APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014820-52.2011.4.03.6100
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: MUHAMMAD MUSLIM
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014820-52.2011.4.03.6100 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: MUHAMMAD MUSLIM APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação anulatória de ato administrativo, ajuizada por Muhammad Muslim em face da União Federal, objetivando, a anulação da decisão do Comitê Nacional para Refugiados - CONARE e o consequente deferimento da pretensão de refúgio no Brasil. Narra o autor que formulou pedido de refúgio no Brasil, o qual foi indeferido pelo CONARE, sob os fundamentos de que ele não se enquadra nos critérios de elegibilidade da Lei nº 9.474/97; de que não está demonstrado o fundado temor de perseguição; e de que a migração por questões econômicas não é motivo de necessidade de proteção internacional. Contra esta decisão, o autor interpôs recurso administrativo, o qual foi arquivado em razão de sua intempestividade. Sustenta que vivia na cidade de Swabi, no Paquistão e trabalhava em uma lan house que foi invadida por membros do Talibã que exigiram o fechamento da loja e o alistamento do autor no movimento armado responsável por diversos atentados terroristas. Alega que, em razão disso, fugiu do país e veio ao Brasil após ficar alguns meses no Equador, tendo chegado a São Paulo na data de 14/04/10. Afirma que, ao chegar ao Brasil, se desencontrou de seu agente que detinha seu passaporte, e foi preso em razão de sua entrada ilegal, permanecendo 22 dias na prisão da Polícia Federal. O pedido de antecipação de tutela foi indeferido. Contra essa decisão foi interposto agravo de instrumento, o qual foi convertido em retido (fls. 112/113). Por meio de sentença, o MM Juízo a quo julgou improcedente a ação, extinguindo o feito com fulcro no art. 269, I do Código de Processo Civil de 1973, condenando o autor ao pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais), nos termos do art. 20, §4º do mesmo Diploma Legal, observado o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/50 (fls. 115/118-Id. 92865040). Apela o autor, reiterando o reconhecimento do pedido de tutela antecipada, contido no agravo retido. No mérito, requerer a reforma do julgado, alegando que os direitos fundamentais, os tratados assinados e os princípios regentes da República Federativa do Brasil em suas relações internacionais vedam que o país deixe desprotegido qualquer indivíduo que encontre risco em seu país de origem. Aduz que, embora tenha sido respeitado o procedimento estabelecido na legislação, a ilegalidade resta demonstrada na própria fundamentação utilizada para o indeferimento uma vez que não se observou nenhuma justificativa legal para o não reconhecimento do pedido (fls. 120/125 -Id. 92865040) Com contrarrazões, os autos foram encaminhados a esta E. Corte. O Ministério Público Federal, em seu parecer, manifesta-se pelo não provimento do recurso (Id. 156371408). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014820-52.2011.4.03.6100 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: MUHAMMAD MUSLIM APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O De inicio, conheço do agravo retido uma vez que houve reiteração para sua apreciação nas razões de apelo. O autor, ora o apelante, pleiteia a anulação do ato administrativo da CONARE, que indeferiu o seu pedido de refúgio, bem como a concessão do refúgio político no Brasil. Pois bem. O ato de concessão de status de refugiado é típico ato discricionário do Poder Executivo, de competência vinculada do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) com critérios objetivos enunciados no art. 1º da Lei nº 9.474/97. É bem de ver que o instituto do Refúgio Político, no âmbito do Direito Internacional Público, é pautado na soberania dos Estados, evidenciando-se clara hipótese de decisão de cunho político, de modo que o Poder Judiciário se limita à cognição apenas acerca das questões de legalidade referentes ao procedimento de análise de pedido de concessão de refúgio e sua revisão, sendo incabível reapreciar os critérios de conveniência e oportunidade da decisão emanada pela autoridade governamental. A Lei n° 9.474/97 