Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002252-26.2016.4.03.6133

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. DIVA MALERBI

APELANTE: MUNICIPIO DE SALESOPOLIS

Advogado do(a) APELANTE: ANA PAULA SORIA - SP377947-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002252-26.2016.4.03.6133

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. DIVA MALERBI

APELANTE: MUNICIPIO DE SALESOPOLIS

Advogado do(a) APELANTE: ANA PAULA SORIA - SP377947-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI (RELATORA): Trata-se de apelação interposta pelo MUNICÍPIO DE SALESOPOLIS/SP contra a r. sentença (id. 145616037, fls. 07/12) que, nestes autos de ação civil pública, julgou procedente o pedido do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para condenar o município à adequação e atualização do portal de transparência, nos termos da legislação vigente, no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 e a suspensão do repasse da verba federal (transferências voluntárias), enquanto não cumprida a obrigação de fazer.

Em suas razões de apelo, sustenta o recorrente, em síntese, ser demasiadamente excessivo e irrazoável o valor da multa diária arbitrada, bem como que a determinação de suspensão do repasse das verbas federais, além de também consubstanciar medida desproporcional, causa prejuízo à edilidade, notadamente no que diz respeito à continuação dos serviços públicos prestados à população e ao cumprimento de obrigações financeiras já assumidas. Argumenta, ainda, que já houve o saneamento das irregularidades apontadas na inicial no que diz respeito à implementação do portal de transparência, nos termos da legislação de regência (id. 145616038, fls. 35 e ss).

Apresentadas contrarrazões (id. 145616039, fls. 17/47), os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.

O Ministério Público Federal com atribuição nesta instância manifestou-se pelo desprovimento do recurso (id. 147377340).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002252-26.2016.4.03.6133

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. DIVA MALERBI

APELANTE: MUNICIPIO DE SALESOPOLIS

Advogado do(a) APELANTE: ANA PAULA SORIA - SP377947-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES: 

 

 

V O T O

 

EMENTA:

"APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPLEMENTAÇÃO DO PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. LEI 12.527/11. LC 131/09. ATENDIMENTO PARCIAL PELO MUNICÍPIO. SUSPENSÃO DE TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS E MULTA DIÁRIA. MEDIDAS DESPROPORCIONAIS. NECESSIDADE DE REAVALIAÇÃO CONTEMPORÂNEA DOS FATOS. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Cuida-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, visando compelir o município de Salesópolis/SP a se adequar à normatização contida na Lei Complementar 131/2009 (Lei da Transparência) e Lei 12.527/11 (Lei do Acesso à Informação), no que diz respeito à implementação do portal de transparência.

2. Recentemente, o E. Superior Tribunal de Justiça assentou o posicionamento segundo o qual há legitimidade ativa e interesse do MPF para o ajuizamento de ação civil pública que vise compelir município a cumprir as exigências da Lei 12.527/11 e da LC 131/09 (REsp 1874794/AL, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 15/10/2020; REsp 1804943/PB, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 01/07/2019). Tal posicionamento vem sendo seguido também pelas Terceira e Quarta Turmas desta E. Corte (TRF-3, 3ª Turma, RemNecCiv 0002231-56.2016.4.03.6131, Rel. Desembargador Federal Antonio Carlos Cedenho, p. em 23/06/2020; 4ª Turma, ApCiv 5001621-26.2018.4.03.6133, Rel. Desembargadora Federal Monica Nobre, p. em 18/06/2020).

3. Pela sentença de procedência, o MM. Juízo de origem, além de impor obrigação de fazer consistente em adequação do portal de transparência conforme requerido pelo MPF, entendeu que o não saneamento das irregularidades até então verificadas justificam a interrupção de repasse das verbas federais para o município, em atenção à Lei de Responsabilidade Fiscal, assim como a cominação de multa diária no valor de R$ 5.000,00 a partir do 31º dia de eventual descumprimento.

4. A insurgência do município apelante está voltada propriamente às medidas coercitivas determinadas no decisum ora recorrido.

5. A Lei do Acesso à Informação e a Lei da Transparência dispõem sobre mecanismos de acesso à informação e controle social da gestão pública, de modo a concretizar o princípio republicano e o dever administrativo de, em relação à gestão da documentação governamental, franquear sua consulta a quantos dela necessitem (arts. 216, § 2º, CFR).

