APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010802-18.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DANGELO CAMPELO ABADE
Advogado do(a) APELADO: ALDIERIS COSTA DIAS - SP297036-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010802-18.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: DANGELO CAMPELO ABADE Advogado do(a) APELADO: ALDIERIS COSTA DIAS - SP297036-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada em face de DANGELO CAMPELO ABADE, objetivando a cobrança do débito previdenciário de R$ 95.181,05 (noventa e cinco mil, cento e oitenta e um e cinco centavos). A r. sentença, prolatada em 01/12/2015, julgou improcedente o pedido deduzido na inicial e condenou o INSS no pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (mil reais). Em suas razões recursais, o INSS pugna pela reforma do r. decisum, sustentando, em síntese, ser possível a cobrança dos valores recebidos indevidamente pelos segurados, nos termos do artigo 115, II, da Lei n. 8.213/91. No mais, afirma que a boa-fé objetiva do segurado e o caráter alimentar dos benefícios previdenciários, por si só, não tornam tais verbas irrepetíveis. Devidamente processado o recurso, sem contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010802-18.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: DANGELO CAMPELO ABADE Advogado do(a) APELADO: ALDIERIS COSTA DIAS - SP297036-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Inicialmente, verifico que a sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 01/12/2015, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973. De acordo com o artigo 475 do CPC/73: "Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). §1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. §2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor. §3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente." No caso, o INSS foi condenado a se abster de cobrar o débito previdenciário de R$ 95.181,05 (noventa e cinco mil, cento e oitenta e um e cinco centavos), bem como a arcar com honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (mil reais). Assim, por se tratar de sentença desfavorável à Autarquia Previdenciária, está sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I do artigo 475 do Código de Processo Civil de 1973. Avanço ao mérito. Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente ao réu, a título de benefício previdenciário, na seara administrativa. O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis: "Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários." Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito. A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal. Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis: "Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...) II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)" Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias. Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção. Do caso concreto. Compulsando os autos, verifica-se que o réu usufruiu do benefício de auxílio doença no período de 22/03/2005 a 08/10/2007 (NB 514.036.744-7) (ID 107933145 - p. 45). Entretanto, em sede de auditoria interna, o INSS constatou irregularidade na concessão do benefício, pois o demandado não teria satisfeito todos os requisitos para a sua fruição, uma vez que os recolhimentos previdenciários efetuados por seus empregadores eram, em sua maioria, extemporâneos. Assim. conquanto ostentasse a qualidade de segurado na época da eclosão da incapacidade laboral (22/03/2005), o réu não havia preenchido a carência mínima exigida por lei. Por conseguinte, o demandado foi notificado em 18/12/2012, para defender a legalidade no deferimento do benefício e, posteriormente, para quitar o débito previdenciário de R$ 95.181,05 (noventa e cinco mil, cento e oitenta e um reais e noventa e cinco centavos) (ID 1D 107933145 - p. 81 e 90). A cobrança administrativa, contudo, não pode subsistir. A possibilidade da Administração Pública rever os atos eivados de ilegalidade por ela praticados é reconhecida há muito pela jurisprudência da Suprema Corte. Todavia, ainda remanesce a controvérsia acerca das consequências jurídicas de tal anulação para os segurados e pensionistas, mormente no que se refere ao dever de restituição de valores. Na relação entre particulares, o próprio estatuto da propriedade estabelece as balizas para dirimir conflitos de ressarcimento, pautando-se, sobretudo, no primado de que todo enriquecimento