Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002272-52.2017.4.03.6114

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: DULCINEIA GONCALVES BELCHIOR IPIRANGA

Advogado do(a) APELANTE: VANESSA CRISTINA MARTINS FRANCO - SP164298-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002272-52.2017.4.03.6114

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: DULCINEIA GONCALVES BELCHIOR IPIRANGA

Advogado do(a) APELANTE: VANESSA CRISTINA MARTINS FRANCO - SP164298-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

­R E L A T Ó R I O

 

Demanda proposta objetivando a anulação da cobrança de valores recebidos a título de benefício previdenciário de auxílio-doença de n.º 530.509.773-4, percebido no período de 28/5/2008 a 31/1/2009, em virtude da constatação de “indícios de irregularidades” e, consequentemente, a condenação do INSS ao pagamento de indenização por danos morais por ter atribuído à parte autora a acusação de que “agiu com dolo negativo, omitindo informação importante sobre o benefício, inferindo-se do comportamento a intenção de obter vantagem sobre o Erário”.

O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado.

A parte autora apela, pleiteando a integral reforma da sentença.

Com contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002272-52.2017.4.03.6114

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: DULCINEIA GONCALVES BELCHIOR IPIRANGA

Advogado do(a) APELANTE: VANESSA CRISTINA MARTINS FRANCO - SP164298-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

­V O T O

 

Trata-se de pedido de reconhecimento da inexigibilidade de valores cobrados administrativamente pelo INSS, após constatação de que o “processo original não [foi] localizado em nossos arquivos” (Id. 62941705, p. 6), conforme “Ofício de Defesa” datado de 27/9/2017, que teve por objeto o NB 31/530.509.773-4, de seguinte teor (Id. 62941706, p. 7):

 

“O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, após avaliação de que trata o artigo 11 da Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003 identificou indício de irregularidade no benefício Auxílio Doença, NB 31/530.509.773-4.

O indício de irregularidade detectado consiste na concessão e manutenção indevida do benefício pelo período de 28/05/2008 a 31/01/2009, pois não há elementos que permitam concluir pela incapacidade laborativa na Data do Início da Incapacidade (DII) fixada, qual seja, 28/05/2008.

Dessa forma, em cumprimento ao disposto no artigo 11, da Lei Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003 e parágrafo 1º dp artigo 179, do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, e em respeito ao princípio do direito do contraditório, facultamos a V. S. o prazo de dez dias, a contar da data de recebimento desta correspondência, para apresentar defesa escrita, provas ou documentos de que dispuser, objetivando demonstrar a regularidade do benefício acima mencionado.

Ressalte-se que, em caso de não apresentação de defesa ou se apresentada e julgada insuficiente, o Instituto promoverá a cobrança dos valores indevidamente recebidos nos benefícios devidamente atualizados conforme planilha anexa, respeitada a prescrição quinquenal.

(...)”

 

O juízo a quo registrou, na decisão atacada, o quanto segue (Id. 107034319, p. 46-47):

 

No laudo pericial efetuado em outubro de 2007, a perita apurou que a autora é portadora de doença inflamatória em ombro direito desde 03/11/2005, mas que tal moléstia não apresenta repercussão funcional atualmente, nem há documentos que comprovem a incapacidade prévia, no período de 2008 a 2009.

O INSS juntou os documentos relativos à concessão do benefício de auxílio-doença – ID 5569179.

Ali consta informe no qual a DID data de 02/10/2007, contrariamente ao que consta dos autos, pois há exames que comprovam o início da doença em 2005, como atestado pela perita judicial.

Nos derradeiros esclarecimentos afirma a perita judicial: “A Autora apresenta os seguintes documentos médicos juntados aos Autos:

• Tomografia Computadorizada de coluna Lombossacra (21/10/2005);

• Ultrassonografia do ombro direito (03/11/2005);

• Ultrassonografia do ombro esquerdo (03/11/2005);

• Ultrassonografia do ombro direito (16/04/2008);

• Relatório médico com data de 16 de abril de 2008 emitido pelo Dr. João Paulo

Canal CRM 68.659;

• Ultrassonografia do ombro direito (16/04/2009);

• Ultrassonografia do ombro esquerdo (16/04/2009);

• Ressonância Magnética do ombro direito (04/06/2016).

