APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005513-75.2019.4.03.6110
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: SYMRISE AROMAS E FRAGRANCIAS LTDA.
Advogados do(a) APELANTE: MARTA CRISTINA DA COSTA FERREIRA CUELLAR - SP244478-A, DELVIO JOSE DENARDI JUNIOR - SP195721-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005513-75.2019.4.03.6110 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: SYMRISE AROMAS E FRAGRANCIAS LTDA. Advogados do(a) APELANTE: MARTA CRISTINA DA COSTA FERREIRA CUELLAR - SP244478-A, DELVIO JOSE DENARDI JUNIOR - SP195721-A R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação à sentença denegatória de mandado de segurança para que fosse assegurada a aplicação da redução das alíquotas do REINTEGRA impostas pelos Decretos 8.415/2015, 8.543/2015, 9.148/2017 e 9.393/2018, respeitando-se a anterioridade geral e nonagesimal, nos termos do artigo 150, III, b e c, CF, ou subsidiariamente ao menos a aplicação da anterioridade nonagesimal, além da declaração do direito de compensar os valores recolhidos indevidamente em razão da redução da alíquota sem observância da regra temporal, devidamente atualizados pela SELIC, com outros tributos administrados pela Receita Federal do Brasil. Alegou-se que: (1) o REINTEGRA inicialmente instituído pela Lei 12.546/2011 vigorou até o final de 2013, tendo sido posteriormente restituído pela Lei 13.043/2014, com as alterações dos Decretos 8.415/2015, 8.543/2015, 9.148/2017 e 9.393/2018; (2) apesar de tratarem de normas que têm impacto catastrófico no planejamento financeiro dos contribuintes, os decretos não fizeram qualquer ressalva quanto à vigência das alíquotas reduzidas para cálculo do crédito do REINTEGRA, de modo que todas as normas em questão previram que as alterações introduzidas produziriam efeitos imediatamente após a sua publicação, ou até com efeitos retroativos (Decreto 8.415/2015); (3) apesar do REINTEGRA ser um benefício fiscal, toda e qualquer modificação que reduza o seu percentual resulta na majoração da carga tributária dos beneficiários do incentivo, de modo que qualquer redução nos percentuais do benefício deveria observar o princípio constitucional da anterioridade geral e nonagesimal, nos termos do artigo 150, III, “b” e “c”, CF; (4) a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, após o julgamento da ADI 2.325-MC/DF, firmou entendimento no sentido de que o princípio da anterioridade é aplicável à revogação ou diminuição de benefício fiscal, vez que geram a elevação da carga tributária por via indireta; e (5) as únicas situações que não se sujeitam à observância da aplicação cumulativa da anterioridade geral e nonagesimal estão previstas no artigo 150, § 1º, CF, sendo que a redução do REINTEGRA não se enquadra em nenhuma dessas situações. Houve contrarrazões. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo regular prosseguimento do feito. É o relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005513-75.2019.4.03.6110 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: SYMRISE AROMAS E FRAGRANCIAS LTDA. Advogados do(a) APELANTE: MARTA CRISTINA DA COSTA FERREIRA CUELLAR - SP244478-A, DELVIO JOSE DENARDI JUNIOR - SP195721-A V O T O Senhores Desembargadores, o assim denominado Regime de Reintegração de Valores Tributários para Empresas Exportadoras - REINTEGRA foi criado pela Lei 12.546/2011, objetivando desonerar exportações de bens manufaturados no país, consistindo em programa de incentivos por meio do qual se concede à pessoa jurídica exportadora direito de crédito, a título de PIS/COFINS, calculado mediante aplicação de certo percentual, estabelecido pelo Poder Executivo, sobre a receita decorrente da exportação, tendo sido inicialmente fixado em 3%, nos termos do § 1º do artigo 2º do Decreto 7.633/2011. Posteriormente, o programa foi reinstituído pela Lei 13.043/2014, conversão da Medida Provisória 651/2014, nos seguintes termos: "Art. 22. No âmbito do Reintegra, a pessoa jurídica que exporte os bens de que trata o art. 23 poderá apurar crédito, mediante a aplicação de percentual estabelecido pelo Poder Executivo, sobre a receita auferida com a exportação desses bens para o exterior. § 1º O percentual referido no caput poderá variar entre 0,1% (um décimo por cento) e 3% (três por cento), admitindo-se diferenciação por bem. (...)" Sobreveio o Decreto 8.415/2015 estabelecendo que tal crédito deveria ser calculado com base em percentuais assim definidos: 1%, entre 1º de março de 2015 e 31 de dezembro de 2016; 2%, entre 1º de janeiro de 2017 e 31 de dezembro de 2017; e 3%, entre 1º de janeiro de 2018 e 31 de dezembro de 2018. Em seguida, o Decreto 8.543/2015, alterando o Decreto 8.415/2015, estabeleceu os seguintes percentuais: 1%, entre 1º de março de 2015 e 30 de novembro de 2015; 0,1%, entre 1º