que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados assim dispõe em seu artigo 1º: Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I- devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. In casu, o autor, ora apelante, pleiteia a anulação do ato administrativo da CONARE, que indeferiu o seu pedido de refúgio, com a consequente concessão do respectivo benefício. Destaque-se que o Ministro Cézar Peluso, por ocasião do julgamento da Extradição n° 1085, referente ao italiano Cesare Battisti, aduziu que: "o reconhecimento da condição de refugiado constituiria ato vinculado aos requisitos expressos e taxativos que a lei lhe imporia como condição necessária de validade. Dessa forma, a decisão do Ministro da Justiça não fugiria ao controle jurisdicional sobre eventual observância dos requisitos de legalidade, em especial da verificação de correspondência entre sua motivação necessária declarada e as fattispecie normativa pertinentes, campo em que ganharia superior importância a indagação de juridicidade dos motivos". Ao proferir voto no referido julgamento, o Ministro Gilmar Mendes asseverou, verbis, que "(...) a lei definiu expressamente os possíveis motivos do refúgio, não deixando a critério do Ministro da Justiça mais que a constatação de sua ocorrência, o que conduz à possibilidade do controle sobre a legalidade do refúgio a partir da avaliação de sua efetiva ocorrência e da validade dos motivos adotados pela autoridade administrativa." Nessa esteira segue o seguinte precedente do STJ: A concessão da condição de refugiado, conquanto se releve, sem dúvida, uma manifestação da soberania brasileira, pode ser sindicável junto ao Judiciário, na qualidade de ato administrativo. Esta foi a conclusão a que chegou o Supremo Tribunal Federal nos autos da Extradição n. 1.085, com superação do precedente que informava a matéria anteriormente (caso Padre Medina) (AgRg no MS 17.612/DF, ReI. MtN. MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇAO, julgado em 09/11/2011, DJe 18/11/2011). Inequívoca, portanto, a possibilidade de a legalidade do indeferimento ser judicialmente questionada no presente feito, pois, como todo ato administrativo, se sujeita a requisitos e condições. Observa-se que o pedido de refúgio apresentado pelo apelante foi indeferido nos seguintes termos: "a) O demandante esteve por cinco meses no Equador e lá não pediu refúgio, fato que enfraquece a alegação de estar correndo perigo, já que neste caso teria pedido proteção àquele país; o b) O demandante esteve preso por 22 dias e só depois pediu refúgio, restando claro que, por não ter conseguido entrar no Brasil com passaporte falso, resolveu pedir proteção de refugiado; c) o relato do demandante não é diverso do de outros paquistaneses que são trabalhadores de empresas brasileiras no abate islâmico e que são todos da região do Swabi e que, ao serem ameaçados pelo Tailbã, contratam agentes ou atravessadores para chegar ao Brasil. d) o que tem sido verificado é que a solicitação desses cidadãos tem cunho econômico, uma vez que a maior preocupação dos paquistaneses não é o terrorismo e sim a economia; e) Diante de tais fatos, constatou-se que não houve demonstração de ser o solicitante objeto de perseguição individualizada." A simples leitura evidencia, como bem apontou o apelante, que os argumentos apresentados no item "a", "b" e "d" lastreiam-se exclusivamente em presunções e generalizações sem qualquer suporte fático. Quanto ao item “c”, a par de, igualmente, ser baseado em simples regra de experiência, releva notar que contradiz a conclusão do item “e” de que inexiste prova de perseguição, na medida em que reconhece que a situação do apelante é igual à de outros paquistaneses da região de Swabi que, verbis, “ao serem ameaçados pelo Talibã, contratam agentes ou atravessadores para chegar ao Brasil". Aliás, vai na contramão de tudo o que foi noticiado sobre a situação, basta dizer que, de acordo com a agência de notícias AFP (Agence France Presse), as zonas tribais do noroeste do Paquistão são consideradas pelo governo norte-americano "a região mais perigosa do mundo". As Leis nº 9.474/97 e nº 9.784/99 preceituam que o procedimento da autoridade administrativa para verificar o pedido de refúgio deve ser