APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006226-55.2020.4.03.6000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: M. T. DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO COSMO DE OLIVEIRA ANTONIASSI - MT28136/O
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, OPERAÇÃO STATUS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006226-55.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: M. T. DE OLIVEIRA Advogado do(a) APELANTE: DANILO PIRES ATALA - MT6062-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, OPERAÇÃO STATUS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de recurso de Apelação interposto pela pessoa jurídica M. T. DE OLIVEIRA (ID’s 158102932 e 158102936) em face da r. sentença (ID’s 158102928, 158102929 e 158102930), proferida pelo MM. Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS e da lavra do Eminente Juiz Federal Dalton Igor Kita Conrado, que indeferiu pedido de restituição e/ou de levantamento de indisponibilidade incidente sobre o veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320. Em suas razões, alega, em síntese, a recorrente ser a real proprietária do automotor (sendo, assim, terceira de boa-fé e detentora de capacidade econômico-financeira para titularizar bem de luxo), tendo-o comprado na pessoa jurídica “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI”, sobrevindo indisponibilidade em razão da deflagração da “Operação STATUS”, razão pela qual vindica pelo levantamento de qualquer espécie de contrição judicial. A propósito, colhem-se os seguintes termos de sua peça recursal (ID 158102936): (...) A Apelante explora a atividade de compra-venda de veículo automotor (popular garagem), situada em Porto Velho-RO e, recebeu, mediante dação em pagamento, em nome próprio a BMW 320I ACTIVE FLEX, renavan 01295168186, chassi WBA3B1108FK096711, placa QBW0320/MT, cor BRANCA (doravante denominada simplesmente de BMW) da empresa Classe A/Cuiabá (Classe A Com. de Veículos Eireli – CNPJ 16.922.462/0001-04), em data de 24.08.2020, pelo de R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil reais), em transação envolvendo negociação de um caminhonete S10 para PAULO DOS SANTOS (...) Ato contínuo, tomou posse da BMW e iniciou os trâmites para transferência, conforme ATPV (autorização de Transferência de Propriedade de Veículo, vistoria etc), devidamente preenchido com firma reconhecida e documentos constitutivos da vendedora, representada por GILZA AUGUSTA DE ASSIS E SILVA (...) a Classe A/Cuiabá deu em pagamento para as Construtoras PAIAGUÁS e FARIAS (Grupo FV) a BMW em questão. O Grupo FV tem um empreendimento imobiliário chamada de Residencial Cancún em Porto Velho-RO, com 250 unidades habitacionais pelo programa social Minha Casa, Minha Vida, através de financiamento junto a CEF; e subempreitou parte dos serviços à empresa SANTOS CONSTRUÇÕES EIRELI, de propriedade de PAULO DOS SANTOS. O Grupo FV, por sua vez, deu em pagamento à SANTOS CONSTRUÇÕES EIRELI os direitos sobre a BMW. Este, por sua vez, deu em pagamento à Apelante a BMW na compra da S10, placa QTI5J39 junto a Apelante; ou seja, esta intermediou a venda da S10 (QTI5J39) para o Paulo dos Santos (...) O Juízo a quo indeferiu o pedido de restituição da BMW sob os seguintes ‘pilares’: a) ausência de informações acerca do negócio jurídico, presumindo o dever de existência de contrato; b) alteração da versão acerca da aquisição do veículo; c) ausência de documentos que comprovem a onerosidade do negócio; d) não demonstração da capacidade financeira da Apelante para a aquisição do bem (...) não há que se presumir a existência de contrato de compra e venda escrito, uma vez que a legislação permite a sua celebração de forma verbal. Quanto ao fundamento de que a Apelante apresentou duas versões diferentes para a aquisição do veículo, trata-se de conclusão equivocada. De fato, na petição inicial a aquisição da BMW foi narrada de forma simplista, posteriormente, na petição de ID n. 41647976, a Apelante narrou minuciosamente como foi adquirido o bem, não havendo que se falar em ‘duas versões’ (...) os documentos juntados pela Apelante comprovam a capacidade financeira de todos os envolvidos. Embora seja uma firma individual, é uma empresa familiar, sendo que o procurador ERLEN DIAS PINTO é casado com VANUZA DA SILVA OLIVEIRA PINTO que é irmã de MARSOGLEI TEIXERIA DE OLIVEIRA (proprietário da M T OLIVEIRA), ou seja, o proprietário e seu procurador são cunhados (...) o fato do Sr. Marsoglei Teixeira de Oliveira ter recebido o benefício do Auxílio Emergencial não pode ser utilizado isoladamente para ‘duvidar’ da capacidade financeira da Apelante adquirir o veículo. Ademais, conforme explicado anteriormente a empresa SANTOS CONSTRUÇÕES EIRELI deu em pagamento à Apelante a BMW na compra da S10, placa QTI5J39; esta intermediou a venda da S10 (QTI5J39) para o Paulo dos Santos, ou seja, não houve, de fato, o desembolso do valor de R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil reais) (...) a BMW pertence à Apelante que NÃO é investigada, cuja boa-fé, além de presumida, encontra-se cabalmente demonstrada, seja pelo modo de aquisição, seja pelo uso/gozo da coisa em proveito próprio e de seus sócios (...) ante o exposto, requer que seja o presente recurso CONHECIDO e TOTALMENTE PROVIDO para, consequentemente, reformar a sentença ora guerreada no sentido de cancelar quaisquer constrições judiciais da BMW 320I ACTIVE FLEX, renavan 01295168186, chassi WBA3B1108FK096711, placa QBW0320/MT, cor BRANCA oriunda dos autos principias junto ao RENAJUD/DETRAN (...) – destaques no original. Com contrarrazões (ID 158102939), vieram os autos a esta E. Corte. Oficiando nesta instância, o Ministério Público Federal opinou pelo improvimento do recurso (ID 158699547). É o relatório. Dispensada a revisão, na forma regimental.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006226-55.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: M. T. DE OLIVEIRA Advogado do(a) APELANTE: DANILO PIRES ATALA - MT6062-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, OPERAÇÃO STATUS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Objetiva a Apelante o levantamento de qualquer indisponibilidade incidente sobre o veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320, apreendido no bojo da “Operação STATUS”, sob o argumento de que seria sua legítima proprietária e possuidora de boa-fé. Importante ser ressaltado que o pedido em tela foi indeferido pelo MM. Juízo a quo sob o entendimento de que o bem ainda interessaria ao feito principal, especialmente à luz de que não restou afastada a existência de dúvida quanto à condição da recorrente de terceira de boa-fé, sem prejuízo da não demonstração tanto da capacidade econômico-financeira para a aquisição do automotor como da onerosidade do suposto negócio jurídico – a propósito, pertinente trazer à colação o conteúdo do r. provimento judicial recorrido (ID’s 158102928, 158102929 e 158102930): (...) Trata-se de incidente de restituição de coisas apreendidas, por meio do qual M. T. DE OLIVEIRA, pessoa jurídica representada por MARSOCLEI