Quanto a incapacidade entre a data de 28 de maio de 2008 à 31 de janeiro de 2009, há documento que indica que a Autora é portadora de tendinite do supraespinhal em ombro direito, desde 03 de novembro de 2005. Há exame de imagem com data de 16 de abril de 2008 e foi juntado também relatório médico emitido pelo Dr. João Paulo Canal CRM 68.659.

A presença de alteração inflamatória em exame de imagem indica a presença de tendinopatia, mas não comprova a limitação funcional que gere a incapacidade. O relatório apresentado descreve que foi constatada dor e discreta limitação funcional. Indica ainda tratamento com fisioterapia. Conforme CTPS apresentada, a Autora trabalhou na: Concessionária Ecovias dos Imigrantes S.A. – arrecadador – 20/07/1998 até 03/02/2001. Refere que após passou a fazer venda de roupas e produtos de beleza em sua residência. Para a atividade laboral exercida na época, a discreta limitação funcional descrita, não gera incapacidade. Conforme documentos médicos apresentados, não há como comprovar incapacidade entre 28 de maio de 2008 à 31 de janeiro de 2009” (grifei).

Os esclarecimentos da perita judicial são muito claros, pois foram analisados os exames da época e o relatório do próprio médico da autora e não foi constatada a incapacidade laborativa para as funções que então exercia, de vendedora de produtos em sua própria casa.

Ressalto que foi realizada uma perícia em 10/06/2008, na qual não foi constatada incapacidade laborativa, no entanto em nova perícia realizada 18/07/2008, com o mesmo exame, simplesmente foi adicionado crepitação aos ombros e houve a concessão do benefício, com data do início da doença em 01/10/2007, exatamente após a autora completar a carência para o benefício, efetuando recolhimentos por quatro meses.

Comprovada a inexistência de incapacidade laborativa durante o período do gozo ao auxílio-doença, a cobrança dos valores indevidamente recebidos é legal e jurídica.

Também os danos morais alegados pela autora, decorrentes de fundamentos lançados em recurso administrativo, não merecem o condão de produtores de dano moral. O que ali consta são os fundamentos utilizados para não acolher as razões da segurada e nada mais.

Não há expressões que não sejam utilizadas em seu cunho jurídico.

Não existe nexo causal entre o voto proferido e o dano alegado.

Posto isto, REJEITO O PEDIDO, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios ao réu os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, respeitados os benefícios da justiça gratuita.

 

Assim é que a questão sub judice envolve a definição sobre a necessidade ou não de devolução de valores recebidos pela autora a título de auxílio-doença previdenciário, em face de erro administrativo que resultou na implantação de benefício de forma indevida.

Especificamente a esse respeito, o Colendo Superior Tribunal de Justiça proferiu acórdão de afetação cuja ementa segue transcrita:

 

“DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. EM RAZÃO DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA, MÁ APLICAÇÃO DA LEI OU ERRO DA ADMINISTRAÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.

1. Delimitação da controvérsia: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.

2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 e seguintes CPC/2015 e art. 256-I do RISTJ, incluído pela Emenda Regimental 24, de 28/09/2016."

 

Sobreveio, em 10/3/2021, por meio do julgamento do REsp 1.381.734/RN (tema repetitivo 679), decisão de seguinte teor:

 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.

1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.

2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.

3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da

boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.

4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.

5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).

6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.

8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá

ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.

9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.

Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.

(Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.381.734 - RN (2013/0151218-2). Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES. Órgão julgador 1ª SEÇÃO. Data do julgamento 10/3/2021. Data de publicação DJ. 23/4/2021)

 

Do voto do Ministro relator se infere que, face ao poder-dever da Administração Pública de rever seus próprios atos, quando eivados de vícios insanáveis, é imperativo que, diante de erro administrativo no deferimento de benefícios previdenciários, instaure-se, incontinenti, processo administrativo de suspensão, respeitado o devido processo legal, em atendimento ao quanto preconizado pela Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos".