de dezembro de 2015 e 31 de dezembro de 2016; 2%, entre 1º de janeiro de 2017 e 31 de dezembro de 2017; e 3%, entre 1º de janeiro de 2018 e 31 de dezembro de 2018. Posteriormente, foi editado o Decreto 9.148/2017, que alterando o Decreto 8.415/2015 estabeleceu percentuais assim especificados: 0,1%, entre 1º de dezembro de 2015 e 31 de dezembro de 2016; e 2%, entre 1º de janeiro de 2017 e 31 de dezembro de 2018. Na sequência, adveio o Decreto 9.393/2018, que alterando o Decreto 8.415/2015 fixou os percentuais de: 0,1%, entre 1º de dezembro de 2015 e 31 de dezembro de 2016; 2%, entre 1º de janeiro de 2017 e 31 de maio de 2018; e 0,1%, a partir de 1º de junho de 2018. Neste contexto, embora seja constitucional que o Executivo possa, em razão de avaliação de política econômico-tributária, alterar e fixar percentuais quanto ao benefício fiscal instituído no âmbito das operações de exportação, nos termos do artigo 153, §1º, da Constituição Federal, e do artigo 22 da Lei 13.043/2015, tal medida deve, porém, observar condições e limites constitucionais e legais, em especial os princípios norteadores do sistema tributário, como da anterioridade tributária, de modo a evitar efeitos imediatos em casos de redução do benefício fiscal e coibir arbitrariedades no desempenho de seu poder regulamentar. A propósito, foi reconhecida a repercussão geral da questão da aplicabilidade da anterioridade (anual ou de exercício) dos valores do REINTEGRA no ARE 1.285.177, porém, sem determinação de suspensão nacional, sendo que as turmas da Suprema Corte assim já se manifestaram a respeito: AgR RE 1.253.468, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe 14/05/2020: "REINTEGRA – DECRETOS Nº 8.415/2015, Nº 8.543/2015 E Nº 9.393/2018 – BENEFÍCIO – REDUÇÃO DO PERCENTUAL – ANTERIORIDADE – PRECEDENTES. Promovido aumento indireto de tributo mediante redução da alíquota de incentivo do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras – REINTEGRA, cumpre observar o princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal. Precedente: medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.325/DF, Pleno, relator ministro Marco Aurélio, acórdão publicado no Diário da Justiça de 6 de outubro de 2006." ARE 1.251.248 AgR, Rel. p/ Acórdão Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe 01/10/2020: "AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. REINTEGRA. REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL. ANTERIORIDADE GERAL E NONAGESIMAL. 1. A alteração no programa fiscal REINTEGRA, por acarretar indiretamente a majoração de tributos, deve respeitar os princípios da anterioridade geral e nonagesimal. Precedentes. (RE 1.254.102 - AgR, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 17 jun. 2020; RE 1263840 AgR, Relator Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 14 ago. 2020; RE 1263645 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 06 ago. 2020; RE 1214919 AgR-segundo, Relator Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 11.10.19). 2. Agravo regimental a que se concede provimento." Como se observa, tratando-se de benefício fiscal cuja redução percentual implica majoração indireta da carga tributária imposta ao contribuinte, é imperiosa a observância do princípio da anterioridade geral e nonagesimal, nos termos da jurisprudência consolidada. Na mesma linha de raciocínio, os seguintes precedentes da Turma: ApelRemNec 5003710-31.2018.4.03.6130, Rel. Des. Fed. NERY JUNIOR, Intimação via sistema 10/02/2021: "TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRA. DECRETOS 8.543/15, 8.415/15 9.393/2018. REDUÇÃO DE PERCENTUAL RELATIVO A BENEFÍCIO FISCAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL E ANUAL. IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO COM CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. APELAÇÃO ADESIVA DA IMPETRANTE PROVIDA. APELAÇÃO DA UNIÃO E REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDAS. Ação mandamental impetrada para ver reconhecido o direito líquido e certo da impetrante à fruição do benefício REINTEGRA, nos termos da Lei nº 13.043/14, determinando-se à autoridade coatora que não denegue o pedido de compensação/restituição dos valores pagos a título de REINTEGRA pela alíquota de 3% no período de 1º de março de 2015 a 31 de dezembro de 2015, pela alíquota de 1% entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2016, e pela alíquota de 2% entre junho de 2018 a dezembro de 2018. O regime jurídico do REINTEGRA - Regime de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras - foi instituído pela Lei nº 12.546/2011 e reinstituído pela Lei nº 13.043/14, com o objetivo de promover a recomposição de custos tributários federais residuais existentes na cadeia de produção dos bens destinados à exportação, a partir do reconhecimento de crédito