Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006157-23.2020.4.03.6000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: IMOBILIARIA PAIAGUAS LTDA, CONSTRUTORA E IMOBILIARIA FARIAS - EIRELI

Advogados do(a) APELANTE: DANILO PIRES ATALA - MT6062-A, STALYN PANIAGO PEREIRA - MT6115-A
Advogados do(a) APELANTE: DANILO PIRES ATALA - MT6062-A, STALYN PANIAGO PEREIRA - MT6115-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, OPERAÇÃO STATUS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006157-23.2020.4.03.6000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: IMOBILIARIA PAIAGUAS LTDA, CONSTRUTORA E IMOBILIARIA FARIAS - EIRELI

Advogado do(a) APELANTE: DANILO PIRES ATALA - MT6062-A
Advogado do(a) APELANTE: DANILO PIRES ATALA - MT6062-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, OPERAÇÃO STATUS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de recurso de Apelação interposto por IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA. e por CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI (ID’s 151658536 e 151658541) em face da r. sentença (ID’s 151658533, 151658534 e 151658535), proferida pelo MM. Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS e da lavra do Eminente Juiz Federal Dalton Igor Kita Conrado, que indeferiu pedido de restituição e de levantamento de medidas constritivas incidentes sobre a aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL.

 

Em suas razões, alegam, em síntese, as recorrentes que: (a) preencheriam os requisitos previstos nos art. 118 e 120, ambos do Código de Processo Penal; (b) o MM. Juízo monocrático teria incorrido em excesso e em equívoco ao determinar a indisponibilidade/bloqueio da aeronave, haja vista esta não pertencer à “CLASSE A CUIABÁ”, mas sim às recorrentes (que teriam comprovado serem as legítimas proprietárias do bem em condomínio ideal); (c) possuiriam reconhecida capacidade financeira, não sendo investigadas, de molde a terem em seu favor a aplicação dos princípios da presunção de inocência e da boa-fé; e (d) não teria restado comprovado que a aeronave constituiria instrumento ou produto da prática de crime, não estando, assim, sujeita à pena de perdimento. Neste contexto, requerem a revogação da constrição judicial de indisponibilidade/bloqueio do avião indicado, postulando, subsidiariamente, a restituição do bem.

 

Com contrarrazões (ID 151658556), vieram os autos a esta E. Corte.

 

Oficiando nesta instância, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso (ID 151730750).

 

Protocolizaram, ainda, as apelantes pedido incidental de antecipação parcial de tutela recursal no qual repisam os argumentos constantes de seu apelo, acrescentando, ademais, que a apreensão da aeronave causa sua depreciação e, por conseguinte, a perda de valor de mercado, destacando que, em contrapartida, continuam arcando com os ônus da propriedade (principalmente tributos) – ao cabo de sua peroração, ressaltando que o magistrado monocrático tinha determinado a alienação antecipada dos bens apreendidos, requerem sejam nomeadas como fiéis depositárias do bem e, nesta qualidade, que se permita usá-lo e gozá-lo, com o dever de preservação/manutenção, vedado qualquer ato de disposição ou de gravame (ID 152335063 c.c. ID 154434023). Entretanto, a pretensão em tela restou indeferida nos termos da r. decisão colacionada no documento ID 160535557.

 

Considerando que o feito subjacente, de nº 5008202-34.2019.4.03.6000, tramita sob segredo de justiça, este Desembargador Federal Relator requereu informações ao MM. Juízo de origem acerca da apreensão da aeronave em questão (ID 155043260), as quais foram devidamente prestadas (ID 155321434).

 

É o relatório.

 

Dispensada a revisão, na forma regimental.

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006157-23.2020.4.03.6000

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APELANTE: IMOBILIARIA PAIAGUAS LTDA, CONSTRUTORA E IMOBILIARIA FARIAS - EIRELI

Advogado do(a) APELANTE: DANILO PIRES ATALA - MT6062-A
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APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, OPERAÇÃO STATUS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Objetivam as Apelantes a restituição da aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL, apreendida (sequestrada) no bojo da “Operação STATUS”, sob o argumento de que seriam suas legítimas proprietárias e possuidoras de boa-fé. Importante ser ressaltado que o pedido de restituição em tela foi indeferido pelo MM. Juízo a quo sob o entendimento de que o bem ainda interessaria ao feito principal, especialmente à luz de que não restou afastada a existência de dúvida quanto à condição das recorrentes de terceiras de boa-fé, sem prejuízo da não demonstração da origem lícita da aeronave – a propósito, pertinente trazer à colação o conteúdo do r. provimento judicial recorrido (ID 151658533):

 