6. Com o objetivo de instrumentalizar a publicidade dos atos públicos e permitir a respectiva fiscalização, foram introduzidas modificações na LC 101/2000 (Responsabilidade Fiscal), impondo mecanismos de transparência da gestão fiscal e a exigência de “ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público” (art. 48, LC 101/00), bem como “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público” (art. 48, § 1º, II, LC 101/00).

7. O art. 73-C da Lei Responsabilidade Fiscal, por sua vez, prescreve que o não atendimento, até o encerramento dos prazos previstos no art. 73-B, das determinações contidas nos incisos II e III do parágrafo único do art. 48 e no art. 48-A sujeita o ente estatal à sanção prevista no inciso I do § 3º do art. 23, ou seja, o não recebimento de transferências voluntárias.

8. Por sinal, entende-se por transferências voluntárias a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde (LC 101/2000, art. 25).

9. Neste caso, da análise da prova coligida, verifica-se que o município recorrente efetivamente implementou o portal de transparência, todavia, de forma insuficiente, tendo em vista ausência de certas e necessárias informações, todas enumeradas na sentença.

10. Dessa forma, tendo em vista estar-se diante de controvérsia restrita a algumas condições não atendidas na implementação no referido portal, surge como relevante o argumento suscitado pela edilidade, no sentido de que a aplicação, ao caso, da suspensão das transferências voluntárias previstas como sanção no art. 73-C da LC 101/2000 reflete desproporcionalidade, ainda mais se levados em consideração os graves impactos financeiros e sociais que a falta de tal repasse pode acarretar ao município de pequeno porte.

11. Ademais, considerado o significativo tempo transcorrido entre a publicação da sentença (03/02/2017) e o processamento do presente recurso nesta instância, faz-se necessário, de acordo com o princípio da efetividade da prestação jurisdicional (CPC/2015, art. 6º e Lei Ação Civil Pública, art. 11), que uma nova avaliação sobre a atuação do município no cumprimento das legislações acerca de transparência e acesso à informação seja feita.

12. Com efeito, sendo provável a existência de uma significativa alteração do quadro fático delineado desde a prolação da sentença, impõe-se que o MM. Juízo a quo, próximo das partes e dos fatos, proceda, em sede de cumprimento de sentença, um contemporâneo exame sobre o desempenho do município em relação ao portal de transparência, impondo-se, se o caso, novas medidas coercitivas, nos termos do art. 536 do CPC/2015. 

13. Impõe-se, portanto, a reforma parcial da sentença, para que, mantida a obrigação de fazer consistente na adequação do portal de transparência pelo município, na forma nela determinada, sejam cassadas as medidas de suspensão de repasse de transferências voluntárias e a multa diária, devendo as questões atinentes ao cumprimento da decisão serem reavaliadas na fase prevista no Capítulo VI, Seção I, do CPC/2015.

14. Apelação parcialmente provida, na forma da fundamentação."

 

A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI (RELATORA): Inicialmente, necessário se faz tecer algumas considerações acerca da competência da Justiça Federal para julgamento desta matéria.

A propósito, a jurisprudência desta E. Sexta Turma chegou a pacificar o entendimento segundo o qual a competência para apreciar pedido de violação, pelo município, dos termos constantes de leis sobre transparência pública, de caráter nacional, é exclusivamente da Justiça Estadual, já que inexistiria interesse federal na espécie (ApCiv 5001078-68.2018.4.03.6118, Rel. Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, p. em 10/12/2019, AI 0017334-66.2016.4.03.0000, Rel. Juiz Convocado Leonel Ferreira, p. em 31/05/2019, AI 0017974-69.2016.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Johonsom di Salvo).