individual deve ter uma justificativa jurídica aceitável, sob pena de ser considerado indevido. A mesma diretriz é utilizada nos casos em que fica demonstrado que o segurado usou de meios fraudulentos para obter proveito econômico indevido, sendo o entendimento jurisprudencial dominante de que, em tais circunstâncias, os valores são passíveis de restituição. O fundamento, contudo, não é mais o direito de propriedade, como ocorre no âmbito privado, mas sim o princípio geral de direito de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. A questão se torna mais discutível quando se trata de valores recebidos pelo segurado de boa-fé. Isso ocorre porque os benefícios pagos pelo INSS constituem verbas de caráter alimentar e, portanto, presume-se que seus titulares as utilizaram para suprir suas necessidades básicas de subsistência, razão pela qual o retorno das partes ao status quo ante se torna improvável na maioria das vezes. Além disso, o segurado que age de boa-fé, fornecendo as informações solicitadas pela Autarquia Previdenciária, sem adulterar ou ocultar nada, bem como submetendo-se a todos os procedimentos administrativos, nutre a expectativa de que os valores por ele recebidos estão de acordo com a lei, uma vez que a concessão de seu benefício foi precedida de análise por agentes públicos ou alicerçada em pareceres técnicos especializados, que são muitas vezes incompreensíveis para o homem comum, leigo em questões jurídicas ou contábeis. A fim de dirimir a controvérsia acerca da restituição de valores em tais casos, a jurisprudência distinguiu as falhas praticadas pela Administração Pública em três categorias, de acordo com a natureza do ato que resultou no pagamento da vantagem indevida: interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da administração latu sensu, entendido este último como aquele operacional ou material. Interpretação errônea consistiria no ato de atribuir ao preceito normativo um sentido que não corresponde ao seu verdadeiro conteúdo, seja descaracterizando seus elementos materiais objetivos, - como, por exemplo, a natureza ou a dimensão quantitativa da prestação -, mediante a supressão, a alteração ou a adição de elementos, sob a justificativa de que eles estariam "implícitos" no texto legal, seja ampliando seu alcance subjetivo, pela via hermenêutica, para incluir em seu rol destinatários que, de outra forma, não seriam atingidos pelo preceito legal. Já a má aplicação da lei ocorre quando se subsume uma determinada situação fática a norma geral positivada que não se amolda ao caso concreto, muitas vezes olvidando que já existe outro preceito legal, mais específico, que disciplina exatamente aquele fato gerador. O erro material, por sua vez, é caracterizado pelas inexatidões puramente aritméticas ou de digitação, não tendo origem na ignorância do agente público quanto ao sentido e alcance da norma, tampouco na dificuldade por ele encontrada de identificar se o fato se enquadra na hipótese de incidência positivada. Trata-se de mera falha humana decorrente de desatenção que, em circunstâncias normais, seriam perceptíveis imediatamente pelos próprios agentes públicos, caso tivessem feito a mera conferência dos atos após sua produção. Por fim, o erro operacional decorre de negligência nas práticas administrativas puramente burocráticas e está relacionado com a gestão ineficaz dos sistemas de informação, dos documentos ou das rotinas próprias da repartição pública, tais como: a conferência das datas de vencimento de benefícios, agendamento de revisões periódicas, incompatibilidade inequívoca entre a prestação recebida e o segurado ou pensionista, perceptível imediatamente até para o homem leigo. Nas hipóteses de erros administrativos oriundos de interpretação errônea ou má aplicação da lei, o entendimento jurisprudencial amplamente dominante sempre entendeu pela impossibilidade de repetição dos valores recebidos indevidamente. Isso porque à Administração Pública não é dado o direito de equivocar-se quanto à interpretação ou à aplicação da lei. Justamente por considerar que os atos praticados por seus agentes estão em conformidade com a legislação é que se atribui a eles a presunção de veracidade, derivada de sua condição de terem sido produzidos por detentores de fé pública. Ademais, conquanto ninguém possa invocar a ignorância como justificativa para se escusar de cumprir a lei, não é razoável exigir dos segurados e pensionista que possuam conhecimento técnico especializado suficiente para compreender a ilegalidade dos valores por ele recebidos. Neste sentido, cito os seguintes precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça: "ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DE LEI. DEVOLUÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ANÁLISE. SÚMULA 7 DO STJ. