APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006398-26.2014.4.03.6119
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ESTER JUVELINA DA SILVA FERMIANO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006398-26.2014.4.03.6119 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE: ESTER JUVELINA DA SILVA FERMIANO APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de ressarcimento ao erário proposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS em face de Ester Juvelina da Silva Fermiano, representada por Valdenice Felix da Silva, objetivando-se a condenação da parte ré a restituir os valores pagos a título de benefício assistencial, recebidos indevidamente no período 04/12/2007 a 31/07/2011 (NB 87/570.924.821 -1), valor este que corresponde a R$26.873.34 (vinte e seis mil. oitocentos e setenta e três reais e trinta e quatro centavos). corrigido até 25/08/2014. A r. sentença julgou procedente o pedido inicial e extinguiu o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, 1, do Código de Processo Civil. Condenou a parte ré ao reembolso de eventuais despesas e ao pagamento de honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo do §3° do art. 85 CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação/proveito econômico obtido pela parte autora, suspensa a exigibilidade, por ser beneficiária da justiça gratuita, nos termos do art. 98, 3° do CPC. Apela a parte ré, em que alega a presença de boa-fé, pois desconhecia a existência do vínculo laboral de seu cônjuge, bem como não ser possível a restituição dos valores pagos a título de verba alimentar. Subsidiariamente, pede que se admita a restituição apenas dos valores referentes ao período anterior a outubro de 2009, pois a partir de então houve a cessação do vínculo laboral do pai da beneficiária. Parecer do MPF pelo parcial provimento do recurso de apelação, para que seja reconhecido o direito da apelante à percepção do benefício no período entre 1.11.2009 e 1.4.2012 (id Num. 102974210 - Pág. 220/222). Foi determinada a suspensão do feito, nos termos do Ofício 36/16 da E. Vice-Presidência desta Corte. Diante do julgamento do Tema 979 (REsp 1.381.734/RN) pelo e. Superior Tribunal de Justiça, houve o levantamento do feito e os autos vieram conclusos. É o relatório. ab
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006398-26.2014.4.03.6119 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE: ESTER JUVELINA DA SILVA FERMIANO APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução. Trata-se de processo de ressarcimento ao erário ajuizada pelo INSS, referente a benefício de amparo social a pessoa portadora de deficiência NB 87/570.924.821 -1, recebido por Ester Juvelina da Silva, em virtude de omissão da declaração referente à composição e renda do grupo familiar. Alega a autarquia que o benefício foi recebido indevidamente. em razão da renda mensal familiar per capta ser superior a 1/4 do salário-mínimo quando do seu deferimento, o que foi verificado no procedimento revisional, uma vez que constava no CNIS do pai da ré, Sr. Manoel Firmino, vínculo empregatício extemporâneo com início em 01/07/2007, informação omitida pelos genitores da requerente quando da realização de pesquisa na residência, o que comprova a má-fé e o dolo dos envolvidos no processo. Assim, pretende a devolução referente ao período de 04/12/2007 a 31/07/2011, no valor de R$26.873.34 (vinte e seis mil, oitocentos e setenta e três reais e trinta e quatro centavos), corrigido até 28/05/2014 (id Num. 102974210 - Pág. 104). PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO. É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal: "A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos". "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial". Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular procedimento administrativo, não implica na suspensão ou cancelamento unilateral do benefício, por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da ampla defesa, in verbis: "Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". DA OBRIGAÇÃO DE SE REPETIR O INDEVIDO DECORRENTE DE FRAUDE Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta ou omissão. Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927, ambos do Código Civil de 2002: “Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.” “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.” “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a repará-lo.” Na hipótese de ser constatada irregularidade na concessão do benefício, consubstanciada em erro da administração ou na prática de fraude de servidor do INSS, a Autarquia Federal deve instaurar procedimento administrativo antes de cancelar o benefício ou de cobrar eventual indevido. Nesse contexto, eventual irregularidade na concessão do benefício da qual não reste comprovada a participação do segurado na concessão do benefício, ou não reste comprovado o fato de que ele se beneficiou da fraude, não pode gerar ao segurado responsabilidade objetiva pelo ressarcimento. Somente quando se comprovar a participação do segurado na fraude ou que o mesmo tenha sido diretamente beneficiado em razão dela é que não se poderá deixar de obrigar o segurado a devolver o indevido sob pena de se validar o enriquecimento ilícito, vedado pelo ordenamento jurídico. A fraude na obtenção do benefício não afasta a obrigação de restituição ao sistema das verbas indevidamente recebidas. Entendimento diverso levaria ao enriquecimento sem causa, em detrimento dos demais segurados do regime previdenciário. O art. 115 da Lei n. 8.213/91 enumera os descontos que podem ser feitos no valor dos benefícios previdenciários e, embora não tenha disposição específica, prevê o desconto de valores pagos além do devido. A matéria está regulada pelo art. 154, § 2º, do Decreto n. 3.048/99, na redação que lhe deu o Decreto n. 5.699/2006: Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício: § 2º. A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. Esse tem sido também o entendimento do STJ: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO IRREGULARMENTE CONCEDIDO. RESTITUIÇÃO. DECRETO 5.699/2006. POSSIBILIDADE DE PARCELAMENTO. NORMA DE ORDEM PÚBLICA MAIS BENÉFICA. APLICAÇÃO IMEDIATA. DESCONTO DA INTEGRALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO CARÁTER SOCIAL DAS NORMAS PREVIDENCIÁRIAS. 1. De acordo com o art. 115 da Lei 8.213/91, havendo pagamento além do devido (hipótese que mais se aproxima da concessão irregular de benefício), o ressarcimento será efetuado por meio de parcelas, nos termos determinados em regulamento, ressalvada a ocorrência de má-fé. 2. A redação original do Decreto 3.048/99 determinava que a restituição de valores recebidos a título de benefício previdenciário concedido indevidamente em virtude de dolo, fraude ou má-fé deveria ser paga de uma só vez. Entretanto, a questão sofreu recente alteração pelo Decreto 5.699/2006, que passou a admitir a possibilidade de parcelamento da restituição também nestes casos, pelo que, sendo norma de ordem pública mais benéfica para o segurado, entende-se que tem aplicação imediata indistintamente a todos os beneficiários que estiverem na mesma situação. 3. Além disso, em vista da natureza alimentar do benefício previdenciário e a condição de hipossuficiência do segurado, torna-se inviável impor ao beneficiário o desconto integral de sua aposentadoria, uma vez que, ficando anos sem nada receber, estaria comprometida a sua própria sobrevivência, já que não teria como prover suas necessidades vitais básicas, em total afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como ao caráter social das normas previdenciárias, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social. 4. A fim de evitar o enriquecimento ilícito, reputo razoável o desconto de 30% sobre o valor do benefício, conforme requerido pelo segurado. 5. Recurso Especial improvido. (REsp 959209/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 03/09/2007, p. 219). Desse modo, os valores recebidos indevidamente em razão da fraude devem ser devolvidos aos cofres do INSS, na forma acima fundamentada. DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido." Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua percepção. A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007). Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva, que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013, 10ª ed., p. 54/61). DO CASO DOS AUTOS Conforme se infere dos autos, Ester Juvelina da Silva, por meio de sua representante legal Sra. Valdenice Felix da Silva, requereu e obteve Amparo Assistencial (LOAS - portador de deficiência), benefício que recebeu o n. 87/570.924.821.1 com DIB em 04/12/2007. Para fins de concessão do benefício, se constata da declaração sobre a composição do grupo familiar, de 11/2007, que foi declarado que a ré Ester Juvelina da Silva Fermiano convivia no mesmo teto com a sua mãe, Valdenice Felix da Silva, beneficiária de um auxílio-acidente (NB 0788090062), bem como com seu pai Manoel Fermiano e sua irmã Sunamita da Silva Fermiano, ambos sem renda (id Num. 102974210 - Pág. 17). Assim, das informações ali declaradas, apenas a sua mãe tinha renda referente a um benefício de auxílio-acidente. Porém, em procedimento de revisão, foi verificado pela autarquia que o Sr. Manoel Fermiano, integrante do grupo familiar e pai da requente, possuiu vínculo empregatício constante no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS confirmado por meio de Pesquisa Extemporânea, percebendo remuneração de R$ 1.083.00 (mil e oitenta e três reais) que fazia com que a renda familiar per capita ultrapassasse o valor de ¼ do salário-mínimo então vigente. Ainda, nos autos, fora colhido o depoimento pessoal da ré Valdenice Felix da Silva e oitiva de Manoel Fermiano, conforme se infere do seguinte