Todavia, recentemente, o E. Superior Tribunal de Justiça, ao se debruçar sobre a matéria, assentou o posicionamento segundo o qual há legitimidade ativa ad causam do Ministério Público Federal para o ajuizamento de ação civil pública que vise compelir município a cumprir as exigências da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) e da Lei Complementar 131/2009 (Lei da Transparência), segundo interpretação conjugada da normatização contida nos arts. 37, 109, I, 127, 129, II e III, da Constituição da República, art. 1º, VIII, da Lei 7.347/1985, art. 73-C da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/1993). Confira-se:

“ADMINISTRATIVO. RECURSOS FEDERAIS GERIDOS POR MUNICÍPIO. INOBSERVÂNCIA DAS LEIS DE ACESSO À INFORMAÇÃO E DA TRANSPARÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE AJUIZADA CONTRA PREFEITO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

1. Na origem, trata-se de Ação de Improbidade na qual se narra que o réu, prefeito do Município de Estrela de Alagoas/AL, teria se negado a dar publicidade a atos oficiais, incorrendo nas condutas descritas nos incisos II e IV do art. 11 da Lei 8.429/1992.

Cumulou-se pedido de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

2. O Tribunal de origem, de ofício, declarou a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e julgou extinto o processo sem resolução do mérito (art. 485, VI, do CPC), adotando o entendimento "no sentido da ausência de interesse federal, nas ações em que se discute ilegalidades/irregularidades no Portal de Transparência de ente municipal."

3. Já decidiu a Segunda Turma: "No caso dos autos, o Município recorrido recebe verbas oriundas da União, devendo o recebimento e a aplicação constar no portal da transparência do Município [...] Diante das supostas irregularidades narradas envolvendo a publicidade do uso de recursos financeiros federais, a atuação do Ministério Público Federal configura-se legitima [...]" (REsp 1.784.354/MS, Relator Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 18.10.2019).

6. Reconheceu-se nesse precedente que o Ministério Público Federal tem legitimidade para, na via da Ação Civil Pública, postular provimento judicial que obrigue os municípios gestores de recursos federais a observarem a Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) e a Lei Complementar 131/2009 (Lei da Transparência).

7. Coerentemente, deve-se reconhecer que esse órgão pode pedir em Ação de Improbidade responsabilização dos gestores municipais pela inobservância dessas mesmas leis. Tem-se nos dois casos o legítimo uso de mecanismos de controle administrativo previstos na legislação, seja para prevenir, seja para reprimir a ofensa ao princípio da publicidade.

8. A legitimidade ad causam decorre da pertinência subjetiva com a causa de pedir deduzida pelo autor ou com os fundamentos de defesa apresentados pelo réu. No caso dos autos, consignou-se na petição inicial que "das verbas repassadas pela União no ano de 2015, R$ 33.266.602,32 (trinta e três milhões duzentos e sessenta e seis mil seiscentos e dois reais e trinta e dois centavos) foram destinados ao Município de Estrela de Alagoas - AL." (fl. 14, e-STJ).

9. Recurso Especial provido, para se reconhecer a legitimidade do Ministério Público Federal, determinado-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que, superado esse ponto, decida como entender de direito”.

(REsp 1874794/AL, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 15/10/2020)

“DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO E LEI DA TRANSPARÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 8º, § 2º, DA LEI COMPLEMENTAR 75/1993; ART. 21 DA LEI 12.527/2011 E LEI COMPLEMENTAR 131/2009. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o Município de Campo Grande/MS em razão de reiterados descumprimentos às disposições da Lei 12.527/2001 (Lei de Acesso à Informação) e da Lei Complementar 131/2009 (Lei da Transparência).

2. O Tribunal de origem confirmou a sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito por concluir pela ilegitimidade do Parquet Federal, tendo em vista que a pretensão final postulada pelo MPF se refere unicamente a adequação do Município aos termos das leis mencionadas, logo inexistiria interesse federal a ser defendido.

3. O art. 127 da Constituição Federal define o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, cabendo-lhe promover Ação Civil Pública (art. 129, III).

 4. Cabe ao Parquet resguardar os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no art. 37 da Constituição Federal, entre os quais temos os princípios da publicidade, da legalidade, da eficiência e ainda o da probidade administrativa.

5. No caso dos autos, o Município recorrido recebe verbas oriundas da União, devendo o recebimento e a aplicação constar no portal da transparência do Município. Frise-se que a inadimplência do Município com sua obrigação para com a transparência pode gerar inclusive a suspensão de repasses federais.

