Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001974-61.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: EDUARDO GOMES DE AZEVEDO

Advogados do(a) APELANTE: MIGUEL PEREIRA NETO - SP105701-A, BRUNO MOREIRA KOWALSKI - SP271899-A

APELADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogados do(a) APELADO: OSVALDO PIRES GARCIA SIMONELLI - SP165381-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001974-61.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: EDUARDO GOMES DE AZEVEDO

Advogados do(a) APELANTE: RICARDO HASSON SAYEG - SP108332-N, BEATRIZ QUINTANA NOVAES - SP192051-A, MIGUEL PEREIRA NETO - SP105701-A, BRUNO MOREIRA KOWALSKI - SP271899-A

APELADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogados do(a) APELADO: OSVALDO PIRES GARCIA SIMONELLI - SP165381-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta pelo autor em face da sentença que julgou improcedente a demanda e manteve a decisão administrativa que, nos autos  processo ético-profissional nº 7.652-228/2007, impôs àquele a penalidade disciplinar de cassação de seu exercício profissional.

Na petição inicial, com pedido de antecipação da tutela (ID 149457302, fls. 2/22 e cópias do processo ético-profissional nº 7.652-228/2007 em ID 149457302, fls. 24/48) relata o autor, em síntese, que o processo ético-profissional nº  7.652-228/2007  instaurado pelo CREMESP resultou na penalidade de cassação de seu exercício profissional, ratificada pelo Conselho Federal de Medicina, vez que reconhecido como incurso nas faltas tipificada nos arts. 102, 104, 132 e 133 do Código de Ética Médica. Em sede judicial, pugna o autor pela anulação da penalidade disciplinar. Fundamenta a nulidade na violação ao art. 5º, XLVII, “b”, da Constituição Federal, que estabelece vedação a penas de caráter perpétuo; violação à regra disposta no art. 93, IX, da Constituição Federal, pela qual decisões administrativas disciplinares dos tribunais devem ser tomadas pela maioria absoluta de seus membros; ausência de motivação suficiente da decisão sancionadora (art. 50, II, da Lei nº 9.784/99) e violação ao princípio da proporcionalidade, tendo em vista a gravidade da penalidade imposta. Requer, pois, em liminar, a suspensão dos efeitos da decisão administrativa que determinou a cassação do registro profissional do requerente até o julgamento final da lide. Como provimento da ação, pugna pela anulação da decisão administrativa referida, condenando o requerido em custas processuais, honorários advocatícios e demais encargos legais. Valor da causa atribuído em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

  A liminar foi deferida (ID 149457302, fls. 55/56v), suspendendo os efeitos da decisão administrativa que determinou a cassação do registro profissional do requerente. Na decisão, restou consignado que a entrevista concedida pelo requerente não consubstanciou ato de manifesta gravidade, havendo indícios, ainda, de aparente violação à exigência de gradação das penas prevista no art. 22,  § 1º, da Lei nº 3.268/57. Considerada a presença dos pressupostos legais do fumus boni juris e do periculum in mora, deferiu-se a liminar pleiteada.

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) apresentou contestação (ID 149457302, fls. 65/69 e documentos anexos 70/132).

Seguiu-se réplica do autor (ID 149457302, fls. 134/139).

Finda a instrução, sobreveio sentença (ID 149457302, fls. 161/139) que julgou improcedente a demanda, resolvendo o mérito da lide, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, revogando a liminar anteriormente deferida. A parte autora foi condenada em custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10 % sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§3º, I e 4º, III, do Código de Processo Civil.

O autor opôs embargos de declaração (ID 149457302, fls. 167/170), os quais restaram rejeitados (ID 149457302, fls. 187/187v), por não verificadas as hipóteses previstas no art. 1.022 do Código de Processo Civil.

Em face da sentença, insurgiu-se o autor em recurso de apelação (ID 149457302, fls. 195/214). Pugna pela reforma da sentença no sentido de suspender a decisão que determinou a cassação do exercício profissional do apelante. Aponta que a decisão é eivada de vício por violar o livre exercício da atividade econômica, bem como o exercício da publicidade e propaganda sobre setor econômico (art. 1º da Lei n° 13.874/2019). Reitera, pois, a violação ao art. 5º, XLII, “b” e “e” da Constituição Federal, que dispõe sobre a vedação à aplicação de penas de caráter perpétuo, e ao disposto no art. 22 da Lei nº 3.268/1957, acerca da exigência de gradação das penas no âmbito do Conselho profissional em questão. 