Nesse sentido, a jurisprudência pátria consolidou-se no sentido de que, nos casos de errônea interpretação e/ou má aplicação da lei, por parte da Administração Pública, ora representada pelo ente autárquico, não pode ser o beneficiário penalizado com a devolução de verba de caráter alimentar paga além do devido, irrepetível, portanto, na medida em que não é razoável imputar-lhe a necessidade de profundo conhecimento das leis previdenciárias e processuais para que pudesse identificar possível erro administrativo nos cálculos ou na própria concessão do benefício. Presume-se, destarte, a boa-fé objetiva do beneficiário, cabendo ao ente autárquico cercar-se da cautela necessária à adequada aplicação dos ditames normativos.

Diversa é a situação em que o recebimento indevido decorre de erro da Administração Previdenciária, em que se deve aprofundar a avaliação do quadro fático de forma a determinar se, in casu, o beneficiário “tinha condições de compreender a respeito do não pertencimento dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a Administração Previdenciária”, conforme registrou o Eminente Relator, que ainda concluiu poder-se “afirmar com segurança que o caso de erro material ou operacional, para fins de ressarcimento administrativo do valor pago indevidamente, deve averiguar a presença da boa-fé do segurado/beneficiário, concernente na sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento”.

Nesse sentido, restou aprovada tese no sentido de que “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.

In casu, depreende-se dos autos que, em 28/5/2008, a autora requereu administrativamente o benefício de auxílio-doença previdenciário, que foi concedido e implantado sob registro nº 5305097734, sendo cessado, em virtude da alta médica programada, em 15/1/2009 (Id. 62941704, p. 1-6).

Parecer técnico fundamentado em junta médica revisional, acostado sob Ids. 64941705, p. 8, e 62941706, p. 1, datado de 30.1.2014, apresentou conclusão diversa daquela que deferiu à autora o benefício requerido:

 

“Considerando-se os dados contidos nos laudos médicos periciais do sistema SABI concluímos:

* Não há elementos que nos permitem concluir pela incapacidade laborativa na DII fixada. Benefício concedido no exame de PR, em 18/07/2008, com DII fixada em DER 28.05.2008, com indeferimento no exame médico pericial de AX1 em 10.06.2009. Patologia não isenta do período de carência, entretanto sua retificação não alteraria a concessão do benefício.

* Sob análise técnico medico pericial, benefício irregular”.

 

Defesa apresentada pela autora, em 2/2/2014, embora não aceita pelo INSS, foi instruída com relatório médico particular subscrito por profissional ortopedista, em 16/4/2008, bem assim laudo de ultrassonografia de ombro direito, datado de 16/4/2008, dos quais se infere que a paciente, portadora de patologias ortopédicas, apresentava restrições ao exercício de atividades laborativas (Ids. 62941707, p. 5-8, e 62941708, p. 1-2)

Extratos de informações do Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS e do Sistema único de Benefícios DATAPREV, demonstram que a requerente desenvolveu atividades laborativas junto à “Concessionária Ecovias dos Imigrantes S.A.”, no período de 20/7/1998 a 3/2/2001, recolheu contribuições previdenciárias nos períodos de maio a setembro de 2007 (Id. 62941710, p. 6) e recebeu benefícios previdenciários de auxílio-doença de 28/3/2002 a 30/4/2003 (Id. 62941713, p. 4), 5/9/2003 a 23/7/2004 (Id. 62941714, p. 1), 2/10/2007 a 31/3/2008 (Id. 62941864, p. 2) e de 28/5/2008 a 31/1/2009 (Id. 62941854, p. 1) e salário maternidade de 14/5/2009 a 10/9/2009 (Id. 62941864, p. 1).

