios amealhados nestes autos virtuais, mostra-se defeso prover o recurso de Apelação aviado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL na justa medida em que o recorrido HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA conseguiu demonstrar a propriedade do bem vindicado (configurando a condição de terceiro de boa-fé), a sua desvinculação com a investigação penal / persecução penal subjacente, bem como a origem lícita do automóvel ou dos valores empregados em sua aquisição.

 

Com efeito, conforme é possível ser aferido do documento ID 158865230 (nota fiscal de compra), depreende-se que o recorrido HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA adquiriu, pelo valor de R$ 299.900,00 (duzentos e noventa e nove mil e novecentos reais), nos idos de março de 2018, junto à empresa “Ford Motor Company Brasil Ltda.”, o veículo Ford Mustang, 2018/2018, cinza, possuidor de placas QCM-9990, tendo-o financiado por meio da empresa “Bradesco Financiamento” (nos termos do documento ID 158865282). Aliás, pertinente salientar, a teor deste último documento ID indicado, que o recorrido em tela deu, como valor de entrada, o importe de R$ 79.900,00 (setenta e nove mil e novecentos reais), de molde que o financiamento recaiu sobre a quantia de R$ 220.356,40 (duzentos e vinte mil, trezentos e cinquenta e seis reais e quarenta centavos), o que deveria ser adimplido em 36 (trinta e seis) parcelas sucessivas, havendo, ainda, a informação de que ele possuía (ao tempo do protocolo deste Incidente), como saldo devedor de tal negócio jurídico, apenas a quantia de R$ 54.835,69 (cinquenta e quatro mil, oitocentos e trinta e cinco reais e sessenta e nove centavos). Colhe-se, ademais, deste feito que o recorrido firmou contrato de seguro em relação a tal automotor (conforme conteúdo da apólice acostada no documento ID 158865231), seguro este com vigência entre 26 de março de 2020 e 26 de março de 2021.

 

Importante ser dito, segundo visão apresentada pelo recorrido ao longo desta relação processual, que o veículo Ford Mustang, 2018/2018, cinza, possuidor de placas QCM-9990, foi entregue para ulterior venda à pessoa jurídica “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI”, cabendo ressaltar que, quando da deflagração da fase ostensiva da “Operação STATUS”, referido automóvel foi objeto de apreensão por força de r. decisão exarada no bojo do Feito nº 5005120-92.2019.403.6000. De toda forma, importante ser salientado que não houve a consumação de qualquer venda incidente sobre tal bem na justa medida em que o “Certificado de Registro de Veículo” (colacionado nos documentos ID’s 158865283 e 158865284) encontra-se com o seu verso em branco (local destinado a informar quem seria o seu novo proprietário).

 

Firmado tal cenário fático, infere-se dos autos a devida comprovação da propriedade do bem por parte do recorrido HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA (constatação que tem por base o que se acabou de expor), havendo que ser asseverado que o veículo Ford Mustang, 2018/2018, cinza, possuidor de placas QCM-9990, foi adquirido de maneira onerosa por sua pessoa (vide, a propósito, documento oriundo do “Bradesco Financiamento” materializador do contrato de financiamento). Sem prejuízo do exposto, verifica-se, também, que o recorrido em tela tinha capacidade financeira para fazer frente à aquisição (na realidade, ele arcou apenas com a entrada do automóvel: R$ 79.900,00 – setenta e nove mil e novecentos reais) na justa medida em que declarou ao Fisco Federal (Declaração de Ajuste do Imposto de Renda Pessoa Física – ano calendário 2018 – exercício 2019) o percebimento de rendimentos tributáveis na casa de R$ 171.698,38 (cento e setenta e um mil, seiscentos e noventa e oito reais e trinta e oito centavos), além de ter recebido incorporação de reserva de capital / bonificações em ações no montante de R$ 99.000,00 (noventa e nove mil reais) e, em razão de atividade rural, a importância de R$ 28.800,00 (vinte e oito mil e oitocentos reais) – a propósito, vide os documentos ID’s 158865308 e 158865309.