rápido e justo, possibilitando ao agente público realizar diligência para melhor elucidação dos fatos e valer-se de pareceres já emitidos para dar maior suporte fático às suas razões. Nesse sentido, os artigos 23, 24, 26 e 29 da Lei nº 9.474/97 assim prescrevem: Art. 23. A autoridade competente procederá a eventuais diligências requeridas pelo CONARE, devendo averiguar todos os fatos cujo conhecimento seja conveniente para uma justa e rápida decisão, respeitando sempre o princípio da confidencialidade. Art. 24. Finda a instrução, a autoridade competente elaborará, de imediato, relatório, que será enviado ao Secretário do CONARE, para inclusão na pauta da próxima reunião daquele Colegiado. Art. 26. A decisão pelo reconhecimento da condição de refugiado será considerada ato declaratório e deverá estar devidamente fundamentada. Art. 29. No caso de decisão negativa, esta deverá ser fundamentada na notificação ao solicitante, cabendo direito de recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da notificação. Veja-se, ainda, o artigo 50 e seu §10° da Lei 9.784/99: Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; (...). §10 A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. Claro está, assim, que o CONARE não observou as regras mencionadas e indeferiu o pedido de refúgio com base em meras suposições. A insubsistência dos fundamentos explicitados para o indeferimento acarreta a nulidade do ato administrativo, porquanto, conforme pacificado pela doutrina e jurisprudência, resta vinculado pela teoria dos motivos determinantes, conforme explicado pelo C. Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO. EXONERAÇÃO POR PRÁTICA DE NEPOTISMO. INEXISTÊNCIA. MOTIVAÇÃO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 1. A Administração, ao justificar o ato administrativo, fica vinculada às razões ali expostas, para todos os efeitos jurídicos, de acordo com o preceituado na teoria dos motivos determinantes. A motivação é que legitima e confere validade ao ato administrativo discricionário. Enunciadas pelo agente as causas em que se pautou, mesmo que a lei não haja imposto tal dever, o ato só será legítimo se elas realmente tiverem ocorrido. 2. Constatada a inexistência da razão ensejadora da demissão do agravado pela Administração (prática de nepotismo) e considerando a vinculação aos motivos que determinaram o ato impugnado, este deve ser anulado, com a consequente reintegração do impetrante. Precedentes do STJ. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no RMS 32.437/MG, ReI. MIN. HERMAN BENJAMEN, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 16/03/2011) Em conclusão, entendo que o ato administrativo impugnado padece de nulidade por desobedecer ao procedimento investigativo determinado pela da Lei 9.474/97 e meramente basear-se em fundamentos inespecíficos e presunções. Inviável, todavia, determinar a concessão do refúgio nesta sede, porquanto implicaria subtrair indevidamente a competência do agente público. Do agravo retido. Considerando a nulidade do ato administrativo, cabível a antecipação da tutela para que seja determinada a legalização provisória do agravante no país, até decisão final do processo administrativo, com fulcro nos artigos 21 e 30 da Lei nº 9.474/97, in verbis: Art. 21. Recebida a solicitação de refúgio, o Departamento de Polícia Federal emitirá protocolo em favor do solicitante e de seu grupo familiar que se encontre no território nacional, o qual autorizará a estada até a decisão final do processo. Art. 30. Durante a avaliação do recurso, será permitido ao solicitante de refúgio e aos seus familiares permanecer no território nacional, sendo observado o disposto nos § 1°e 2° do art. 21 desta Lei. Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo, a fim de julgar procedente em parte o pedido para anular o ato administrativo em questão e determinar ao CONARE que reexamine o pedido de refúgio, com observância dos artigos 23, 24, 26 e 29 da Lei 9.474/97 e fundamentação baseada no suporte fático específico do recorrente. Dou provimento ao agravo retido para antecipar os efeitos da tutela a fim de garantir a legalização, ainda que provisória, da permanência do agravante no país, até a decisão final do processo administrativo. É como voto.
ANULATÓRIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA CONCESSÃO DE REFÚGIO POLÍTICO. DECISÃO DO CONARE. POSSIBILIDADE DE A LEGALIDADE DO INDEFERIMENTO SER JUDICIALMENTE QUESTIONADA
1. Agravo retido conhecido uma vez que houve reiteração para sua apreciação nas razões de apelo.
2. O ato de concessão de status de refugiado é típico ato discricionário do Poder Executivo, de competência vinculada do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) com critérios objetivos enunciados no art. 1º da Lei nº 9.474/97.
3. É bem de ver que o instituto do Refúgio Político, no âmbito do Direito Internacional Público, é pautado na soberania dos Estados, evidenciando-se clara hipótese de decisão de cunho político, de modo que o Poder Judiciário se limita à cognição apenas acerca das questões de legalidade referentes ao procedimento de análise de pedido de concessão de refúgio e sua revisão, sendo incabível reapreciar os critérios de conveniência e oportunidade da decisão emanada pela autoridade governamental.
4. Inequívoca a possibilidade de a legalidade do indeferimento ser judicialmente questionada no presente feito, pois, como todo ato administrativo, se sujeita a requisitos e condições.
5. Observa-se que o pedido de refúgio apresentado pelo apelante foi indeferido nos seguintes termos: "a) O demandante esteve por cinco meses no Equador e lá não pediu refúgio, fato que enfraquece a alegação de estar correndo perigo, já que neste caso teria pedido proteção àquele país; o b) O demandante esteve preso por 22 dias e só depois pediu refúgio, restando claro que, por não ter conseguido entrar no Brasil com passaporte falso, resolveu pedir proteção de refugiado; c) o relato do demandante não é diverso do de outros paquistaneses que são trabalhadores de empresas brasileiras no abate islâmico e que são todos da região do Swabi e que, ao serem ameaçados pelo Tailbã, contratam agentes ou atravessadores para chegar ao Brasil. d) o que tem sido verificado é que a solicitação desses cidadãos tem cunho econômico, uma vez que a maior preocupação dos paquistaneses não é o terrorismo e sim a economia; e) Diante de tais fatos, constatou-se que não houve demonstração de ser o solicitante objeto de perseguição individualizada."
6. Os argumentos apresentados no item "a", "b" e "d" lastreiam-se exclusivamente em presunções e generalizações sem qualquer suporte fático. Quanto ao item “c”, a par de, igualmente, ser baseado em simples regra de experiência, releva notar que contradiz a conclusão do item “e” de que inexiste prova de perseguição, na medida em que reconhece que a situação do apelante é igual à de outros paquistaneses da região de Swabi que, verbis, “ao serem ameaçados pelo Talibã, contratam agentes ou atravessadores para chegar ao Brasil".
7. As Leis nº 9.474/97 e nº 9.784/99 preceituam que o procedimento da autoridade administrativa para verificar o pedido de refúgio deve ser rápido e justo, possibilitando ao agente público realizar diligência para melhor elucidação dos fatos e valer-se de pareceres já emitidos para dar maior suporte fático às suas razões.
8. O CONARE não observou as regras mencionadas e indeferiu o pedido de refúgio com base em meras suposições. A insubsistência dos fundamentos explicitados para o indeferimento acarreta a nulidade do ato administrativo, porquanto, conforme pacificado pela doutrina e jurisprudência, resta vinculado pela teoria dos motivos determinantes.
9. O ato administrativo impugnado padece de nulidade por desobedecer ao procedimento investigativo determinado pela da Lei 9.474/97 e basear-se em fundamentos inespecíficos e presunções. Inviável, todavia, determinar a concessão do refúgio nesta sede, porquanto implicaria subtrair indevidamente a competência do agente público.
10. Considerando a nulidade do ato administrativo, cabível a antecipação da tutela para que seja determinada a legalização provisória do agravante no país, até decisão final do processo administrativo, com fulcro nos artigos 21 e 30 da Lei nº 9.474/97.
11. Apelo provido em parte. Agravo retido provido.