(...) Trata-se de incidente de restituição de coisas apreendidas, por meio do qual as empresas IMOBILIARIA PAIAGUAS LTDA e CONSTRUTORA E IMOBILIARIA FARIAS - EIRELI, já qualificadas nos autos, buscam a restituição e o levantamento da constrição da aeronave Aeronave Beech Aircraft, modelo 58, n. de série TH-1327, inscrição PTWBL (ID 39012551). Alegam, em síntese, que o juízo de primeiro grau incorreu em excesso e equívoco, determinou a indisponibilidade/bloqueio da aeronave PT-WBL, uma vez que, diferentemente do que constou na decisão, a aeronave não pertence à Classe A Motors, mas sim aos requerentes. Aduz que as empresas requerentes possuem atividade lícita e são as proprietárias do bem apreendido/sequestrado, sendo que o bem não mais interessa ao processo. Juntou documentos (IDs 39012555, 39012557, 39012584, 39012587, 39012833, 39012830, 39012821, 39012835, 39012955, 39012974, 39012977, 39012980, 39012982 e 39012985). Instado, o Ministério Público Federal manifestou-se desfavoravelmente ao pleito de restituição do bem aduzindo que não houve excesso ou erro formal na decisão proferida por esse juízo e alegando que há sérias dúvidas quanto à real propriedade da aeronave ante a ausência de comprovação da onerosidade do negócio e, ainda, em decorrência da presença de elementos indicativos de vínculo entre o requerente e os investigados (ID 41382404). É um breve relato. Decido. Entendo não ser o caso de determinar a emenda da inicial. Isto porque, não devem ser recolhidas custas processuais nos incidentes processuais autuados em apenso ao feito principal, nos termos do que determina o ANEXO II DA RESOLUÇÃO PRES Nº 138, DE 06 DE JULHO DE 2017, item 9, sendo este o caso dos pedidos de restituição de bens apreendidos. Portanto, não há de se falar no recolhimento de custas processuais in casu, de modo que a ausência de indicação do valor da causa não gera qualquer consequência ou prejuízo a ensejar a emenda da inicial. Quanto ao mérito, inicialmente, verifico não haver qualquer error in procedendo quanto à decisão que decretou o sequestro e a busca e apreensão da aeronave objeto deste incidente. Inicialmente, assevera-se que a decisão proferida pelo E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região expressamente previu a possibilidade de busca e apreensão dos veículos, embarcações e aeronaves em nome dos alvos da denominada Operação Status. Leia-se ‘(...) permitir que, ao longo das buscas e apreensões deferidas em 1º grau de jurisdição (endereços constantes da r. decisão deferitória da medida), sejam também objeto de apreensão automóveis, aeronaves e embarcações (lancha e motos aquáticas, por exemplo) que se encontrem em nome daqueles alvos. (...)’ (trecho do acórdão do ID 35749085, autos nº 5008205-86.2019.4.03.6000). Por óbvio, não se esperava que as embarcações e aeronaves fossem encontradas nos endereços dos investigados. Tampouco seria possível prever, com a antecedência necessária para o deferimento da ordem judicial e organização interna dos agentes responsáveis pelo efetivo cumprimento da medida, o local em que estariam tais bens, uma vez que se tratam de bem móveis utilizados justamente para deslocamentos dos interessados. Por tal razão, o acórdão expressamente permitiu a busca e apreensão das embarcações/aeronavaves (sic) que estivessem em nome daqueles alvos, não delimitando os endereços das diligências para o cumprimento da ordem. Indo além, no que toca à determinação de sequestro da aeronave em questão, assim como bem apontou o Ministério Público Federal, também não houve qualquer excesso ou erro. Isto porque os elementos nos quais se baseou o juízo de primeiro grau foram colacionados aos autos em momento posterior ao julgamento do recurso interposto pelo Parquet. De acordo com o acórdão proferido em sede de julgamento dos embargos de declaração opostos pelo órgão ministerial ‘(...) considerando que os novos elementos apresentados pelo Ministério Público Federal (MPF) surgiram apenas após a interposição do recurso e seu julgamento pela Turma, não podem ser examinados diretamente pelo Tribunal, sob pena de supressão de instância. Portanto, compete ao juízo de primeiro grau a deliberação acerca desses elementos. (...)’ (trecho do acórdão do ID 35481877, autos nº 5005120-92.2019.4.03.6000). Ainda que o ponto recorrido, in casu, tenha sido o decreto da prisão preventiva e temporária dos investigados, é certo que tal entendimento se estende aos demais pleitos ministeriais decorrentes dos novos elementos colhidos pela Autoridade Policial, visto que a lógica que fundamentou a decisão também se aplica às demais medidas constritivas. Superado tal ponto, importante frisar que, como é cediço, o artigo 120 do Código de Processo Penal admite como cabível a restituição de bem apreendido, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Neste sentido e compulsando os autos, entendo que assiste razão ao Ministério Público Federal. Inicialmente, destaco que em razão do próprio conteúdo das investigações em curso no bojo da Operação Status, faz-se necessária uma análise cuidadosa e detida em relação aos bens apreendidos, visto que, em muitos dos casos, há fundado receio da utilização de terceiros como ‘laranjas’ da organização criminosa para fins de ocultação do patrimônio supostamente oriundo de atividades ilícitas. Nesta senda, imprescindível a demonstração pelo requerente de sua condição de real proprietário e terceiro de boa-fé, comprovando inequivocamente a origem lícita do bem apreendido. No entanto, in casu, não houve o preenchimento de tais requisitos. Inicialmente, não há maiores informações acerca do negócio jurídico celebrado para a aquisição da aeronave pelas requerentes. Não foi juntado sequer o contrato de compra e venda, o que, pelo valor expressivo do bem, presume-se ter sido firmado pelas partes. Ademais, o histórico de proprietários junto à ANAC, apresentado pelo órgão ministerial em sua manifestação, permite concluir que há, no mínimo, suspeitas acerca da utilização do bem, em tese, para fins de branqueamento de capitais. Isto porque, segundo a movimentação de proprietários da aeronave, a requerente IMOBILIARIA PAIAGUAS LTDA, juntamente com NARCISO MONTANHER FILHO e ANDERSON FERREIRA DE FARIAS (sócio-administrador da Construtora e Imobiliária Farias) teriam adquirido a aeronave em 16/01/2014 pelo valor de R$ 136.000,00. Em 23/05/2018 venderam a referida aeronave para CARLOS ALEXANDRE GUILLEN MEDEIROS sem declarar o valor da venda. Posteriormente, em 21/01/2019, as requerentes IMOBILIARIA PAIAGUAS LTDA e CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELI readquiriram a mesma aeronave, pagando o valor de R$ 400.000,00. Não parece crível que passados menos de um ano desde a venda as requerentes decidissem comprar de volta a aeronave, pagando dessa vez quase o triplo do valor pelo qual anteriormente venderam o mesmo bem. Nada obstante, conforme informou o Ministério Público Federal, foi encontrada pela Polícia Federal na sede da empresa Classe A Veículos documentação de manutenção da aeronave PT-WBL. Segundo a documentação encontrada, ao menos entre fevereiro e abril de 2018, a empresa Classe A Veículos foi responsável pelos pagamentos relacionados à compra de combustíveis, hangaragem, seguro e manutenção técnica da aeronave em questão. Portanto, entendo que o bem objeto do presente pedido de restituição ainda interessa ao feito principal, visto que dúvidas acerca da licitude de sua origem e da condição de terceiras de boa-fé das requerentes. Ante o exposto, acolho o parecer ministerial e INDEFIRO, por ora, o pedido de restituição e levantamento das medidas constritivas, eis que não comprovada a condição de terceiras de boa-fé das requerentes e a origem lícita do bem (...) – destaques no original.

 

DA CONTEXTUALIZAÇÃO DA APREENSÃO DA AERONAVE BEECH AIRCRAFT (MODELO 58, NÚMERO DE SÉRIE TH-1327, POSSUIDORA DA INSCRIÇÃO PT-WBL) LEVADA A EFEITO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO – “OPERAÇÃO STATUS”

 

A apreensão da aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL, objeto de impugnação neste Pedido de Restituição de Coisa Apreendida, decorreu de medida constritiva deferida no âmbito da “Operação STATUS”, cuja fase ostensiva foi deflagrada em 11 de setembro de 2020, investigação policial esta que tinha por escopo desmantelar suposta organização criminosa volta ao tráfico internacional de entorpecentes (especialmente cocaína), ressaltando-se, por oportuno, que o proveito econômico obtido com a execução de tal atividade seria objeto de diversos atos de lavagem – importante destacar que, segundo o até então apurado, a organização criminosa que teria sido descoberta seria chefiada pelo “Clã MORINIGO”, composto pelas pessoas de EMÍDIO MORINIGO, de JEFFERSON MORINIGO e de KLEBER MORINIGO.

 

DO REGIME JURÍDICO APLICADO À “COISA APREENDIDA” NO PROCESSO PENAL

 

No processo penal, coisas apreendidas são aquelas que, de algum modo, interessam à elucidação do crime e de sua autoria, podendo configurar tanto elementos de prova, quanto elementos sujeitos a futuro confisco, pois coisas de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção ilícita, bem como as obtidas pela prática do delito (NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado, Editora Forense, 16ª edição, Rio de Janeiro/2017, p. 358).

 

Com efeito, a teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo, cabendo destacar que o art. 120 do mesmo diploma determina que a restituição, quando cabível, poderá ser ordenada tanto pela autoridade policial como pelo juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. A propósito, vide os seguintes julgados:

 

REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA LEGITIMA PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA DO RECURSO FINANCEIRO PARA A AQUISIÇÃO DO BEM. COMPROMETIMENTO COM A ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o art. 118 do CPP firmou compreensão de que as coisas apreendidas na persecução criminal não podem ser devolvidas enquanto interessarem ao processo. 4. Encontrando-se o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça, a pretensão recursal esbarra no óbice previsto na Súmula nº 83/STJ, também aplicável aos recursos interpostos com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional. (...) (STJ, AgRg no AREsp 1049364/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, v.u., DJe 27.03.2017) – destaque nosso.

 

INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. APREENSÃO DE VEÍCULO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA REAL PROPRIEDADE DO BEM. ARTS. 118 E 120 DO CPP. 1. Embora o veículo esteja registrado em nome do requerente, tal fato não comprova a real propriedade, pois estava na posse de pessoa que o teria utilizado na prática do tráfico de drogas. 2. A apreensão também deve ser mantida com fundamento no art. 118 do CPP. 3. Pedido improcedente. (TRF3, autos nº 0003219-61.2016.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, 11ª Turma, v.u., e-DJF3 18.12.2017) – destaque nosso.

 

PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. RESTITUIÇÃO DAS COISAS APREENDIDAS. INTERESSE AO PROCESSO (CPP, ART. 118). APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo, conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal. 2. Em que pese a documentação apresentada pela apelante (fls. 12/14 e 20/41), a apreensão dos bens ainda interessa ao processo, considerando não estarem satisfatoriamente esclarecidas as circunstâncias relativas ao uso do veículo e do semirreboque durante a prática do fato delituoso, o que pode ensejar decisão sobre sua destinação conforme o art. 91, II, do Código Penal. (...) (TRF3, autos nº 0001602-30.2016.4.03.6116 - Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, 5ª Turma, v.u., e-DJF3 28.08.2017) – destaque nosso.

 

Sem prejuízo do exposto, há que se observar, ainda, os termos do art. 91 do Código Penal, referente aos efeitos da condenação, tratando da perda de bens em favor da União nas seguintes hipóteses: Art. 91. São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. § 1º. Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. § 2º. Na hipótese do § 1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.