6. Diante das supostas irregularidades narradas envolvendo a publicidade do uso de recursos financeiros federais, a atuação do Ministério Público Federal configura-se legitima, tendo em vista sua tarefa de "zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia", nas quais se incluem a promoção do inquérito civil público e da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social (CRF/88, art. 129, II e III).

7. Ressalta-se, ainda, que, nos termos do art. 1º, VIII, da Lei 7.347/1985, o Ministério Público Federal possui legitimidade ativa para ajuizar Ação Civil Pública que vise a resguardar o interesse da União no tocante à correta aplicação de recursos federais transferidos aos Estados e Municípios.

8. Recurso Especial provido.

(REsp 1784354/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2019, DJe 18/10/2019)

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FISCALIZAÇÃO DE RECURSOS FEDERAIS TRANSFERIDOS A ENTES MUNICIPAIS. PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. INTERESSE DE ENTE FEDERAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO POLO ATIVO DA DEMANDA. LEGITIMIDADE ATIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Cuida-se de inconformismo com acórdão do Tribunal de origem que julgou extinto o feito sem resolução do mérito, por reconhecer a ilegitimidade ativa do MPF para entrar com ACP para condenar o Município de Juru/PB a dar o devido cumprimento aos ditames legais atinentes à divulgação de informações de interesse público relacionadas a repasses de verbas da União.

2. Na origem foi proposta Ação Civil Pública visando compelir o município recorrido a cumprir as exigências da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) e da Lei Complementar 131/2009 (Lei da Transparência), bem como do Decreto 7.185/2010, impondo-se transparência aos gastos públicos, que abrange verbas advindas da União.

3. Via de regra, o simples fato de a ação ter sido ajuizada pelo Ministério Público Federal implica, por si só, a competência da Justiça Federal, por aplicação do art. 109, I, da Constituição, já que o MPF é parte da União. Contudo, a questão de uma ação ter sido ajuizada pelo MPF não garante que ela terá sentença de mérito na Justiça Federal, pois é possível que se conclua pela ilegitimidade ativa do Parquet Federal, diante de eventual falta de atribuição para atuar no feito.

4. Haverá a atribuição do Ministério Público Federal, em síntese, quando existir interesse federal envolvido, considerando-se como tal um daqueles previstos pelo art. 109 da Constituição, que estabelece a competência da Justiça Federal. Assim, tendo sido fixado nas instâncias ordinárias que a origem da Ação Civil Pública é a necessidade de prestação de contas de recursos públicos, incluídos aqueles transferidos por ente federal, justifica-se plenamente a atribuição do Ministério Público Federal. Nesse sentido, confira-se precedente do Pleno do Supremo Tribunal Federal: ACO 1463 AgR. Relator(a): Min. Dias Toffolli Tribunal Pleno, julgado em 1/12/2011. Acórdão eletrônico DJe-22 Divulg. 31-01-2012 Public. 1-2-2012 RT v. 101, a 919.2011 p. 635-650.

5. Nessa linha de entendimento, precedente desta Segunda Turma sob a relatoria da eminente Min. Eliana Calmon: "... tratando-se de malversação de verbas federais, repassadas pela União ao Município de Canoas/RS, para aporte financeiro ao Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE FNDE. cujo objetivo é atender as necessidades nutridonais de alunos matriculados em escolas públicas, razão pela qual é inquestionável a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do MPF". (AgRg no AREsp 30.160,RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 2011/2013).

6. Tratando-se da fiscalização de recursos que inclui aqueles provenientes da União, sujeitos, inclusive, à fiscalização de entes federais, indubitável a atribuição do Ministério Público Federal para atuar no feito e, consequentemente, enquadrando-se o MPF na relação de agentes trazidas no art. 109, I, da Constituição, a competência da Justiça Federal. Nesse sentido: REsp 1.513.925/BA, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 13/9/2017; AgRg no AREsp 30.160/RS, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJ 20/11/2013; REsp 1.283.737/DF, Rel. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 25/3/2014.

7. Assim, o aresto hostilizado destoa da jurisprudência do STJ, que se firmou no sentido de que, em se tratando de malversação de verbas federais repassadas pela União, é inquestionável a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do Ministério Público Federal.