fragmento extraído da sentença: “Em depoimento pessoal a corré Valdenice Felix da Silva afirmou em síntese que na data do requerimento do benefício assistencial residia na residência juntamente com seus 4 (quatro) filhos, Samuel, Felipe, Sunamita, Ester e com o marido Manoel. Respondeu que os filhos trabalhavam, sabendo informar que um deles trabalhava na AMBEV, devendo receber em torno de 1 salário-mínimo, mas que pouco ajudavam, tendo um deles se casado depois e que não sabia quando o marido estava trabalhando e que este lhe dizia não possuir dinheiro. Afirmou que recebia benefício acidentário de valor baixo e que se encontrava em dificuldade financeira, pois seus problemas de saúde a impediam de trabalhar e porque despendia boa parte de seu tempo em busca de tratamento para a menor Ester. Afirmou ter recebido orientação por parte dos médicos da menor de que esta possuía direito ao recebimento de benefício assistencial, não tendo procurado o INSS antes por ter medo de receber indevidamente, uma vez que o marido trabalhava. Respondeu que foi informada no INSS e no CRAS que para receber o benefício assistencial a retida familiar não poderia ultrapassar certo valor. Respondeu ter informado ao INSS que o marido se encontrava desempregado. Informou que a residência da família é própria e que após o início, do recebimento do benefício assistencial foram construídos mais cômodos na casa. Respondeu, ainda, que a menor Ester era atendida no Centro de Estimulação Precoce e que recebia os remédios distribuídos pelo Estado.” (id Num. 102974210 - Pág. 192). “Na oitiva de Manoel Fermiano, este respondeu que tinha conhecimento do pedido de benefício assistencial realizado pela esposa para a filha menor Ester junto ao INSS. Informou que os filhos Samuel e Felipe residiam junto com eles em 2007 e que trabalhavam como Porteiro na AMBEV, ajudando pouco em casa com as despesas. Perguntado sobre as despesas com o tratamento da filha Ester, respondeu que nem todos os remédios eram fornecidos pelo Estado e que às vezes comprava remédios para a filha, assim como a esposa com o valor que recebia de benefício acidentário. Informou que a residência passou por reforma, sendo construídos mais 3 cômodos e a garagem. Indagado acerca da existência de vínculo empregatício em 2007, respondeu que trabalhou na Bometal que passou a se chamar Domotec, sendo vendida e que os compradores/empregadores não pagavam os salários aos empregados, que seu salário era de RS 900,00, mas que recebia apenas R$100,00 por semana, descontado no fim do mês do holerite, de modo que comparecia de vez em quando para trabalhar, por conta da falta de pagamento do salário. Respondeu que estava na residência quando foi realizada a visita da Assistente Social do INSS.” (id Num. 102974210 - Pág. 193). De fato, conforme se observa do CNIS, fato é que o pai da requerente Manoel Fermiano, teve vínculo empregatício extemporâneo junto à empresa Domotec Metais – Ind. e Comércio de Metais Ltda, no período de 01/07/2007 a 10/2009 (id Num. 102974210 - Pág. 77), onde consta remuneração no valor de R$1.083,00 na DER em 12/2007 (id Num. 102974210 - Pág. 79). O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família: "Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: .......................................................... V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.". A Lei de Assistência foi regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. O art. 20 da Lei assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011. Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família. Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na redação dada pela Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011. A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo de alguém. No que se refere à hipossuficiência econômica, de acordo com a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, definiu-se o conceito de família como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/2011, fora estabelecido, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º). Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo, anoto que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral da República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. Os debates, entretanto, não cessaram, por ser tormentosa a questão e envolver princípios fundamentais contidos na Carta da República, situação que culminou, inclusive, com o reconhecimento, pelo mesmo STF, da ocorrência de repercussão geral. A Suprema Corte acabou por declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, inclusive por considerar defasada essa forma meramente aritmética de se apreciar a situação de miserabilidade dos idosos ou deficientes que visam a concessão do benefício assistencial (Plenário, RCL 4374, j. 18.04.2013, DJE de 04/09/2013). No entanto, é preciso que se tenha a possibilidade de ao menos entrever, a partir da renda informada, eventual quadro de pobreza em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, até que o Poder Legislativo estabeleça novas regras. Para tanto, faz-se necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do qual se possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável, tal como assentado no REsp 1112557 julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73. Por outro lado, cabe à autarquia previdenciária a revisão/avaliação da continuidade das condições que lhe garantiram a concessão do benefício, nos termos do art. 21 da Lei n. 