Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000563-73.2018.4.03.6133

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: GILBERTO ALCIONE SALVADOR, FERNANDO HENRIQUE SALVADOR

Advogados do(a) APELANTE: RODRIGO NUNES SINDONA - SP391385, ROBSON ALVES DA SILVA - SP241077-A
Advogados do(a) APELANTE: RODRIGO NUNES SINDONA - SP391385, ROBSON ALVES DA SILVA - SP241077-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000563-73.2018.4.03.6133

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: GILBERTO ALCIONE SALVADOR, FERNANDO HENRIQUE SALVADOR

Advogados do(a) APELANTE: RODRIGO NUNES SINDONA - SP391385, ROBSON ALVES DA SILVA - SP241077-A
Advogados do(a) APELANTE: RODRIGO NUNES SINDONA - SP391385, ROBSON ALVES DA SILVA - SP241077-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

 

 R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação criminal interposta por Fernando Henrique Salvador e Gilberto Alcione Salvador contra a sentença de Id n. 154369107, pp. 60-78, que os condenou pelo crime do art. 1º, I, c. c. o art. 12, I, ambos da Lei n. 8.137/90, na forma do art. 71 do Código Penal, à pena de 3 (três) anos e 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão, regime inicial aberto, e 18 (dezoito) dias-multa, no valor de 5 (cinco) salário mínimo vigente ao tempo do fato,  substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e a entidades assistenciais e prestação pecuniária destinada à Receita Federal do Brasil, no valor de 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos descontados do valor total da dívida tributária.

Fernando Henrique Salvador e Gilberto Alcione Salvador alegam, em síntese:

a) nulidade da sentença por não ter sido proferida pela Juíza que presidiu a instrução e pela impossibilidade de audição de partes da audiência;

b) suspeição do magistrado sentenciante, diante de manifestações parciais e que demonstram envolvimento emocional com a causa;

c) ofensa ao princípio da subsidiariedade, pois o contador da empresa cometeu um erro procedimental, que deu início à persecução penal e, ao invés de ser intimado para corrigir o erro na via administrativa, foi utilizada a via do direito penal;

d) não foi comprovado o dolo na conduta dos réus;

e) deve ser reconhecido erro de proibição inevitável na conduta dos réus, que contrataram uma empresa de assessoria porque não possuíam conhecimento das complexas operações contábeis e tributárias, devendo ser responsabilizada a empresa Consulminas;

f) não há dano ao erário, considerando que o débito tributário continua a ser exigido;

g) reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa, visto que os réus passam por graves financeiras e buscam negociar seus débitos junto ao Fisco;

h) inexistência de crime, pois os réus foram vítimas de um engano, não tendo intenção de deixar de pagar tributos, mas apenas desconhecendo as regras tributárias;

i) subsidiariamente, revisão da dosimetria, com a manutenção da pena-base no mínimo legal e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (Ids ns. 154369107, pp. 100-118 e 154369108, pp. 1-22).

Foram apresentadas contrarrazões (Id n.  154369126).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. João Francisco Bezerra de Carvalho, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Id n. 149220130).

O julgamento foi convertido em diligência para esclarecimentos quanto à qualidade da mídia dos interrogatórios e à situação funcional dos juízes que atuaram no feito (Id n. 155714338).

O Juízo a quo reuniu informação e documentos (Ids ns. 159440057, 159440058, 159440062 e 159440064).

