APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5024844-10.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
APELANTE: METROPOLE DECORACAO E PRESENTES LTDA
Advogados do(a) APELANTE: CARLOS EUGENIO DE LOSSIO E SEIBLITZ FILHO - RJ118606-A, SERGIO RICARDO XAVIER DOS SANTOS RIBEIRO DA SILVA - SP170101-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5024844-10.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: METROPOLE DECORACAO E PRESENTES LTDA Advogados do(a) APELANTE: CARLOS EUGENIO DE LOSSIO E SEIBLITZ FILHO - RJ118606-A, SERGIO RICARDO XAVIER DOS SANTOS RIBEIRO DA SILVA - SP170101-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de apelação, em ação de rito comum, ajuizada por Metropole Decoração e Presentes Ltda em face da União, visando anular Mandado de Procedimento Fiscal, porque desamparado de ordem judicial e praticado de forma arbitrária pelos Auditores. A r. sentença, lavrada sob a égide do CPC/2015, julgou improcedente o pedido (doc. 7209678, pg. 209/212), aduzindo que a Fiscalização pode realizar ações, tendo sido franqueada a entrada dos Auditores, não sendo necessário mandado judicial para ingresso no estabelecimento, mas apenas objeção à permanência deles, fato este último que torna qualquer autuação inviável, frisando podem os Fiscais realizar exame de documentos fora do local, tendo havido lavratura de Termo de Retenção de Documentos e Lacração, com posterior intimação do interessado para o deslacre, existindo no Termo de Fiscalização identificação dos Auditores, portanto ausente irregularidade na diligência empreendida. Sujeitou a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, no importe de 10% do valor atualizado da causa. Apelou a parte Autora (doc. 7209678, pg. 215/222), alegando, em síntese, que o Mandado Fiscal tem natureza de busca e apreensão e afronta a garantia constitucional do domicílio, não tendo havido consentimento para ingresso, porque o proprietário Almir de Oliveira Correa Neto já havia adotado esta postura em outras empresas que possui, no mesmo dia, tendo a Receita Federal organizado operação para invadir, simultaneamente, diversas empresas de Almir, onde havia apenas funcionários, que não detinham poder de impedir a autoridade e imposição dos Auditores. Fundamenta que o empresário pode permitir a entrada de Fiscais, por cortesia, mas se há coleta de arquivos e arrecadação de documentos tem o direito de colocá-los para fora. Apresentadas as contrarrazões (doc. 7209678, pg. 251/266), sem preliminares, subiram os autos a esta E. Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5024844-10.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: METROPOLE DECORACAO E PRESENTES LTDA Advogados do(a) APELANTE: CARLOS EUGENIO DE LOSSIO E SEIBLITZ FILHO - RJ118606-A, SERGIO RICARDO XAVIER DOS SANTOS RIBEIRO DA SILVA - SP170101-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Toda vez que falamos em medidas coativas ou restritivas, que possam causar incômodo ou que possam ferir a dignidade, a honra e a privacidade das pessoas, faz-se necessário reportar ao Texto Constitucional e seus princípios reguladores. A Constituição Federal de 1988, que trouxe muitas garantias e direitos fundamentais, dispõe em seu artigo 5º, inciso III, a garantia da incolumidade física e moral do indivíduo; no inciso X, o direito à vida privada e a intimidade; e finalmente no inciso XI, o direito à inviolabilidade de domicílio. A questão da garantia constitucional destes princípios deve ser interpretada como uma vontade do legislador constituinte de elevar a um status máximo os preceitos que carecem de resguardo e aplicação incontestável, afinal, se não fossem assegurados tais princípios, teríamos consequências desastrosas ao Estado Democrático de Direito e ao devido processo legal, além de gerar uma instabilidade social de resultados irreparáveis. A relação de liberdade e coação está localizada em uma linha muito tênue em que o Estado deve zelar pela ordem e paz da sociedade, mas, ao mesmo tempo, deve garantir o cumprimento do ordenamento e inibir a prática de condutas ilícitas, utilizando-se, para tanto, do poder de polícia que lhe é inerente. Dentro desta exposição de liberdade e coação, afigura-se controverso