TEIXEIRA DE OLIVEIRA objetiva o levantamento da constrição lançada sobre o veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, renavan 01295168186, chassi WBA3B1108FK096711, placa QBW0320/MT, cor branca. Como fundamento do pleito, o requerente alega que adquiriu o veículo de boa-fé em 24.08.2020 da pessoa jurídica Classe A pelo valor de R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil reais), sendo que não possui qualquer envolvimento com os fatos investigados no âmbito da nominada Operação Status. Afirma que trabalha com a compra e venda de veículos na cidade de Porto Velho/RO e que adquiriu o bem como forma de investimento, sendo que ao tentar realizar a transferência verificou a existência de ordem de indisponibilidade (ID 39163366). Instado, o Ministério Público Federal manifestou-se desfavorável ao pedido de restituição (ID 41404815), aduzindo que não restou comprovada a onerosidade do negócio e a capacidade financeira do requerente para a aquisição do bem. Informou que MARSOCLEI recebeu 5 (cinco) parcelas do auxílio emergencial do governo federal, além de figurar como beneficiário do programa bolsa família. Indo além, aduziu que o mesmo veículo fora vendido pela empresa Classe A no dia 09.01.2019 em outra negociação. Instado a se manifestar acerca do parecer ministerial, o requerente impugnou as alegações do Ministério Público Federal apresentando nova versão de como se deu a aquisição do veículo e juntando documentos (ID 41647961). Por fim, o ‘Parquet’ federal apresentou novo parecer apontando a existência de incongruências na versão trazida pelo requerente e pugnando pelo indeferimento de seu pedido (ID 46095819). É a síntese do necessário. Decido. Inicialmente, ressalto que, conforme se infere da própria petição inicial do requerente, não se trata ‘in casu’ de medida de restituição de bem apreendido, mas verdadeiramente de embargos de terceiro. Como é cediço, para o levantamento de medida assecuratória de sequestro a parte interessada pode valer-se do procedimento dos embargos de terceiro, previsto nos artigos 129 e 130 do Código de Processo Penal, devendo comprovar, para tanto, além da propriedade por terceiro de boa-fé, a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua aquisição e, efetivamente, a desvinculação do referido bem com os fatos apurados na ação penal onde perdurar a contrição. Desse modo, haja vista que o requerente pleiteia o levantamento da constrição lançada por este juízo sobre bem que alega lhe pertencer, estar-se-ia diante de hipótese de cabimento de embargos de terceiro criminal. No entanto, em atenção aos princípios da primazia da decisão de mérito e visando conferir maior celeridade à solução da lide posta, passo a decidir acerca do mérito do pedido neste feito. No âmbito dos autos de sequestro nº 5008205-86.2019.4.03.6000, foi decretada a constrição de bens de diversos investigados, dentre eles, da pessoa jurídica Classe A, que figura como proprietária do bem ‘sub judice’, e que, segundo as investigações, estaria, em tese, imbricada com atos de movimentação e de ocultação de patrimônio adquirido com o resultado do tráfico de drogas. No caso específico destes autos, entendo que o requerente não logrou êxito em demonstrar satisfatoriamente a onerosidade do negócio jurídico, além da sua capacidade econômica em adquiri-lo. Inicialmente, tem-se que o requerente apresentou duas versões diferentes para a aquisição do veículo, sem qualquer explicação para tamanha alteração quanto ao modo como se deu o suposto negócio jurídico. Vejamos: Em sua petição inicial, apresentada aos 24.09.2020, esta foi a versão apresentada pelo requerente: ‘A Requerente explora a atividade de compra-venda de veículo automotor (popular garagem), situada em Porto Velho-RO e, com a finalidade de investimento, adquiriu, em nome próprio a BMW 320I ACTIVE FLEX, renavan 01295168186, chassi WBA3B1108FK096711, placa QBW0320/MT, cor BRANCA (doravante denominada simplesmente de BMW) da empresa Classe A/Cuiabá (Classe A Com. de Veículos Eireli – CNPJ 16.922.462/0001-04), em data de 24.08.2020, no valor pago a vista de R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil reais)’. Posteriormente, após a manifestação do Ministério Público Federal em que se comprovou que o mesmo veículo fora vendido pela empresa Classe A no dia 09.01.2019 em outra negociação, o requerente apresentou aos 11.11.2020 impugnação na qual consignou o seguinte: ‘Conforme contrato de id 41404814, a Classe A/Cuiabá deu em pagamento para as Construtoras PAIAGUÁS e FARIAS (Grupo FV) a BMW em questão. O Grupo FV têm um empreendimento imobiliário chamada (sic) de Residencial Cancún em Porto Velho-RO, com 250 unidades habitacionais pelo programa social Minha Casa, Minha Vida, através de financiamento junto a CEF; e subempreitou parte dos serviços à empresa SANTOS CONSTRUÇÕES EIRELI, de propriedade de PAULO DOS SANTOS. O Grupo FV, por sua vez, deu em pagamento à SANTOS CONSTRUÇÕES EIRELI os direitos sobre a BMW. Este, por sua vez, deu em pagamente à Requerente (M. T. DE OLIVEIRA) a BMW na compra da S10, placa QTI5J39; ou seja, a Requerente intermediu a venda da S10 (QTI5J39) para o Paulo dos Santos’. Não foram juntados documentos que comprovem a onerosidade do negócio e que esclareçam a suposta transação que envolveu o veículo S10, placa QTI5J39. Não há comprovantes de pagamentos, contratos de compra e venda ou qualquer outro elemento que demonstre a veracidade das informações do requerente. Vale asseverar ainda que o CONTRATO DE CONSTRUÇÃO POR EMPREITADA juntado no ID 41648285 pelo requerente e que supostamente comprova a contratação da empresa SANTOS CONSTRUÇÕES EIRELI está datado de 04.05.2020, mas as assinaturas só foram firmadas em 16.10.2020, portanto, em data posterior ao próprio ajuizamento do presente pedido. Outro ponto bastante incomum é que foram juntados aos autos mais documentos relativos a pessoa jurídica de propriedade de PAULO DOS SANTOS do que em relação à própria empresa requerente, mesmo após as suspeitas aventadas pelo Ministério Público Federal. Oportuno ainda registrar que o Ministério Público Federal trouxe aos autos comprovante de que o proprietário da empresa requerente, Sr. MARSOCLEI TEIXEIRA DE OLIVEIRA, supostamente adquirente de um veículo de alto valor, requereu a concessão de auxílio-emergencial do Governo Federal, tendo recebido 5 parcelas nas datas de 09.04.2020, 21.05.2020, 30.06.2020, 31.07.2020 e 09.09.2020. O requerente, por sua vez, admitiu o recebimento do auxílio governamental, consoante sua manifestação do ID 41647976. Leia-se: ‘O Sr. Marsoglei Teixeira de Oliveira recebeu auxilio emergencial? Exa., só DEUS e o Sr. MARSOGLEI sabem das dificuldades que teve que atravessar e ainda atravessa em razão da paralisia da economia na seita do ‘LOCKDOWN’ e a economia a gente vê depois. M. T. OLIVEIRA não comprou a BMW para uso próprio, mas para investimento e, se não vende, não entra dinheiro e se não entra dinheiro, como é que se vivi (sic)? Com o devido respeito, Marsoglei Teixeira de Oliveira não é funcionário público para receber vencimento em plena LOCKDOWN’. Foge à