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. É firme o entendimento desta Corte no sentido de que é incabível a devolução de valores percebidos por servidor público de boa-fé, decorrente de interpretação equivocada ou má aplicação da lei pela Administração. 3. A análise da tese recursal, a fim de derrogar o entendimento da Corte de origem, encontra óbice na Súmula 7 do STJ. 4. Agravo interno desprovido." (AgInt no AREsp 1528427/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/11/2019, DJe 02/12/2019) "ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE POR ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DESCABIMENTO DA PRETENSÃO ADMINISTRATIVA DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES. AGRAVO INTERNO DO INSS DESPROVIDO. 1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia 1.244.182/PB, firmou o entendimento de que não é devida a restituição de valores pagos de boa-fé, por força de interpretação errônea ou má aplicação da lei por parte da Administração. 2. O mesmo entendimento tem sido aplicado por esta Corte nos casos de mero equívoco operacional da Administração Pública, como na hipótese dos autos. 3. O requisito estabelecido para a não devolução de valores pecuniários indevidamente pagos é a boa-fé do benefíciário que, ao recebê-los na aparência de serem corretos, firma compromissos com respaldo na pecúnia; a escusabilidade do erro cometido pelo agente autoriza a atribuição de legitimidade ao recebimento da vantagem. 4. Agravo Interno do INSS desprovido." (AgInt no REsp 1606811/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 03/02/2017) Tal posicionamento foi construído a partir da análise das hipóteses de restituição de valores recebidos indevidamente pelos servidores públicos, em virtude de interpretação errônea e má aplicação da lei. Assim, considerando o fato de que os Regimes Geral e Próprio de Previdência Social, ao menos no âmbito federal, passaram a ter disciplina normativa muito similar após a edição da Lei Complementar n. 12.618/2012, inclusive com teto remuneratório equivalente, o Tribunal da Cidadania entendeu por aplicar a mesma ratio juris e reconhecer a inexigibilidade do débito previdenciário em tais casos aos segurados e pensionistas do INSS. A similitude no tratamento jurídico dispensado pelos Tribunais a servidores públicos, civis e militares, e a aposentados e pensionistas do RGPS quanto a esta questão é evidente, conforme se depreende das Súmulas 106 e 249 do C. Tribunal de Contas da União - TCU, in verbis: "SÚMULA TCU 106: O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade da reposição das importâncias já recebidas de boa-fé, até a data do conhecimento da decisão pelo órgão competente." "SÚMULA TCU 249: É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais." No que se refere ao pagamento de valores indevidos em razão de erros materiais e operacionais imputáveis exclusivamente ao INSS, a jurisprudência vinha dando o mesmo tratamento jurídico dispensados às outras duas categorias - interpretação errônea e má aplicação da lei. Entretanto, por ocasião do julgamento do recurso especial nº 1.381.734/RN, submetido ao rito dos recursos repetitivos, o C. Superior Tribunal de Justiça modificou o seu entendimento, exigindo apenas nos casos de erros operacionais ou materiais do INSS a demonstração da boa-fé objetiva na conduta do segurado para reconhecer a inexigibilidade do débito previdenciário. Eis a tese firmada pelo Tribunal da Cidadania sobre esta questão: “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.” (Tema nº 979) Os efeitos definidos no mencionado representativo da controvérsia foram modulados com base na segurança jurídica e no interesse social envolvido, de modo a atingir somente os processos distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão (23/04/2021). Ao esclarecer a questões, o Eminente Ministro Relator do voto condutor consignou o seguinte: "(…) Diferentemente das hipóteses anteriores (interpretação errônea e má aplicação da lei), onde o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o segurado recebeu o benefício de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor indevidamente, a hipótese de erro