o entendimento sobre até onde o Estado deve interferir no regramento e na vida das pessoas; todavia, esta indagação tem sua resposta no próprio Texto Constitucional, que disciplina pontos onde presente auto limitação estatal, quando, por um lado, tem-se a garantia da inviolabilidade de domicílio, observadas as suas exceções, porém, em contrapartida, presentes também dispositivos que permitem ultrapassar este limite constitucional. Um exemplo disto é o caso de declaração de estado de sítio do artigo 139 da Constituição Federal, em que o Estado poderá proceder à busca e apreensão sem ater-se a estas garantias individuais. Neste passo, interessante destacar o que seria intimidade e privacidade, uma vez que a primeira é decorrente da segunda : privacidade vem a ser a preservação de atos e situações em que pessoas mantêm reserva em relação ao público; intimidade é a proteção jurídica na defesa de lesões à vida privada e aos atos que as pessoas queiram manter em sigilo, como exemplificam Vidal Serrano e Luiz Alberto David de Araújo. Para eles, as relações bancárias e os relacionamentos profissionais de um indivíduo estão dentro do círculo da privacidade : deste modo, tanto o rol de clientes, como os segredos pessoais, a orientação sexual e as dúvidas existenciais compõem o universo da intimidade. (Curso de Direito Constitucional – 5ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2001, p.110, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes). Portanto, a Constituição, ao disciplinar tais garantias e limites, fornece um vasto mecanismo de proteção social, dando ênfase ao seguimento estrito de suas formalidades. De outro lado, já principiando o próprio legislador por afirmar, no caput do art. 194, CTN, o tom subsidiário das regras de Fiscalização ali estatuídas, naquele capítulo, em face de tantas outras especiais regendo este ou aquele assunto em específico, de seu parágrafo emana sua mais ampla abrangência, de modo a submeter ao ímpeto estatal fiscalizador a toda e qualquer pessoa. O acesso aos elementos de convicção para o trabalho fiscal, de sua parte, tais como livros, mercadorias, arquivos e documentos em geral, da mesma forma, vem dilargado, nos termos do caput do art. 195, CTN, afastando este ditame regramentos normativos excludentes ou limitadores do alcance a referidas fontes probatórias. Assim, desfruta a Administração, pois, de ampla liberdade investigatória, na vasculha de elementos de convicção, na apuração dos fatos. Com efeito, o ingresso dos Fiscais foi permitido por pessoa responsável pela empresa ao momento da diligência, conforme bem apurado pela r. sentença, não prosperando a tese recursal de que, posteriormente, ao tomar conhecimento, tinha o proprietário o direito de “expulsar” os Auditores, que já estavam dentro do estabelecimento, à medida que realizavam trabalho amparado por lei, cujo acesso documental também permitido pela legislação, art. 34 e seguintes Lei 9.430/96, ao passo que, prosperasse a tese privada, todo e qualquer procedimento fiscalizatório deixaria de existir, se o fiscalizado “tivesse o direito” de intervir no labor dos agentes fazendários, já iniciado. É dizer, os Fiscais não forçaram a entrada, mas foram autorizados a entrar, o que, por decorrência, desencadeou os atos de checagem e averiguação documental, restando inoponível o “arrependimento posterior” por quem quer que seja. A título exemplificativo, seria o mesmo que um cidadão autorizasse a entrada de policiais em sua residência e, após perceber que algo de ilícito seria encontrado, passasse a enxotar os agentes da lei, postura despida de mínima razoabilidade. Portanto, a partir da autorização por pessoa responsável ao momento da diligência, totalmente descaracterizada a tese de invasão de domicílio, tanto quanto descabida a intenção de interromper o ato fiscalizatório já desencadeado. Ora, como bem frisado pelo E. Juízo a quo, não restou comprovada aos autos qualquer conduta abusiva por parte dos Auditores, que, no cumprimento de seu dever funcional, coletaram documentação empresarial, promoveram a sua lacração e, ao depois, oportunizaram a presença particular no deslacre. É dizer, sem qualquer sentido intente a parte privada que o Estado, no exercício