lógica que uma empresa cujo proprietário esteja passando por tamanha dificuldade financeira a ponto de necessitar do recebimento do auxílio-emergencial para sobreviver tenha R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil reais) para realizar um investimento em um veículo que nem mesmo sabe quando irá vender. Como bem pontuou o Ministério Público Federal, o recebimento de 4 (quatro) das parcelas do auxílio se deram em momento anterior à compra do veículo. Ante o exposto, acolho o parecer ministerial e INDEFIRO, por ora, o pedido de restituição/levantamento da indisponibilidade, eis que não comprovada a onerosidade do negócio e a capacidade financeira do requerente para a aquisição do bem (...) – destaques no original. DA CONTEXTUALIZAÇÃO DA INDISPONIBILIDADE INCIDENTE SOBRE O VEÍCULO BMW 320I ACTIVE FLEX (2014/2015, BRANCO, POSSUIDOR DE PLACAS QBW-0320) LEVADA A EFEITO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO – “OPERAÇÃO STATUS” A indisponibilidade incidente sobre o veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320, objeto de impugnação neste Pedido de Restituição de Coisa Apreendida / Embargos de Terceiro, decorreu de medida constritiva deferida no âmbito da “Operação STATUS”, cuja fase ostensiva foi deflagrada em 11 de setembro de 2020, investigação policial esta que tinha por escopo desmantelar suposta organização criminosa voltada ao tráfico internacional de entorpecentes (especialmente cocaína), ressaltando-se, por oportuno, que o proveito econômico obtido com a execução de tal atividade seria objeto de diversos atos de lavagem – importante destacar que, segundo o até então apurado, a organização criminosa que teria sido descoberta seria chefiada pelo “Clã MORINIGO”, composto pelas pessoas de EMÍDIO MORINIGO, de JEFFERSON MORINIGO e de KLEBER MORINIGO. DO REGIME JURÍDICO APLICADO À “COISA APREENDIDA” NO PROCESSO PENAL No processo penal, coisas apreendidas são aquelas que, de algum modo, interessam à elucidação do crime e de sua autoria, podendo configurar tanto elementos de prova, quanto elementos sujeitos a futuro confisco, pois coisas de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção ilícita, bem como as obtidas pela prática do delito (NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado, Editora Forense, 16ª edição, Rio de Janeiro/2017, p. 358). Com efeito, a teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo, cabendo destacar que o art. 120 do mesmo diploma determina que a restituição, quando cabível, poderá ser ordenada tanto pela autoridade policial como pelo juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. A propósito, vide os seguintes julgados: REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA LEGITIMA PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA DO RECURSO FINANCEIRO PARA A AQUISIÇÃO DO BEM. COMPROMETIMENTO COM A ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o art. 118 do CPP firmou compreensão de que as coisas apreendidas na persecução criminal não podem ser devolvidas enquanto interessarem ao processo. 4. Encontrando-se o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça, a pretensão recursal esbarra no óbice previsto na Súmula nº 83/STJ, também aplicável aos recursos interpostos com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional. (...) (STJ, AgRg no AREsp 1049364/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, v.u., DJe 27.03.2017) – destaque nosso. INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. APREENSÃO DE VEÍCULO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA REAL PROPRIEDADE DO BEM. ARTS. 118 E 120 DO CPP. 1. Embora o veículo esteja registrado em nome do requerente, tal fato não comprova a real propriedade, pois estava na posse de pessoa que o teria utilizado na prática do tráfico de drogas. 2. A apreensão também deve ser mantida com fundamento no art. 118 do CPP. 3. Pedido improcedente. (TRF3, autos nº 0003219-61.2016.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, 11ª Turma, v.u., e-DJF3 18.12.2017) – destaque nosso. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. RESTITUIÇÃO DAS COISAS APREENDIDAS. INTERESSE AO PROCESSO (CPP, ART. 118). APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo, conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal. 2. Em que pese a documentação apresentada pela apelante (fls. 12/14 e 20/41), a apreensão dos bens ainda interessa ao processo, considerando não estarem satisfatoriamente esclarecidas as circunstâncias relativas ao uso do veículo e do semirreboque durante a prática do fato delituoso, o que pode ensejar decisão sobre sua destinação conforme o art. 91, II, do Código Penal. (...) (TRF3, autos nº 0001602-30.2016.4.03.6116 - Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, 5ª Turma, v.u., e-DJF3 28.08.2017) – destaque nosso. Sem prejuízo do exposto, há que se observar, ainda, os termos do art. 91 do Código Penal, referente aos efeitos da condenação, tratando da perda de bens em favor da União nas seguintes hipóteses: Art. 91. São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. § 1º. Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. § 2º. Na hipótese do § 1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda. Outrossim, cuidando-se a situação concreta de potencial perpetração do delito de lavagem de dinheiro, incide também o arcabouço normativo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 (redação conferida pela Lei nº 12.682/2012): § 2º. O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou seqüestrados quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos causados e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. Destaque-se que o dispositivo legal em tela estabeleceu a inversão do ônus da prova da origem lícita do bem pelo investigado, na esteira da Convenção de Viena sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (art. 5º, item 7), da Convenção de Palermo contra o Crime Organizado Transnacional (art. 12, item 7), da Convenção de Varsóvia sobre Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (art. 3º, item 4) e da Recomendação nº 4º do Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, cabendo salientar que a Exposição de Motivos da Lei nº 9.613/1998, no seu item 67, deixa evidente que essa inversão restringe-se à apreensão e ao sequestro de ativos. Luiz Flávio Gomes, comentando o art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998 (na redação anterior à conferida pela Lei nº 12.682/2012), sustentava que o significado da norma é a possibilidade de liberação, sem necessidade de se aguardar a decisão final, se o acusado espontaneamente demonstrar a licitude do bem (vide, a propósito, Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 365-366). Assim, o legislador, para viabilizar a medida assecuratória, consagrou a presunção juris tantum da ilicitude, desde, é claro, que presentes indícios suficientes (art. 4º, caput), que somente restarão afastados a partir do momento em que o interessado comprovar o contrário. Consigne-se, ainda no contexto do art. 4º da Lei nº 9.613/1998, que o tempo de duração de vigência das medidas