em favor do contribuinte, a título de PIS e de COFINS, calculado mediante a aplicação de percentual estabelecido pelo Poder Executivo sobre a receita auferida com a exportação desses bens para o exterior. O REINTEGRA consiste em benefício de natureza fiscal destinado às empresas exportadoras, com a finalidade de reduzir o custo operacional dos produtos destinados à exportação e torná-los mais competitivos. Observa-se, igualmente, que com a regulamentação pelo Poder Executivo deu-se uma abrupta modificação das percentagens originalmente previstas para o cálculo do valor do crédito, em desfavor do contribuinte. Não se está a questionar a legitimidade do Poder Executivo para alterar as alíquotas incidentes sobre tributo, quando legalmente autorizado, considerado o cenário da política econômico-tributária. Do mesmo modo, não se trata, in casu, de tributo marcado pela extrafiscalidade, com alíquota de aplicação imediata e contornos de instrumento de política econômico-fiscal. Não resta dúvida, no entanto, quanto à significativa redução do percentual a ser aplicado para o cálculo do crédito a título de REINTEGRA, a caracterizar, ainda que de forma indireta, o aumento significativo da carga tributária de maneira repentina, e a reclamar a aplicação dos princípios constitucionais tributários, em especial o da anterioridade, objeto de discussão nos autos. O tema referente à redução do percentual do REINTEGRA foi enfrentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a necessidade de observância do princípio da anterioridade, geral e nonagesimal (art. 150, III, b e c, CF), à vista do aumento indireto de tributo decorrente da redução da alíquota, revendo posicionamento anterior. Reconhecido o direito ao crédito no âmbito administrativo, de rigor, como decorrência lógica, seja determinada a respectiva compensação, conforme previsto no inciso I do artigo 24 da Lei 13.034/2014. A compensação, a ser promovida na via administrativa, deve também observar o trânsito em julgado (artigo 170-A, CTN) e a prescrição quinquenal, bem assim o disposto no artigo 74 da Lei n.º 9.430/96 com as modificações perpetradas pela Lei n.º 10.637/02, porquanto legislação vigente na data do ajuizamento da presente demanda, segundo entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, em processo submetido ao regime de recursos repetitivos (REsp 1137738/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 01/02/2010). Impossibilidade de compensação com as contribuições previdenciárias, conforme jurisprudência sedimentada da Corte Superior Quanto à restituição administrativa do indébito, ressalvado meu posicionamento sobre o tema, curvo-me ao entendimento desta e. Turma no sentido de reconhecer a sua inviabilidade, nos termos da Súmula 461 do Superior Tribunal de Justiça e do art. 100 da Constituição Federal. Aplicável a taxa SELIC para a correção monetária do indébito a ser restituído, não acumulável com qualquer outro índice, a contar do recolhimento indevido (REsp 1112524/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/09/2010, DJe 30/09/2010). Apelação adesiva provida e remessa necessária e apelação da União parcialmente providas." ApelRemNec 5005625-05.2018.4.03.6102, Rel. Des. Fed. ANTONIO CEDENHO, Intimação via sistema 25/08/2020: "TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRA. DECRETOS nºs 8.543/15, 8.415/15 9.393/2018. DECADÊNCIA AFASTADA. REDUÇÃO DE PERCENTUAL RELATIVO A BENEFÍCIO FISCAL. EXIGÊNCIA NO MESMO EXERCÍCIO FISCAL E ANTES DE DECORRIDOS NOVENTA DIAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL E ANUAL. APELAÇÃO DA UNIÃO E REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDAS. 1. O Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (REINTEGRA), é um benefício fiscal instituído inicialmente em 2011 por meio da Lei 12.546/2011, e reinstituído pela Lei 13.043/2014, como forma de estimular as empresas exportadoras brasileiras que manufaturassem produtos no país, para que fossem reduzidos os custos tributários residuais pagos ao longo da cadeia produtiva mas que não foram compensados, de modo a aumentar sua competitividade no mercado global. 2. Os custos tributários residuais são calculados por meio da aplicação de uma alíquota de até 3% (fixada por meio de ato infralegal do Poder Executivo) sobre a receita decorrente da exportação de bens industrializados (de acordo com o setor econômico e tipo de atividade exercida pelas empresas). Essa alíquota, originalmente fixada em 3%, foi alterada pelo Decreto 8.415, de 27 de fevereiro de 2015, sendo reduzida para 1% entre 1º de março de 2015 e 31 de dezembro de 2016. Após, depois, foi editado o Decreto 8.543 de 21 de outubro de 2015, que também passou a produzir efeitos na data de sua publicação (22/10/2015), e reduziu novamente as alíquotas do REINTEGRA para 0,1% entre 1º de dezembro de 2015 e 31 de dezembro de 2016. 