do poder de polícia que lhe é inerente, para que possa empregar procedimentos de Fiscalização, esteja munido de ordem judicial, fato este que inviabilizaria o agir estatal, por evidente, além de assoberbar o já atulhado Judiciário, em prejuízo amplo à coletividade. Assim, plena de legalidade a atuação da Receita Federal: “ADMINISTRATIVO. APREENSÃO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS NAS DEPENDÊNCIAS DE EMPRESA. FALTA DE APRESENTEÇÃO DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DA REGULAR INTERNAÇÃO. IRRELEVÂNCIA DE LEGISLAÇÃO POSTERIOR QUE PASSA A PERMITIR A IMPORTAÇÃO. PAGAMENTO DO DÉBITO VISANDO À LIBERAÇÃO. DESCABIMENTO. MANDADO JUDICIAL COMO CONDICIONANTE DA FISCALIZAÇÃO. DESNECESSIDADE. CONSTITUCIONALIDADE DA PENA DE PERDIMENTO. APELO IMPROVIDO. ... 2. A diligência fiscalizatória levada a efeito pela Secretaria da Receita Federal nas dependências da Apelante, culminando com a apreensão de mercadorias descaminhadas, não depende de prévia apresentação de mandado judicial que assim o autorize, considerando o disposto no art. 195 do Código Tributário Nacional, ao indicar que "Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer dispositivos legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los". 3. Nenhuma aplicação tem no caso concreto a garantia de inviolabilidade de domicílio de que trata o art. 5º, XI, da Constituição Federal, pois, embora diferentemente do Juízo "a quo" perfilhe o entendimento de que a mesma se aplica a qualquer espaço de acesso restrito ao público, no que se inclui o escritório de empresa, na verdade trata-se, aqui, de exercício regular do poder fiscalizatório, mediante credenciais e com ingresso franqueado pelos responsáveis aos agentes fiscais, nada nos autos indicando a apenas alegada invasão forçada do estabelecimento, nesse ponto não se desincumbindo a parte autora do ônus da prova que lhe atribui o art. 333, I, do Código de Processo Civil. ...” (AC 01015078119914036181, JUIZ CONVOCADO CARLOS LOVERRA, TRF3 - TURMA SUPLEMENTAR DA PRIMEIRA SEÇÃO, DJU DATA:13/03/2008 PÁGINA: 678) Em tudo e por tudo, pois, nenhum reparo a comportar a r. sentença. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, na forma da fundamentação. É como voto.
E M E N T A
AÇÃO DE RITO COMUM – TRIBUTÁRIO – PODER DE POLÍCIA ESTATAL A CONFERIR O DIREITO DE INGRESSO DE FISCAIS NO ESTABELECIMENTO, A FIM DE QUE DOCUMENTOS E ELEMENTOS SEJAM AVERIGUADOS, ARTS. 194 E 195, CTN, C.C. ARTS. 34 E SEGUINTES DA LEI 9.430/96 – IMPROCEDÊNCIA AO PEDIDO – IMPROVIMENTO À APELAÇÃO PRIVADA
Inúmeros são os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição Federal : civis, individuais, políticos, de dignidade humana, relacionados à essência da humanidade, de desenvolvimento econômico, à paz etc.
Esses direitos exigem do Estado a satisfação de necessidades e carências individuais, focando para uma conjunção coletiva de formas de relacionamentos socioeconômicos e de desenvolvimento.
Toda vez que falamos em medidas coativas ou restritivas, que possam causar incômodo ou que possam ferir a dignidade, a honra e a privacidade das pessoas, faz-se necessário reportar ao Texto Constitucional e seus princípios reguladores.
A Constituição Federal de 1988, que trouxe muitas garantias e direitos fundamentais, dispõe em seu artigo 5º, inciso III, a garantia da incolumidade física e moral do indivíduo; no inciso X, o direito à vida privada e a intimidade; e finalmente no inciso XI, o direito à inviolabilidade de domicílio.
A questão da garantia constitucional destes princípios deve ser interpretada como uma vontade do legislador constituinte de elevar a um status máximo os preceitos que carecem de resguardo e aplicação incontestável, afinal, se não fossem assegurados tais princípios, teríamos consequências desastrosas ao Estado Democrático de Direito e ao devido processo legal, além de gerar uma instabilidade social de resultados irreparáveis.
A relação de liberdade e coação está localizada em uma linha muito tênue em que o Estado deve zelar pela ordem e paz da sociedade, mas, ao mesmo tempo, deve garantir o cumprimento do ordenamento e inibir a prática de condutas ilícitas, utilizando-se, para tanto, do poder de polícia que lhe é inerente.