 

Outrossim, cuidando-se a situação concreta de potencial perpetração do delito de lavagem de dinheiro, incide também o arcabouço normativo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 (redação conferida pela Lei nº 12.682/2012): § 2º. O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou seqüestrados quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos causados e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. Destaque-se que o dispositivo legal em tela estabeleceu a inversão do ônus da prova da origem lícita do bem pelo investigado, na esteira da Convenção de Viena sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (art. 5º, item 7), da Convenção de Palermo contra o Crime Organizado Transnacional (art. 12, item 7), da Convenção de Varsóvia sobre Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (art. 3º, item 4) e da Recomendação nº 4º do Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, cabendo salientar que a Exposição de Motivos da Lei nº 9.613/1998, no seu item 67, deixa evidente que essa inversão restringe-se à apreensão e ao sequestro de ativos.

 

Luiz Flávio Gomes, comentando o art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998 (na redação anterior à conferida pela Lei nº 12.682/2012) sustentava que o significado da norma é a possibilidade de liberação, sem necessidade de se aguardar a decisão final, se o acusado espontaneamente demonstrar a licitude do bem (vide, a propósito, Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 365-366). Assim, o legislador, para viabilizar a medida assecuratória, consagrou a presunção juris tantum da ilicitude, desde, é claro, que presentes indícios suficientes (art. 4º, caput), que somente restarão afastados a partir do momento em que o interessado comprovar o contrário.

 

Consigne-se, ainda no contexto do art. 4º da Lei nº 9.613/1998, que o tempo de duração de vigência das medidas assecuratórias (até então previsto no § 1º de indicado artigo legal, que aduzia que deveria haver seu levantamento caso a Ação Penal não fosse iniciada no prazo de 120 – cento e vinte – dias contados da data em que concluída a diligência) foi suprimido pela Lei nº 12.683/2012. Aliás, a jurisprudência pátria, mesmo antes da supressão legislativa, já admitia a dilação do lapso temporal em comento mesmo com a aparentemente hermética redação original do tipo excogitado, de molde que referendava que as regras jurídicas deveriam ser interpretadas à luz das exigências do caso concreto (notadamente sua complexidade), sem desvirtuar ou exceder os parâmetros estabelecidos pelo legislador. Este método hermenêutico não implicava a inobservância das normas cogentes, ao revés, impunha o exame da ratio legis de cada dispositivo legal e determinava acurado estudo da finalidade e da essência do instituto jurídico a ser aplicado.

 

Ademais, o mesmo art. 4º da Lei nº 9.613/1998, agora em seu § 3º, na redação imposta pela Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012, determina a impossibilidade de que haja a liberação de qualquer bem sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa – a propósito: Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º.

 

Sem prejuízo do que se acaba de indicar, o plexo normativo anteriormente descrito acabou sendo fortalecido por meio de instituto trazido à baila por força da edição da Lei º 13.964, de 24 de dezembro de 2019, nominado de “confisco alargado”, cujas regras de aplicabilidade encontram-se dispostas no art. 91-A do Código Penal – a propósito: Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito. § 1º. Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. § 2º. O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio. § 3º. A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada. § 4º. Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. § 5º. Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes

 

Concluindo: tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 04 (quatro) requisitos, quais sejam: 1) propriedade do bem pelo requerente (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão (art. 118 do Código de Processo Penal); 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento clássico (art. 91, II, do Código Penal, dos produtos e/ou instrumentos do delito), por equiparação (art. 91, § 1º, do Código Penal, dos bens lícitos equivalentes) e alargado (art. 91-A do Código Penal, dos bens alargados dada sua incompatibilidade com os rendimentos); e 4) comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa (art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.613/1998, aplicável exclusivamente a crimes de lavagem). Em outras palavras, a liberação de bens envolvidos com a prática criminosa obedece a rigoroso tratamento, sendo que, para a relevação da constrição, deverá ser atestada, para além da propriedade em si, a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua aquisição, sem prejuízo da desvinculação do expediente com os fatos apurados na investigação criminal ou na persecução penal.

 

DA ANÁLISE DO CASO CONCRETO

 

Compulsando os elementos fático-probatórios amealhados nestes autos virtuais e a despeito do posicionamento exarado pela Procuradoria Regional da República oficiante nesta 3ª Região, mostra-se defeso prover o recurso de Apelação aviado pela IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA. e pela CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI, de molde que a única conclusão possível encontra-se escorada na manutenção da apreensão da aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL.

 

Com efeito, infere-se da exordial que guarnece o presente incidente (o que é repetido em sede de razões recursais) as seguintes alegações que teriam o condão de supedanear a propriedade e a boa-fé das então requerentes (atuais recorrentes) no que tange à liberação da aeronave anteriormente descrita (ID 151657757):

 

(...) O r. Acórdão que julgou a apelação do pedido de Busca e Apreensão/Sequestro não contemplou a aeronave PT-WBL que foi vendida por CARLOS ALEXANDRE GUILLEN MENDEIROS para as Requerentes. Ainda, o MD. Parquet Federal, por falta de indícios, não encampou a representação de Busca e Apreensão/Sequestro em nome de CARLOS ALEXANDRE GUILLEN MEDEIROS. O r. Juízo, em excesso e equívoco, determinou a indisponibilidade/bloqueio da aeronave PT-WBL sob o argumento de ser propriedade de CLASSE A/Cuiabá, o que caracteriza erro de fato, pois é incontroverso que a mesma passou de Carlos para as Requerentes. (...) A decisão de id 36215660, pág. 30 dos autos 8202 (Busca e Apreensão), que é a mesma da decisão de id. 36216324, pág. 30, dos autos 8205 (Sequestro), com o fito de dar cumprimento ao r. Acórdão transitado em julgado, dada vênia, agiu em excesso e determinou a indisponibilidade e bloqueio da aeronave PT-WBL (...) o dispositivo do r. Acórdão, bem como, de sua fundamentação, fala em Busca e Apreensão e Sequestro. Em nenhum momento falou de indisponibilidade e bloqueio. Então aqui já se tem um tipo de excesso. (...) Certamente que nesta altura do campeonato o MD Parquet alegará que a aeronave PT-WBL foi indisponibilizada/bloqueada por estar no nome de CLASSE A MOTORS (CNPJ 16.922.462/0001-04), como consta na decisão retro. Nunca esteve! (...) o próprio Ministério Público Federal, fundamenta que NÃO HÁ INDÍCIOS SUFICIENTES para o envolvimento de CARLOS ALEXANDRE GUILHEN MENDEIROS para busca e apreensão e/ou sequestro; bem como, narra que a aeronave PT-WBL foi vendida por CARLOS ALEXANDRE G. MENDEIROS para as Requerentes. Como é que agora o Juízo determina, em excesso ao r. Acórdão, a indisponibilidade/bloqueio da aeronave PTWBL alegando ser a mesma de propriedade da Classe A? Evidente o excesso e o equívoco, razão pela qual a pedida (sic) de indisponibilidade/bloqueio (apesar do mandado constar sequestro), deve ser revogada (sic). (...) As Requerentes são proprietárias em condomínio ideal (50%) da aeronave Beech Aircraft, modelo 58, n. de série TH-1327, inscrição PT-WBL, doravante designada simplesmente por PT-WBL, adquirida através de contrato de compra e venda, do Sr. CARLOS ALEXADNRE (sic) GOULLEN MEDEIROS, através de intermediação da ‘Classe A/Cuiabá’. Foi com espanto e surpresa que as Requerentes tomaram conhecimento, inicialmente pela impressa, e depois com a medida judicial de constrição da aeronave PT-WBL e do envolvimento da Classe A (Cuiabá), na pessoa de seus sócios proprietários Srs. TAIRONE e GILZA. (...) A aeronave PT-WBL pertence às Requerentes que NÃO são investigadas, cuja boa-fé, além de presumida, encontra-se cabalmente demonstrada, seja pelo modo de aquisição, seja pelo uso/gozo da coisa em proveito próprio e de seus sócios. (...) – destaques em caixa alta no original e em negrito nossa.

 

Ocorre, entretanto, que diversas das ilações tecidas acabaram não sendo comprovadas pelas recorrentes IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA. e CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI, aspecto que corrobora a constatação de que a aeronave ainda interessa à persecução penal (porque potencialmente objeto de ato de lavagem de dinheiro que, em tese, pode ser advindo do tráfico internacional de drogas imputado, novamente em tese, ao “Clã MORINIGO”) e, nessa medida, não são adimplidos os requisitos estampados nos arts. 118 e 120, ambos do Código de Processo Penal.