Consta, ainda, que ajuizou ação de reconhecimento de acidente do trabalho em face do INSS, em que teve deferida, pelo juízo estadual, a concessão de auxílio- acidente a partir da data da citação daqueles autos, ou seja, 1º/5/2003, mantida a decisão pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Ids. 62941714, p. 2-6, e 62941715, 1-7, 62941716, p.3).

O laudo pericial produzido naqueles autos, em 25/11/2005, foi anexado sob Ids. 62941720 e 62941721, dele sendo possível inferir conclusão do profissional que o subscreveu no sentido de que a postulante era portadora de quadro clínico de “tendinite do supra-espinhal” que lhe ocasionava incapacidade parcial e permanente para o exercício de atividades laborativas.

Em sentido diverso, exame médico pericial produzido nos presentes autos atestou, em 15/12/2017, que: “a periciada é portadora de doença inflamatória em membros superiores”; “não há repercussão clínica funcional da doença alegada”; “não há incapacidade para o trabalho ou para as atividades laborativas”; “há documentos que indicam ser portadora de doença inflamatória em membros superiores desde 03 de novembro de 2015,  CID M75”; e, portanto, inexistem “documentos que comprovem incapacidade prévia e o exames clínico atual não identificou alterações”, não sendo possível afirmar que estava “acometida de males nos membros superiores” no período de 28/05/2008 a 31/1/2009 (Id. 62941837)

Os esclarecimentos solicitados foram acostados aos autos: em 31/7/2018, questionada a perita sobre a existência de incapacidade laborativa entre 5/2008 e 1/2009, registrou que “há três laudos periciais emitidos pelo INSS, com data de 30 de novembro de 2007, foi considerada incapaz até 31 de março de 2007, outros dois com data de 10 de junho de 2008 e 09 de fevereiro de 2009, foi considerada capaz. Então, entre 05/2008 e 01/2009, não havia.” (Id. 62941871); e em 3/12/2018, quando a profissional atestou que “Quanto a incapacidade entre a data de 28 de maio de 2008 à 31 de janeiro de 2009, há documento que indica que a Autora é portadora de tendinite do supraespinhal em ombro direito, desde 03 de novembro de 2005. Há exame de imagem com data de 16 de abril de 2008 e foi juntado também relatório médico emitido pelo Dr. João Paulo Canal CRM 68.659. A presença de alteração inflamatória em exame de imagem indica a presença de tendinopatia, mas não comprova a limitação funcional que gere a incapacidade. O relatório apresentado descreve que foi constatada dor e discreta limitação funcional. Indica ainda tratamento com fisioterapia.” (Id. 62941943).

Anote-se, por fim, a existência de laudos periciais administrativos acostados aos autos, datados de 30/11/2007, 10/6/2008, 18/7/2008 e 9/2/2009, com conclusões diversas: o primeiro concluiu pela existência de incapacidade decorrente de “LIMITAÇAO ABDUÇAO DE MMSS ATE 90º. DOR A PALPAÇAO DE AMBOS OS OMBROS” (sic); o segundo registrou a inexistência de incapacidade para o trabalho, apesar do registro de “US OMBRO DIR DE 16/04/08 TENDINITE FOCAL DO SUPRA ESPINHAL”; o terceiro, que embasou a concessão do benefício que o ente autárquico busca restituição, atestou a incapacidade laborativa decorrente de “POLITENDINITES DE MEMBRO SUPERIOR DIREITO”; e o último conclui pela inexistência de incapacidade laborativa com registro de que “moléstia controlada não incapacita para atividades diversas adaptadas”  (Ids 62941864, p.5, e 62941854, p. 4-6)

Como se vê, e na linha do quanto decidido pela Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, ao fixar a tese a que se fez referência, supra, diante de casos de erro material ou operacional, como o que ora se analisa, deve-se averiguar a presença da boa-fé do segurado, concernente à sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento indevido, o que, em absoluto se faz presente nos presentes autos.