A Procuradoria Regional da República reiterou o parecer anterior, pelo desprovimento do recurso (Id n. 159873978).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

 

 


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000563-73.2018.4.03.6133

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: GILBERTO ALCIONE SALVADOR, FERNANDO HENRIQUE SALVADOR

Advogados do(a) APELANTE: RODRIGO NUNES SINDONA - SP391385, ROBSON ALVES DA SILVA - SP241077-A
Advogados do(a) APELANTE: RODRIGO NUNES SINDONA - SP391385, ROBSON ALVES DA SILVA - SP241077-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

 V O T O

 

Imputação. Fernando Henrique Salvador e Gilberto Alcione Salvador foram denunciados pelo crime do art. 1º, I, c. c. o art. 12, I, da Lei n. 8.137/90 porque, na qualidade de sócios e administradores de fato da empresa Salvador Logística e Transportes Ltda., CNPJ n. 07.452.15610001-52. sediada em Guararema (SP), prestaram declarações falsas às autoridades fazendárias em Declarações de Débito e Créditos Tributários Federais - DCTFs com o intuito de suprimir tributos devidos à União Federal.

De acordo com o apurado pela Receita Federá do Brasil (RFB) nos processos administrativos fiscais n. 16062.000499/2010-41 (créditos tributários constituídos de forma definitiva em 2510212011 - v. fis. 563/574) e n. 16062.72000112013- 11 (créditos tributários constituídos de forma definitiva em 2310412013 -v. fis. 5551562v), os sócios administradores da empresa SALVADOR LOGÉSTICA E TRANSPORTES LTDA.. GILBERTO e FERNANDO declararam em DCTF's (v. fis. 241163), indevidamente, como suspensos por vinculação a medidas judiciais proferidas nos autos n. 2009.51.01.021275-0 e n' 2007.34.00.044487-8, créditos tributários referentes a IRPJ, CSLL, COFINS e PIS/PASEP. atinentes aos exercícios de agosto/2011 a setembro/2012, com vistas a suprimir os referidos tributos federais.

Em sua Representação Fiscal para Fins Penais (fis. 6/15). a RFB afirmou que nos processos n. 2009.51.01.021275-0 (JFRJ) e n' 2007.34.00.044487-8 (TRF da 1ª Região) não consta a empresa SALVADOR LOGIST1CA como interessada ou parte da ação, bem como que não há pedidos de vendas ou cessões dos créditos almejados. Assim concluiu que (v. fl. 8):

" 1. 0 contribuinte não faz parte da ação judicial e, quando faz parte, não existe qualquer decisão judicial capaz de suspender o crédito tributária, nos termos do CTN, Art. 151, com a leitura dada pelos arts. 111, II e art. 141;

(...)

a Portanto a informação prestada em DCTF de que o crédito tributário estaria suspenso pela ação judicial é. em tese, falsa;

b. Uma vez que o contribuinte. mesmo sem qualquer decisão proveniente do judiciário, informou existir decisão judicial que suspende a exigibilidade, informação esta, a princípio caracterizada como falsa o que enquadra o contribuinte no crime contra ordem tributária previsto na Lei 8.137/1990 (...)".

Em decisão do PAF (fls. 2301233), a Receita Federal do Brasil negou seguimento ao recurso proposto pela empresa investigada e determinou o envio dos débitos referentes ao processo para inscrição em dívida ativa da União, sem prejuízo das demais implicações legais. Não sendo pagos, nem tampouco parcelados, os valores elididos e devidos a título de tributos federais pela empresa foram devidamente inscritos em dívida ativa pela Procuradoria -Seccional da Fazenda Nacional de Mogi das Cruzes nos montantes abaixo discriminados (valores atualizados até 22/09/2016 - v. fls. 5551574):

PAF

N. inscr. div. Ativ.

Data inscr. Div. Ativ.