 

O primeiro ponto que deve ser trazido à lume atinente ao que se acaba de expor refere-se à constatação de que um negócio jurídico de compra e venda de uma aeronave, por princípio de raciocínio, não se coaduna com a inexistência de qualquer espécie de instrumento (formal) materializador da avença – em outras palavras, se a praxe tem o condão de indicar que a mais trivial aquisição de bens de consumo de valor irrisório (como, por exemplo, um eletroeletrônico) é devidamente documentada pela expedição de nota fiscal, mostra-se completamente descabido e desarrazoado aderir a mera alegação (frise-se: não demonstrada por documento como, por exemplo, uma singela nota fiscal) de que simplesmente teria havido uma negociação de “compra e venda”, intermediada pela empresa “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI”, envolvendo a quantia de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), sendo que toda essa negociação comercial somente ficou assegurada pela palavra dos envolvidos.

 

Nessa toada, denota-se que as recorrentes não se desincumbiram do ônus de demonstrar a onerosidade do negócio jurídico subjacente, devendo ser destacado, ademais, que até mesmo a cadeia dominial da aeronave em tela (colacionada no documento ID 151657778) guarda peculiaridades que mais se coadunam como um potencial ato de lavagem de dinheiro. Com efeito, tendo como base a Certidão de Propriedade e Ônus Reais emitida pela Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC (ID 151657778), depreende-se que a aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL, teve os seguintes proprietários:

(a) Nos idos de fevereiro de 1996, foi autorizada a inscrição de transferência da propriedade da aeronave em comento para “Antonio Ronaldo Rodrigues da Cunha”, que, por compra e venda no importe de R$ 236.160,00 (duzentos e trinta e seis mil, cento e sessenta reais), adquiriu o bem de “JP MARTINS AVIACAO LTDA.”;

(b) Nos idos de junho de 2005, foi autorizada a inscrição de transferência da propriedade da aeronave em comento para “CONCREMAX – CONCRETO, ENGENHARIA E SANEAMENTO LTDA.”, que, por compra e venda no importe de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), adquiriu o bem de “Antonio Ronaldo Rodrigues da Cunha”;

(c) Nos idos de janeiro de 2014, foi autorizada a inscrição de transferência da propriedade da aeronave em comento para “IMOBILIARIA PAIAGUAS LTDA.”, para “Narciso Montanher Filho” e para “Anderson Ferreira de Farias” (proprietário da “CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI”), cabendo a cada qual a fração ideal de 1/3, que, por compra e venda no importe total de R$ 136.000,00 (cento e trinta e seis mil reais), adquiriram o bem de “CONCREMAX – CONCRETO, ENGENHARIA E SANEAMENTO LTDA.”;

(d) Nos idos de junho de 2018, foi autorizada a inscrição de transferência da propriedade da aeronave em comento para “Carlos Alexandre Guillen Medeiros”, que, por compra e venda no importe de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), adquiriu o bem de “IMOBILIARIA PAIAGUAS LTDA.”, de “Narciso Montanher Filho” e de “Anderson Ferreira de Farias” (proprietário da “CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI”);

(e) Nos idos de janeiro de 2019, foi autorizada a inscrição de transferência da propriedade da aeronave em comento para “IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA.” e para “CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI”, que, por compra e venda no importe de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), adquiriram o bem de “Carlos Alexandre Guillen Medeiros”.

 

Chama atenção a constatação de que o aeromotor, bem que acaba se desvalorizando com o passar do tempo (tal qual ocorrente em relação a veículos, motocicletas e embarcações, mesmo que devidamente cumprido o respectivo plano de manutenção periódico), foi inexplicavelmente comprado, em janeiro de 2014, pela recorrente “IMOBILIARIA PAIAGUAS LTDA.”, conjuntamente com “Anderson Ferreira de Farias” (proprietário da “CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI”) e terceira pessoa, pelo valor de R$ 136.000,00 (cento e trinta e seis mil reais) e, passados mais de 04 (quatro) anos (portanto, tendo havido depreciação), ou seja, em junho de 2018, referido bem foi revendido, por R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), a “Carlos Alexandre Guillen Medeiros”, sendo que, em janeiro de 2019 (portanto, poucos meses depois), houve sua reaquisição pela “IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA.”, juntamente com a “CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI” (cujo proprietário é “Anderson Ferreira de Farias”), justamente pelo importe de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais).

 

Tais sucessivas “trocas” de titularidade do bem (com a peculiar pecha de retorno àqueles proprietários que o detinham anteriormente), aliadas à inferência de que, a despeito do transcurso de lapso temporal relevante (04 – quatro – anos), a aeronave passou a custar mais (aproximadamente 03 – três – vezes a quantia desembolsada em janeiro de 2014), possuem o desiderato de tornarem nebulosos os “negócios jurídicos” subjacentes, havendo, ainda, que ser destacada a completa ausência de comprovação de que tal patrimônio efetivamente adentrou ao ativo das pessoas jurídicas que se proclamam sua proprietária à míngua da colação aos autos de Declaração de Imposto de Renda (com a expressa descrição do bem ora vindicado). É fato que, aparentemente, as recorrentes teriam condições de adquirir um avião (a propósito, vide os balanços patrimoniais acostados aos documentos ID’s 151657766, 151657767 e 151657768) – porém, possuir condições de comprar um bem não implica na necessária constatação de que tal bem realmente é de propriedade daqueles que teriam aparente lastro financeiro para a aquisição, o que deveria ter ficado demonstrado, indene de dúvidas, nestes autos virtuais (como, por exemplo, pela juntada das Declarações de Imposto de Renda das recorrentes).

 

Ressalte-se, por oportuno, que os documentos carreados pelas recorrentes com o fito de demonstrarem a suposta propriedade da aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL, não se prestam para tal finalidade. Isso porque, iniciando pelo Certificado de Matrícula (ID 151657762) e pelo Certificado de Aeronavegabilidade (ID 151657763), ambos emitidos pela Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, nota-se a menção, a título de proprietária do bem, da “IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA. e outros” – porém, a situação que se debate nesta senda está justamente na dicotomia verificada entre “propriedade formal” (aquela, por exemplo, constantes de documentos) e “propriedade simulada decorrente de eventual crime de lavagem de dinheiro” (aquela que os documentos formais procuram escamotear) – assim, tendo em vista que a controvérsia está justamente em se perquirir quem, potencialmente, são os efetivos donos do avião para além dos nomes declarados em documentos formais, tais expedientes mostram-se de pouca valia (até mesmo porque, conforme já salientado, não há nos autos qualquer demonstração da onerosidade da transação e sequer a comprovação da realização do negócio jurídico de compra e venda subjacente).

 

No mesmo sentido, especificamente no que toca aos documentos juntados pelas recorrentes consistentes em “Fichas de Embarques” (ID 151657764) e “Registros de Voo” (ID 151657765), a força probante de tais expedientes mostra-se mínima devido as suas baixas confiabilidades. Isso porque o Parquet federal conseguiu demonstrar que, mesmo estando bloqueada a aeronave (em razão da deflagração da “Operação STATUS” em 11 de setembro de 2020), verificou-se que tal avião realizou um voo em 04 de novembro de 2020 (ID 151658532 – pág. 05), aspecto que as recorrentes alegam desconhecer ((...) No item 18 sustenta a Acusação que a Aeronave PT-WBL ‘encontrasse em uso’. As Apelantes ainda não sabem o que, de fato, aconteceu; porém garantem ao juízo que NÃO USARAM a aeronave e que estão cumprindo rigorosamente a ordem judicial (...) – destaque em caixa alta no original e em negrito nossa – ID 151658541 – pág. 36). Dentro de tal contexto, chega-se à conclusão paradoxal de que as recorrentes pretendem que se dê crédito a documentação relacionada ao uso da aeronave que foram colacionadas por elas, porém objetiva descaracterizar a mesma espécie de documentação trazida à baila pelo órgão acusatório (evidentemente porque lhes é desfavorável), de molde que a única conclusão passível de se chegar guarda relação com a imprestabilidade dos documentos ID’s 151657764 e 151657765 para o escopo de se comprovar uma pretensa propriedade – quando muito, tais expedientes poderiam indicar o uso da aeronave (o que não tem vínculo com quem seria o real dono dela), o que até mesmo resta obstado na justa medida em que as recorrentes buscam desacreditar a mesma espécie de documento carreado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

