Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002690-12.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: DANILO GONCALVES SETUBAL

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002690-12.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: DANILO GONCALVES SETUBAL

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta por DANILO GONÇALVES SETUBAL, por intermédio da Defensoria Pública da União (DPU), em face da sentença proferida pela 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP que, atribuindo à conduta narrada na denúncia a definição jurídica contida no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal, condenou o apelante à pena de 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo.

A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária no montante de 5 (cinco) salários mínimos, em favor da Caixa Econômica Federal.

Narra a denúncia (ID 145233234), recebida em 04.02.2020 (ID 145233236):

No dia 29/09/2019, por volta das 23h00, na agência da Caixa Econômica Federal (CEF) situada na Avenida Rio Pequeno, 865, São Paulo/SP, DANILO GONÇALVES SETUBAL, voluntária e conscientemente, tentou subtrair coisa alheia móvel com o rompimento de obstáculo, que resultou na deterioração de três câmeras de vigilância, da mesa do salão de autoatendimento, bem como das lâminas de vidro da porta de entrada da referida agência (fls. 51/54).

Com efeito, na data dos fatos, os policiais militares Diego Brancalhone Colherinhas e Fernando Silva Moretto faziam patrulhamento de rotina na região da zona oeste desta capital, quando receberam uma mensagem, via COPOM, noticiando que na agência da Caixa Econômica Federal, localizada na Avenida Rio Pequeno, 865, estaria ocorrendo uma tentativa de furto.

Chegando ao local indicado, os militares se depararam com um indivíduo quebrando a porta de entrada da Agência, com violentos chutes.

Diante da situação encontrada, os policiais imobilizaram o indivíduo, que, após busca pessoal, se identificou como sendo DANILO GONÇALVES SETÚBAL.

Indagado sobre o que fazia no local, DANILO afirmou que pretendia “roubar a agência”, sendo então preso em flagrante e conduzido ao 91º DP.

O Relatório de Análise de Imagens acostado às fls. 49/51, elaborado a partir das imagens do Circuito Fechado de TV (CFTV) apresentadas pela Caixa Econômica Federal, traz registros fotográficos da ação criminosa. Inicialmente, é possível ver o acusado chegando à CEF, dando um chute na porta principal, que se quebra, e entrando na agência, momento em que, segundo o relatório, o alarme é acionado. Em seguida, DANILO quebras as câmeras do CFTV, jogando um objeto não identificado contra elas. Contudo, com a chegada dos policiais militares a ação delituosa é interrompida.

Assim, as imagens trazidas aos autos demonstram que o crime de furto contra a CEF não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do acusado, qual seja, a chegada dos policiais ao local, que impediram que ele subtraísse bens do interior da agência.

De acordo com informação acostada pela Caixa Econômica Federal às fls. 45, os danos gerados pelo acusado atingiram o montante de R$ 7.020,29. Nesse sentido, o Laudo de Perícia do Local do Crime indica a ocorrência de danos a duas laminas de vidro da porta da entrada da agência, a três câmeras de vigilância, bem como à mesa do salão de autoatendimento (fls. 51/54).

Ademais, o Laudo de Perícia Papiloscópica de fls. 57/58 concluiu que “01 (um) fragmento de impressão digital, coletado na parte superior da porta de vidro anexa à porta giratória (porta de emergência), face externa, na agência da Caixa Econômica Federal, situada na Av. Rio Pequeno nº 865, Rio Pequeno, em São Paulo (fragmento 01) foi produzida por DANILO GONÇALVES SETÚBAL”.

Em sede policial, DANILO GONÇALVES SETUBAL nada declarou, destacando que apenas se manifestaria em Juízo (fls. 10).

Realizada pesquisa sobre seus antecedentes criminais, constatou-se a existência do IPL nº 0586/2018-15 (fls. 73/76), no qual DANILO foi indiciado pela prática de crime de tentativa de furto qualificado contra a Agência Brigadeiro da CEF, no dia 21.12.2018, o que demonstra que o crime objeto dos presentes autos não é um episódio isolado.