Com as contrarrazões do CREMESP acostadas aos autos (ID 149457302, fls. 233/242), os autos vieram a esta Eg. Corte Regional.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001974-61.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: EDUARDO GOMES DE AZEVEDO

Advogados do(a) APELANTE: RICARDO HASSON SAYEG - SP108332-N, BEATRIZ QUINTANA NOVAES - SP192051-A, MIGUEL PEREIRA NETO - SP105701-A, BRUNO MOREIRA KOWALSKI - SP271899-A

APELADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogados do(a) APELADO: OSVALDO PIRES GARCIA SIMONELLI - SP165381-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

Cinge-se a controvérsia em aferir se são procedentes as ilicitudes que a parte autora aventa como fundamento para o pleito de suspensão dos efeitos da decisão administrativa que lhe impôs a penalidade disciplinar de cassação do exercício profissional.

Em síntese, sustenta que a imposição de referida sanção viola o livre exercício de atividade econômica, bem como a publicidade e a propaganda a ela correlatas, conforme disposto no art. 1º da Lei n° 13.874/2019; a vedação à perpetuidade das penas, disposta no art. 5º, XLVII, “b”, da Constituição Federal, além de inobservar a exigência de gradação das penas, prevista no art. 22 da Lei nº 3.268/1957.

Prima facie, importante destacar, como regra, a vedação de incursão do Poder Judiciário no mérito dos atos administrativos afora hipóteses excepcionais de extrapolação de seus limites legais. 

A análise que incube ao Judiciário em feitos administrativos disciplinares é restrita, limitando-se ao exame da higidez do procedimento e da legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, não sendo possível nenhuma incursão no mérito administrativo
 

1. Da alegação de violação ao livre exercício de atividade econômica, e à publicidade e à propaganda (art. 1º da Lei n° 13.874/2019).

Conforme constou dos autos, o CREMESP instaurou contra o autor o processo ético-profissional nº 7.652-228/2007 para apurar as condutas de violação a segredo médico, especificada nos arts. 102, 104, e de publicidade indevida, conforme previsão dos arts. 131, 132 e 133, todos dispositivos do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.246/88). 

As aludidas infrações disciplinares foram imputadas ao recorrente em função de sua participação no programa televisivo “Boa Noite Brasil”, veiculado na TV Bandeirantes. Conforme constou dos autos (ID 149457302, fls. 06/115), naquela ocasião o recorrente teria discorrido de forma sensacionalista e autopromocional sobre determinado tratamento de rejuvenescimento que realizava em sua clínica - embora pendente de reconhecimento pelo órgão sanitário competente -, e também por citar de forma específica pacientes que teriam se submetido a tal tratamento, à revelia da necessária autorização. 

Finda a tramitação, o feito disciplinar resultou na imposição da penalidade de cassação do registro profissional do autor, válida a partir da publicação do edital no D.O.E., em 30.07.2014.

As infrações ao Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.246/88) apuradas no feito disciplinar são descritas conforme adiante: 

"CAPÍTULO IX - SEGREDO MÉDICO

É vedado ao médico: 

Art. 102 - Revelar o fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente. Parágrafo único - Permanece essa proibição: 

a) Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido. 

b) Quando do depoimento como testemunha. Nesta hipótese o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.

Art. 104 - Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos em programas de rádio, televisão ou cinema, e em artigos, entrevistas ou reportagens em jornais, revistas ou outras publicações legais.

CAPÍTULO XIII - PUBLICIDADE E TRABALHOS CIENTÍFICOS

É vedado ao médico: 

Art. 131 - Permitir que sua participação na divulgação de assuntos médicos, em qualquer veículo de comunicação de massa, deixe de ter caráter exclusivamente de esclarecimento e educação da coletividade. 

Art. 132 - Divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional, ou de conteúdo inverídico. 

Art. 133 - Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido por órgão competente."

Importante destacar que  o cancelamento do registro profissional decorre do poder de polícia atribuído às autarquias de fiscalização do exercício profissional, criadas por lei no intuito de regulamentar dado exercício e proteger a sociedade em relação à profissão e profissionais por ela regulamentados.