 

Na mesma linha do que vem sendo pontuado, a “Ficha de Inspeção Anual de Manutenção” (ID 151657769) e as “Ordens de Serviço de Manutenção” (ID’s 151657770, 151657771, 151657772, 151657773 e 151657774) não servem para o propósito de demonstrar quem seria a real proprietária da aeronave – ainda que se verifique a menção literal em tais expedientes de que a propriedade do avião recairia à recorrente “IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA.”, a controvérsia central, conforme anteriormente já aduzido, refere-se em espancar a dúvida existente entre a “propriedade formal” (aquela, por exemplo, constantes de documentos) e a “propriedade simulada decorrente de eventual crime de lavagem de dinheiro” (aquela que os documentos formais procuram escamotear), ressaltando-se, mais uma vez, que as recorrentes não se desincumbiram do ônus de demonstrar a aquisição lícita da aeronave (sequer há nos autos o “contrato de compra e venda” do bem, os comprovantes de pagamento realizados em decorrência de sua aquisição e a Declaração de Imposto de Renda das recorrentes elencando tal patrimônio como sendo seu). Aliás, de forma muito sintomática (em prejuízo das recorrentes) e bradando a efetiva existência de dúvidas acerca da real propriedade do bem em tela, as recorrentes, em momento algum ao longo do tramitar desta relação processual penal, declinaram a data em que o avião teria sido adquirido onerosamente!

 

Especificamente no que tange a papeis relacionados aos custos com a aeronave em tela (o que abarca sua manutenção, bem como sua hangaragem e seus abastecimentos, mesmo após a venda do bem a terceiras pessoas), importante transcrever excerto obtido de manifestação ministerial (ID 151658532 – págs. 11/13) que, por sua vez, se valeu de dados oriundos da Autoridade Policial que compõem a Informação nº 42/2020-GISE/PF/MS atinentes a documentos encontrados no escritório do acusado TAIRONE CONDE COSTA na sede da pessoa jurídica CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI”:

 

(...) Neste ponto da análise, chama a atenção dos investigadores a realização de negociações suspeitas com aeronaves, que podem indicar uma grande porta de conversão do dinheiro sujo em bens aparentemente limpos, operada pelos timoneiros da organização criminosa. Durante os trabalhos, aferiu-se que a empresa CLASSE A (...), de TAIRONE e sua esposa GILZA, supostamente interpostos de JEFERSSON (sic), negociam aeronaves quase que de forma habitual, havendo fortes indicativos de dissimulação. A empresa estaria participando de irregularidades ligadas a operações de financiamentos de aeronaves, considerando que alguns contratos de compra e venda são realizados com pessoas físicas e jurídicas, aparentemente sem lastro laboral para aquisição dos bens. Ainda mais, identificamos um labirinto de informações suspeitas quanto aos valores, às origens e destinos dos bens negociados, reforçando as suspeitas quanto a realização de operações de ocultação patrimonial, inclusive, utilizando contratos com simulação de valores de negociações. Com isso, passamos a acreditar que, nos mesmos moldes observados para os financiamentos de automóveis, nesta e em outras investigações realizadas por este grupo de inteligência no MS, as aeronaves podem estar sendo negociadas e financiadas para pessoas interpostas ligadas aos chefes da Organização Criminosa, e que as parcelas dos financiamentos são amortizadas com recursos provenientes de fontes ilícitas, como tráfico de drogas. O narrado ganha confiança, na medida em que vimos no material analisado que a CLASSE A, de TAIRONE e GILZA, absorve os valores das manutenções, hangaragem, abastecimentos, das aeronaves, mesmo após suas vendas a terceiros. Exemplificando: inferimos que as aeronaves são negociadas pela CLASSE A com terceiros, interpostos, gerando um grande volume de recursos nas operações. Os valores são pagos à CLASSE A, na venda, e a aeronave é teoricamente repassada aos compradores, formalizado por contratos. Posteriormente, observamos nas planilhas de prestação de contas da CLASSE A com JEFERSSON (sic), o pagamento de despesas como hangaragem e manutenção das aeronaves que foram vendidas. Se estivermos certos em nossas suspeitas, haveria uma grande inserção se (sic) recursos com aparência de legalidade nas negociações com tais aeronaves. Assim, iniciando o processo, a CLASSE A adquire a aeronave e paga com dinheiro ilícito (do tráfico dos MORINIGO), posteriormente vende a aeronave a interpostos e se credita da venda e das parcelas que também são amortizadas com dinheiro ilícito, pertencente à família MORINIGO. Após a aquisição e mesmo após a venda da aeronave, a CLASSE A continua pagando as despesas gerais e utilizando a aeronave. Não encontramos amparo para a absorção das despesas pela CLASSE A, após a venda dos bens, senão na suspeita de que as vendas eram simuladas para interpostas pessoas. A afirmação é baseada no cruzamento das datas dos contratos de compra e venda visualizados, nos valores divergentes de contratos idênticos e nas datas estabelecidas nas planilhas de prestação de contas da CLASSE A com JEFFERSON. A amortização das parcelas do financiamento ou parcelamento na venda também podem ser contabilizadas pela CLASSE A, como entrada de recursos atrelados à venda, branqueando o dinheiro sujo empregado na aquisição. Esta operação ainda pode acarretar parcelas para os interpostos adquirentes, as quais poderão ser amortizadas periodicamente ou antecipadamente, com dinheiro sujo, de acordo com a estratégia adotada pelo grupo investigado. PERGUNTA-SE: por que a CLASSE A, mesmo após a venda da aeronave, continua pagando suas despesas se tivesse havido a desvinculação? Ou seja, abre-se um claro para suspeitarmos que a venda seria simulada, tendo como consequência, a inserção de dinheiro sujo na economia (...) – destaques em caixa alta no original e em negrito nossa

 

Tendo com base as premissas investigativas supra, causa muita estranheza, militando de forma contrária às recorrentes “IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA.” e “CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI”, a constatação de que os investigadores encontraram material apto a demonstrar potencialmente que o custo global das aeronaves (o que inclui manutenção, hangaragem e abastecimentos) era absorvido (vale dizer, ser pago) pela empresa “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI” mesmo após esta supostamente ter se desfeito do bem por meio de um pretenso contrato de compra e venda com terceira pessoa – na realidade, os dados trazidos à tona pela Autoridade Policial chancelam a existência de uma, em tese, nebulosidade a acoimar a suposta transação relacionada à aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL, reforçando a percepção de que o “negócio jurídico” subjacente pode efetivamente ter sido simulado.

 

Indo adiante, restam, outrossim, as declarações firmadas perante Oficial de Registro Público por terceiras pessoas que, segundo as recorrentes, serviriam para corroborar a propriedade sobre a aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL (ID’s 151658547, 151658548, 151658549, 151658550, 151658551 e 151658555). A despeito da intenção postulada pelas recorrentes por meio da juntada de tais “testemunhos públicos”, verifica-se que suas respectivas forças probantes são ínfimas simplesmente porque referidos documentos foram elaborados em dezembro de 2020, ou seja, após a deflagração da fase ostensiva da “Operação STATUS” – em outras palavras, justamente porque elaborados após setembro de 2020, referidos expedientes parecem muito mais servirem para azeitar a versão constante dos autos do que para comprovar a efetiva veracidade dos acontecimentos.

 

Superado o enfrentamento dos documentos colhidos aos autos pelas recorrentes, cumpre retomar um ponto aventado por elas relacionado com o porquê teriam comprado a aeronave, em janeiro de 2014, por R$ 136.000,00 (cento e trinta e seis mil reais) e, passados mais de 04 (quatro) anos, a teriam vendido por R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) a “Carlos Alexandre Guillen Medeiros”. De acordo com as alegações apresentadas em sede de razões recursais (ID 151658541), a valorização ou a depreciação de uma aeronave estaria ligada à condição geral de seu motor e, dentro de tal contexto, sustentaram as recorrentes que teriam trocado os 02 (dois) motores da aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL, juntando para tanto os documentos ID’s 151658545 (consistente em nota fiscal de compra de motores de aeronave, em 24 de abril de 2014, pelo importe de R$ 294.318,70 – duzentos e noventa e quatro mil, trezentos e dezoito reais e setenta centavos, emitida em nome de “CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI”) e 151658546 (consistente em nota fiscal de serviço, emitida em 11 de agosto de 2014, no valor de R$ 25.730,00 – vinte e cinco mil, setecentos e trinta reais, em nome de “CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA PAIAGUAS”).