3. Tais alterações desrespeitaram frontalmente os princípios constitucionais da anterioridade anual e nonagesimal, expostos no artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c” da Constituição Federal, o que definitivamente se aplica ao presente caso com a redução das alíquotas do REINTEGRA. Tanto é assim que este posicionamento vem sendo reiterado em várias decisões recentes que ressaltam a necessidade de observação de tais princípios no caso da redução das alíquotas do REINTEGRA promovidas pelos Decretos 8.415/15, 8.543/15 e 9.383/2018, por se tratar de majoração indireta de tributos. 4. A controvérsia trazida aos autos não comporta grandes questionamentos haja vista o entendimento pacificado no âmbito do STF quanto à inconstitucionalidade das alterações promovidas pelos decretos nº 8.415/15, nº 8.543/15 e 9.383/18 no âmbito do REINTEGRA diante da ofensa ao princípio da anterioridade, em seu aspecto anual e nonagesimal. Se - conforme dito pelo STF - a redução da alíquota que impactou a cadeia de importação resultou no aumento de carga tributária - o certo é que incida a limitação constitucional referente a anterioridade anual (art. 150, III, "b", CF), porquanto houve alteração da base de cálculo com o expurgo na apuração de crédito pela pessoa jurídica exportadora. 5. Reduzido o percentual de crédito, houve aumento, ainda que indireto, da carga tributária, onerando o contribuinte repentinamente, razão pela qual o princípio da anterioridade é aplicável ao caso justamente a fim de evitar o elemento surpresa. 6. Assegurado à impetrante o direito de utilizar a alíquota de 3% no período compreendido entre 1º de março de 2015 e 31 de dezembro de 2015, a alíquota de 1% entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2016, além da alíquota de 2% entre junho de 2018 a dezembro de 2018. 7. Conforme entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, não se aplica o lapso decadencial de 120 dias aos mandados de segurança tendentes à compensação tributária: AGRESP 200901405562, BENEDITO GONÇALVES, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:14/10/2010; RESP 200600514536, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:06/10/2010. 8. Apelação e remessa oficial não providas." Reconhecido o indébito fiscal, os critérios para exercício do direito à compensação, na via administrativa mediante procedimento específico, inclusive com a própria comprovação e liquidação de valores indevidos a serem compensados, são os definidos nos artigos 168 (prescrição quinquenal) e 170-A (trânsito em julgado), ambos do Código Tributário Nacional; artigo 74 da Lei 9.430/1996 e demais textos legais de regência, observado o regime legal vigente ao tempo da propositura da ação, pois este o critério determinante na jurisprudência consolidada, ainda que posteriormente possa ter sido alterada a legislação; e artigo 39, § 4º da Lei 9.250/1995 (incidência exclusiva da Taxa SELIC) desde cada recolhimento indevido. A respeito da restituição administrativa, que tem sido deferida com base na Súmula 461 do Superior Tribunal de Justiça, é importante observar que o enunciado, ao fazer referência expressa a "precatório", registra entendimento de que não é possível que o ressarcimento de indébito fiscal, em espécie, reconhecido judicialmente, possa gerar condenação a pagamento fora do regime constitucional do precatório (artigo 100, CF). De fato, o regime de precatório busca preservar a ordem cronológica das requisições e, sobretudo, as preferências alimentares, o que não se verifica possível ou garantido na via administrativa, até porque, nela, não concorrem, de forma conjunta e simultânea, as variadas cobranças em dinheiro contra a Fazenda Pública, ao contrário do que ocorre com requisições judiciais de precatórios que, inclusive, são todas globalmente organizadas e inseridas cronologicamente na previsão orçamentária anual para execução no exercício financeiro posterior. Permitir que o contribuinte utilize a via administrativa para receber pagamento de indébito fiscal em detrimento do sistema de precatório já foi reconhecido, inclusive, como inconstitucional pela Suprema Corte que, por semelhança, aplicou a solução expressa no Tema 831 da sistemática de repercussão geral (RE 1.069.065, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 19/12/2019). Na espécie, a sentença deve ser reformada, considerando o acima exposto e os limites da devolução, apenas para determinar que os Decretos 8.415/2015, 8.543/2015, e 9.393/2018 produzam efeitos após a observância da anterioridade anual e nonagesimal, e autorizar a compensação administrativa do indébito fiscal com a observância dos critérios acima apontados. Ate o exposto, dou provimento à apelação, nos termos supracitados. É como voto.