 

É fato que na Declaração de Ajuste do Imposto de Renda Pessoa Física a que foi feita menção não se nota a rubrica pertinente ao automóvel Ford Mustang, 2018/2018, cinza, possuidor de placas QCM-9990, na parte em que necessário o elenco dos bens e direitos amealhados pelo contribuinte. Contudo, tal (aparente) lapso acabou sendo sanado quando da apresentação da Declaração atinente ao ano-calendário 2019 – exercício 2020, oportunidade em que o recorrido, ainda que lançando mão de uma declaração retificadora, indicou ao Fisco Federal a propriedade do carro (ID 158865295) – ressalte-se, por oportuno, que esse último documento tributário apresentado também demonstra que HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA tinha renda suficiente para fazer frente ao custo do bem (uma vez que recebeu rendimentos tributáveis na casa de R$ 145.621,39 – cento e quarenta e cinco mil, seiscentos e vinte e um reais e trinta e nove centavos, além de possuir patrimônio no importe de R$ 4.547.847,02 – quatro milhões, quinhentos e quarenta e sete mil, oitocentos e quarenta e sete reais e dois centavos).

 

Tenta argumentar o Parquet federal (com o fito de que seu apelo seja provido) no sentido de que alguns veículos apreendidos na “Operação NEVADA” (e que seriam, em tese, de propriedade efetiva do “Clã MORINIGO”) eram pagos exatamente por meio de financiamento ou, melhor dizendo, pelo implemento de cotas de consórcio, aspecto que teria o condão de sufragar a impossibilidade de deferimento da restituição – para tanto, o órgão acusatório colaciona os documentos plasmados nos ID’s 158865322 e 158865323 com o desiderato de demonstrar tal prática pelo grupo potencialmente criminoso. Todavia, a despeito das ilações apresentadas, verifica-se, em primeiro lugar, que a documentação carreada (ID’s 158865322 e 158865323) faz referência a veículos de outras marcas, não havendo qualquer menção ao Ford Mustang objeto deste Incidente; outrossim, em segundo lugar, o recorrido HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA logrou êxito em demonstrar (a teor do documento ID 158865282) que as parcelas do mútuo feneratício tomado junto ao “Bradesco Financiamento”eram arcadas por sua pessoa, motivo pelo qual não há pertinência o alegado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL especificamente no tange a esta situação concreta.

 

Como se não bastasse tudo o que se acaba de sustentar, a convicção pela necessidade de restituição do veículo Ford Mustang, 2018/2018, cinza, possuidor de placas QCM-9990, ao recorrido HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA resta coroada por dado oriundo da própria Autoridade Policial que, no bojo da Informação nº 19/2020, elaborada pelo Grupo de Investigações Sensíveis – GISE de Campo Grande/MS, declinou que não haveria qualquer impedimento para que se procedesse com sua devolução – a propósito, mostra-se relevante trazer à colação o excerto que segue (ID 158865288, especialmente pág. 18):

 

(...) ITEM 06 – I/FORD MUSTANG GT, PLACA QCM9990. 6.1 – Valor Tabela Fipe: R$ 256.563,00. 6.2 – Documentos na Pasta: - CRLV 2020 placa QCM-9990; - Cópia CNH Humberto Teixeira de Oliveira; - Contrato de Instrumento Particular de Autorização de venda do veículo Ford Mustang, placa QCM-9990, tendo como Agenciador (CLASSE A COMERCIO DE VEÍCULOS); Documento Auxiliar de Nota Fiscal emitido pela empresa Classe A no valor de R$ 260.000,00. 6.3 – Análise situação do veículo: Sobre o veículo em questão há um contrato tendo a empresa CLASSE A veículos como agenciadora para a venda do veículo que é de propriedade de Humberto Teixeira de Oliveira, CPF Nº 211.969.741- 87. 6.4 – Nestes termos, a equipe não se opõe à devolução do bem ora objeto de bloqueio judicial ao proprietário constante no Instrumento Particular de Autorização de venda de veículo (...) – destaques em caixa alta no original e em negrito nossa.

 

Conclusão: tendo como base todas as premissas aventadas, pertinente MANTER a restituição do veículo Ford Mustang, 2018/2018, cinza, possuidor de placas QCM-9990, ao recorrido HUMBERTO TEIXEIRA DE OLIVEIRA, motivo pelo qual se NEGA PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo órgão acusatório.

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos anteriormente expendidos.



E M E N T A

 

PROCESSO PENAL. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. CONTEXTUALIZAÇÃO DA APREENSÃO QUE RECAIU SOBRE O VEÍCULO FORD MUSTANG (2018/2018, CINZA, POSSUIDOR DE PLACAS QCM-9990) LEVADA A EFEITO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO – “OPERAÇÃO STATUS”. REGIME JURÍDICO APLICADO À “COISA APREENDIDA” NO PROCESSO PENAL. ANÁLISE DO CASO CONCRETO: MANUTENÇÃO DA RESTITUIÇÃO DO AUTOMOTOR.