material ou operacional deve ser analisado caso a caso, de modo a averiguar se o beneficiário/segurado tinha condições de compreender a respeito do não pertencimento dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a Administração Previdenciária. Neste contexto, é possível afirmar que há erros materiais ou operacionais que se mostram incompatíveis com a indispensável boa-fé objetiva, dando ensejo ao ressarcimento do débito, situação que foi muito bem retratada no MS n. 19.260/DF, da relatoria do Ministro Herman Benjamin, DJe 3/9/2014, ao exemplificar uma situação hipotética de um servidor que não possui filhos, e recebeu, por erro a Administração, auxílio natalidade. Conforme fixado no precedente precitado, "descabe ao receptor da verba alegar que presumiu o caráter legal do pagamento em hipótese de patente cunho indevido"(grifo nosso). Assim, o pagamento indevido de valores em razão de falha imputável exclusivamente ao INSS não seriam passíveis de restituição em nenhuma hipótese até 23/04/2021 e, partir da referida data, em razão da modulação de efeitos, seria exigido, como condição para o reconhecimento da inexigibilidade do débito previdenciário, a demonstração da boa-fé objetiva do segurado ou pensionista nas hipóteses de erro operacional ou material. Tal entendimento não destoa daquele firmado por esta Corte, conforme se infere dos seguintes precedentes: "PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PREENCHIDOS OS REQUISITOS. INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. BENEFICIO CONCEDIDO. 1. Da análise dos autos, verifico que o benefício de amparo social foi concedido pelo INSS após a avaliação do preenchimento dos requisitos legais para sua concessão. Assim, os valores pagos a esse título foram recebidos de boa-fé pela autora, não se restando configurada, in casu, qualquer tipo de fraude. 2. Nesse passo observo que, em observância ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos, da boa-fé da autora e da natureza alimentar do benefício previdenciário, não há que se falar em devolução dos valores pagos indevidamente. 3. Portanto, indevida a cobrança pleiteada pelo INSS, devendo ser cessado qualquer desconto e devolvido valores eventualmente pago pela parte autora. 4. Apelação parcialmente provida." (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5907619-55.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal FERNANDO MARCELO MENDES, julgado em 08/01/2021, Intimação via sistema DATA: 12/02/2021) "PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. BENEFÍCIO CONCEDIDO ADMINISTRATIVAMENTE. POSTERIOR CESSAÇÃO. REQUISITOS NÃO SATISFEITOS. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR 1. Para comprovar o labor rural em regime de economia familiar no período compreendido entre 07/07/1962 até a 02/04/1998, a autora apresentou os seguintes documentos: a) Matrícula do Sítio Tanquinho, onde a Autora declarou a profissão de “lavradora”, b) Comprovante de recolhimento de INCRA referentes aos anos de 1988/1996, onde se verifica que a profissão declarada do esposo, nos INCRA's de 1992/1996 é trabalhador rural e com a informação de que nunca houve trabalhadores assalariados; c) Notas Fiscais de entrada, referentes à venda de produtos agrícolas, confeccionadas em 1993, 1995 e 1997 1997 (ID 73539694 - Pág. 102 , ID 73539694 - Pág. 32/46); d) Notas Fiscais de compra de insumos agrícolas, confeccionadas em 1994/1996; e) Comprovante de cadastro de trabalhador/contribuinte individual da Autora, referente ao NIT 114.369.193- 33, onde a Autora declarou a atividade de segurada especial; e) declaração do Sindicato Rural.. 2. A declaração de sindicato rural não pode ser considerada início de prova material, uma vez que não foi homologada pelo Instituto. Ela equivale a declaração particular subscrita por terceiro, colhida sem o crivo do contraditório e, portanto, não se enquadra no conceito de prova material (ID 73539694 - Pág. 4).-. 3. Por sua vez, a qualificação da autora na Certidão do Livro 3-O de Transcrições das Transmissões (termo n. 15.122), expedida pelo Serviço de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Pederneiras-SP, não pode se estender após o seu casamento em 26/10/63, já que na certidão de casamento ela está qualificada como “do lar” e seu marido como “motorista” . Por outro lado, as demais provas acostadas aos autos (documentos fiscais), apenas identificam o marido da autora. 