assecuratórias (até então previsto no § 1º de indicado artigo legal, que aduzia que deveria haver seu levantamento caso a Ação Penal não fosse iniciada no prazo de 120 – cento e vinte – dias contados da data em que concluída a diligência) foi suprimido pela Lei nº 12.683/2012. Aliás, a jurisprudência pátria, mesmo antes da supressão legislativa, já admitia a dilação do lapso temporal em comento mesmo com a aparentemente hermética redação original do tipo excogitado, de molde que referendava que as regras jurídicas deveriam ser interpretadas à luz das exigências do caso concreto (notadamente sua complexidade), sem desvirtuar ou exceder os parâmetros estabelecidos pelo legislador. Este método hermenêutico não implicava a inobservância das normas cogentes, ao revés, impunha o exame da ratio legis de cada dispositivo legal e determinava acurado estudo da finalidade e da essência do instituto jurídico a ser aplicado. Ademais, o mesmo art. 4º da Lei nº 9.613/1998, agora em seu § 3º, na redação imposta pela Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012, determina a impossibilidade de que haja a liberação de qualquer bem sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa – a propósito: Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º. Sem prejuízo do que se acaba de indicar, o plexo normativo anteriormente descrito acabou sendo fortalecido por meio de instituto trazido à baila por força da edição da Lei º 13.964, de 24 de dezembro de 2019, nominado de “confisco alargado”, cujas regras de aplicabilidade encontram-se dispostas no art. 91-A do Código Penal – a propósito: Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito. § 1º. Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. § 2º. O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio. § 3º. A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada. § 4º. Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. § 5º. Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes. Concluindo: tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 04 (quatro) requisitos, quais sejam: 1) propriedade do bem pelo requerente (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão (art. 118 do Código de Processo Penal); 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento clássico (art. 91, II, do Código Penal, dos produtos e/ou instrumentos do delito), por equiparação (art. 91, § 1º, do Código Penal, dos bens lícitos equivalentes) e alargado (art. 91-A do Código Penal, dos bens alargados dada sua incompatibilidade com os rendimentos); e 4) comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa (art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.613/1998, aplicável exclusivamente a crimes de lavagem). Em outras palavras, a liberação de bens envolvidos com a prática criminosa obedece a rigoroso tratamento, sendo que, para a relevação da constrição, deverá ser atestada, para além da propriedade em si, a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua aquisição, sem prejuízo da desvinculação do expediente com os fatos apurados na investigação criminal ou na persecução penal. DA ANÁLISE DO CASO CONCRETO Compulsando os elementos fático-probatórios amealhados nestes autos virtuais, mostra-se defeso prover o recurso de Apelação aviado pela pessoa jurídica M. T. DE OLIVEIRA, de molde que a única conclusão possível encontra-se escorada na manutenção da indisponibilidade incidente sobre o veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320. Com efeito, o entendimento anteriormente indicado encontra respaldo em diversas incongruências argumentativas constantes dos autos (até mesmo se cotejados os conteúdos da inicial e do recurso de Apelação), aspecto que deve ser aliado aos elementos trazidos à baila pelo órgão acusatório quando franqueado o devido processo legal (por meio do estabelecimento do contraditório). Vamos a tais ponderações: (a) O primeiro ponto que merece ser destacado nesta oportunidade guarda relação com a inesperada (e sem qualquer razão) alteração de versões apresentadas pela recorrente M. T. DE OLIVEIRA com o fito de justificar a suposta aquisição do veículo automotor objeto deste expediente, o que, por certo, milita em seu desfavor. Com efeito, lançando mão das justificativas tecidas na exordial deste feito, infere-se o declínio de versão no sentido de que o automóvel BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320, teria sido comprado (para fins de investimento), em 24 de agosto de 2020, pelo importe de R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil reais), da empresa “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI”, conforme é possível ser aferido do excerto que segue (ID 158102882 – pág. 02): (...) A Requerente explora a atividade de compra-venda de veículo automotor (popular garagem), situada em Porto Velho-RO e, com a finalidade de investimento, adquiriu, em nome próprio a BMW 320I ACTIVE FLEX, renavan 01295168186, chassi WBA3B1108FK096711, placa QBW0320/MT, cor BRANCA (doravante denominada simplesmente de BMW) da empresa Classe A/Cuiabá (Classe A Com. de Veículos Eireli – CNPJ 16.922.462/0001-04), em data de 24.08.2020, no valor pago a vista de R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil reais). Ato contínuo, tomou posse da BMW e iniciou os trâmites para transferência, conforme ATPV (autorização de Transferência de Propriedade de Veículo, vistoria etc) em anexo, devidamente preenchido com firma reconhecida e documentos constitutivos da vendedora, representada por GILZA AUGUSTA DE ASSIS E SILVA (...) – destaques em caixa alta no original e em negrito nossa. Diante do alegado pela recorrente, deu-se vista dos autos ao órgão ministerial com o fito de se estabelecer o contraditório, oportunidade em que foram apresentadas as seguintes alegações (ID 158102893): (...) 21. Outro claro indicativo de dissimulação da transação reside no fato de que o veículo BMW 320I foi dado pela empresa Classe A Motors em pagamento na compra de uma aeronave na data de em 09/01/2019. É o que se verifica no contrato juntado aos autos da busca e apreensão n. 5008202-34.2019.403.6000 (ID 38948851, p. 41/47) (cópia anexa). O veículo teria sido dado como pagamento no valor de R$ 124.000,00 na negociação da aeronave PT-XEF, cuja restituição é objeto de discussão nos autos n. 5006212- 71.2020.4.03.6000. 22. Além disso, quem assinou o contrato de compra e venda da aeronave, em 09/01/2019, representando a empresa Classe A Motors, foi a investigada Gilza Augusta de Assis e Silva. 23. A mesma investigada Gilza Augusta de Assis e Silva foi quem assinou a ATPV do veículo BMW em 24/08/2020 (ID 39163397). 