Tratando-se do exercício da medicina, a Lei nº 3.268/1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045/1958, dispõe sobre as atribuições fiscalizatórias a cargo dos Conselhos Regionais, bem como as sanções disciplinares aplicáveis aos profissionais que não atuarem em conformidade com suas disposições, previstas no art. 22 da mencionada lei. 

Cumpre destacar, ademais, que o condicionamento do desempenho profissional a determinadas normas de conduta e a preceitos éticos tem guarida constitucional (art. 5, XIII, CF) e representa uma limitação autorizada pelo ordenamento ao exercício de determinadas profissões cujo desempenho importe risco à coletividade. 

Deveras, acerca da legitimidade da limitação da liberdade profissional em face do interesse público em proteger à sociedade em razão do risco de seu exercício, importante precedente foi firmado quando do julgamento da ADPF 183/DF pelo Supremo Tribunal Federal, cuja ementa trago à colação:

"CONSTITUCIONAL. LEI FEDERAL 3.857/1960. INSTITUI A ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL CONFERINDO PODER DE POLÍCIA SOBRE A PROFISSÃO DE MÚSICO. LIBERDADES DE PROFISSÃO E MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA (ARTS. 5º, IX E XIII, DA CF). INCOMPATIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO ESTATAL NESSE TIPO DE ATIVIDADE. 1. O art. 5º, XIII, parte final, da CF admite a limitação do exercício dos trabalhos, ofícios ou profissões, desde que materialmente compatível com os demais preceitos do texto constitucional, em especial o valor social do trabalho (arts. 1º, IV; 6º, caput e inciso XXXII; 170, caput e inciso VIII; 186, III, 191 e 193 da CF) e a liberdade de manifestação artística (art. 5º, IX, da CF). 2. As limitações ao livre exercício das profissões serão legítimas apenas quando o inadequado exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a critérios de adequação e razoabilidade, o que não ocorre em relação ao exercício da profissão de músico, ausente qualquer interesse público na sua restrição. 3. A existência de um conselho profissional com competências para selecionar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de músico (art. 1º), para proceder a registros profissionais obrigatórios, para expedir carteiras profissionais obrigatórias (arts. 16 e 17) e para exercer poder de polícia, aplicando penalidades pelo exercício ilegal da profissão (arts. 18, 19, 54 e 55), afronta as garantias da liberdade de profissão e de expressão artística. 4. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada procedente." - grifei.

(STF - ADPF: 183 DF - DISTRITO FEDERAL 0006973-67.2009.1.00.0000, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 27/09/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-250 18-11-2019)

Nesta senda, diante da autorização constitucional e do objetivo de resguardar o interesse público em face dos riscos inerentes à atuação médica, a  conduta desses profissionais, inclusa a divulgação de seus trabalhos, sujeita-se aos preceitos éticos editados no âmbito das atribuições fiscalizatórias e disciplinares dos Conselhos Regionais.

Na ponderação de princípios, o interesse público ínsito na limitação de uma atividade profissional que represente risco à sociedade, com vistas a salvaguardar os valores fundamentais atinentes à integridade física e à dignidade da pessoa humana, prepondera sobre a liberdade de exercício de atividade econômica e de publicidade e propaganda. 

Assim, a regulamentação do exercício da profissão, o competente registro, a fiscalização e a correição, com imposição de penalidades, consubstanciam manifestação legítima do poder de polícia e do poder disciplinar exercidos pelos Conselhos Regionais, conforme atribuições impostas por força de lei (Lei nº 3.268/1957).

Por tais razões, é infundada a ilação trazida pelo recorrente, no sentido de que a pena de cassação do registro profissional, decorrente de condenação em processo ético-profissional, seria eivada de vício por violar a liberdade de exercício de atividade econômica, bem assim a liberdade de realização de publicidade a ela correlata.

 

2. Da alegação de inconstitucionalidade da pena de cassação do registro profissional, por afronta à vedação de aplicação de penas de caráter perpétuo, prevista no art. 5º,  XLVII, “b”, da Constituição Federal.

Por derradeiro, a alegada inconstitucionalidade da pena de cassação de registro profissional não se sustenta. Trata-se de ilação suscitada quando da petição inicial e alegações finais do autor, tendo sido decidida pelo juízo a quo quando da prolação da sentença, objeto, portanto, de ampla discussão nos autos e, por tal, já preclusa.