8. Deveras, a competência federal é tão patente que o art. 73-C da Lei de Responsabilidade Fiscal (incluído pela LC 131/2009) estabelece que o não atendimento, até o encerramento dos prazos previstos no art. 73-B, das determinações contidas nos incisos II e III do parágrafo único do art. 48 e no art. 48-A sujeita o ente à sanção prevista no inciso I do § 3° do art. 23 da Lei Complementar 101/2000, isto é, o não recebimento das transferências voluntárias enquanto perdurar essa irregularidade.

9. Há, portanto, inquestionável supremacia do interesse nacional da União nessas ações, uma vez que, entre o volume de recursos que municípios e estados administram, há expressivo montante de recursos federais, em consequência das características do nosso federalismo.

10. Ademais, a Lei Orgânica do Ministério Público da União - LC 75/1993 -, que, entre outros aspectos, disciplina a atuação dos seus membros, conferindo-lhes prerrogativas para a defesa dos direitos de uma coletividade de indivíduos e do efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública, objeto do recurso em exame.

11 Ressalta-se que a demanda proposta pelo Parquet Federal veicula típico interesse transindividual, que ultrapassa a esfera pessoal dos indivíduos envolvidos e atinge uma coletividade de pessoas, repercutindo no interesse público e no respeito aos princípios da transparência e publicidade de gastos públicos envolvendo a aplicação de verbas federais, e a proteção ao Erário.

12. Não é possível afastar, portando, a legitimidade do Parquet Federal para a propositura de Ação Civil Pública que visa compelir o município agravado a cumprir as exigências da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) e da Lei Complementar 131/2009 (Lei da Transparência), bem como do Decreto 7.185/2010, impondo-se transparência aos gastos públicos, dever da Administração prestar contas aos cidadãos.

13. Por conseguinte, considerando a possível repercussão do eventual descumprimento das prescrições legais citadas sobre repasses de verbas da União, reconhece-se a legitimidade do MPF para propor a presente ACP e fixa-se a competência da Justiça Federal para este caso, haja vista o entendimento cristalizado pelo STF e pelo STJ.

14. Recurso Especial provido”.

(REsp 1804943/PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019)

Observa-se, nesse contexto, que as egrégias Terceira e Quarta Turmas, componentes da Segunda Seção deste c. Tribunal, também reconhecem a legitimidade ativa do Ministério Público Federal e a competência da Justiça Federal em casos semelhantes. Confira-se: 

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA NECESSÁRIA. SÍTIO ELETRÔNICO DO MUNICÍPIO DE PARDINHO. PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. Lei COMPLEMENTAR N.° 131/09 (LEI DA TRANSPARÊNCIA). LEI N.° 12.527/11 (LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO). REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA.

1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face do Município de Pardinho/SP, sob o argumento de que o réu descumpre reiteradamente as disposições da Lei Complementar n.° 131/09 (Lei da Transparência) e da Lei n.° 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação), de acordo com o inquérito civil público n.° 1.34.003.00010912016-59.

2. Requer o "parquet" que o réu seja compelido a regularizar as pendências encontradas no seu sítio eletrônico, como: disponibilização de informações quanto à receita; disponibilização de dados quanto à despesa; disponibilização de informações sobre procedimentos licitatórios; apresentação das prestações de contas do ano anterior, do Relatório Resumido da Execução Orçamentária, do Relatório de Gestão Fiscal - RGF e do Relatório Estatístico; indicação do Serviço de Informações ao Cidadão.

3. A r. sentença julgou procedentes os pedidos da petição inicial e condenou o réu em obrigação de fazer, para implementar na íntegra todas as exigências pertinentes à legislação da transparência pública, no prazo de 90 (noventa) dias, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de atraso. 

4. O Município de Pardinho/SP foi intimado da r. sentença, porém não houve interposição de recurso.

5. O Ministério Público Federal atestou que o Município de Pardinho/SP, no decorrer da ação e após a audiência de conciliação, não realizou todas as alterações necessárias para a total implementação do portal da transparência pública.

6. Após análise feita no sítio eletrônico da Prefeitura de Pardinho, conforme documento nos autos, verificou-se que não estavam integralmente atendidos os itens da petição inicial do Ministério Público Federal, consoante a Lei Complementar n.º 131/09 (Lei da Transparência) e a Lei n.º 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação).