Dentro desta exposição de liberdade e coação, afigura-se controverso o entendimento sobre até onde o Estado deve interferir no regramento e na vida das pessoas; todavia, esta indagação tem sua resposta no próprio Texto Constitucional, que disciplina pontos onde presente auto limitação estatal, quando, por um lado, tem-se a garantia da inviolabilidade de domicílio, observadas as suas exceções, porém, em contrapartida, presentes também dispositivos que permitem ultrapassar este limite constitucional. Um exemplo disto é o caso de declaração de estado de sítio do artigo 139 da Constituição Federal, em que o Estado poderá proceder à busca e apreensão sem ater-se a estas garantias individuais.
Interessante destacar o que seria intimidade e privacidade, uma vez que a primeira é decorrente da segunda : privacidade vem a ser a preservação de atos e situações em que pessoas mantêm reserva em relação ao público; intimidade é a proteção jurídica na defesa de lesões à vida privada e aos atos que as pessoas queiram manter em sigilo, como exemplificam Vidal Serrano e Luiz Alberto David de Araújo. Para eles, as relações bancárias e os relacionamentos profissionais de um indivíduo estão dentro do círculo da privacidade : deste modo, tanto o rol de clientes, como os segredos pessoais, a orientação sexual e as dúvidas existenciais compõem o universo da intimidade. (Curso de Direito Constitucional – 5ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2001, p.110, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes).
A Constituição, ao disciplinar tais garantias e limites, fornece um vasto mecanismo de proteção social, dando ênfase ao seguimento estrito de suas formalidades.
Já principiando o próprio legislador por afirmar, no caput do art. 194, CTN, o tom subsidiário das regras de Fiscalização ali estatuídas, naquele capítulo, em face de tantas outras especiais regendo este ou aquele assunto em específico, de seu parágrafo emana sua mais ampla abrangência, de modo a submeter ao ímpeto estatal fiscalizador a toda e qualquer pessoa.
O acesso aos elementos de convicção para o trabalho fiscal, de sua parte, tais como livros, mercadorias, arquivos e documentos em geral, da mesma forma, vem dilargado, nos termos do caput do art. 195, CTN, afastando este ditame regramentos normativos excludentes ou limitadores do alcance a referidas fontes probatórias.
Desfruta a Administração, pois, de ampla liberdade investigatória, na vasculha de elementos de convicção, na apuração dos fatos.
O ingresso dos Fiscais foi permitido por pessoa responsável pela empresa ao momento da diligência, conforme bem apurado pela r. sentença, não prosperando a tese recursal de que, posteriormente, ao tomar conhecimento, tinha o proprietário o direito de “expulsar” os Auditores, que já estavam dentro do estabelecimento, à medida que realizavam trabalho amparado por lei, cujo acesso documental também permitido pela legislação, art. 34 e seguintes Lei 9.430/96, ao passo que, prosperasse a tese privada, todo e qualquer procedimento fiscalizatório deixaria de existir, se o fiscalizado “tivesse o direito” de intervir no labor dos agentes fazendários, já iniciado.
Os Fiscais não forçaram a entrada, mas foram autorizados a entrar, o que, por decorrência, desencadeou os atos de checagem e averiguação documental, restando inoponível o “arrependimento posterior” por quem quer que seja.
A título exemplificativo, seria o mesmo que um cidadão autorizasse a entrada de policiais em sua residência e, após perceber que algo de ilícito seria encontrado, passasse a enxotar os agentes da lei, postura despida de mínima razoabilidade.
A partir da autorização por pessoa responsável ao momento da diligência, totalmente descaracterizada a tese de invasão de domicílio, tanto quanto descabida a intenção de interromper o ato fiscalizatório já desencadeado.
Como bem frisado pelo E. Juízo a quo, não restou comprovada aos autos qualquer conduta abusiva por parte dos Auditores, que, no cumprimento de seu dever funcional, coletaram documentação empresarial, promoveram a sua lacração e, ao depois, oportunizaram a presença particular no deslacre.
Sem qualquer sentido intente a parte privada que o Estado, no exercício do poder de polícia que lhe é inerente, para que possa empregar procedimentos de Fiscalização, esteja munido de ordem judicial, fato este que inviabilizaria o agir estatal, por evidente, além de assoberbar o já atulhado Judiciário, em prejuízo amplo à coletividade.
Devidos honorários recursais, majorando-se a cifra arbitrada pela r. sentença em 2%, totalizando 12%, EDcl no AgInt no REsp 1573573/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 04/04/2017, DJe 08/05/2017.
Improvimento à apelação. Improcedência ao pedido.