4. Dúvidas não subsistem sobre a possibilidade de extensão da qualificação de lavrador de um cônjuge ao outro constante de documento apresentado, para fins de comprovação da atividade campesina, que indique, por exemplo, o marido como trabalhador rural (STJ, 3ª Seção, EREsp 1171565, relator Ministro Nefi Cordeiro, DJe 05.03.2015), especialmente quando houver documentos em seu nome que atestem sua condição de rurícola, o que só é possível quando se tratar de hipótese de agricultura de subsistência em que o labor é exercido em regime de economia familiar. 5. Todavia, o seu marido era trabalhador urbano, pois qualificado como motorista (Certidão de casamento 26/10/1963 onde ele está qualificado como motorista e ela do lar - ID 73539694 - Pág. 143), além de aposentar-se por tempo de contribuição na condição de industriário, de modo que a jurisprudência não autoriza a extensão da prova em nome do marido nestas situações. 6. Ainda que se reconheça que a função de tratorista agrícola é essencialmente de natureza rural, porque lida com a terra, o plantio, a colheita, de sorte que o trator deve ser considerado instrumento de trabalho de qualidade rural, diverso do motorista, que labora no transporte em função tipicamente urbana, fato é que, em 1998, o marido da autora se aposentou por tempo de contribuição na condição de industriário, conforme INFBEN juntado aos autos com DIB em 21/10/98 e cujo valor, em 2009, era R$ 758,67 (ID 73539694 - Pág. 64) superior ao salário mínimo da época que era R$ 465,00. 7. No caso concreto, embora a autora tenha demonstrado a existência de imóvel rural em seu nome, isto não é suficiente para demonstrar o alegado trabalho nas lides campesinas em regime de economia familiar, que pressupõe uma forma rudimentar de trabalho rural em que os membros da família realizam trabalho indispensável à própria subsistência e mútua colaboração. 8. Insta dizer que a simples existência de imóvel rural em nome da autora, por si só, não a equipara a trabalhadora rural, principalmente em regime de economia familiar, devendo demonstrar o efetivo exercício do seu trabalho na referida propriedade por um período mínimo, contínuo e duradouro, o que não restou demonstrado. 9. Não comprovado o labor rural em regime de economia familiar, correta a cessação do benefício. 10. O benefício foi concedido administrativamente após a avaliação do preenchimento dos requisitos legais para sua concessão. 11. Os valores pagos a esse título foram recebidos de boa-fé pela autora, não se restando configurada, in casu, qualquer tipo de fraude. 12. Conforme jurisprudência, é incabível a devolução de valores percebidos pelo beneficiário de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 13. Não se aplica ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 14. Recursos desprovidos." (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5790971-89.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 11/09/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 17/09/2020) "AGRAVO LEGAL. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS POR TEMPO MÍNIMO. ERRO DA AUTARQUIA. RESTITUIÇÃO DE VALORES. INVIÁVEL. CARÁTER ALIMENTAR DAS VERBAS E BOA-FÉ DO SEGURADO. 1. O extrato do Sistema Único de Benefícios (fls. 61) comprova que a autora desistiu do benefício de prestação continuada, o que evidencia sua boa-fé. Assim, o desconto é indevido. 2. É necessário observar que a garantia de benefício não inferior ao salário mínimo, no caso, também impossibilita os descontos na pensão por morte que a autora recebe. 3. Como se vê, a decisão agravada resolveu de maneira fundamentada as questões discutidas na sede recursal, na esteira da orientação jurisprudencial já consolidada em nossas cortes superiores acerca da matéria. O recurso ora interposto não tem, em seu conteúdo, razões que impugnem com suficiência a motivação exposta na decisão monocrática, que merece ser sustentada. 4. Agravo legal improvido." (TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1401151 - 0006634-51.2009.