Tributo

Valor Consolidado

16062.720001/2013-11

80 2 13 002303-26

23/04/2013

IRPJ

R$ 3.337.296,94

16062.720001/2013-11

80 6 13 08540-51

23/04/2013

CSLL

R$ 1.162.618,03

16062.720001/2013-11

80 6 13 08541-32

23/04/2013

COFINS

R$ 3.060.311,88

16062.720001/2013-11

80 7 13 003162-19

23/04/2013

PIS/PASEP

R$ 650.250,64

16062.000499/2010-41

80 2 11 000762-77

25/02/2011

IRPJ

R$ 2.986.371,51

16062.000499/2010-41

80 6 11 002282-38

25/02/2011

COFINS

R$ 3.539.122,60

16062.000499/2010-41

80 7 11 000640-03

25/02/2011

PIS/PASEP

R$ 760.695,30

Total

R$ 15.496.666,90

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A materialidade delitiva do crime contra a ordem tributária ora investigado restou comprovada: pela Representação Fiscal para Fins Penais (fls. 6/15); pelas DCTF's com declarações falsas (fls. 24/163); pela Ficha Cadastral da empresa SALVADOR LOGISTICA E TRANSPORTES LTDA (fls. 240/244); pelo Despacho da Delegacia da Receita Federal em São José dos Campos - Serviço de Controle e Acompanhamento Tributário - SECAT (fis. 2171227); pelo Demonstrativo Consolidado do Crédito Tributário do Processa (fis. 5511574); pelo Termo de Declaração dos réus GILBERTO ALCIONE SALVADOR (fl. 462) e FERNANDO HENRIQUE SALVADOR (fl. 469); pelo depoimento de LUNALVA SALVADOR DAL'PIZZOL (fl. 601) e pela informação da Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Guarulhos (fi. 551), datada de 22 de setembro de 2016, no sentido de que os débitos apurados nos processos administrativos de n. 16062.720001P2013-11 e n. 16062.00049912010-41, ambos de responsabilidade da empresa SALVADOR LOGÍSTICA E TRANSPORTES LTDA., encontram-se inscritos em Dívida Ativa da União, com constituição definitiva do crédito tributário. Respectivamente em 23/04/2013 e 25/02/2011.

Quanto à autoria, conforme ficha cadastral de fls. 240/244, GILBERTO ALCIONE SALVADOR e FERNANDO HENRIQUE SALVADOR, na qualidade de sócios administradores, eram os responsáveis pela empresa SALVADOR LOGÍSTICA E TRANSPORTES LTDA. à época dos fatos. A autoria dos réus também é corroborada pelos seus depoimentos prestados perante a autoridade policial (fls. 462 e 468). GILBERTO ALCIONE SALVADOR, ouvido à fl. 462, afirmou que ele e seu irmão FERNANDO administram a empresa SALVADOR LOGÍSTICA E TRANSPORTES LTDA, bem como confessou a prática delitiva ao afirmar que: “(...) a empresa fazia as declarações tributárias, no entanto não tinha condições econômicos de fazer os recolhimentos efetivos de todos os tributos; QUE esclarece que todos os tributos decorrentes de retenções pela empresa foram devidamente recolhidos: QUE a empresa passou por dificuldades econômicas após ter feito investimentos em sua restruturação, isto é, a empresa adquiriu maquinários, veículos e armazéns, motivos pelos quais não tiveram condições de recolher todos os tributos; QUE seu irmão FERNANDO tinha conhecimento da situação tributária da empresa (...) QUE na ocasião em que houve a restruturação interna da empresa, utilizaram serviços de consultoria externa o qual aconselhou os sócios a adquirirem títulos públicos visando quitar os débitos da empresa, no entanto a situação jurídica desses títulos ainda não foi definida (...). FERNANDO HENRIQUE SALVADOR, por sua vez, afirmou perante a autoridade policial (fl. 468) que era o responsável pela administração operacional da empresa e que também acompanhava a administração contábil e financeira da empresa. Asseverou, ainda. que a empresa possuía débitos com a Receita Federal na ordem de nove milhões de reais, bem como que no ano de 2011, através de um escritório de assessoria tributária de Minas Gerais, CONSULMINAS, a empresa SALVADOR LOGISTICA E TRANSPORTES LTDA. adquiriu títulos da dívida pública, os quais seriam entregues em dação em pagamento pelos débitos tributários junto à Receita Federal.

