Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005699-82.2020.4.03.6104

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MSC MEDITERRANEAN SHIPPING DO BRASIL LTDA

Advogados do(a) APELANTE: ROBERTA SINIGOI SEABRA - SP164781, HENRIQUE PARAISO ALVES - SP376669-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005699-82.2020.4.03.6104

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MSC MEDITERRANEAN SHIPPING DO BRASIL LTDA

Advogados do(a) APELANTE: ROBERTA SINIGOI SEABRA - SP164781, HENRIQUE PARAISO ALVES - SP376669-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INSPETOR-CHEFE DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE SANTOS-SP

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

 

Trata-se de mandado de segurança impetrado por MSC MEDITERRANEAN SHIPPING DO BRASIL LTDA., objetivando a desunitização das cargas e a devolução dos contêineres de sua propriedade, vazios.

A r. sentença julgou improcedente o pedido e denegou a segurança.

Nas razões de apelação, a impetrante sustenta que houve abandono de carga e que a sua responsabilidade cessa com a entrega da mercadoria no porto de destino. Ademais, argumenta que não se pode admitir que o proprietário do contêiner que não colaborou para a prática da infração atribuída ao titular da mercadoria, padeça das penalidades e prejuízos que apenas a este podem ser imputadas. Requer a reforma da r. sentença e a concessão da ordem.

Houve apresentação de contrarrazões.

O Ministério Público Federal opinou pelo prosseguimento do feito.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005699-82.2020.4.03.6104

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MSC MEDITERRANEAN SHIPPING DO BRASIL LTDA

Advogados do(a) APELANTE: ROBERTA SINIGOI SEABRA - SP164781, HENRIQUE PARAISO ALVES - SP376669-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INSPETOR-CHEFE DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE SANTOS-SP

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

O recurso comporta provimento.

No caso dos autos, o conjunto probatório mostra-se hábil à apreciação de eventual lesão ao direito líquido e certo relatado pela impetrante.

Por primeiro, ressalte-se que a relação jurídica entre a impetrante e o importador, decorrente do contrato de transporte, não constitui óbice ao direito do transportador demandar a desunitização de contêineres em face da autoridade alfandegária. O eventual perecimento das mercadorias, no caso de o importador requerer, em tempo, o desembaraço aduaneiro, não constituiria óbice e nem denota na possibilidade da ocorrência de dano irreparável, à vista da possibilidade da eventual conversão dos bens/prejuízo em perdas e danos.

A matéria é disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 116/1967, que dispõe sobre "as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d' água nos portos brasileiros, delimitando suas responsabilidades e tratando das faltas e avarias", e pela Lei n. 9.611/1998, que disciplina o transporte multimodal de cargas.

O art. 3.º, do Decreto-Lei em comento estabelece:

 

"Art. 3º A responsabilidade do navio ou embarcação transportadora começa com o recebimento da mercadoria a bordo, e cessa com a sua entrega à entidade portuária ou trapiche municipal, no porto de destino, ao costado do navio.

§ 1º Considera-se como de efetiva entrega a bordo, as mercadorias operadas com os aparelhos da embarcação, desde o início da operação, ao costado do navio.

§ 2º As mercadorias a serem descarregadas do navio por aparelhos da entidade portuária ou trapiche municipal ou sob sua conta, consideram-se efetivamente entregues a essa última, desde o início da lingada ao içamento, dentro da embarcação."

 

A par disso, a Lei n.º 9.611/1998, dispõe:

 

"Art. 13. A responsabilidade do Operador de Transporte Multimodal cobre o período compreendido entre o instante do recebimento da carga e a ocasião da sua entrega ao destinatário.

Parágrafo único. A responsabilidade do Operador de Transporte Multimodal cessa quando do recebimento da carga pelo destinatário, sem protestos ou ressalvas."

 

"Art. 15. O Operador de Transporte Multimodal informará ao expedidor, quando solicitado, o prazo previsto para a entrega da mercadoria ao destinatário e comunicará, em tempo hábil, sua chegada ao destino.

§ 1º A carga ficará à disposição do interessado, após a conferência de descarga, pelo prazo de noventa dias, se outra condição não for pactuada.

§ 2º Findo o prazo previsto no parágrafo anterior, a carga poderá ser considerada abandonada.

§ 3º No caso de bem perecível ou produto perigoso, o prazo de que trata o § 1º deste artigo poderá ser reduzido, conforme a natureza da mercadoria, devendo o Operador de Transporte Multimodal informar o fato ao expedidor e ao destinatário.

§ 4º No caso de a carga estar sujeita a controle aduaneiro, aplicam-se os procedimentos previstos na legislação específica.

 

"Art. 24. Para os efeitos desta Lei, considera-se unidade de carga qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas, sujeitas a movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de transporte utilizadas no percurso.

Parágrafo único. A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo."