24. Em resumo: o mesmo veículo foi ‘vendido’ duas vezes pela empresa Classe A Motors (...) – destaques em negrito nosso. Instada a explicar a situação retratada pelo Parquet federal, de forma completamente inovadora e sem qualquer anterior respaldo, entendeu por bem a recorrente M. T. DE OLIVEIRA apresentar nova argumentação acerca de como tinha “adquirido” o tal veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320 – a propósito (ID 158102899): (...) Conforme contrato de id 41404814, a Classe A/Cuiabá deu em pagamento para as Construtoras PAIAGUÁS e FARIAS (Grupo FV) a BMW em questão. O Grupo FV têm um empreendimento imobiliário chamada de Residencial Cancún em Porto Velho-RO, com 250 unidades habitacionais pelo programa social Minha Casa, Minha Vida, através de financiamento junto a CEF; e subempreitou parte dos serviços à empresa SANTOS CONSTRUÇÕES EIRELI, de propriedade de PAULO DOS SANTOS. O Grupo FV, por sua vez, deu em pagamento à SANTOS CONSTRUÇÕES EIRELI os direitos sobre a BMW. Este, por sua vez, deu em pagamente à Requerente (M. T. DE OLIVEIRA) a BMW na compra da S10, placa QTI5J39; ou seja, a Requerente intermediu a venda da S10 (QTI5J39) para o Paulo dos Santos. Explicado, então, nos mínimos detalhes, o caminho que a BMW fez entre a CLASSE A/Cuiabá à Requerente (...) - destaques em caixa alta no original e em negrito nossa. Nota-se, a teor das primeira e terceira transcrições, a completa ausência de qualquer lógica entre as versões apresentadas pela recorrente M. T. DE OLIVEIRA (principalmente após o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ter sido assertivo em demonstrar que o automotor em tela tinha sido vendido, em 02 – duas – oportunidades, pela representante legal da empresa “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI”, qual seja, Gilza Augusta de Assis e Silva), que, de uma singela “compra e venda para fins de investimento”, passou a uma mirabolante história no sentido de que a empresa “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI” teria dado a tal BMW como forma de pagamento, pela aquisição de uma aeronave, às pessoas jurídicas “CONSTRUTORA PAIAGUAS” e “CONSTRUTORA FARIAS”, que, por sua vez, teriam dado o automóvel como pagamento à empresa “Santos Construções”, que, por sua vez novamente, o entregou como parte de pagamento, pela aquisição de uma Chevrolet S10, à recorrente M. T. DE OLIVEIRA. Questiona-se: qual a verdade dos fatos? A singela “compra e venda para fins de investimento” ou a mirabolante história da “cadeia dominial” pela qual a BMW teria passado? Os elementos contidos nesta senda (que serão expostos abaixo) chancelam a impossibilidade de se aquiescer com qualquer uma das versões expostas e referendam a necessidade de manutenção da indisponibilidade incidente sobre o automotor à luz da existência de severas dúvidas acerca de quem efetivamente seria seu real proprietário. Ainda acerca dos elementos ora em comento, é sintomática (no sentido de extremamente curiosa) a constatação de que alguns supostos “negócios jurídicos de compra e venda” relatados em Pedidos de Restituição de Coisa Apreendida e/ou Embargos de Terceiro relacionados à “Operação STATUS” possuem sempre personagens em comuns: a “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI”, a “Construtora PAIAGUAS” e a “Construtora PAIAGUAS em conjunto com a Construtora Farias”. Tal constatação chama atenção, pois, lançando mão dos Feitos nºs 5006157-23.2020.403.6000 e 5006181-51.2020.403.6000 (sem ser possível se esquecer deste ora em julgamento), seria possível cogitar-se que o foco (ou core business) da empresa “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI”, ao que parece, estava centrado em “negociar” veículos e aeronaves justamente com a “Construtora PAIAGUAS” e com a “Construtora FARIAS” (uma vez que, invariavelmente, as supostas negociações envolveriam, no mais das vezes, esses agentes comerciais). Não é muito “coincidente” que vários Pedidos de Restituição de Coisa Apreendida e/ou Embargos de Terceiro sempre tenham como enredo o cenário ora exposto, agregando-se, ademais, que em todas as relações processuais instauradas atinentes a tais personagens nunca haja a juntada de documentos que serviriam para demonstrar a efetividade de uma negociação como, por exemplo, contrato de compra e venda, recibos de pagamento, boletos bancários, extratos de contas pelas quais o dinheiro transitou, declarações de Imposto de Renda com o lançamento do bem etc.? (b) O segundo ponto de relevo guarda relação com o fato de que a recorrente M. T. DE OLIVEIRA esqueceu por completo que o objetivo necessário a ser atingido para o levantamento de qualquer constrição incidente sobre o veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320, estava em comprovar a propriedade em si, a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua aquisição e a desvinculação do expediente com os fatos apurados na investigação criminal ou na persecução penal especificamente no que tange à sua posição jurídica pretensamente alegada (de suposta “compradora” do carro de luxo). Dentro de tal contexto, ao que consta dos autos, a recorrente M. T. DE OLIVEIRA apenas colacionou nestes autos virtuais “Certificado de Registro de Veículo” (ID’s 158102885 – págs. 01/02, 158102886 – pág. 01 e 158102887 – pág. 01), por meio do qual tentou demonstrar que a empresa “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI”, nos idos de 24 de agosto de 2020, teria vendido, por R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil reais), o veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320, para si, e “Laudo de Vistoria de Veículos Automotores” (ID 158102885 – pág. 11). Contudo, não fez qualquer prova da efetividade no mundo dos fatos de tal “negócio jurídico” na justa medida em que não trouxe à baila contrato de compra e venda (o que seria inerente a negociação na casa de R$ 100.000,00 – cem mil reais), recibos de pagamento, transferências bancárias, extratos de contas demonstrativos do caminho do numerário que teria sido despendido no acordo comercial etc., de molde que não demonstrada nem a onerosidade do negócio jurídico, nem a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua suposta aquisição. Por outro lado, há que ser consignado que a recorrente M. T. DE OLIVEIRA, aparentemente, estava mais interessada e empenhada em tentar dar lastro àquela súbita alteração de versão (que somente veio à tona a partir do momento em que o órgão acusatório, assertivamente, comprovou que o tal veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320, tinha sido “negociado” em 02 – duas – oportunidades pela pessoa jurídica “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI”, inclusive por meio da atuação da mesma representante legal: Gilza Augusta de Assis e Silva – vide, a propósito, o “Contrato de Compra e Venda de Aeronave”, colacionado no documento ID 158102895, por meio do qual a BMW teria sido dada como parte de pagamento pela “CLASSE A” na aquisição do avião “PIPER AIRCRAFT – modelo PA31T-2(XL) – prefixo PR-XEF”) por meio da juntada de diversos documentos (elencados abaixo) que apenas referir-se-iam às empresas “Santos Construções EIRELI” e “Imobiliária Paiaguas”, sendo, portanto, completamente estranhos ao objetivo maior (de liberação das constrições incidentes sobre o automotor) vindicado neste expediente. A propósito, vamos ao elenco dos documentos carreados aos autos pela recorrente M. T. DE OLIVEIRA que nada servem para o desiderato de que seu recurso de Apelação seja acolhido: (i) ID 158102900 – “Alvará de Localização e Funcionamento” da empresa “Santos