7. Ressalta-se que a adequada implementação de acesso à informação da gestão pública, como o portal da transparência, está em consonância com o princípio da publicidade, de acordo com o artigo 37 e artigo 5°, inciso XXXIII, da Carta Maior.

8. Com efeito, a r. sentença deve ser mantida, a fim de compelir o Município de Pardinho a implementar as medidas necessárias ao portal da transparência, consoante as disposições da Lei Complementar n.º 131/09 (Lei da Transparência) e da Lei n.º 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação).

9. Remessa necessária desprovida.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSáRIA CíVEL, 0002231-56.2016.4.03.6131, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 19/06/2020, Intimação via sistema DATA: 23/06/2020)

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FISCALIZAÇÃO DE RECURSOS FEDERAIS TRANSFERIDOS A ENTES MUNICIPAIS. PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. INTERESSE DE ENTE FEDERAL.

- Embora a Lei nº 7.347/85 silencie a respeito, a r. sentença deverá ser submetida ao reexame necessário (interpretação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/65), conforme entendimento da 4ª Turma deste Tribunal e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

- O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação civil pública em face de MUNICÍPIO DE BIRITIBA-MIRIM/SP e da UNIÃO. Alega ter ocorrido descumprimento à Lei de Acesso à Informação (Lei Federal nº 12.527/2014), de modo, inclusive, a obstar a ocorrência de transferências voluntárias (art. 73-C da Lei de Responsabilidade Fiscal - LC nº 101/2000 com a redação atribuída pela LC nº 131/2009).

- Não há que se falar em ilegitimidade passiva, haja vista que a União, ao verificar as irregularidades cometidas pelo Município, não suspendeu as transferências voluntárias de recursos federais pelo descumprimento dos dispositivos constantes na LC Nº 101/2000.

- Da mesma forma, não procede a alegação de impossibilidade jurídica do pedido, pois o Ministério Público Federal ajuizou a presente ação em defesa dos princípios constitucionais da Administração Pública, em especial, o da publicidade.

- A Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), em seu art. 48, determina que “são instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos”.

- A transparência será assegurada também mediante “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público”.

- No caso dos autos, nos termos do Inquérito Civil n.º 1.34.006.000300/2015-90, houve tentativa de ajuste extrajudicial entre o Ministério Público Federal e o gestor público. No entanto, as desconformidades entre as informações constantes no Portal e as exigidas pela lei permaneceram.

- A inadimplência do Município com suas obrigações de transparência pode, inclusive, gerar a suspensão de repasses federais.

- Remessa oficial e apelação não providas.

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL, 5001621-26.2018.4.03.6133, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 10/06/2020, Intimação via sistema DATA: 18/06/2020)

Logo, em deferência ao entendimento consolidado pela jurisprudência majoritária, impõe-se o reconhecimento da legitimidade ativa do Parquet Federal e a competência da Justiça Federal para a resolução da causa.

O mérito recursal.

Cuida-se de ação civil pública promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com fulcro nos arts. 127 e 129, II e III da Constituição da República, visando compelir o MUNICÍPIO DE SALESÓPOLIS/SP a se adequar à normatização contida na Lei Complementar 131/2009 (Lei da Transparência) e Lei 12527/11 (Lei do Acesso à Informação), no que diz respeito à implementação do portal de transparência.

Pela r. sentença de procedência, o MM. Juízo de origem, além de impor obrigação de fazer consistente em adequação do portal de transparência conforme requerido pelo MPF, entendeu que o não saneamento das irregularidades até então verificadas justificam a interrupção de repasse das verbas federais para o Município, em atenção à Lei de Responsabilidade Fiscal, assim como a cominação de multa diária no valor de R$ 5.000,00 a partir do 31º dia de eventual descumprimento.

A insurgência do Município apelante está voltada propriamente às medidas coercitivas determinadas no decisum ora recorrido.

Consoante expostos pelo Parquet, a Lei do Acesso à Informação e a Lei da Transparência dispõem sobre mecanismos de acesso à informação e controle social da gestão pública, de modo a concretizar o princípio republicano e o dever administrativo de, em relação à gestão da documentação governamental, franquear sua consulta a quantos dela necessitem (arts. 216, § 2º, da Constituição Federal).