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/08/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/08/2015 ) In casu, constata-se que houve erro operacional do INSS, consubstanciado na ausência de fiscalização dos empregadores quanto ao dever de pagarem as contribuições previdenciárias na época própria. Tal falha, por si só, deu origem ao atraso nos recolhimentos e, consequentemente, na concessão de benefício a trabalhador que supostamente "não teria atendido a carência mínima exigida por lei" na data de início da incapacidade (22/03/2005) e, portanto, não faria jus ao benefício por incapacidade temporária. Neste, sentido, o extrato do CNIS revela que o demandado manteve vínculos empregatícios com as empresas EXPANSÃO VIAGENS E TURISMO LTDA, em 02/05/2001 e, posteriormente, com a VANGUARDA VIGILÂNCIA E SEGURANÇA S/C LTDA, de 01/02/2002 a 30/04/2004 (ID 107933145 - p. 51). No entanto, o INSS se recusa a aceitar a validade dos recolhimentos previdenciários feitos por estas empresas, sobretudo pela última, pois "o vínculo em questão foi inserido no CNIS, através de transmissão de GFIP extemporânea, ou seja, após a ocorrência dos fatos". A propósito, cumpre salientar que a obrigação de arrecadar as contribuições previdenciárias, no caso do segurado empregado, é da empresa, nos termos do artigo 30, I, alínea "a", da Lei n. 8.212/91. Assim, eventual equívoco ou atraso no cumprimento de tal obrigação não pode ser alegado como justificativa para obstar o direito social do trabalhador à prestação previdenciária. A boa-fé objetiva do réu perante o INSS, ao longo de todo o período controvertido, portanto, é evidente, uma vez que ele não ocultou ou adulterou informações por ocasião do requerimento administrativo do benefício de auxílio-doença e, por não ter conhecimento especializado, é natural que ele presumisse que os valores recebidos até então eram devidos, uma vez que alicerçados em atos praticados por servidores do órgão, que ostentam fé pública e, portanto, geram a expectativa nos segurados de que estão em conformidade com a lei. Não se trata de uma situação em que se poderia exigir comportamento diverso do réu, ante a flagrante ausência de conhecimento técnico especializado, sobretudo no que se refere ao conceito de carência e a sua aplicação particular para os benefícios por incapacidade. Em decorrência, tratando-se de erro exclusivo do INSS e configurada a boa-fé objetiva do demandante, deve ser reconhecida a inexigibilidade do débito previdenciário, razão pela qual deve ser mantida a sentença de 1º grau de jurisdição neste aspecto. Ante o exposto, nego provimento à remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do INSS. É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. SENTENÇA DESFAVORÁVEL AO INSS. REMESSA NECESSÁRIA TIDA POR INTERPOSTA. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. SEGURADO EMPREGADO. RECOLHIMENTOS EXTEMPORÂNEOS FEITOS PELO EMPREGADOR. OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO PELO INSS. ERRO OPERACIONAL CONFIGURADO. DESCONSIDERAÇÃO PARA FINS DE CARÊNCIA. BOA-FÉ OBJETIVA DO SEGURADO DEMONSTRADA. RECONHECIMENTO DA INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDAS.
1 - No caso, o INSS foi condenado a se abster de cobrar o débito previdenciário de R$ 95.181,05 (noventa e cinco mil, cento e oitenta e um e cinco centavos), bem como a arcar com honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (mil reais). Assim, por se tratar de sentença desfavorável à Autarquia Previdenciária, está sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I do artigo 475 do Código de Processo Civil de 1973.
2 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
3 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
4 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
5 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
6 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
7 - O réu usufruiu do benefício de auxílio doença no período de 22/03/2005 a 08/10/2007 (NB 514.036.744-7) (ID 107933145 - p. 45).
8 - Entretanto, em sede de auditoria interna, o INSS constatou irregularidade na concessão do benefício, pois o demandado não teria satisfeito todos os requisitos para a sua fruição, uma vez que os recolhimentos previdenciários efetuados por seus empregadores eram, em sua maioria, extemporâneos. Assim. conquanto ostentasse a qualidade de segurado na época da eclosão da incapacidade laboral (22/03/2005), o réu não havia preenchido a carência mínima exigida por lei. Por conseguinte, o demandado foi notificado em 18/12/2012, para defender a legalidade no deferimento do benefício e, posteriormente, para quitar o débito previdenciário de R$ 95.181,05 (noventa e cinco mil, cento e oitenta e um reais e noventa e cinco centavos) (ID 1D 107933145 - p. 81 e 90).
9 - Nas hipóteses de erros administrativos oriundos de interpretação errônea ou má aplicação da lei, o entendimento jurisprudencial amplamente dominante sempre entendeu pela impossibilidade de repetição dos valores recebidos indevidamente. Precedentes.