Construções EIRELI” (documento que apenas demonstraria uma potencial regularidade das atividades da pessoa jurídica “Santos Construções EIRELI”, sendo completamente irrelevante para o deslinde da temática objeto deste feito); (ii) ID’s 158102901, 158102902, 158102903, 158102904, 158102905, 158102906, 158102907 e 158102908 – “Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED” relacionados à empresa “Santos Construções EIRELI” para as competências de 08/2019, de 02/2020, de 03/2020, de 05/2020, de 06/2020, de 07/2020, de 08/2020 e de 09/2020 (documentos que apenas demonstrariam quantos empregados a pessoa jurídica “Santos Construções EIRELI” possuía no período de apuração, sendo completamente irrelevantes para o deslinde da temática objeto deste feito); (iii) ID 158102909 – “Certidão de Casamento” das pessoas “Erlen Dias Pinto” e “Vanuza da Silva Oliveira” (documento que apenas comprova a celebração de um matrimônio, sendo completamente irrelevante para o deslinde da temática objeto deste feito); (iv) ID’s 158102910, 158102911 e 158102912 – “Certidão Simplificada da Junta Comercial de Mato Grosso”, “Cartão do CNPJ” e “Pedido de Arquivamento na Junta Comercial de Mato Grosso dos Atos Constitutivos”, todos da empresa “Santos Construções EIRELI” (documentos completamente irrelevantes para o deslinde da temática objeto deste feito); (v) ID 158102914 – “Licença de Obra” conferida pela Prefeitura de Porto Velho à “Imobiliária PAIAGUAS” (documento completamente irrelevante para o deslinde da temática objeto deste feito); (vi) ID’s 158102915, 158102916, 158102917, 158102918 – “Notas Fiscais de Serviço” emitidas pela empresa “Santos Construções EIRELI”, figurando como tomadores do serviço as pessoas jurídicas “Construtora e Imobiliária Farias – EIRELI” e a “Imobiliária Paiaguas Ltda.” (documentos completamente irrelevantes para o deslinde da temática objeto deste feito); (vii) ID 158102919 – “Comprovante de Inscrição de Obra” no “Cadastro Nacional de Obras – CNO” da Receita Federal atinente ao Condomínio Residencial Cancun 01, tendo como responsável a “Imobiliária Paiaguas Ltda.” (documento completamente irrelevante para o deslinde da temática objeto deste feito); (viii) ID 158102920 – “Contrato de Construção por Empreitada” celebrado, em 04 de maio de 2020, entre a “Construtora e Imobiliária Paiaguas” e a “Santos Construções EIRELI” (documento completamente irrelevante para o deslinde da temática objeto deste feito – porém, mostra-se pertinente o apontamento de 02 – duas – observações a retirar, ainda mais, qualquer validade probatória que poderia ser cogitada de indicado expediente: (1) a despeito de reportar-se a uma celebração contratual que teria ocorrido em 04 de maio de 2020 – data aposta na minuta de contrato -, sem maiores explicações os contratantes somente assinaram a avença em 16 de outubro de 2020, ou seja, após a deflagração da “Operação STATUS”, fato ocorrido em 11 de setembro de 2020, de molde a ser possível questionar-se se efetivamente houve a firmação de um negócio jurídico ou se esse pretenso negócio jurídico foi apenas entabulado para “esquentar” fatos subjacentes; (2) de maneira inexplicável, não há qualquer indicação de valores contratados na avença que teria sido celebrada – na realidade, há uma cláusula que remete a uma “tabela de valores e serviços” que estaria em anexo ao contrato, porém tal tabela simplesmente não foi colacionada aos autos, denotando, outrossim, dúvidas quanto à efetiva celebração do negócio jurídico na justa medida em que não se concede a celebração de um contrato sem que os envolvidos tenham o maior cuidado possível com a obrigação pecuniária que dele decorra); (ix) ID 158102921 – “Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo”, para o ano de 2019, atinente ao veículo CHEVROLET S10 LTZ, 2019/2020, preto, possuidor de placas QTI-5J39 (documento completamente irrelevante para o deslinde da temática objeto deste feito). (c) O terceiro aspecto digno de nota (talvez o mais instigante e o mais intrigante de todos diante da correlação com a necessidade de se comprovar capacidade financeira para a aquisição de um automóvel de origem alemã enquadrável como pertencente ao seguimento Premium) refere-se à informação trazida à baila pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL no sentido de que o empresário individual “Marsoglei Teixeira de Oliveira”, titular da pessoa jurídica M. T. DE OLIVEIRA, auferiu 05 (cinco) parcelas do Auxílio-Emergencial concedido a pessoas de baixíssima ou de baixa renda pelo Governo Federal em razão dos eventos relacionados com a pandemia gerada pelo COVID-19 (competências de abril a setembro de 2020 – 05 – cinco – parcelas de R$ 600,00 – seiscentos reais) – a propósito, vide o documento ID 158102894, que, para além da informação supra, traz o dado de que “Marsoglei” também foi aprovado para receber a continuidade de indicado auxílio (no importe de R$ 300,00 – trezentos reais). Questiona-se com veemência como uma pessoa, a princípio, enquadrável nos critérios rígidos para percebimento de um benefício financeiro que somente indivíduos em condição de razoável pobreza teriam acesso delibera por fazer um investimento, em nome próprio, mediante a aquisição de um automóvel de luxo (uma BMW!) pela “irrisória” cifra de R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil) nos idos de 24 de agosto de 2020, data esta compreendida entre a quarta e a quinta parcelas pagas a título de Auxílio-Emergencial COVID-19? A propósito, relevante rememorar-se excerto extraído da exordial deste feito (ID 158102882 – pág. 02) em que a M. T. DE OLIVEIRA (empresa titularizada por “Marsoglei Teixeira de Oliveira”, nos termos dos documentos constantes do ID 158102883) alega que a “aquisição” ocorreu como um “mero” investimento em nome próprio: (...) A Requerente explora a atividade de compra-venda de veículo automotor (popular garagem), situada em Porto Velho-RO e, com a finalidade de investimento, adquiriu, em nome próprio a BMW 320I ACTIVE FLEX, renavan 01295168186, chassi WBA3B1108FK096711, placa QBW0320/MT, cor BRANCA (doravante denominada simplesmente de BMW) da empresa Classe A/Cuiabá (Classe A Com. de Veículos Eireli – CNPJ 16.922.462/0001-04), em data de 24.08.2020, no valor pago a vista de R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil reais) (...) – destaques em caixa alta no original e em negrito nosso. Causa mais espanto, ainda, a justificativa apresentada pela recorrente M. T. DE OLIVEIRA quando apontada a questão ora indicada pelo órgão acusatório – vamos aos seus literais termos (ID 158102899 – pág. 03): (...) O Sr. Marsoglei Teixeira de Oliveira recebeu auxilio emergencial? Exa., só DEUS e o Sr. MARSOGLEI sabem das dificuldades que teve que atravessar e ainda atravessa em razão da paralisia da economia na seita do ‘LOCKDOWN’ e a economia a gente vê depois. M. T. OLIVEIRA não comprou a BMW para uso próprio, mas para investimento e, se não vende, não entra dinheiro e se não entra dinheiro, como é que se vivi? Com o devido respeito, Marsoglei Teixeira de Oliveira não é funcionário público para receber