- A apreensão que recaiu sobre o veículo Ford Mustang, 2018/2018, cinza, possuidor de placas QCM-9990, objeto deste Incidente, decorreu de medida constritiva deferida no âmbito da “Operação STATUS”, cuja fase ostensiva foi deflagrada em 11 de setembro de 2020, investigação policial esta que tinha por escopo desmantelar suposta organização criminosa voltada ao tráfico internacional de entorpecentes (especialmente cocaína), ressaltando-se, por oportuno, que o proveito econômico obtido com a execução de tal atividade seria objeto de diversos atos de lavagem – importante destacar que, segundo o até então apurado, a organização criminosa que teria sido descoberta seria chefiada pelo “Clã MORINIGO”, composto pelas pessoas de EMÍDIO MORINIGO, de JEFFERSON MORINIGO e de KLEBER MORINIGO.

- A teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo, cabendo destacar que o art. 120 do mesmo diploma determina que a restituição, quando cabível, poderá ser ordenada tanto pela autoridade policial como pelo juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Sem prejuízo do exposto, há que se observar, ainda, os termos do art. 91 do Código Penal, referente aos efeitos da condenação, tratando da perda de bens em favor da União.

- Cuidando-se a situação concreta de potencial perpetração do delito de lavagem de dinheiro, incide também o arcabouço normativo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998. O dispositivo em tela estabeleceu a inversão do ônus da prova da origem lícita do bem pelo investigado, na esteira da Convenção de Viena sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (art. 5º, item 7), da Convenção de Palermo contra o Crime Organizado Transnacional (art. 12, item 7), da Convenção de Varsóvia sobre Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (art. 3º, item 4) e da Recomendação nº 4º do Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, cabendo salientar que a Exposição de Motivos da Lei nº 9.613/1998, no seu item 67, deixa evidente que essa inversão restringe-se à apreensão e ao sequestro de ativos. Nessa toada, o legislador, para viabilizar a medida assecuratória, consagrou a presunção juris tantum da ilicitude, desde, é claro, que presentes indícios suficientes (art. 4º, caput), que somente restarão afastados a partir do momento em que o interessado comprovar o contrário.

- Ainda no contexto do art. 4º da Lei nº 9.613/1998, o tempo de duração de vigência das medidas assecuratórias (até então previsto no § 1º de indicado artigo legal, que aduzia que deveria haver seu levantamento caso a Ação Penal não fosse iniciada no prazo de 120 – cento e vinte – dias contados da data em que concluída a diligência) foi suprimido pela Lei nº 12.683/2012. Aliás, a jurisprudência pátria, mesmo antes da supressão legislativa, já admitia a dilação do lapso temporal em comento mesmo com a aparentemente hermética redação original do tipo excogitado, de molde que referendava que as regras jurídicas deveriam ser interpretadas à luz das exigências do caso concreto (notadamente sua complexidade), sem desvirtuar ou exceder os parâmetros estabelecidos pelo legislador. Este método hermenêutico não implicava a inobservância das normas cogentes, ao revés, impunha o exame da ratio legis de cada dispositivo legal e determinava acurado estudo da finalidade e da essência do instituto jurídico a ser aplicado. Outrossim, o mesmo art. 4º da Lei nº 9.613/1998, agora em seu § 3º, na redação imposta pela Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012, determina a impossibilidade de que haja a liberação de qualquer bem sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa.

- Tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 04 (quatro) requisitos, quais sejam: 1) propriedade do bem pelo requerente (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão (art. 118 do Código de Processo Penal); 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento clássico (art. 91, II, do Código Penal, dos produtos e/ou instrumentos do delito), por equiparação (art. 91, § 1º, do Código Penal, dos bens lícitos equivalentes) e alargado (art. 91-A do Código Penal, dos bens alargados dada sua incompatibilidade com os rendimentos); e 4) comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa (art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.613/1998, aplicável exclusivamente a crimes de lavagem). Em outras palavras, a liberação de bens envolvidos com a prática criminosa obedece a rigoroso tratamento, sendo que, para a relevação da constrição, deverá ser atestada, para além da propriedade em si, a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua aquisição, sem prejuízo da desvinculação do expediente com os fatos apurados na investigação criminal ou na persecução penal.

- Compulsando os elementos fático-probatórios amealhados nestes autos virtuais, mostra-se defeso prover o recurso de Apelação aviado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL na justa medida em que o recorrido conseguiu demonstrar a propriedade do bem vindicado (configurando a condição de terceiro de boa-fé), a sua desvinculação com a investigação penal / persecução penal subjacente, bem como a origem lícita do automóvel ou dos valores empregados em sua aquisição.

- Negado provimento ao recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos anteriormente expendidos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.