 

 

De acordo com o entendimento jurisprudencial do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e desta Colenda Corte Regional, o contêiner não guarda grau de paridade com a mercadoria nele transportada, não se sujeitando, pois, à pena de perdimento, colhendo-se como ilegal a sua apreensão por infrações relacionadas, exclusivamente, à própria carga ou ao importador. Nesse sentido, são os arestos abaixo transcritos:

 

"TRIBUTÁRIO. MERCADORIA LEGALMENTE ABANDONADA. APREENSÃO DE CONTÊINER. IMPOSSIBILIDADE.

1. A jurisprudência desta Corte tem firmado o entendimento de que o contêiner não é acessório da mercadoria transportada, não se sujeitando, pois, à pena de perdimento aplicável àquela. Precedentes.

2. Recurso especial não provido."

(REsp 1114944/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009)

 

"ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. APREENSÃO DE CARGA. RETENÇÃO DE CONTÊINER. LEIS Nºs 6.288/75 E 9.611/98.

1. A agravante não ofereceu argumentos suficientes para desconstituir a decisão agravada, mesmo porque esta se encontra em consonância com o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça.

2. Segundo o art. 24 da Lei nº 9.611/98, os contêineres constituem equipamentos que permitem a reunião ou unitização de mercadorias a serem transportadas. Não se confundem com embalagem ou acessório da mercadoria transportada. Inexiste, assim, amparo jurídico para a apreensão de contêineres.

3. Agravo regimental não provido."

(AgRg no Ag 949.019/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2008, DJe 19/08/2008)

 

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ABANDONO DE MERCADORIA. PENA DE PERDIMENTO. APREENSÃO DE CONTÊINER: UNIDADE DE CARGA ACESSÓRIA. NÃO-CABIMENTO DA RETENÇÃO. PRECEDENTES.

1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento.

2. O acórdão a quo concedeu segurança objetivando afastar a ilegalidade na apreensão dos "containers", cuja mercadoria sofreu pena de perdimento de bens.

3. Nos termos do art. 3º da Lei nº 6.288/75 "o container, para todos os efeitos legais, não constitui embalagem das mercadorias, sendo considerado sempre um equipamento ou acessório do veículo transportador".

4. "A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo" (art. 24, parágrafo único, da Lei nº 9.611/98).

5. A jurisprudência da 1ª Turma do STJ é pacífica no sentido de que não deve recair sobre a unidade de carga (contêiner) a pena de perdimento, por ser simples acessório da carga transportada.

6. Precedentes: REsps nºs 526767/PR, 526760/PR e 526755/PR.

7. Agravo regimental não-provido."

(AgRg no Ag 950.681/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 23/04/2008)

 

"DIREITO ADUANEIRO. AGRAVO INOMINADO. APELAÇÃO. RETENÇÃO DE CONTÊINERES. LIBERAÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Consolidada a jurisprudência no sentido de que a mera unidade de carga não se confunde com as mercadorias nela transportadas, como revelam os precedentes do Superior Tribunal de Justiça que, objetivamente, fixam tal distinção, inclusive para os fins da Súmula 50, não se aplicando, pois, à movimentação dos contêineres, em si, o tratamento próprio da movimentação de mercadorias, exegese esta que, por consonância, fundou a jurisprudência federal, mesmo e inclusive desta Corte, firme quanto à ilegalidade da apreensão de tais equipamentos de carga, por infrações relacionadas às próprias mercadorias.

2. O agravo fazendário revela a manifesta impertinência e improcedência do pedido de reforma, sob todos os aspectos, inclusive quanto a alegação de existência de ficção legal da unidade mercadoria-equipamento, que busca apenas atender à conveniência da fiscalização de não arcar com a responsabilidade da guarda da importação, por ela mesma retida, com a transferência de todo o encargo e custo ao transportador pelo tempo necessário à conclusão do procedimento aduaneiro, o que se revela, nos termos da jurisprudência consolidada, solução sem respaldo legal, além de injusta, até porque inexistente responsabilidade específica do transportador pela infração a que responde o importador e destinatário das mercadorias.

3. Os preceitos da Lei nº 9.611/98, invocados pela agravante, não servem para autorizar a retenção de contêineres nas situações a que se referem os autos, destacando, inclusive, o artigo 29 que, nos casos de dano ao erário, podem sofrer o perdimento tanto o operador de transporte multimodal como o transportador, se houver responsabilidade que lhes seja imputável. Aqui, no caso de abandono de mercadoria pelo importador, consolidada se encontra a jurisprudência quanto à inexistência de responsabilidade do mero transportador, cuja unidade de carga não pode ser retida por fato relativo às mercadorias em si ou ao importador, exclusivamente.