vencimento em plena LOCKDOWN (...) – destaques em caixa alta no original e em negrito nosso. Uma singela consulta, data vênia, à Rede Mundial de Computadores – Internet teria tido o condão de afastar a desinformação veiculada ao mesmo tempo em que o leitor ficaria a par de que o teletrabalho instituído por força da pandemia relacionada ao COVID-19 não impactou negativamente – muito pelo contrário! – na produtividade de magistrados e de servidores atuantes na Justiça Federal da 3ª Região – vide, a propósito, os links que seguem, todos acessados em 19 de maio de 2021: http://web.trf3.jus.br/noticias/Noticias/Noticia/Exibir/393974, http://web.trf3.jus.br/noticias/Noticias/Noticia/Exibir/394304 e http://web.trf3.jus.br/noticias-intranet/Noticias/Noticia/Exibir/405236). Portanto, desarrazoada a ilação apresentada com o desiderato de “justificar” o recebimento, ao que parece, indevido do Auxílio-Emergencial por parte de “Marsoglei Teixeira de Oliveira” que, ao mesmo tempo em que se intitulava pobre (a ponto de pleitear e ver deferido importe destinado aos efetivamente carentes), alega, com grande desfaçatez, que pensou em fazer um “investimento” ao adquirir um veículo BMW por módicos R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil reais). Agregue-se, ainda, que a recorrente M. T. DE OLIVEIRA (empresa de “Marsoglei Teixeira de Oliveira”) ficou indignada com a alegação ministerial de que no endereço declinado de sua sede (Av. dos Imigrantes, 4.315 – Setor Industrial – Porto Velho/RO) nada haveria que indicasse a existência de uma “garagem de automóveis” (revenda de veículos), de modo que fez questão de colacionar aos autos 08 (oito) fotografias do empreendimento comercial (ID 158102913), fotografias estas que demonstram que a pessoa jurídica (frise-se: de propriedade de “Marsoglei Teixeira de Oliveira”) estava negociando dezenas de veículos. Ora, como um indivíduo que se autointitula pobre (a ponto de ter conseguido o Auxílio-Emergencial atinente à pandemia COVID-19) é dono de uma “garagem de automóveis” em que as fotografias por ele mesmo carreadas aos autos indicam que tal negócio estava vendendo diversos veículos automotores? Essa incongruência poderia configurar o delito de estelionato, ensejando a aplicação do art. 40 do Código de Processo Penal (Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia). Outro ponto merece ser veiculado nesta oportunidade concernente à residência de “Marsoglei Teixeira de Oliveira” (que se declara dono de uma “garagem de veículos” que, por sua vez, possuiria ou teria a posse daqueles diversos carros constatáveis nas fotografias objeto da digressão anterior e que, a teor do sustentado nesta senda, teria adquirido, à vista, uma BMW por “irrisórios” R$ 94.000,00 – noventa e quatro mil reais – a despeito de perceber Auxílio-Emergencial decorrente da pandemia COVID-19). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pontuou em relação ao caso subjacente (“Operação STATUS”) que (...) o representante Marsoglei Teixeira reside na avenida Porto Velho, n. 786, Porto Velho/RO, conforme consta na procuração juntada (ID 39163374, p. 05), e ainda, no banco de dados do Ministério Público Federal. No entanto, feita pesquisa no Google Maps é possível perceber que a casa onde reside o embargante é bem simples – se é que realmente se trata de uma residência. Incompatível com um empresário que adquiriu um veículo BMW 320I (...) – destaques no original (ID 158102893 – pág. 03). Estabelecido o contraditório, a recorrente M. T. DE OLIVEIRA apenas asseverou o que segue: (...) a casa de Marsoglei Teixeira de Oliveira é sim simples, porém não é esta da foto de id. 41404815 - Pág. 4. Este aplicativo, como todos sabem, não é exato e o número de ruas apresente recorrentes inconsistências (...) – ID 158102899 – pág. 04. As justificativas, por serem incompatíveis com os fatos demonstrados em contraditório pelo Parquet federal, não devem socorrer ao recorrente. Ademais, a fotografia trazida pelo Parquet federal a respeito da residência de “Marsoglei Teixeira de Oliveira” (passível de ser vista no documento ID 158102893 – pág. 04) mostra um terreno murado com um portão de ferro (a denotar ser um terreno baldio) ao lado de uma rua ou viela, de chão de terra batido, com um amontoado de entulho e de madeira depositado quase defronte ao portão de ferro a que foi feita referência – por outro lado, apesar de aquiescer com a alegação ministerial de que a casa de “Marsoglei”, realmente, era simples, a recorrente M. T. DE OLIVEIRA sequer trouxe à colação uma foto do local que seria o verdadeiro domicílio do titular daquela “garagem de veículos” (com inúmeros carros dispostos à venda e que tinha a disponibilidade imediata, para pagamento à vista, de uma BMW que custava “míseros” R$ 94.000,00 – noventa e quatro mil reais). Por certo, não se mostram críveis as alegações de “Marsoglei Teixeira de Oliveira” no sentido de que teria condições financeiras para comprar, por meio da firma individual que titulariza (a M. T. DE OLIVEIRA), o veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320. Na realidade, o que mais teria transparecido dos autos é que indicada pessoa seria pobre, recebedora de Auxílio-Emergencial, e que, segundo visão apresentada, teria adquirido bem de luxo quando ainda receberia benefício assistencial de R$ 600,00 (seiscentos reais), com o que não se pode aquiescer. Portanto, à luz de tudo o que se acaba de expor, pertinente INDEFERIR a pretensão de restituição e/ou de levantamento de indisponibilidade incidente sobre o veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320, ao recorrente M. T. DE OLIVEIRA, motivo pelo qual se NEGA PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto. DISPOSIÇÕES FINAIS Aplicando o comando inserto no art. 40 do Código de Processo Penal (Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia), este Desembargador Federal Relator determina que cópia integral do presente feito seja remetida ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL com o fito de que seja investigado o percebimento de Auxílio-Emergencial por parte de “Marsoglei Teixeira de Oliveira” à luz de que ele se autodeclara empresário e titular da empresa (“garagem de veículos”) materializada nas fotografias constantes do documento ID 158102913. Dentro de tal contexto, tendo em vista que, em tese e a princípio, não seria crível que um empresário negociador de veículos (com tanto automóveis a venda, conforme é possível ser inferido das tais fotografias carreadas aos autos) fizesse jus ao recebimento do benefício assistencial pandêmico, mostra-se necessária a devida perquirição do fato objetivo “empresário recebendo Auxílio-Emergencial”, fato este que não guarda relação com o objeto deste Incidente (devolução do veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320) porquanto inexistentes provas a respaldar sua propriedade por parte da M. T. DE OLIVEIRA, empresa titularizada unicamente pela pessoa de “Marsoglei Teixeira de Oliveira”. OFICIE-SE. DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto por M. T. DE OLIVEIRA, nos termos anteriormente expendidos.
