Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5002774-42.2017.4.03.6000

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

PARTE AUTORA: JEAN CARLOS DA SILVA AMERICO

Advogado do(a) PARTE AUTORA: WILTON CELESTE CANDELORIO - MS17266-A

PARTE RE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5002774-42.2017.4.03.6000

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

PARTE AUTORA: JEAN CARLOS DA SILVA AMERICO

Advogado do(a) PARTE AUTORA: WILTON CELESTE CANDELORIO - MS17266-A

PARTE RE: FUNDACAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Jean Carlos da Silva Américo em face do Reitor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Chefe da Divisão de Orientação Acadêmica da UFMS, objetivando obter provimento jurisdicional para que seja possibilitado realizar provas em dias alternativos, quando marcadas aos sábados, devido aos regramentos da religião adventista, a qual é seguidor.

Narra o impetrante ser estudante do curso de Administração Pública na Universidade Federal de Mato Grasso do Sul, na modalidade EAD. Aduz que a instituição de ensino ao estabelecer os horários de aulas, definiu que podem ocorrer atividades nos períodos noturnos nos dias da semana e também aos sábados e domingos.

Alega ser professo da religião Adventista do Sétimo Dia e que não executa atividades de interesse pessoal entre o pôr-do-sol da sexta-feira ao pôr-do-sol do sábado. Aduz que solicitou à Universidade realizar avaliações em dias alternativos, tendo seu pedido negado. Sustenta que a negativa viola seu direito à liberdade religiosa e à dignidade humana, sendo ilegal fazê-lo escolher entre o acesso ao ensino ou a sua religião.

A medida liminar foi concedida, com fundamento na garantia constitucional de liberdade religiosa e na previsão constante na Lei Estadual nº 2.104/2000 (Id. 157744651).

Por meio de sentença, o MM Juízo a quo julgou procedente a ação, concedendo a segurança para determinar que as autoridades impetradas garantam o oferecimento de alternativas ao impetrante para finalizar seu curso de graduação, incluindo as avaliações já perdidas pelo impetrante, remanejando as atividades de avaliação para dias diversos do sábado, considerado do pôr-do-sol da sexta feira ao pôr-do-sol do sábado (Id. 157744664).

Sem recursos voluntários, os autos foram remetidos a esta E. Corte por força da remessa oficial.

O Ministério Público Federal, em seu parecer nesta instância, manifesta-se pela manutenção da sentença (Id. 158491031).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5002774-42.2017.4.03.6000

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

PARTE AUTORA: JEAN CARLOS DA SILVA AMERICO

Advogado do(a) PARTE AUTORA: WILTON CELESTE CANDELORIO - MS17266-A

PARTE RE: FUNDACAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

Cinge-se a controvérsia acerca da garantia de direito fundamental ao exercício de liberdade de crença, culto ou religião em face de exigências relativas à educação superior, dada a restrição à prática de atividades por professos da Igreja Adventista do Sétimo Dia entre o pôr do sol da sexta e o do sábado.

Pois bem. A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos VI e VIII, antepara o direito à crença religiosa, bem como de que seus direitos não serão privados devido a tais convicções. Confira-se:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

No âmbito infraconstitucional, o art. 2º da Lei Estadual nº 2.104/2000 assegura aos alunos do estado de Mato Grosso do Sul, devidamente matriculados, a aplicação de avaliação em data alternativa por motivo de guarda religiosa:, verbis:

Art. 2º É assegurado ao aluno, por motivo de crença religiosa, requerer à instituição de ensino em que esteja regularmente matriculado, seja ela pública ou privada, e de qualquer nível, que lhe sejam aplicadas provas ou trabalhos acadêmicos em dias não coincidentes com o período de guarda religiosa.

§ 1º A instituição de ensino fixará data alternativa para a realização da obrigação acadêmica, que deverá coincidir com o período ou turno em que o aluno estiver matriculado, contando com sua expressa anuência, se em turno diferente daquele.

§ 2º Para o gozo dos direitos disposto neste artigo, o aluno comprovará no ato da matrícula esta condição de crença religiosa, através de declaração da instituição religiosa a qual pertença, ou, não sendo filiado a qualquer denominação, firmará declaração de próprio punho.

§ 3º O aluno, caso venha a se filiar a uma instituição religiosa no decorrer do ano letivo, gozará dos mesmos direitos, com a apresentação de declaração na data de sua filiação.