Não obstante, importante destacar que o caráter absoluto da vedação à perpetuidade das penas, disposta no art. 5º, XLVII, “b”, da Magna Carta restou reconhecido no que concerne às sanções de natureza penal, conforme julgamento exarado pelo Supremo Tribunal Federal, cujo excerto transcrevo adiante:

"A unificação penal autorizada pela norma inscrita no art. 75 do CP justifica-se como consequência direta e imediata do preceito constitucional que veda (...), de modo absoluto, a existência, no sistema jurídico brasileiro, de sanções penais de caráter perpétuo. Em decorrência dessa cláusula constitucional, o máximo penal legalmente exequível, no ordenamento positivo nacional, é de trinta (30) anos, a significar, portanto, que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior àquele limite imposto pelo art. 75, caput, do CP (...)." - grifei.

(HC 84.766, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 11-9-2007, Segunda Turma, DJE de 25-4-2008).

Trata-se de garantia que irradia o valor da dignidade da pessoa humana, cuja aplicação em matéria penal, dada a constrição mais gravosa a direitos representada pelas penas privativas de liberdade, é indiscutível no nosso ordenamento.

Situação diversa, todavia, é o contexto das sanções administrativas disciplinares impostas pelos conselhos profissionais. Estas sanções atingem direitos cuja 

autorização para seu exercício anteriormente concedida não mais se justifica em face da manifesta gravidade da lesão a  normas de conduta profissional, destinadas, precipuamente, a salvaguardar o interesse público. 

Trata-se, quando regularmente exercida, de legal e legítima manifestação dos poderes de polícia e disciplinar de que são imbuídos os conselhos profissionais sobre as atividades e membros sujeitos à sua regulamentação e fiscalização.

Infundada, portanto, a alegação acerca da inconstitucionalidade da pena de cassação do registro profissional. 

 

3. Da alegação de violação à exigência de gradação das penas prevista no art. 22,  § 1º, da Lei nº 3.268/1957.

O dispositivo em apreço traz a seguinte redação:

“Art . 22. As penas disciplinares aplicáveis pelos Conselhos Regionais aos seus membros são as seguintes:

a) advertência confidencial em aviso reservado;

b) censura confidencial em aviso reservado;

c) censura pública em publicação oficial;

d) suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias;

e) cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal.

§ 1º Salvo os casos de gravidade manifesta que exijam aplicação imediata da penalidade mais grave a imposição das penas obedecerá à gradação dêste artigo.”

In casu, foi imposta ao recorrente a sanção mais gravosa, de cassação de seu exercício profissional.

No âmbito do julgamento perante o CREMESP (ID 149457302, fls. 31), os votos do revisor foi em prol da aplicação da pena de cassação do exercício profissional "ad referendum" do Conselho Federal, a despeito de não tecer consideração alguma que justificasse aquela opção de sanção. 

De seu turno, constou do parecer do Conselheiro Relator conforme transcrição adiante (ID 149457302, fls. /115:

“Este processo foi motivado pela participação inadequada do Dr. Eduardo Gomes de Azevedo, em programa da TV Bandeirantes em que o denunciado atua de forma a ferir vários artigos do código de ética médica que regulamentam a forma como o médico deve se relacionar com os veículos de divulgação e com a imprensa leiga. 0 denunciado tem vários processos nesta Casa julgados em que age da mesma forma. 

O programa aqui apresentado comprova isto a dispensa qualquer outro tipo de comentário deste relator. Faz referência a nomes de diversos pacientes por ele atendidos, como Emerson Fittipaldi, Zeca Lima, etc., infringindo assim o artigo 102; fez referência a casos clínicos identificáveis na divulgação de assuntos médicos em programas de televisão, conduta essa tipificada no artigo 104; permitiu que sua participação na divulgação de assuntos médicos em veículo de comunicação de massa não conter exclusivamente conteúdo de esclarecimento e educação da coletividade, ferindo o artigo 131; divulgou informação de forma sensacionalista e auto promocionai e de conteúdo contestável nos meios científicos, ferindo o artigo 132 e finalmente infringiu o artigo 133, que diz ser vedado ao médico ao divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta, cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido por órgão competente. Quanto ao artigo 142, apesar do mesmo ser mencionado na inicial não se especificou qual resolução o denunciado teria transgredido, portanto excluo este artigo. Este é o meu voto.” - grifei.