Com o objetivo de instrumentalizar a publicidade dos atos públicos e permitir a respectiva fiscalização, foram introduzidas modificações na LC 101/2000 (Responsabilidade Fiscal), impondo mecanismos de transparência da gestão fiscal e a exigência de “ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público” (art. 48, LC 101/00), bem como “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público” (art. 48, § 1º, II, LC 101/00).

O art. 73-C da Lei Responsabilidade Fiscal, por sua vez, prescreve que o não atendimento, até o encerramento dos prazos previstos no art. 73-B, das determinações contidas nos incisos II e III do parágrafo único do art. 48 e no art. 48-A sujeita o ente estatal à sanção prevista no inciso I do § 3º do art. 23, ou seja, o não recebimento de transferências voluntárias.

Por sinal, entende-se por transferências voluntárias a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde (LC 101/2000, art. 25).

In casu, da análise da prova coligida, verifica-se que o município recorrente efetivamente implementou o portal de transparência, todavia, de forma insuficiente, tendo em vista ausência de certas e necessárias informações, todas enumeradas na r. sentença.

Dessa forma, tendo em vista estar-se diante de controvérsia restrita a algumas condições não atendidas na implementação no referido portal, surge como relevante o argumento suscitado pela edilidade, no sentido de que a aplicação, ao caso, da suspensão das transferências voluntárias previstas como sanção no art. 73-C da LC 101/2001 reflete desproporcionalidade, ainda mais se levados em consideração os graves impactos financeiros e sociais que a falta de tal repasse pode acarretar ao município de pequeno porte.

Ademais, considerado o significativo tempo transcorrido entre a publicação da r. sentença (03/02/2017) e o processamento do presente recurso nesta instância, faz-se necessário, de acordo com o princípio da efetividade da prestação jurisdicional (CPC/2015, art. 6º e Lei Ação Civil Pública, art. 11), que uma nova avaliação sobre a atuação do município no cumprimento das legislações acerca de transparência e acesso à informação seja feita.

Com efeito, sendo provável a existência de uma significativa alteração do quadro fático delineado desde a prolação da r. sentença, impõe-se que o MM. Juízo a quo, próximo das partes e dos fatos, proceda, em sede de cumprimento de sentença, a um contemporâneo exame sobre o desempenho do município em relação às obrigações a ele determinadas nestes autos, impondo-se, se o caso, novas medidas coercitivas, nos termos do art. 536 do CPC/2015.  

Impõe-se, portanto, a reforma parcial da r. sentença, para que, mantida a obrigação de fazer consistente na adequação do portal de transparência pelo município, na forma nela determinada, sejam cassadas as medidas de suspensão de repasse de transferências voluntárias e a multa diária, devendo as questões atinentes ao cumprimento da decisão serem reavaliadas na fase prevista no Capítulo VI, Seção I, do CPC/2015.

Ante o exposto, dá-se parcial provimento à apelação, consoante a fundamentação.

É como voto.         

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPLEMENTAÇÃO DO PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. LEI 12.527/11. LC 131/09. ATENDIMENTO PARCIAL PELO MUNICÍPIO. SUSPENSÃO DE TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS E MULTA DIÁRIA. MEDIDAS DESPROPORCIONAIS. NECESSIDADE DE REAVALIAÇÃO CONTEMPORÂNEA DOS FATOS. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Cuida-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, visando compelir o município de Salesópolis/SP a se adequar à normatização contida na Lei Complementar 131/2009 (Lei da Transparência) e Lei 12.527/11 (Lei do Acesso à Informação), no que diz respeito à implementação do portal de transparência.

2. Recentemente, o E. Superior Tribunal de Justiça assentou o posicionamento segundo o qual há legitimidade ativa e interesse do MPF para o ajuizamento de ação civil pública que vise compelir município a cumprir as exigências da Lei 12.527/11 e da LC 131/09 (REsp 1874794/AL, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 15/10/2020; REsp 1804943/PB, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 01/07/2019). Tal posicionamento vem sendo seguido também pelas Terceira e Quarta Turmas desta E. Corte (TRF-3, 3ª Turma, RemNecCiv 0002231-56.2016.4.03.6131, Rel. Desembargador Federal Antonio Carlos Cedenho, p. em 23/06/2020; 4ª Turma, ApCiv 5001621-26.2018.4.03.6133, Rel. Desembargadora Federal Monica Nobre, p. em 18/06/2020).