A sentença (ID 145233290) foi proferida em audiência, realizada em 14.10.2020.

Em suas razões recursais (ID 145233291), a DPU sustenta, preliminarmente, a nulidade da sentença por não ter sido oportunizado à defesa prazo para manifestar-se quanto à emendatio libelli. No mérito, argumenta que o valor do dano causado é insuficiente para surtir qualquer efeito no patrimônio da vítima (Caixa Econômica Federal) e, em razão disso, a conduta seria materialmente atípica. Consequentemente, requer a aplicação do princípio da insignificância e a absolvição do réu com fundamento no art. 386, III, do CPP.

Foram apresentadas contrarrazões (ID 145233303).

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do recurso (ID 146500984).

É o relatório.

À revisão.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002690-12.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: DANILO GONCALVES SETUBAL

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta por DANILO GONÇALVES SETUBAL em face da sentença que, atribuindo à conduta narrada na denúncia a definição jurídica contida no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal, condenou o apelante pela prática desse crime.

Preliminarmente, a defesa alega a nulidade da sentença, sob o argumento de que não lhe foi dada a oportunidade de se manifestar sobre a emendatio libelli, o que lhe teria acarretado prejuízo, já que a tese de aplicação do princípio da insignificância não pôde ser arguida antes da prolação da sentença condenatória.

Rejeito essa alegação preliminar. Segundo dispõe o art. 383 do Código de Processo Penal, o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, pode atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. Essa situação é diferente da mutatio libelli, prevista no art. 384 do Código de Processo Penal, na qual ocorre alteração da descrição do fato e, em consequência, muda-se a classificação jurídica.

No caso dos autos, ocorreu a situação prevista no art. 383 do CPP, de modo que o juízo agiu dentro da legalidade, não incorrendo em nulidade alguma. Não há que se falar em violação ao princípio da correlação entre denúncia e sentença, tampouco em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois o réu defende-se dos fatos a ele imputados e não da sua capitulação jurídica. Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL MILITAR E PENAL MILITAR. DENÚNCIA. CRIMES DE ABANDONO DE POSTO E DE ORGANIZAÇÃO DE GRUPO PARA A PRÁTICA DE VIOLÊNCIA. NULIDADE PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE.

1. O princípio da congruência ou correlação no processo penal estabelece a necessidade de correspondência entre a exposição dos fatos narrados pela acusação e a sentença. Por isso, o réu se defende dos fatos, e não da classificação jurídica da conduta a ele imputada.

2. [...]

3. Este Supremo Tribunal Federal já assentou que “Defendendo-se o acusado dos fatos narrados na denúncia, descabe cogitar de prejuízo pela circunstância de haver ocorrido por parte do Ministério Público, possível enquadramento legal errôneo” (RHC 74.359/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, 2ª Turma, DJ 13.6.1997).

4. Inexistente no curso da ação penal militar qualquer alteração da narrativa dos fatos imputados aos réus ou a inobservância do art. 437, “a”, do CPPM. 

5. [...]

6. Ordem de habeas corpus concedida parcialmente tão somente para declarar extinta a punibilidade de Iuri Andrade de Lima pela prescrição da pretensão punitiva estatal com relação ao crime do art. 150 do Código Penal Militar.

(HC 119.264, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, publ. 05/06/2014)

Passo ao exame do mérito.

A materialidade e a autoria estão devidamente comprovadas pelo auto de prisão em flagrante, pelo laudo de perícia do local do crime, que indica a existência de danos na porta de vidro da entrada, em três câmeras de vigilância e na mesa do salão de autoatendimento da agência bancária da agência da Caixa Econômica Federal (CEF) localizada na avenida Rio Pequeno nº 865, em São Paulo (SP); pelo relatório de análise das imagens de CFTV da agência bancária danificada, pelo laudo de perícia papiloscópica, que localizou um fragmento de impressão digital coletado no local do crime, identificado como sendo de DANILO GONÇALVES SETUBAL, e pela prova oral produzida em contraditório judicial (ID 145233294).