 

Ocorre, entretanto, que o compulsar do primeiro documento (nota fiscal de compra de motores de aeronave – ID 151658545) não permite a inferência de que os itens adquiridos estariam atrelados à aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL, à míngua de qualquer menção nesse sentido – ademais, apesar do documento fiscal reportar-se a uma operação que teria sido realizada em 24 de abril de 2014, menção constante em sua parte final (lado esquerdo) dá conta de que sua impressão ocorreu em 09 de dezembro de 2020, vale dizer, após a deflagração da “Operação STATUS” nos idos de 11 de setembro de 2020, servindo, ao que tudo indica e conforme já exposto anteriormente, muito mais para justificar a versão constante dos autos (que apenas foi apresentada em sede de razões recursais, sendo, portanto, inovadora em relação à indicada na exordial) do que para comprovar a efetiva veracidade dos acontecimentos.

 

Deve ser agregado, outrossim, mais um aspecto de relevo: na tentativa de dar lastro à argumentação concernente à troca dos motores da aeronave, trouxeram à baila as recorrentes a nota fiscal de serviço (ID 151658546) que teria o condão de demonstrar exatamente a mão de obra empregada nas substituições – todavia, analisando o tal documento, depreende-se que aquela nota fiscal de serviço foi emitida em razão da contração das seguintes manutenções: (...) lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores elevadores ou qualquer outro objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS) (...). Não há, portanto, vinculação a permitir o estabelecimento sequer que os serviços tinham vínculo com os motores que teriam sido comprados nos idos de abril de 2014 (nota fiscal acostada ao documento ID 151658545), razão pela qual cai por terra a argumentação das recorrentes no sentido de que a diferença de valores entre o pagamento originariamente feito pela aquisição do avião (R$ 136.000,00 – cento e trinta e seis mil reais) e a importância recebida pela venda (R$ 400.000,00 – quatrocentos mil reais) referir-se-ia à troca dos motores da aeronave.

 

Avançando para outra linha argumentativa no sentido de que a r. decisão de bloqueio da aeronave padeceria de error in procedendo na justa medida em que materializaria excesso não respaldado por v. acórdão proferido por este E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região quando do julgamento conjunto dos Feitos nºs 5008202-34.2019.403.6000 (Pedido de Busca e Apreensão), 5008205-86.2019.403.6000 (Pedido de Sequestro de Bens e Valores) e 5005120-92.2019.403.6000 (Pedido de Decretação de Prisão Preventiva e Temporária), melhor sorte não colhem as recorrentes. Isso porque não se nota dos autos a existência do propalado excesso em relação ao que restou decidido por esta C. Corte Regional, mas sim a plena possibilidade do magistrado monocrático, dando cumprimento aos comandos oriundos do julgamento dos recursos então aviados em cotejo com o exercício da jurisdição que lhe era inerente motivada pela atualização dos fatos que estavam sob investigação e que não tinham sido submetidos, ainda, à sua pessoa (ressaltando-se que esse E. Tribunal acabou por decidir que “fatos novos” – entendidos como aqueles que ocorreram entre os pedidos apresentados em 1º grau de jurisdição e o implemento das medidas deferidas pelo Colegiado – deveriam ser apresentados ao magistrado federal sob pena da ocorrência de supressão de instância), acabou por deliberar, acertadamente, pela decretação de indisponibilidade da aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL, à luz da efetiva presença de indícios (ressaltados e referendados neste voto) a apontar que tal bem poderia configurar ato de lavagem de dinheiro oriundo do tráfico de drogas que, em tese, seria perpetrado pelo “Clã MORINIGO”.

 

A conclusão ora exposta, vale dizer, a ausência de qualquer excesso por parte da autoridade judicante de 1º grau, fica bem explanada a partir da concatenação fática levada a efeito pelo Parquet federal em sua manifestação colacionada no documento ID 151658532, cabendo ser indicado que este Desembargador Federal Relator lança mão da exposição acusatória para bem aquilatar a questão ora em julgamento, uma vez que as recorrentes não juntaram aos autos virtuais o encadeado de r. decisões judiciais que culminou na indisponibilidade do avião – a propósito, vamos ao excerto extraído da peça acusatória a que foi feita referência:

 

(...) não há de se cogitar de excesso ou erro formal na decisão proferida por esse juízo. Isso porque a petição inicial traz apenas as partes do processo que lhe interessam, omitindo decisões e manifestações que lhe são contrárias. 8. Analisando os autos n. 5008205-86.2019.4.03.6000, o acórdão expedido pelo TRF3 estabeleceu as pessoas físicas e jurídicas sobre as quais deveriam recair as medidas constritivas de bens (item III, 2, b). Lá também constaram as pessoas contra as quais não havia indícios para tanto. As requerentes não se encontram nominalmente em nenhuma das duas listas, o que, a princípio, autoriza decisões posteriores desse juízo a quo sobre elas. 9. Por outro lado, na lista de pessoas contra as quais foram ordenadas restrições pelo TRF3 encontra-se a empresa Classe A Veículos e todos os principais investigados. A empresa Classe A Veículos, como se demonstrará durante a análise do mérito deste pedido, estava intrinsecamente ligada à compra e venda da aeronave que ora se pleiteia, sendo, ao que todos os elementos probatórios apreendidos indicam, a real proprietária do bem – para uso da organização criminosa. Tanto assim que documentação de manutenção da aeronave PT-WBL foi encontrada na sede da empresa Classe A Veículos. 10. Retomando. Antes de estabelecer a medida de sequestro, o referido acórdão deferiu medida de busca e apreensão para apreender bens que fossem localizados nos endereços relacionados aos investigados, sendo que entre os bens a serem apreendidos incluiu-se expressamente a apreensão ‘de automóveis, de aeronaves e de embarcações’ (item III, 1). 11. Ora, aviões permanecem em hangares, e não nas dependências da pessoa física ou jurídica que o possuem. Natural que sua apreensão tenha sido feita no hangar em que se encontrava, concretizando-se por meio do bloqueio formal via ANAC. 12. Ainda sobre a questão, registre-se que após o TRF3 decidir acerca do cabimento da busca e apreensão e dos sequestros pleiteados pelo Ministério Público Federal, os autos foram remetidos a esse juízo a quo, não somente com a decisão, mas ainda com novas informações da investigação juntadas pela Polícia Federal, consubstanciadas no Relatório de Informação Operação Status (julho de 2019 a maio de 2020) (ID 35481871 e ss, autos n. 5005120-92.2019.4.03.6000). Ao devolver o feito, o TRF3 considerou que tais informações deveriam ser submetidas ao juízo a quo a fim de evitar eventual supressão de instância no que tange às prisões pleiteadas. 13. Pois bem, com a referida devolução do feito e as novas informações juntadas, houve a devolução da atividade jurisdicional em tudo quanto não decidido pelo TRF3 em seu acórdão, e ainda, em tudo quanto constante nas novas informações juntadas pela Polícia Federal. 14. No acórdão, como exposto acima, não houve decisão em relação às requerentes ou em relação à aeronave PT-WBL quanto às medidas constritivas. Já a representação da autoridade policial que acompanha o Relatório de Informação Operação Status (julho de 2019 a maio de 2020), indicado acima, trouxe pedido expresso acerca da aeronave PT-WBL, pois agora a Polícia Federal obteve elementos sobre possível envolvimento de tal aeronave com a organização criminosa (ID 37893096, p. 13). Daí que o avião tenha sido incluído no novo pedido, conforme tabela abaixo: (...). 15. Na manifestação ministerial subsequente, este órgão ministerial encampou integralmente o pedido – ID 37902110. Por fim, esse juízo concedeu a medida especificamente sobre o bem questionado. Nesse contexto, resta claro que esse juízo a quo tinha competência para incluir novos bens ou investigados, de posse dos fatos novos, e sobretudo em se tratando de bens ou fatos não incluídos ou excluídos de forma expressa pelo TRF3. 16. Assim, a despeito da petição inicial mencionar somente a representação policial inicial, o parecer ministerial em segundo grau e a decisão do TRF3, o que se verifica é que, posteriormente a estes, houve nova representação policial, novo parecer ministerial e nova decisão judicial que abarcaram expressamente o bem, sem qualquer conflito com o quanto decidido anteriormente pelo Tribunal. 17. Portanto, a medida em questão não contém erro ou nulidade a ser acolhido (...) – destaques em caixa alta no original e em negrito nossa.