3. Pela sentença de procedência, o MM. Juízo de origem, além de impor obrigação de fazer consistente em adequação do portal de transparência conforme requerido pelo MPF, entendeu que o não saneamento das irregularidades até então verificadas justificam a interrupção de repasse das verbas federais para o município, em atenção à Lei de Responsabilidade Fiscal, assim como a cominação de multa diária no valor de R$ 5.000,00 a partir do 31º dia de eventual descumprimento.

4. A insurgência do município apelante está voltada propriamente às medidas coercitivas determinadas no decisum ora recorrido.

5. A Lei do Acesso à Informação e a Lei da Transparência dispõem sobre mecanismos de acesso à informação e controle social da gestão pública, de modo a concretizar o princípio republicano e o dever administrativo de, em relação à gestão da documentação governamental, franquear sua consulta a quantos dela necessitem (arts. 216, § 2º, CFR).

6. Com o objetivo de instrumentalizar a publicidade dos atos públicos e permitir a respectiva fiscalização, foram introduzidas modificações na LC 101/2000 (Responsabilidade Fiscal), impondo mecanismos de transparência da gestão fiscal e a exigência de “ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público” (art. 48, LC 101/00), bem como “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público” (art. 48, § 1º, II, LC 101/00).

7. O art. 73-C da Lei Responsabilidade Fiscal, por sua vez, prescreve que o não atendimento, até o encerramento dos prazos previstos no art. 73-B, das determinações contidas nos incisos II e III do parágrafo único do art. 48 e no art. 48-A sujeita o ente estatal à sanção prevista no inciso I do § 3º do art. 23, ou seja, o não recebimento de transferências voluntárias.

8. Por sinal, entende-se por transferências voluntárias a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde (LC 101/2000, art. 25).

9. Neste caso, da análise da prova coligida, verifica-se que o município recorrente efetivamente implementou o portal de transparência, todavia, de forma insuficiente, tendo em vista ausência de certas e necessárias informações, todas enumeradas na sentença.

10. Dessa forma, tendo em vista estar-se diante de controvérsia restrita a algumas condições não atendidas na implementação no referido portal, surge como relevante o argumento suscitado pela edilidade, no sentido de que a aplicação, ao caso, da suspensão das transferências voluntárias previstas como sanção no art. 73-C da LC 101/2000 reflete desproporcionalidade, ainda mais se levados em consideração os graves impactos financeiros e sociais que a falta de tal repasse pode acarretar ao município de pequeno porte.

11. Ademais, considerado o significativo tempo transcorrido entre a publicação da sentença (03/02/2017) e o processamento do presente recurso nesta instância, faz-se necessário, de acordo com o princípio da efetividade da prestação jurisdicional (CPC/2015, art. 6º e Lei Ação Civil Pública, art. 11), que uma nova avaliação sobre a atuação do município no cumprimento das legislações acerca de transparência e acesso à informação seja feita.

12. Com efeito, sendo provável a existência de uma significativa alteração do quadro fático delineado desde a prolação da sentença, impõe-se que o MM. Juízo a quo, próximo das partes e dos fatos, proceda, em sede de cumprimento de sentença, um contemporâneo exame sobre o desempenho do município em relação ao portal de transparência, impondo-se, se o caso, novas medidas coercitivas, nos termos do art. 536 do CPC/2015. 

13. Impõe-se, portanto, a reforma parcial da sentença, para que, mantida a obrigação de fazer consistente na adequação do portal de transparência pelo município, na forma nela determinada, sejam cassadas as medidas de suspensão de repasse de transferências voluntárias e a multa diária, devendo as questões atinentes ao cumprimento da decisão serem reavaliadas na fase prevista no Capítulo VI, Seção I, do CPC/2015.

14. Apelação parcialmente provida, na forma da fundamentação.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação, tendo o Desembargador Federal Johonsom Di Salvo acompanhado a relatora, com ressalva de ponto de vista contrário à legitimidade ativa do MPF, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.