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRA. LEI 13.043/2014. DECRETOS 8.515/2015, 8.543/2015, E 9.393/2018. BENEFÍCIO FISCAL. REDUÇÃO DO PERCENTUAL NO MESMO EXERCÍCIO FISCAL E ANTES DECORRIDOS DE NOVENTA DIAS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. FORMA DE RESSARCIMENTO CABÍVEL.
1. O Regime de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras - REINTEGRA, instituído pela Lei 12.546/2011, objetiva desonerar exportações de manufaturados produzidos no país, consistindo em programa de incentivos por meio do qual se concede à pessoa jurídica exportadora direito de crédito, a título de PIS/COFINS, calculado mediante a aplicação de percentual, estabelecido pelo Executivo, sobre a receita decorrente da exportação, tendo sido inicialmente fixado em 3%, nos termos do § 1º do artigo 2º do Decreto 7.633/2011. Posteriormente, o programa foi reinstituído pela Lei 13.043/2014, e fixou novos percentuais para cálculo do benefício fiscal, nos termos dos Decretos 8.415/2015, 8.543/2015, 9.148/2017 e 9.393/2018.
2. Embora seja constitucional que o Executivo possa, em razão de avaliação de política econômico-tributária, alterar e fixar percentuais quanto ao benefício fiscal instituído no âmbito das operações de exportação, nos termos do artigo 153, §1º, da Constituição Federal, e do artigo 22 da Lei 13.043/2015, tal medida deve, porém, observar condições e limites constitucionais e legais, em especial os princípios norteadores do sistema tributário, como da anterioridade tributária, de modo a evitar efeitos imediatos em casos de redução do benefício fiscal e coibir arbitrariedades no desempenho de seu poder regulamentar.
3. Foi reconhecida a repercussão geral da questão da aplicabilidade da anterioridade (anual ou de exercício) dos valores do REINTEGRA no ARE 1.285.177, porém, sem determinação de suspensão nacional, sendo que as turmas da Suprema Corte já se manifestaram a respeito, no sentido de que, tratando-se de benefício fiscal cuja redução percentual implica majoração indireta da carga tributária imposta ao contribuinte, é imperiosa a observância do princípio da anterioridade geral e nonagesimal.
4. Reconhecido o indébito fiscal, os critérios para exercício do direito à compensação, na via administrativa mediante procedimento específico, inclusive com a própria comprovação e liquidação de valores indevidos a serem compensados, são os definidos nos artigos 168 (prescrição quinquenal) e 170-A (trânsito em julgado), ambos do Código Tributário Nacional; artigo 74 da Lei 9.430/1996 e demais textos legais de regência, observado o regime legal vigente ao tempo da propositura da ação, pois este o critério determinante na jurisprudência consolidada, ainda que posteriormente possa ter sido alterada a legislação; e artigo 39, § 4º da Lei 9.250/1995 (incidência exclusiva da Taxa SELIC) desde cada recolhimento indevido.
5. A respeito da restituição administrativa, que tem sido deferida com base na Súmula 461 do Superior Tribunal de Justiça, é importante observar que o enunciado, ao fazer referência expressa a "precatório", registra entendimento de que não é possível que o ressarcimento de indébito fiscal, em espécie, reconhecido judicialmente, possa gerar condenação a pagamento fora do regime constitucional do precatório (artigo 100, CF). De fato, o regime de precatório busca preservar a ordem cronológica das requisições e, sobretudo, as preferências alimentares, o que não se verifica possível ou garantido na via administrativa, até porque, nela, não concorrem, de forma conjunta e simultânea, as variadas cobranças em dinheiro contra a Fazenda Pública, ao contrário do que ocorre com requisições judiciais de precatórios que, inclusive, são todas globalmente organizadas e inseridas cronologicamente na previsão orçamentária anual para execução no exercício financeiro posterior. Permitir que o contribuinte utilize a via administrativa para receber pagamento de indébito fiscal em detrimento do sistema de precatório já foi reconhecido, inclusive, como inconstitucional pela Suprema Corte que, por semelhança, aplicou a solução expressa no Tema 831 da sistemática de repercussão geral (RE 1.069.065, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 19/12/2019).
6. Apelação provida.