A proposta de pena dos Conselheiros Revisor e Relator de pena foi aceita pelos demais conselheiros, conforme consignado na Ata da Sessão de Julgamento dos autos do processo ético-profissional em comento (ID 149457302, fls. 33/35), in verbis:

"QUANTO À PROPOSTA DO RELATOR E DO REVISOR "AD HOC": Os Conselheiros Relator e Revisor "ad hoc" votaram pela CULPABILIDADE, infração aos artigos 102, 104, 131, 132 2 133 do Código de Ética Médica (contidos na Resolução CFM nº. 1.246/1968) e aplicação da pena de "CASSAÇÃO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL ad referendum DO CONSELHO FEDERAL". Pelo Sr. Presidente foi feita a chamada nominal dos Conselheiros para emitirem sus votos, sendo apurados: 06 (seis) votos pela proposta do Relator e do Revisor "ad hoc". Tudo na conformidade dos pareceres e votos que passam a fazer parte integrante desta Ata. 

Depreende-se dos autos do feito disciplinar, pois, que a reincidência do apelante foi invocada como fundamento para justificar a necessidade da pena mais gravosa ao ora apelante.

Todavia, tal entendimento não merece prosperar. 

Isto em virtude da gradação das penas que foi estatuída como regra no art. 22,  § 1º, da Lei nº 3.268/1957 em comento, tornando exigível suficiente comprovação da situação que a excepciona a fim se ter por motivada a imposição, de plano, da pena mais gravosa. Tal comprovação, todavia, não exsurgiu dos autos do feito disciplinar.

Deveras, existe tão somente a menção genérica no voto do relator de que o autor responde por outros processos julgados naquele Conselho por conduta análoga. 

Inexiste, por exemplo, informação precisa de já ter sido apenado anteriormente com a sanção de suspensão do exercício profissional, que é a penalidade que precede à cassação, a teor do  art. 22,  § 1º, da Lei nº 3.268/1957. 

Neste senda, cabe destacar o disposto no art. 50 da Lei nº 9.784/1990, que versa sobre o dever de motivação dos atos administrativos que importem em restrição de direitos e imposição de sanções.

Forçoso reconhecer, pois, que ausente demonstração suficiente, a alegada reincidência não se presta a motivar a excepcionalidade da sanção mais gravosa. 

Portanto, assiste razão ao recorrente quando sustenta a violação ao disposto no art. 22, § 1º, da Lei nº 3.268/1957 quando da imposição da pena de cassação de seu registro profissional. 

Evidenciada assim a violação ao princípio da legalidade, impõe-se que o Judiciário intervenha na decisão administrativa exarada no Processo Ético-Profissional nº 7.652-228/2007, sustando os efeitos da cassação da licença médica do apelante, até o julgamento final do processo originário, 

Condeno a parte ré em custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10 % sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§3º, I e 4º, III, do Código de Processo Civil.

 

Por tudo exposto, DOU PROVIMENTO à apelação interposta para sustar os efeitos da cassação da licença médica do apelante, até o julgamento final da lide. Condeno a parte ré em custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10 % sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§3º, I e 4º, III, do Código de Processo Civil.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONSELHO PROFISSIONAL. CREMESP. ART. 22, § 1º DA Lei nº 3.268/1957 VIOLADO. INOBSERVÂNCIA DA GRADAÇÃO DAS PENAS. ART. 50 DA LEI Nº 9.784/1990 VIOLADO. AUSENTE MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. SUSTADOS OS EFEITOS DA CASSAÇÃO DA LICENÇA MÉDICA. APELAÇÃO PROVIDA. 

1. Foi imposta ao apelante a pena de cassação de sua licença médica, prevista no art. 22, “e”, da Lei nº 3.268/1957, em razão da apuração em processo ético-profissional da prática das condutas atinentes à violação de segredo médico, especificada nos arts. 102, 104, e de publicidade indevida, conforme previsão dos arts. 131, 132 e 133, todos dispositivos do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.246/88).