Com efeito, da parte autora, que gozou benefício de auxílio-doença previdenciário em períodos diversos, de 2002 a 2009, beneficiária de auxílio-acidente reconhecido judicialmente desde 2003, com longo histórico de patologias ortopédicas nos membros superiores que remontam ao ano 2005, conforme descrito em exames e relatórios médicos, não se pode esperar que tenha condições técnicas e, mais especificamente, médicas, de avaliar eventual período de remissão nesse interregno, a justificar possível equívoco do ente autárquico em pedido administrativo por ela formulado.

Ressalte-se o fato de que sequer os profissionais de saúde que integram o quadro do ente autárquico observaram, à ocasião, o possível equívoco na análise do quadro clínico da requerente, considerando que, nos laudos por eles subscritos entre 30/11/2007, 10/6/2008, 18/7/2008 e 9/2/2009 expuseram conclusões diametralmente opostas quanto à existência de quadro clínico de incapacidade laborativa (Ids 62941864, p.5, e 62941854, p. 4-6), como visto.

Tudo a evidenciar que, diante de divergências e inconsistência técnicas apontadas, de rigor o reconhecimento da boa-fé da autora quando do requerimento administrativo e gozo do benefício cujos valores ora se pretende reaver, devendo o INSS arcar com os custos decorrentes do erro material/operacional verificado.

No que tange à indenização por danos morais, pleiteada com fulcro em interpretação conferida aos arts. 186 e 927 do Código Civil, que determinam a reparação de danos causados a terceiros por meio de ato ilícito, entendo que a parte autora não comprovou o dano moral sofrido, não lhe sendo devida, por conseguinte, indenização alguma a esse título, mesmo porque eventual pleito administrativo de restituição de valores pagos a título de benefício previdenciário não basta, por si, para caracterizar ofensa à honra ou à imagem da parte autora.

É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que cabe à Administração Pública o dever de rever os próprios atos porventura entendidos como viciados, empreendendo esforços no sentido de reduzir seu impacto deletério ao interesse público.

Não é outro o entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal:A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” (Súmula nº 473)

No mesmo sentido o entendimento desta 8ª Turma:

 

“AGRAVO (ART. 557, § 1º, DO CPC/73). PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TERMO INICIAL. DESCONTO DE PERÍODO EM QUE PERCEBEU REMUNERAÇÃO POR TRABALHO DESEMPENHADO. CONCESSÃO DO ADICIONAL DE 25% PREVISTO NO ART. 45 DA LEI Nº 8.213/91. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DECISÃO MANTIDA.

I- In casu, no que diz respeito ao termo inicial, entende o Relator que o pressuposto fático da concessão do benefício é a incapacidade da parte autora que, em regra, é anterior ao seu ingresso em Juízo, sendo que a elaboração do laudo médico-pericial somente contribui para o livre convencimento do juiz acerca dos fatos alegados, não sendo determinante para a fixação da data de aquisição dos direitos pleiteados na demanda. No presente caso, não obstante a Sra. Perita tenha fixado a data de início da incapacidade em julho de 2010, observo que a autarquia juntou a fls. 177/178 os extratos de consulta realizada no "CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais - Consulta Valores", nos quais constam os recebimentos de remunerações pelo autor nos períodos de agosto/12 a janeiro/13, pagamentos estes efetuados pela empresa "EVIK SEGURANÇA E VIGILÂNCIA LTDA.". Assim, o benefício deve ser concedido somente a partir da data da elaboração do laudo pericial, em 17/1/13.

II- Quanto ao desconto do benefício no período em que a parte trabalhou, quadra mencionar o relato do autor à Sra. Perita, a fls. 94: "Profissão: vigilante. Não trabalha desde o segundo episódio de AVC (Acidente vascular cerebral) em 05/07/2010. Empresa está pagando seu salário, INSS liberou para o trabalho, porém devido as suas restrições e sequelas, empresa não conseguiu colocação para o Autor colocando-o como reserva técnica para não demitir, por ser empresa de segurança. Grau de instrução: 5º ano." Dessa forma, deve haver o desconto do benefício previdenciário no período em que houve o recebimento de salário, tendo em vista que a lei é expressa ao dispor ser devido o auxílio doença ou a aposentadoria por invalidez apenas ao segurado incapacitado para o exercício de sua atividade laborativa.