Entendo que o exercício da liberdade de crença, culto ou religião não é incompatível com exigências regulares da atividade de formação superior, considerando que as atividades nos dias de impedimento do impetrante são pontuais, de modo que poderá realizar atividades alternativas ou substitutivas, em outros horários ou dias distintos.

Ora, não se trata de obrigar a autoridade impetrada a prestar atividade curricular em horário ou dia exclusivamente desejado pelo impetrante, ou de deixar de cumprir deveres e exigências curriculares, mas sim, de aplicação ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade, para estabelecer solução de equilíbrio e mútua eficácia dos bens jurídicos tutelados.

A jurisprudência desta E. Corte é assente no sentido da possibilidade de realização de prova em dia ou horário alternativo, respeitando-se, assim, os regramentos de crença religiosa a qual o aluno pratica, mesmo que minoritária, como é o caso da religião adventista. Confiram-se os precedentes:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR. ENSINO SUPERIOR. IGREJA ADVENTISTA. AULAS ÀS SEXTAS-FEIRAS À NOITE. LIBERDADE RELIGIOSA. PREVALÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. RECURSO PROVIDO.

1. Conforme se verifica dos autos, a autora, ora agravante, é membro da Igreja Adventista do Sétimo Dias e, conforme seus princípios e sua crença, guarda o dia do sábado, assim compreendido entre o pôr-do-sol da sexta-feira até o pôr-do-sol do sábado.

2. A liberdade de consciência e de crença e o livre exercício dos cultos religiosos são garantias constitucionais (art. 5º, inciso VI da CF).

3. A interpretação de normas relativas a direitos e garantias fundamentais deve orientar-se pelo princípio da máxima efetividade, sendo razoável, portanto, a pretensão da agravante.

4. Prevalência de direitos fundamentais sobre qualquer normatização restritiva.

5. Agravo provido.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5026646-73.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 02/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 13/04/2020)

DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. LIBERDADE DE CRENÇA, CULTO E RELIGIÃO. ARTIGO 5º, VI e VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ATIVIDADES CURRICULARES DA FORMAÇÃO ACADÊMICA. MEDIDA OU PRESTAÇÃO ALTERNATIVA. LEI 13.796/2019. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 

1. A impetração discute a garantia de direito fundamental ao exercício de liberdade de crença, culto ou religião em face de exigências relativas à educação superior, dada a restrição à prática de atividades seculares por fiéis da Igreja Adventista do Sétimo Dia entre o pôr do sol da sexta e o do sábado, objetivando tutela judicial para cumprimento de atividades acadêmicas de forma alternativa ou substitutiva.

2. A liberdade constitucional assegurada tem assento no artigo 5º, incisos VI e VIII, da Lei Maior vigente, assegurando que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias"; e que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei".

3. Ao contrário do quanto afirmado na sentença, em que pese o dever de neutralidade do Estado em relação às práticas religiosas, não se trata no caso de impor obrigações a terceiros em benefício de determinada confissão religiosa, não havendo, no caso, criação de privilégio pessoal lesivo ou incompatível com a ordem constitucional.

4. Em relação ao próprio Estado e no âmbito de concursos públicos, que exigem máxima isonomia e segurança jurídica, a jurisprudência é firme em reconhecer que deve ser preservado o direito individual do candidato cuja crença religiosa não permita realizar etapa do concurso em dia ou horário específico, impondo à Administração Pública a adoção de medidas de conciliação e de máxima efetividade entre os bens jurídicos em aparente conflito.

5. Não se trata, porém, de considerar a liberdade de crença, culto ou religião superior em limite ou conteúdo, de forma absoluta, frente às obrigações impostas à generalidade das pessoas. É essencial que se avalie razoabilidade e proporcionalidade para a máxima eficácia com a mínima contenção possível dos direitos e obrigações envolvidos, importando, no caso, discutir se as liberdades em questão são compatíveis ou podem, ao menos, ser exercidas de forma compatível e em que medida com as exigências da formação acadêmica para que se possa estabelecer solução de equilíbrio e mútua eficácia dos bens jurídicos tutelados. 

6. A hipótese é de fiel da Igreja Adventista do Sétimo Dia, com restrição de atividade secular entre o pôr do sol de sexta-feira e o de sábado. Fundamentalmente, não poderia participar de ações ou atividades acadêmicas no período específico que, em regra, sequer é dedicado, regularmente, a atividades acadêmicas, salvo provas ou atividades excepcionais. Logo, o exercício da liberdade de crença, culto ou religião não é incompatível com exigências regulares da atividade de formação superior, já que seriam pontuais as ausências e a necessidade de eventualmente realizar atividades alternativas ou substitutivas, em outros horários ou dias distintos.