 

Por fim, mais 02 (dois) dados ganham relevância para o deslinde da controvérsia:

 

(a) A Autoridade Policial, por ocasião da deflagração da “Operação STATUS”, trouxe mais dados que denotariam a existência de outras aeronaves (em contextos nebulosos sobre a origem lícita do numerário empregado em suas aquisições e sobre a efetiva propriedade dos bens) envolvendo justamente as recorrentes “IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA.” e “CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI”, aspecto que tem o condão de referendar a impossibilidade, por ora, de devolução do bem até que tudo seja devidamente esclarecido – a propósito, vide o excerto que segue:

 

(...) Pesquisas realizadas em banco de dados oficiais (sic) mostram três aeronaves relacionadas ao piloto CARLOS ALEXANDRE GUILEN, com voos vinculados aos alvos da ORCRIM, são elas: 1. PT-WBL – trata-se de uma aeronave BEECH AIRCRAFT, modelo 58, nº de série TH-1327, marcas PT-WBL. Referida aeronave foi vendida para CARLOS ALEXANDRE GUILLEN MEDEIROS no dia 20 de março de 2018 pelo valor de R$ 400.000,00. Em tal relação comercial aparecem como vendedores as seguintes pessoas: NARCISO MONTANHER FILHO (...) e ANDERSON FERREIRA DE FARIAS (...). Destaca-se que referida operação mostra-se incompatível com a capacidade financeira do investigado, não havendo o devido registro em sua declaração de bens junto à FRFB (sic). No dia 21 de janeiro de 2019, a aeronave de prefixo PT-WBL foi vendida pelo valor de R$ 400.000,00 por CARLOS ALEXANDRE GUILLEN MEDEIROS, para IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA (...) e CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIA EIRELLI (...). Cumpre destacar que a referida aeronave tem como PILOTO NÚMERO 1 o investigado CARLOS ALEXANDRE, o qual sempre a utilizando em voos que têm como ORIGEM e DESTINO os estado em que os membros da ORCRIM atuam com mais frequência: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Cabe lembrar que referida aeronave teria transportado alguns investigados para o evento na cidade de FLORIANÓPOLIS.  A coincidência dos valores nas duas operações de venda, mostram uma possível venda simulada do bem para fins de ocultação patrimonial. 3. PT-XEF – trata-se de uma aeronave cujo fabricante é PIPER AIRCRAFT, modelo PA-31T2, número de série 31T-8166009, PRXEF. De acordo com pesquisas realizadas, no dia 21 de setembro de 2015 a aeronave foi vendida por MARIA DAS GRAÇAS PRESTES (...) para CLASSE A COMÉRCIO DE VEÍCULOS EIRELI-ME (...). Tal operação teve o valor de R$ 800.000,00. No dia 07 de novembro de 2017, a aeronave em análise foi vendida, com contrato celebrado entre CLASSE A COMERCIO DE VEICULOS EIRELI-ME (...) e IMOBILIARIA PAIAGUAS LTDA (...) e CONSTRUTORA E IMOBILIARIA FARIAS EIRELI (...). Destaca-se que o valor foi de R$ 800.000,00. A coincidência dos valores nas duas operações de venda, mostram uma venda simulada do bem, o que desta maneira ocultaria a verdadeira propriedade da aeronave. Por fim, mais uma vez CARLOS ALEXANDRE GUILLEN MEDEIROS aparece como PILOTO 1 ou PILOTO 2, da aeronave vinculada a ORCRIM em voos que têm como ORIGEM/DESTINO, cidades destinos dos investigados e já citada anteriormente (...) – destaques em caixa alta no original e em negrito nossa – ID 151658532 – págs. 09/10;

 

Tentaram justificar as recorrentes que a compra, a venda e a recompra da aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL, teriam ocorrido porque a atividade de construção civil estava aquecida e, nesta toada, deliberaram por adquirir um avião de maior porte, qual seja, o detentor do prefixo PT-XEF (mediante o pagamento da diferença); contudo, a partir do momento em que o mercado se retraiu, optaram por trocar o aeromotor por um de menor porte e, como a aeronave prefixo PT-WBL estava disponível, acabou ela sendo readquirida. Ressaltaram, ainda, as recorrentes que a divergência de datas atinente às transações refere-se ao fato de que a Agência Nacional de Avião Civil – ANAC seria muito lenta e criteriosa nos trâmites documentais. A propósito, de rigor transcrever excerto obtido das razões recursais sobre o que se acaba de expor (ID 151658541 – pág. 38):

 

(...) Ah, então não se tratada de uma única aeronave. Claro que não. As Apelantes primeiro compraram a PT-WBL. Com aquecimento do mercado da construção civil quiseram trocar da PT-WBL para uma melhor/maior, deram esta na troca pela PT-XEF e pagaram a diferença. Com a retração do mercado, quiseram trocar por uma menor, em razão do custo operacional. Por coincidência a antiga PT-WBL estava disponível e trocaram, recebendo a diferença. Esta é a razão da compra, venda e recompra. Simples e comum em todo negócio. Há divergência de datas porque a ANAC é muito lenta e criteriosa nos trâmites de documentos (...) – destaques em caixa alta no original e em negrito nossa.

 

Impossível aquiescer com as “coincidências” alegadas pelas recorrentes, principalmente com aquela relacionada com a ineficiência do serviço prestado pela Agência Nacional do Seguro Social – ANAC na justa medida em que a propalada ineficiência se manifestaria no atraso em se apreciar requerimentos e não na existência de manifestação executada de forma “antecipada” (o que, apenas embarcando na linha de raciocínio das recorrentes, denotaria um excelente serviço público prestado).

 

Explicando: conforme é possível ser constatado da primeira transcrição levada a efeito especificamente neste tópico (qual seja, aquela oriunda da Autoridade Policial, relatando a existência de mais aeronaves imbricadas no mesmo contexto potencialmente nebuloso de atos de lavagem de dinheiro – ID 151658532 – págs. 09/10), depreende-se que a aquisição da aeronave prefixo PT-XEF pelas recorrentes “IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA.” e “CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI” ocorreu em 07 de novembro de 2017, oportunidade em que teria sido paga a quantia de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) a pessoa jurídica “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI”. Nesse diapasão, resta completamente isolada dos autos a ilação de que tal aquisição (pretensamente motivada por um repentino “aquecimento” do mercado de construção que, em questão de poucos meses, acabou “retraindo-se” em verdadeiro “voo de galinha”) teria sido levada a efeito quando da venda da aeronave prefixo PT-WBL, fato que se deu em junho de 2018 (vide, a propósito, a Certidão de Propriedade e Ônus Reais emitida pela Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC – ID 151657778). Na realidade, a Polícia Federal, ao que consta dos autos, teria descoberto que tal transação teria sido praticada aproximadamente 07 – sete – meses antes, não se verificando, portanto, uma suposta ineficiência da agência reguladora, mas a incongruência da tese recursal apresentada.