III- Quanto ao acréscimo de 25% previsto no caput do art. 45 da Lei nº 8.213/91, verifica-se que, apesar de o autor haver sofrido dois episódios de acidente vascular cerebral isquêmico (AVCs), com sequelas de déficit motor discreto à esquerda e de fala (afasia), não ficou evidenciado no laudo pericial a necessidade de ajuda permanente para executar as tarefas do cotidiano, nem de supervisão de seus atos, motivo pelo qual não faz jus o autor, no momento, à percepção do referido acréscimo. Esclarece a Sra. Perita haver, sim, a necessidade de acompanhamento médico e realização de exames regulares, bem como o uso de medicamento anticoagulante, em razão do quadro de doença crônica (fls. 154).

IV- No tocante ao pedido de indenização por dano moral requerido pela parte autora, não constitui ato ilícito, por si só, o indeferimento, cancelamento ou suspensão do pagamento de tal benefício, a ponto de ensejar reparação moral, uma vez que o ente estatal atua no seu legítimo exercício de direito, possuindo o poder e o dever de deliberar sobre os assuntos de sua competência, sem que a negativa de pedido ou a opção por entendimento diverso do autor acarrete indenização por dano moral.

V- Agravo improvido.” (grifos nossos)

(TRF 3ª Região, Oitava Turma, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1905752, 0013228-21.2012.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, julgado em 5/11/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/11/2018)

 

Some-se a especificidade dos presentes autos, que tem por objeto a discussão acerca da possibilidade, ou não, de restituição de valores pagos a título de benefício previdenciário que, posteriormente, se entende indevido, e que apenas recentemente foi pacificada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento de recurso especial afetado pelo rito dos recursos repetitivos, a evidenciar que a questão vinha sendo decidida de formas diversas.

O que se tem, portanto, já considerada essa divergência, é a caracterização de mero dissabor da parte autora por decisão contrária aos seus interesses, e não a demonstração de uma violação a direito subjetivo da personalidade e/ou efetivo abalo moral, em razão de procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da Administração que, como visto, não ocorreu.

Assim é que, apesar de declarada indevida a restituição de valores pleiteada pelo INSS em regular procedimento administrativo, pelas razões já elencadas, não há amparo legal para a condenação da autarquia a um plus, que caracterizaria, necessariamente, um bis in idem.

Destarte, julgo improcedente o pedido de indenização por danos morais formulado pela autora.

Posto isso, dou parcial provimento ao recurso para reconhecer o irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé pela autora no período de 28/5/2008 a 31/1/2019, a título de auxílio-doença previdenciário, negando-lhe, contudo, o direito ao recebimento de indenização por danos morais.

É o voto.

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 



E M E N T A

 

 

PREVIDENCIÁRIO. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO. PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ERRO ADMINISTRATIVO. RESP 1.381.734/RN - TESE 979 DO E. STJ. NÃO CABIMENTO. VERBAS ALIMENTARES. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. DANOS MORAIS INDEVIDOS.

- Aplicação da Tese 979 do E. STJ:Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.”

- Demonstrado, in casu, a boa-fé da parte autora, que não reunia condições de notar eventual equívoco do INSS na avaliação de seu requerimento administrativo, somada ao caráter alimentar do benefício, deve ser aplicado o princípio da irrepetibilidade dos valores pagos pelo INSS.

- No tocante ao pedido de indenização por dano moral requerido pela parte autora, não constitui ato ilícito, por si só, o indeferimento, cancelamento ou suspensão do pagamento de tal benefício, a ponto de ensejar reparação moral, uma vez que o ente estatal atua no seu legítimo exercício de direito, possuindo o poder e o dever de deliberar sobre os assuntos de sua competência, sem que a negativa de pedido ou a opção por entendimento diverso do autor acarrete indenização por dano moral.

- Recurso a que se dá parcial provimento.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.