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social: "Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. § 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário. § 2º O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou utilização. § 3o O desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência. § 4º A cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não impede nova concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em regulamento. Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual. § 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o período de revisão previsto no caput do art. 21. § 2o A contratação de pessoa com deficiência como aprendiz não acarreta a suspensão do benefício de prestação continuada, limitado a 2 (dois) anos o recebimento concomitante da remuneração e do benefício". No caso, observo que ao tempo da concessão do benefício foram atendidos os requisitos legais, sendo prestadas informações verídicas sobre o grupo familiar. Para tanto, se observa a informalidade dos vínculos do pai da beneficiária, tendo o registro do vínculo empregatício sido efetuado de forma extemporânea, tendo ele declarado que “os empregadores não pagavam os salários aos empregados, que seu salário era de RS 900,00, mas que recebia apenas R$100,00 por semana, descontado no fim do mês do holerite, de modo que comparecia de vez em quando para trabalhar, por conta da falta de pagamento do salário.” Ainda, não se vislumbra a ocorrência de má-fé da parte ré, sendo que cabe à autarquia proceder à revisão bienal do benefício, nos termos da Lei n. 8.742/93, a fim de averiguar se permanecem ou não satisfeitos os requisitos necessários para a manutenção do benefício. Embora se reconheça que ninguém pode invocar a própria ignorância como justificativa para o descumprimento da lei, não se verifica má-fé na conduta praticada pela autora. Efetivamente, a fraude não se presume, razão pela qual ante a ausência de sua comprovação nos autos, não há como se imputar qualquer conduta ilícita à parte ré, tampouco má-fé na percepção do benefício, ante o princípio constitucional da presunção de inocência. Sendo assim, inexigível a cobrança do débito pelo INSS. Em razão da inversão dos ônus sucumbenciais, condeno a autarquia ao pagamento de honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento), a incidir sobre o valor dado à causa. Diante do exposto, dou provimento ao recurso de apelação, nos termos da fundamentação. É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. OMISSÃO NA DECLARAÇÃO DO GRUPO FAMILIAR. VÍNCULO EXTEMPORÂNEO DE UM DOS INTEGRANTES DO GRUPO FAMILIAR. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. RESSARCIMENTO INDEVIDO.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- No caso, se observa que ao tempo da concessão do benefício o requerido atendia os requisitos legais, sendo prestadas informações verídicas sobre o grupo familiar.
- Para tanto, se observa a informalidade dos vínculos do pai da beneficiária, tendo o registro do vínculo empregatício sido efetuado de forma extemporânea, tendo ele declarado que “os empregadores não pagavam os salários aos empregados, que seu salário era de RS 900,00, mas que recebia apenas R$100,00 por semana, descontado no fim do mês do holerite, de modo que comparecia de vez em quando para trabalhar, por conta da falta de pagamento do salário.”
- Ainda, não se vislumbra a ocorrência de má-fé da parte ré, sendo que cabe à autarquia proceder à revisão do benefício, nos termos do art. 21 da Lei n.º 8.742/93, a fim de averiguar se permanecem ou não satisfeitos os requisitos necessários para a manutenção do benefício.
- Embora se reconheça que ninguém pode invocar a própria ignorância como justificativa para o descumprimento da lei, não se verifica má-fé na conduta praticada pela autora.
- Efetivamente, a fraude não se presume, razão pela qual ante a ausência de sua comprovação nos autos, não há como se imputar qualquer conduta ilícita à parte ré, tampouco má-fé na percepção do benefício, ante o princípio constitucional da presunção de inocência.
- Sendo assim, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- Em razão da inversão dos ônus sucumbenciais, condenada a autarquia ao pagamento de honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento), a incidir sobre o valor dado à causa.
- Apelação provida.