 

(b) Colhe-se dos autos a existência de diversas “relações comerciais” suspeitas envolvendo a recorrente “IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA.” e a pessoa jurídica “CLASSE A Comércio de Veículos EIRELI” (dados obtidos de manifestações encartadas nos autos oriundas do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – ID’s 151658532 e 151658556), o que corrobora a necessidade de que as investigações sejam aprofundadas:

 

(...) 34. Ora, como descrito acima, as requerentes não efetuaram apenas o contrato da aeronave PT-WBL com a empresa dos investigados. Elas também estiveram envolvidas em outros negócios relevantes. Entre estes consta a aquisição e venda da aeronave PT-XEF em transação com a própria Classe A Motors e as requerentes. 35. Também houve a aquisição de um veículo Porsche Cayenne, ano/modelo 2013/2014, cor branca, placas OWX 2222, intermediada pela Classe A Motors. E mais, justo por ocasião da deflagração da operação, tal veículo estava ‘guardado’ na Classe A Motors. Este fato é objeto de discussão nos autos n. 5006181-51.2020.4.03.6000, em que a requerente Imobiliária Paiaguás Ltda. busca a restituição do referido carro. 36. Outro indicador de relação entre as requerentes e a Classe A Motors está no fato de que no momento da deflagração da operação também foi apreendido documento de distrato de compra e venda de veículo entre a Imobiliária Paiaguás e a Classe A Motors referente a outro carro – caminhonete Triton, placas FBY-1419. 37. Atípico que uma imobiliária estivesse negociando aeronaves com uma empresa de carros. E, por mera coincidência, essa mesma empresa de carros estaria guardando seu veículo Porsche (...) – destaques em caixa alta no original e em negrito nossa – ID 151658532 – pág. 10.

 

(...) 32. Em verdade, com o desenrolar dos processos de restituição, este órgão ministerial constatou que, além dos 4 negócios realizados entre as requerentes e os investigados, o nome de Edy Veggi Soares [sócio da “IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA.”] surgiu em mais uma negociação, e, diga-se de passagem, em contexto de compra e venda totalmente inusitada. 33. Mundo pequeno: Edy Veggi Soares, dono de uma milionária construtora e de uma gigante imobiliária em Cuiabá/MS, vendeu pessoalmente (pessoa física) uma casa para Elzinete Amâncio da Silva, uma senhora com declaração de pobreza processual, que está pleiteando a restituição de um veículo BMW, que se encontrava na garagem da Classe A Veículos no momento da busca e apreensão (autos n. 5007441-66.2020.4.3.6000, cópia do parecer em anexo) (...) – destaques em caixa alta no original e em negrito nossa – ID 151658556 – pág. 05.

 

Portanto, à luz de tudo o que se acaba de expor, pertinente INDEFERIR a pretensão de restituição da aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL, às recorrentes IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA. e CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI, motivo pelo qual se NEGA PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto.

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto por IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA. e CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI, nos termos anteriormente expendidos.



E M E N T A

 

PROCESSO PENAL. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. CONTEXTUALIZAÇÃO DA APREENSÃO DA AERONAVE BEECH AIRCRAFT (MODELO 58, NÚMERO DE SÉRIE TH-1327, POSSUIDORA DA INSCRIÇÃO PT-WBL) LEVADA A EFEITO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO – “OPERAÇÃO STATUS”. REGIME JURÍDICO APLICADO À “COISA APREENDIDA” NO PROCESSO PENAL. ANÁLISE DO CASO CONCRETO: INDEFERIMENTO DA RESTITUIÇÃO PRETENDIDA.

- A apreensão da aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL, objeto de impugnação neste Pedido de Restituição de Coisa Apreendida, decorreu de medida constritiva deferida no âmbito da “Operação STATUS”, cuja fase ostensiva foi deflagrada em 11 de setembro de 2020, investigação policial esta que tinha por escopo desmantelar suposta organização criminosa volta ao tráfico internacional de entorpecentes (especialmente cocaína), ressaltando-se, por oportuno, que o proveito econômico obtido com a execução de tal atividade seria objeto de diversos atos de lavagem – importante destacar que, segundo o até então apurado, a organização criminosa que teria sido descoberta seria chefiada pelo “Clã MORINIGO”, composto pelas pessoas de EMÍDIO MORINIGO, de JEFFERSON MORINIGO e de KLEBER MORINIGO.

- A teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo, cabendo destacar que o art. 120 do mesmo diploma determina que a restituição, quando cabível, poderá ser ordenada tanto pela autoridade policial como pelo juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Sem prejuízo do exposto, há que se observar, ainda, os termos do art. 91 do Código Penal, referente aos efeitos da condenação, tratando da perda de bens em favor da União. Ademais, cuidando-se a situação concreta de potencial perpetração do delito de lavagem de dinheiro, incide também o arcabouço normativo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998.

- Cuidando-se a situação concreta de potencial perpetração do delito de lavagem de dinheiro, incide também o arcabouço normativo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998. O dispositivo em tela estabeleceu a inversão do ônus da prova da origem lícita do bem pelo investigado, na esteira da Convenção de Viena sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (art. 5º, item 7), da Convenção de Palermo contra o Crime Organizado Transnacional (art. 12, item 7), da Convenção de Varsóvia sobre Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (art. 3º, item 4) e da Recomendação nº 4º do Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, cabendo salientar que a Exposição de Motivos da Lei nº 9.613/1998, no seu item 67, deixa evidente que essa inversão restringe-se à apreensão e ao sequestro de ativos. Nessa toada, o legislador, para viabilizar a medida assecuratória, consagrou a presunção juris tantum da ilicitude, desde, é claro, que presentes indícios suficientes (art. 4º, caput), que somente restarão afastados a partir do momento em que o interessado comprovar o contrário.

- Ainda no contexto do art. 4º da Lei nº 9.613/1998, o tempo de duração de vigência das medidas assecuratórias (até então previsto no § 1º de indicado artigo legal, que aduzia que deveria haver seu levantamento caso a Ação Penal não fosse iniciada no prazo de 120 – cento e vinte – dias contados da data em que concluída a diligência) foi suprimido pela Lei nº 12.683/2012. Aliás, a jurisprudência pátria, mesmo antes da supressão legislativa, já admitia a dilação do lapso temporal em comento mesmo com a aparentemente hermética redação original do tipo excogitado, de molde que referendava que as regras jurídicas deveriam ser interpretadas à luz das exigências do caso concreto (notadamente sua complexidade), sem desvirtuar ou exceder os parâmetros estabelecidos pelo legislador. Este método hermenêutico não implicava a inobservância das normas cogentes, ao revés, impunha o exame da ratio legis de cada dispositivo legal e determinava acurado estudo da finalidade e da essência do instituto jurídico a ser aplicado. Outrossim, o mesmo art. 4º da Lei nº 9.613/1998, agora em seu § 3º, na redação imposta pela Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012, determina a impossibilidade de que haja a liberação de qualquer bem sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa.

- Tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 04 (quatro) requisitos, quais sejam: 1) propriedade do bem pelo requerente (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão (art. 118 do Código de Processo Penal); 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento clássico (art. 91, II, do Código Penal, dos produtos e/ou instrumentos do delito), por equiparação (art. 91, § 1º, do Código Penal, dos bens lícitos equivalentes) e alargado (art. 91-A do Código Penal, dos bens alargados dada sua incompatibilidade com os rendimentos); e 4) comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa (art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.613/1998, aplicável exclusivamente a crimes de lavagem). Em outras palavras, a liberação de bens envolvidos com a prática criminosa obedece a rigoroso tratamento, sendo que, para a relevação da constrição, deverá ser atestada, para além da propriedade em si, a origem lícita do bem ou dos valores utilizados na sua aquisição, sem prejuízo da desvinculação do expediente com os fatos apurados na investigação criminal ou na persecução penal.

- Compulsando os elementos fático-probatórios amealhados nestes autos e a despeito do posicionamento exarado pela Procuradoria Regional da República oficiante nesta 3ª Região, mostra-se defeso prover o recurso de Apelação aviado pela IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA. e pela CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI, de molde que a única conclusão possível encontra-se escorada na manutenção da apreensão da aeronave Beech Aircraft, modelo 58, número de série TH-1327, possuidora da inscrição PT-WBL. Isso porque as recorrentes não demonstraram a propriedade do bem, bem como não se desincumbiram do ônus de comprovar a origem lícita da aeronave ou dos valores empregados em sua aquisição, razão pela qual estão presentes elementos a possibilitarem enxergar-se a vinculação dos fatos à investigação ou persecução penal subjacente.

- Negado provimento ao recurso de Apelação interposto por IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA. e por CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS – EIRELLI.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto por IMOBILIÁRIA PAIAGUÁS LTDA. e CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA FARIAS - EIRELLI, nos termos anteriormente expendidos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.