Assim, a materialidade e autoria delitivas restaram sobejamente comprovadas pela vasta documentação acima referida, encartada na representação fiscal paria fins penais encaminhada pela Delegacia da Receita Federal do Brasil em São José dos Campos. Com efeito, tem-se que, agindo dolosamente, os denunciados presumiram falsas informações às autoridades fazendárias em Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF, suprimindo os tributos de IRPJ, CSLL. COFINS e PIS/PASEP, atinentes aos exercícios de agosto/2011 a setembro/2012, no montante de R$ 15.496.666,90 (quinze milhões, quatrocentos e noventa e seis mil, seiscentos e sessenta e seis reais e noventa centavos - fis. 551/574), valor atualizado até 22/0912016.

Inconteste, por outro lado, o grave dano à coletividade, tendo em vista que as condutas dos administradores da SALVADOR LOGÍSTICA E TRANSPORTES LTDA., denunciados na presente peça, acarretaram prejuízo aos cofres públicos no montante de mais de quinze milhões de reais, ensejando, assim, a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 12, inciso 1, da Lei 8.137/90. Assim agindo, portanto, os denunciados praticaram as condutas tipificadas no art. 1º, inc. I c/c artigo 12, inciso I, ambos da Lei n. 8 .137/90, devendo ser condenados nas penas neles previstas (Id n. 154369106, pp. 4-9).

Preliminares. Dentre outras alegações preliminares, os apelantes sustentam a impossibilidade de se ouvir as declarações dos réus em seus interrogatórios em função da qualidade do áudio da mídia juntada aos autos.

Assiste razão aos réus.

O julgamento foi convertido em diligência, com a remessa dos autos ao Juízo de 1º Grau para que informasse a situação funcional dos juízes que atuaram na instrução e na sentença destes Autos e juntasse nova mídia com melhor qualidade de áudio, ou realizasse a transcrição dos interrogatórios dos réus, visto que os arquivos com os registros da audiência de instrução não possibilitavam a compreensão de todas as respostas fornecidas pelos réus.

Na Certidão de Id n. 159440058, foi juntada a seguinte informação:

Certifico e dou fé que verifiquei as mídias no software Kenta e estão com a mesma qualidade das que foram juntadas nos presentes autos. Certifico, ainda, que procedi à transcrição dos depoimentos, conforme segue abaixo.

Da transcrição dos depoimentos dos réus, verifico que há muitas partes suprimidas, constando em seu lugar o registro de que a resposta era "inaudível".

Por tratar-se de respostas que esclarecem os fatos, a impossibilidade de escuta das respostas prejudica a prova e a defesa dos réus, devendo ser anulado o processo a partir do interrogatório em Juízo.

Com a anulação do processo a partir do interrogatório dos réus, restam prejudicadas as demais alegações de nulidade.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação dos réus para anular o processo a partir do interrogatório, determinando a remessa dos autos ao Juízo de origem para que seja realizada nova audiência de instrução, refazendo as provas produzidas na instrução.

É o voto.



E M E N T A

 

 

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIMES DO SISTEMA FINANCEIRO. INTERROGATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE COMPREENSÃO DAS RESPOSTAS DOS RÉUS. PROVAS PREJUDICADAS.  APELAÇÃO PROVIDA.

1. Impossibilidade de escuta das respostas dos réus. Prejuízo na análise da prova e para a defesa dos réus. Anulação do processo a partir do interrogatório em Juízo.

2. Apelação dos réus provida para anular o processo a partir do interrogatório, determinando a remessa dos autos ao Juízo de origem para que seja realizada nova audiência de instrução, refazendo as provas produzidas na instrução.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por unanimidade, decidiu, DAR PROVIMENTO à apelação dos réus para anular o processo a partir do interrogatório, determinando a remessa dos autos ao Juízo de origem para que seja realizada nova audiência de instrução, refazendo as provas produzidas na instrução, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.