7. Ainda que se tenha informado que a impetrante optou por transferir-se do turno vespertino para o noturno, por razões não elucidadas, mas, evidentemente, sem que se possa conceber ou presumir que o tenha feito para permitir simplesmente ausentar das aulas às sextas-feiras, evidencia-se que a mudança não impede nem é incompatível com o exercício do direito fundamental e, antes, indica a própria possibilidade de remanejamento, pela instituição de ensino, da atividade acadêmica da sexta-feira à noite para outro horário ou dia da semana sem maiores consequências, caso não seja evidenciada a alternativa de atividade substitutiva ou compensatória.

8. A autoridade impetrada não se obriga, evidentemente, a prestar atividade curricular em horário ou dia exclusivamente desejado pela impetrante, como tampouco pode deixar de cumprir deveres e exigências de formação curricular veiculadas pelo Ministério da Educação. Não existe nos autos qualquer comprovação de que não seja razoavelmente possível a execução de medidas destinadas a garantir o exercício da liberdade de crença, culto ou religião em consonância com exigências legais de cumprimento curricular de atividades acadêmicas, razão pela qual ao Judiciário cumpre assegurar solução que promova a efetividade dos direitos fundamentais em discussão.

9. Neste contexto, como salientado, o cumprimento de prestações ou medidas alternativas ou a sujeição da impetrante a horários e dias alternativos para realização de atividade substitutiva ou de reposição insere-se como adequação razoável ao efetivo exercício da liberdade religiosa e de crença, tutelada pela Constituição Federal, não constituindo violação à autonomia universitária ou à isonomia.

10. A superveniência da Lei 13.796/2019 tornou ainda inequívoco o direito, ao prever a prestação alternativa para alunos que não possam comparecer à aula ou prova marcada para dia em que sejam vedadas tais atividades por força de preceito religioso. Saliente-se que o § 3º do artigo 7º-A da Lei 9.394/1996, com a redação dada pela Lei 13.796/2019 prescreve prazo para implementação progressiva do direito, objetivando o respectivo exercício administrativo pleno, sem impedir, pois, que se reconheça direito líquido e certo para tutela judicial da pretensão, segundo a urgência do caso concreto.

11. Apelação provida.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001035-82.2018.4.03.6005, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 04/09/2020, Intimação via sistema DATA: 09/09/2020)

Desta feita, mister a manutenção da r. sentença que concedeu a segurança, porquanto demonstrada a evidente ilegalidade do ato coator perpetrado contra o impetrante, que possui direito líquido e certo em ser beneficiado com data alternativa para realização de avaliações por motivo de guarda religiosa.

Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



REMESSA OFICIAL. ENSINO SUPERIOR. REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO EM DIA ALTERNATIVO. ALUNO ADVENTISTA. DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE RELIGIOSA.

1. A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos VI e VIII, antepara o direito à crença religiosa, bem como de que seus direitos não serão privados devido a tais convicções.

2. No âmbito infraconstitucional, o art. 2º da Lei Estadual nº 2.104/2000 assegura aos alunos do estado de Mato Grosso do Sul, devidamente matriculados, a aplicação de avaliação em data alternativa por motivo de guarda religiosa.

3. O exercício da liberdade de crença, culto ou religião não é incompatível com exigências regulares da atividade de formação superior, considerando que as atividades nos dias de impedimento do impetrante são pontuais, de modo que poderá realizar atividades alternativas ou substitutivas, em outros horários ou dias distintos.

4. Não se trata de obrigar a autoridade impetrada a prestar atividade curricular em horário ou dia exclusivamente desejado pelo impetrante, ou de deixar de cumprir deveres e exigências curriculares, mas sim, de aplicação ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade, para estabelecer solução de equilíbrio e mútua eficácia dos bens jurídicos tutelados.

5. A jurisprudência desta E. Corte é assente no sentido da possibilidade de realização de prova em dia ou horário alternativo, respeitando-se, assim, os regramentos de crença religiosa a qual o aluno pratica, mesmo que minoritária, como é o caso da religião adventista.

6. Remessa oficial desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à remessa oficial, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram o Juiz Fed. Conv. SILVA NETO (substituto da Des. Fed. MARLI FERREIRA, em férias) e o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. Ausentes a Des. Fed. MARLI FERREIRA e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE, em razão de férias , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.