4. Agravo inominado desprovido."

(Agravo de Instrumento nº 0044704-64.2009.4.03.0000/SP, Rel. Desembargador Federal Carlos Muta, j. 15/04/2010, D.E. publicado em 27/4/2010)

 

A falta de condições do Poder Público para o adequado armazenamento da mercadoria não pode acarretar privação de bens particulares, a não ser que expressamente autorizado por lei.

É de exclusiva responsabilidade do importador o desembaraço aduaneiro da mercadoria importada, não se podendo imputar ao transportador ônus decorrente de sua omissão ou das limitações físicas de espaço da agravada em comportar as mercadorias importadas, uma vez que o artigo 3º, do Decreto-Lei nº 116/67 evidencia que "a responsabilidade do navio ou embarcação transportadora começa com o recebimento da mercadoria a bordo e cessa com a sua entrega à entidade portuária ou trapiche municipal, no porto de destino, ao costado do navio".

Deve ser ressaltado que o responsável pela manutenção e guarda da mercadoria é o recinto alfandegado, remunerado para tanto e não a transportadora. A desunitização no interior do recinto alfandegado em nada prejudica eventual procedimento administrativo.

Por estes fundamentos, dou provimento à apelação, para reformar a r. sentença e julgar procedente o peido, concedendo a ordem.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. APREENSÃO DE CONTÊINER. MERCADORIAS ABANDONADAS. UNIDADE DE CARGA QUE NÃO SE CONFUNDE COM A MERCADORIA NELA CONTIDA. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. MERO TRANSPORTADOR. DESUNITIZAÇÃO E LIBERAÇÃO DA UNIDADE DE CARGA. APELAÇÃO PROVIDA.

- No caso dos autos, o conjunto probatório mostra-se hábil à apreciação de eventual lesão ao direito líquido e certo relatado pela impetrante.

- Primeiramente, ressalte-se que a relação jurídica entre a impetrante e o importador, decorrente do contrato de transporte, não constitui óbice ao direito do transportador demandar a desunitização de contêineres em face da autoridade alfandegária. O eventual perecimento das mercadorias, no caso de o importador requerer, em tempo, o desembaraço aduaneiro, não constituiria óbice e nem denota na possibilidade da ocorrência de dano irreparável, à vista da possibilidade da eventual conversão dos bens/prejuízo em perdas e danos.

- A matéria é disciplinada pelo Decreto-Lei nº. 116/1967, que dispõe sobre "as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d' água nos portos brasileiros, delimitando suas responsabilidades e tratando das faltas e avarias", e pela Lei n. 9.611/1998, que disciplina o transporte multimodal de cargas.

- O art. 3º do Decreto-Lei em comento estabelece: "Art. 3º A responsabilidade do navio ou embarcação transportadora começa com o recebimento da mercadoria a bordo, e cessa com a sua entrega à entidade portuária ou trapiche municipal, no porto de destino, ao costado do navio. § 1º Considera-se como de efetiva entrega a bordo, as mercadorias operadas com os aparelhos da embarcação, desde o início da operação, ao costado do navio. § 2º As mercadorias a serem descarregadas do navio por aparelhos da entidade portuária ou trapiche municipal ou sob sua conta, consideram-se efetivamente entregues a essa última, desde o início da lingada ao içamento, dentro da embarcação."

- De acordo com o entendimento jurisprudencial do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e desta Colenda Corte Regional, o contêiner não guarda grau de paridade com a mercadoria nele transportada, não se sujeitando, pois, à pena de perdimento, colhendo-se como ilegal a sua apreensão por infrações relacionadas, exclusivamente, à própria carga ou ao importador.

- A falta de condições do Poder Público para o adequado armazenamento da mercadoria não pode acarretar privação de bens particulares, a não ser que expressamente autorizado por lei.

- É de exclusiva responsabilidade do importador o desembaraço aduaneiro da mercadoria importada, não se podendo imputar ao transportador ônus decorrente de sua omissão ou das limitações físicas de espaço da agravada em comportar as mercadorias importadas, uma vez que o artigo 3º do Decreto-Lei nº 116/67 evidencia que "a responsabilidade do navio ou embarcação transportadora começa com o recebimento da mercadoria a bordo e cessa com a sua entrega à entidade portuária ou trapiche municipal, no porto de destino, ao costado do navio".

- O responsável pela manutenção e guarda da mercadoria é o recinto alfandegado, remunerado para tanto e não a transportadora. A desunitização no interior do recinto alfandegado em nada prejudica eventual procedimento administrativo.

- Apelação da impetrante provida.

 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do voto da Des. Fed. MÔNICA NOBRE (Relatora), com quem votaram o Des. Fed. MARCELO SARAIVA e o Juiz Fed. Conv. SILVA NETO (Substituto da Des. Fed. MARLI FERREIRA). Ausente, justificadamente, por motivo de férias a Des. Fed. MARLI FERREIRA (substituída pelo Juiz Fed. Conv. SILVA NETO). , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.