10 - No que se refere ao pagamento de valores indevidos em razão de erros materiais e operacionais imputáveis exclusivamente ao INSS, a jurisprudência vinha dando o mesmo tratamento jurídico dispensado às outras duas categorias - interpretação errônea e má aplicação da lei.
11 - Entretanto, por ocasião do julgamento do recurso especial nº 1.381.734/RN, submetido ao rito dos recursos repetitivos, o C. Superior Tribunal de Justiça modificou o seu entendimento, exigindo nos casos de erros operacionais ou materiais do INSS a demonstração da boa-fé objetiva na conduta do segurado para reconhecer a inexigibilidade do débito previdenciário. Eis a tese firmada pelo Tribunal da Cidadania sobre esta questão: “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.” (Tema nº 979)
12 - Os efeitos definidos no mencionado representativo da controvérsia foram modulados com base na segurança jurídica e no interesse social envolvido, de modo a atingir somente os processos distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão (23/04/2021).
13 - Assim, o pagamento indevido de valores em razão de falha imputável exclusivamente ao INSS não seriam passíveis de restituição até 23/04/2021 e, a partir da referida data, em razão da modulação de efeitos, seria exigido, como condição para o reconhecimento da inexigibilidade do débito previdenciário, a demonstração da boa-fé objetiva do segurado ou pensionista nas hipóteses de erro operacional ou material.
14 - In casu, constata-se que houve erro operacional do INSS, consubstanciado na ausência de fiscalização dos empregadores quanto ao dever de pagarem as contribuições previdenciárias na época própria. Tal falha, por si só, deu origem ao atraso nos recolhimentos e, consequentemente, na concessão de benefício a trabalhador que supostamente "não teria atendido a carência mínima exigida por lei" na data de início da incapacidade (22/03/2005) e, portanto, não faria jus ao benefício por incapacidade temporária.
15 - Neste, sentido, o extrato do CNIS revela que o demandado manteve vínculos empregatícios com as empresas EXPANSÃO VIAGENS E TURISMO LTDA, em 02/05/2001 e, posteriormente, com a VANGUARDA VIGILÂNCIA E SEGURANÇA S/C LTDA, de 01/02/2002 a 30/04/2004 (ID 107933145 - p. 51). No entanto, o INSS se recusa a aceitar a validade dos recolhimentos previdenciários feitos por estas empresas, sobretudo pela última, pois "o vínculo em questão foi inserido no CNIS, através de transmissão de GFIP extemporânea, ou seja, após a ocorrência dos fatos".
16 - A propósito, cumpre salientar que a obrigação de arrecadar as contribuições previdenciárias, no caso do segurado empregado, é da empresa, nos termos do artigo 30, I, alínea "a", da Lei n. 8.212/91. Assim, eventual equívoco ou atraso no cumprimento de tal obrigação não pode ser alegado como justificativa para obstar o direito social do trabalhador à prestação previdenciária.
17 - A boa-fé objetiva do réu perante o INSS, ao longo de todo o período controvertido, portanto, é evidente, uma vez que ele não ocultou ou adulterou informações por ocasião do requerimento administrativo do benefício de auxílio-doença e, por não ter conhecimento especializado, é natural que ele presumisse que os valores recebidos até então eram devidos, uma vez que alicerçados em atos praticados por servidores do órgão, que ostentam fé pública e, portanto, geram a expectativa nos segurados de que estão em conformidade com a lei.
18 - Não se trata de uma situação em que se poderia exigir comportamento diverso do réu, ante a flagrante ausência de conhecimento técnico especializado, sobretudo no que se refere ao conceito de carência e a sua aplicação particular para os benefícios por incapacidade.
19 - Em decorrência, tratando-se de erro exclusivo do INSS e configurada a boa-fé objetiva do demandante, deve ser reconhecida a inexigibilidade do débito previdenciário, razão pela qual deve ser mantida a sentença de 1º grau de jurisdição neste aspecto.
20 - Remessa necessária e apelação do INSS desprovidas.