E M E N T A
PROCESSO PENAL. PEDIDO DE LEVANTAMENTO DE RESTRIÇÃO INCIDENTE SOBRE AUTOMÓVEL. CONTEXTUALIZAÇÃO DA INDISPONIBILIDADE INCIDENTE SOBRE O VEÍCULO BMW 320I ACTIVE FLEX (2014/2015, BRANCO, POSSUIDOR DE PLACAS QBW-0320) LEVADA A EFEITO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO – “OPERAÇÃO STATUS”. REGIME JURÍDICO APLICADO À “COISA APREENDIDA” NO PROCESSO PENAL. ANÁLISE DO CASO CONCRETO: INDEFERIMENTO DO LEVANTAMENTO PRETENDIDO.
- A indisponibilidade incidente sobre o veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320, objeto de impugnação neste Pedido de Restituição de Coisa Apreendida / Embargos de Terceiro, decorreu de medida constritiva deferida no âmbito da “Operação STATUS”, cuja fase ostensiva foi deflagrada em 11 de setembro de 2020, investigação policial esta que tinha por escopo desmantelar suposta organização criminosa voltada ao tráfico internacional de entorpecentes (especialmente cocaína), ressaltando-se, por oportuno, que o proveito econômico obtido com a execução de tal atividade seria objeto de diversos atos de lavagem – importante destacar que, segundo o até então apurado, a organização criminosa que teria sido descoberta seria chefiada pelo “Clã MORINIGO”, composto pelas pessoas de EMÍDIO MORINIGO, de JEFFERSON MORINIGO e de KLEBER MORINIGO.
- A teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo, cabendo destacar que o art. 120 do mesmo diploma determina que a restituição, quando cabível, poderá ser ordenada tanto pela autoridade policial como pelo juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Sem prejuízo do exposto, há que se observar, ainda, os termos do art. 91 do Código Penal, referente aos efeitos da condenação, tratando da perda de bens em favor da União.
- Cuidando-se a situação concreta de potencial perpetração do delito de lavagem de dinheiro, incide também o arcabouço normativo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998. O dispositivo em tela estabeleceu a inversão do ônus da prova da origem lícita do bem pelo investigado, na esteira da Convenção de Viena sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (art. 5º, item 7), da Convenção de Palermo contra o Crime Organizado Transnacional (art. 12, item 7), da Convenção de Varsóvia sobre Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (art. 3º, item 4) e da Recomendação nº 4º do Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, cabendo salientar que a Exposição de Motivos da Lei nº 9.613/1998, no seu item 67, deixa evidente que essa inversão restringe-se à apreensão e ao sequestro de ativos. Nessa toada, o legislador, para viabilizar a medida assecuratória, consagrou a presunção juris tantum da ilicitude, desde, é claro, que presentes indícios suficientes (art. 4º, caput), que somente restarão afastados a partir do momento em que o interessado comprovar o contrário.
- Ainda no contexto do art. 4º da Lei nº 9.613/1998, o tempo de duração de vigência das medidas assecuratórias (até então previsto no § 1º de indicado artigo legal, que aduzia que deveria haver seu levantamento caso a Ação Penal não fosse iniciada no prazo de 120 – cento e vinte – dias contados da data em que concluída a diligência) foi suprimido pela Lei nº 12.683/2012. Aliás, a jurisprudência pátria, mesmo antes da supressão legislativa, já admitia a dilação do lapso temporal em comento mesmo com a aparentemente hermética redação original do tipo excogitado, de molde que referendava que as regras jurídicas deveriam ser interpretadas à luz das exigências do caso concreto (notadamente sua complexidade), sem desvirtuar ou exceder os parâmetros estabelecidos pelo legislador. Este método hermenêutico não implicava a inobservância das normas cogentes, ao revés, impunha o exame da ratio legis de cada dispositivo legal e determinava acurado estudo da finalidade e da essência do instituto jurídico a ser aplicado. Outrossim, o mesmo art. 4º da Lei nº 9.613/1998, agora em seu § 3º, na redação imposta pela Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012, determina a impossibilidade de que haja a liberação de qualquer bem sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa.
- Tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 04 (quatro) requisitos, quais sejam: 1) propriedade do bem pelo requerente (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão (art. 118 do Código de Processo Penal); 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento clássico (art. 91, II, do Código Penal, dos produtos e/ou instrumentos do delito), por equiparação (art. 91, § 1º, do Código Penal, dos bens lícitos equivalentes) e alargado (art. 91-A do Código Penal, dos bens alargados dada sua incompatibilidade com os rendimentos); e 4) comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa (art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.613/1998, aplicável exclusivamente a crimes de lavagem). Em outras palavras, a liberação de bens envolvidos com a prática criminosa obedece a rigoroso tratamento, sendo que, para a relevação da constrição, deverá ser atestada, para além da propriedade em si, a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua aquisição, sem prejuízo da desvinculação do expediente com os fatos apurados na investigação criminal ou na persecução penal.
- Compulsando os elementos fático-probatórios amealhados nestes autos virtuais, mostra-se defeso prover o recurso de Apelação aviado pela pessoa jurídica M. T. DE OLIVEIRA, de molde que a única conclusão possível encontra-se escorada na manutenção da indisponibilidade incidente sobre o veículo BMW 320I ACTIVE FLEX, 2014/2015, branco, possuidor de placas QBW-0320. Isso porque a recorrente não demonstrou a propriedade do bem, bem como não se desincumbiu do ônus de comprovar a origem lícita do automóvel ou dos valores empregados em sua aquisição, razão pela qual estão presentes elementos a possibilitarem enxergar-se a vinculação dos fatos à investigação ou persecução penal subjacente.
- Negado provimento ao recurso de Apelação interposto por M. T. DE OLIVEIRA.