A defesa pede a aplicação do princípio da insignificância, ao argumento de que o valor do dano não atingiu de forma considerável o patrimônio da vítima, razão pela qual a conduta deve ser considerada materialmente atípica.

Sem razão.

A aplicação desse princípio não se limita à extensão do dano causado. Conforme orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do HC nº 84.412/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello, a insignificância, como fator de descaracterização material da tipicidade penal, deve ser analisada em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima. A aplicação desse postulado reclama a presença de certos vetores, a saber: i) mínima ofensividade da conduta do agente; ii) nenhuma periculosidade social da ação; iii) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No caso, além de o valor do dano causado à CEF não ser pequeno, tendo sido estimado em R$ 7.020,29 (ID 145233231, p. 40), a aplicação do princípio da insignificância igualmente não é possível porque o STF também firmou sua jurisprudência no sentido de que a reiteração de comportamentos antinormativos por parte do agente impede sua aplicação, pois não podem ser consideradas irrelevantes repetidas lesões a bens jurídicos tutelados pelo direito penal:

HABEAS CORPUS. FURTO. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. RELEVÂNCIA DO BEM FURTADO PARA A VÍTIMA. PACIENTE REINCIDENTE. PRECEDENTES.

[...]

3. Reincidência do Paciente assentada nas instâncias antecedentes. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida.

4. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal.

5. Ordem denegada.

(HC 115.707/MS, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 25.06.2013, DJe 09.08.2013)

A folha de antecedentes do apelante e a consulta de movimentação processual (ID 145233231, p. 65/72) indicam a existência de condenação em primeira instância por crime de furto qualificado (autos nº 0000042-47.2019.403.6181 – IPL 0586/2018-15 Delepat/DPF/SP), o que, além de ter inviabilizado o acordo de não persecução penal previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal  (ID 145233236), demonstra a reiteração de conduta criminosa. Por mais esse motivo, o princípio da insignificância não é aplicável ao caso.

Portanto, mantenho a condenação de DANILO GONÇALVES SETUBAL pela prática do crime de dano qualificado e nada há para ser revisto quanto à dosimetria da pena porque não houve insurgência no recurso e foi fixada no mínimo legal.

Posto isso, NEGO PROVIMENTO à apelação.

É o voto.



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADo. EMENDATIO LIBELLI. DANO QUALIFICADO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.

1. Segundo dispõe o art. 383 do Código de Processo Penal, o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, pode atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. Essa situação é diferente da mutatio libelli, prevista no art. 384 do Código de Processo Penal, na qual ocorre alteração da descrição do fato e, em consequência, muda-se a classificação jurídica.

2. No caso dos autos, ocorreu a situação prevista no art. 383 do CPP, de modo que o juízo agiu dentro da legalidade, não incorrendo em nulidade alguma. Não há que se falar em violação ao princípio da correlação entre denúncia e sentença, tampouco em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois o réu defende-se dos fatos a ele imputados e não da sua capitulação jurídica.

3. A aplicação do princípio da insignificância não se limita à extensão do dano causado. Como fator de descaracterização material da tipicidade penal, a insignificância deve ser analisada em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima, reclamando a sua aplicação a presença dos seguintes vetores: i) mínima ofensividade da conduta do agente; ii) nenhuma periculosidade social da ação; iii) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada. É nesse sentido a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (HC nº 84.412/SP, Rel. Ministro Celso de Mello).

4. No caso, além de o valor do dano causado à CEF não ser pequeno, a aplicação do princípio da insignificância igualmente não é possível porque o STF também firmou jurisprudência no sentido de que a reiteração de comportamentos antinormativos por parte do agente impede essa aplicação porque não podem ser consideradas irrelevantes repetidas lesões a bens jurídicos tutelados pelo direito penal. A folha de antecedentes do apelante e a consulta de movimentação processual indicam a existência de condenação em primeira instância por crime de furto qualificado, o que demonstra reiteração de conduta criminosa a afastar.

5. Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.