2. As aludidas infrações disciplinares foram imputadas ao recorrente em função de sua participação no programa televisivo “Boa Noite Brasil”, veiculado na TV Bandeirantes. Conforme constou dos autos, naquela ocasião o recorrente teria discorrido de forma sensacionalista e autopromocional sobre determinado tratamento de rejuvenescimento que realizava em sua clínica - embora pendente de reconhecimento pelo órgão sanitário competente -, e também por citar de forma específica pacientes que teriam se submetido a tal tratamento, à revelia da necessária autorização. 

3. O recorrente sustenta que a imposição de referida sanção viola o livre exercício de atividade econômica, bem como a publicidade e a propaganda a ela correlatas, conforme disposto no art. 1º da Lei n° 13.874/2019; a vedação à perpetuidade das penas, disposta no art. 5º, XLII, “b” e “e” da Constituição Federal, além de inobservar a exigência de gradação das penas, prevista no art. 22 da Lei nº 3.268/1957.

4. O cancelamento do registro profissional decorre do poder de polícia atribuído às autarquias de fiscalização do exercício profissional, criadas por lei no intuito de regulamentar dado exercício e proteger a sociedade em relação à profissão e profissionais por ela regulamentados. Representa, pois, uma limitação autorizada pelo ordenamento ao exercício de determinadas profissões cujo desempenho importe risco à coletividade. “As limitações ao livre exercício das profissões serão legítimas apenas quando o inadequado exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a critérios de adequação e razoabilidade”(ADPF 183/DF). 

5. Na ponderação de princípios, o interesse público ínsito na limitação de uma atividade profissional que represente risco à sociedade, com vistas a salvaguardar os valores fundamentais atinentes à integridade física e à dignidade da pessoa humana, prepondera sobre a liberdade de exercício de atividade econômica e de publicidade e propaganda. Infundada a ilação de que a cassação do registro profissional, decorrente de condenação em processo ético-profissional, seria eivada de vício por violar a liberdade de exercício de atividade econômica, bem assim a liberdade de realização de publicidade a ela correlata. Não reconhecida a violação à vedação à aplicação de penas perpétuas (art. 5º, XLII, “b” e “e”, CF). Precedente do Supremo Tribunal Federal reconheceu o caráter absoluto da vedação à perpetuidade das penas no que concerne às sanções de natureza penal (STF, HC 84.766, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 11-9-2007, DJE de 25-4- 2008). Trata-se de garantia que irradia o valor da dignidade da pessoa humana, cuja aplicação em matéria penal, dada a constrição mais gravosa a direitos representada pelas penas privativas de liberdade, é incontroversa no nosso ordenamento. Situação que é diversa do contexto das sanções administrativas disciplinares impostas pelos conselhos profissionais. Estas sanções atingem direitos cuja autorização para seu exercício anteriormente concedida não mais se justifica em face da manifesta gravidade da lesão a  normas de conduta profissional, destinadas, precipuamente, a salvaguardar o interesse público. 

6. Reconhecida a violação à exigência de gradação das penas prevista no art. 22,  § 1º, da Lei nº 3.268/1957. Em face da regra da gradação das penas estatuída no dispositivo em comento, a inexistência da comprovação da situação que a excepciona torna a decisão que impôs a pena de cassação despida de motivação, infringindo, além do aludido art. 22,  § 1º da Lei nº 3.268/1957, o disposto no art. 50 da Lei nº 9.784/1990, que versa sobre o dever de motivação dos atos administrativos que importem em restrição de direitos e imposição de sanções.

7. Deveras, consta mera menção genérica de que o autor reitera nas infrações então sob apuração, por, em tese, responder a outros processos disciplinares, sem maiores notícias do estado em que se encontram ou de eventual condenação disciplinar anterior já definitiva. Inexiste, por exemplo, informação segura de já ter sido apenado anteriormente com a sanção de suspensão do exercício profissional, que é a penalidade anterior à cassação. 

8. Evidenciada assim a violação ao princípio da legalidade, impõe-se que o Judiciário intervenha na decisão administrativa exarada no Processo Ético-Profissional, sustando os efeitos da cassação da licença médica do apelante, até o julgamento final do processo originário, 

9. Recurso de apelação provido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, por unanimidade, DEU PROVIMENTO à apelação interposta para sustar os efeitos da cassação da licença médica do apelante, até o julgamento final da lide. Condenou a parte ré em custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10 % sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§3º, I e 4º, III, do Código de Processo Civil, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.