APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5116058-20.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELISABETH MARQUES DOS SANTOS MATEUS
Advogado do(a) APELADO: GENILDO VILELA LACERDA CAVALCANTE - SP247006-N
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5116058-20.2021.4.03.9999 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ELISABETH MARQUES DOS SANTOS MATEUS Advogado do(a) APELADO: GENILDO VILELA LACERDA CAVALCANTE - SP247006-N R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso interposto em face de sentença que julgou procedente pedido de aposentadoria por idade rural, desde a data da citação, com acréscimo dos consectários legais. Houve antecipação da tutela jurídica e dispensa do reexame necessário. Em suas razões, o réu alega o não preenchimento dos requisitos necessários para a concessão do benefício previdenciário e, ao final, prequestiona a matéria. Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5116058-20.2021.4.03.9999 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ELISABETH MARQUES DOS SANTOS MATEUS Advogado do(a) APELADO: GENILDO VILELA LACERDA CAVALCANTE - SP247006-N V O T O O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido. Discute-se o preenchimento dos requisitos para a concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, consoante o disposto na Lei n. 8.213/1991. A comprovação de atividade rural, para o segurado especial e para os demais trabalhadores rurais, inclusive os denominados “boias-frias”, deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à sua data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (Súmula n. 149 do STJ e Recursos Especiais Repetitivos n. 1.348.633 e 1.321.493). No mais, segundo o entendimento firmado no REsp n. 1.354.908, pela sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC/1973, art. 543-C), faz-se necessária a comprovação do tempo de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento ou à aquisição da idade: "PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil.” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.354.908 - SP (2012/0247219-3), RELATOR: MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, DJ 09/09/2015) Em relação às contribuições previdenciárias, é assente o entendimento de serem elas desnecessárias, bastando a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp 207.425, 5ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; STJ, RESP n. 502.817, 5ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz). No caso em discussão, o requisito etário restou preenchido em 29/3/2011, quando a parte autora completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade. A parte autora alega que, desde terna idade, sempre trabalhou na lide rural, cumprindo, assim, a carência exigida na Lei n. 8.213/1991. Para tanto, a requerente juntou cópia de sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) com único registro de atividade urbana, de 8/9/2003 a 8/9/2004, na condição de operária braçal (CBO 8281-10) para a “Olaria São Gabriel Ltda – EPP”, na Fazenda Gordurinha. Ainda que se alegue o fato da olaria funcionar na Zona Rural, entendo que o trabalho não é rural, mas, sim, urbano, com atribuições diversas da agropastoril. É o que se infere da descrição de ocupação de oleiro trazida pela Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego: "TÍTULO DA OCUPAÇÃO 8281-10 - Oleiro (fabricação de tijolos) Ajudante de fábrica de tijolos, Ajudante de oleiro, Amassador - em olaria, Barreiro, Barrerista, Batedor - em olaria, Batedor de tijolos - na fabricação, Chapeador de tijolos, Cortador de barro, Cortador de tijolos, Desbarbeador de tijolos, Desempenador em olaria, Desenfornador de tijolo e telha, Encaierador de tijolos, Enfornador de tijolos, Forneiro - em olaria, Gradeiro, Marombeiro, Operador de maromba, Operador de máquina de cortar tijolos e telhas, Operador de prensa - em olaria, Operador de secador da fabricação cerâmica, Prensista de telhas e tijolos, Queimador - em olaria, Sabugueiro, Tijoleiro DESCRIÇÃO SUMÁRIA Extraem matéria-prima de jazidas e preparam a argila para a fabricação e telhas e tijolos. Processam a fabricação, secagem e queima de telhas e tijolos. Desenfornam telhas e tijolos e providenciam a sua armazenagem. Participam da elaboração de demonstrativo da produção diária. Trabalham seguindo normas de segurança, higiene, qualidade e proteção ao meio ambiente." Ademais, cabe esclarecer que a jurisprudência é pacífica no entendimento de que trabalhador em olaria (oleiro) não possui natureza rural. Nesse sentido, registram-se os seguinte julgados (g. n.): "PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO RETIDO NÃO REITERADO NA APELAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. PRESCRIÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. OLARIA. ATIVIDADE CONSIDERADA URBANA. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. INADMISSIBILIDADE. VERBA HONORÁRIA. I- O agravo retido somente será apreciado quando a parte o requerer, expressamente, nas razões ou resposta da apelação. Inteligência do artigo 523, § 1º, do Código de Processo Civil. II- É imprescritível a ação versando sobre a concessão de benefício previdenciário, o mesmo aplicando-se em relação a pedido de averbação de tempo de serviço. Orientação da Súmula nº 85/STJ. III- A atividade de oleiro, qual seja aquele que labora em olaria, possui natureza urbana e não rural. Precedentes desta Corte Regional e do E. STF. IV- Ausência de início de prova material em nome próprio inviabiliza o reconhecimento do suposto período de trabalho. (...) VII. Agravo retido não conhecido. Recurso de apelação do INSS e remessa oficial providos. Não há que se falar em condenação em honorários advocatícios e custas processuais, tendo em vista que a autora é beneficiária da assistência judiciária gratuita, seguindo orientação adotada pelo STF." (AC 2001.03.99.049603-1, Rel. Juiz Federal Convocado Hong Kou Hen, DJF3 de 01.10.2008) "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL. NÃO RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL. ATIVIDADE PRESTADA EM OLARIA. NATUREZA ESPECIAL DAS ATIVIDADES LABORADAS PARCIALMENTE RECONHECIDA. FOGUISTA, AJUSTADOR MECÂNICO E FERRAMENTARISTA. ENQUADRAMENTO. AGENTE FÍSICO. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM MEDIANTE APLICAÇÃO DO FATOR PREVISTO NA LEGISLAÇÃO. TEMPO MÍNIMO DE CONTRIBUIÇÃO, CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADOS. 1. A aposentadoria especial é devida ao segurado que tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (art. 64 do Decreto nº 3.048/99). E a aposentadoria por tempo de contribuição proporcional é devida ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do sexo masculino, conforme Lei 8.213/91, com redação anterior à EC 20/1998. Nos dois casos, necessária, ainda, a comprovação da carência e da qualidade de segurado. 2. Atividade de oleiro não configura tempo de serviço rural. Período não reconhecido. 3. A legislação aplicável para caracterização da natureza especial é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.049/99. (...) 14. Apelação parcialmente provida. Fixados, de ofício, os consectários legais." (AC 00043046020094036126, DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON PORFIRIO, TRF3 - DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/03/2017) "TRABALHO RURAL (OLARIA). DIREITO DO TRABALHO. TRABALHADOR RURAL. Empregado de fazenda, trabalhando em olaria, é classificado como industriário, pois não exercia função diretamente ligada a agricultura ou pecuária a partir dos dois últimos anos." (STF- RE 51748 - RTJ 30-01 P. 433- DJ 24.10.63 P. 03649 - Rel. Min. Hermes Lima - julg. 30.08.63) Como se não fosse suficiente esse argumento, os dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) demonstram a percepção, pela parte autora, de auxílios-doença nos períodos de 19/7/2005 a 31/5/2006, de 15/8/2006 a 31/10/2006, de 12/2/2007 a 25/2/2010, de 26/8/2010 a 9/10/2010, de 30/8/2011 a 30/10/2011 e de 25/7/2014 a 13/3/2015. Ou seja, em grande parte do período juridicamente relevante à concessão do benefício ora pretendido a parte autora esteve afastada das lides rurais. Com efeito, está assentado na jurisprudência o entendimento de que o período intercalado de recebimento de benefício por incapacidade deve ser computado como carência para fins de concessão de aposentadoria por idade urbana. Nessa esteira, há posicionamento de que essa orientação deve ser aplicada à concessão de benefício direcionados aos trabalhadores rurais que, no lugar de carência, devem comprovar exercício de atividade rural, desde que, contudo, os períodos de recebimento de benefício por incapacidade estejam intercalados com períodos de labor campesino. Nesse sentido: “PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CARÁTER NÃO CONTRIBUTIVO. PERÍODOS DE AUXÍLIO-DOENÇA. APROVEITAMENTO PARA CONTAGEM DE TEMPO EM APOSENTADORIA RURAL POR IDADE QUANDO INTERCALADOS POR EXERCÍCIO DE ATIVIDADE QUE QUALIFIQUE O REQUERENTE COMO SEGURADO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. 1. Tratando-se de benefício de caráter não contributivo, como é a aposentadoria por idade do trabalhador rural, é possível que seja computado no tempo de carência os períodos de gozo de auxílio-doença, desde que intercalados com períodos de exercício de atividade que qualifique o requerente como segurado especial. 2. Incidente da parte autora conhecido e provido.” (TRF4 5004482-98.2013.404.7113, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator p/ Acórdão Leonardo Castanho Mendes, juntado aos autos em 24/02/2016) Entretanto, pelas provas acostadas aos autos, não se verifica o efetivo retorno às atividades rurais após a cessação do benefício de incapacidade. De fato, não há início de prova material do labor rural depois da cessação desses benefícios. No mais, embora as testemunhas tenham informado genericamente que o autor tenha trabalhado nas lides rurais, estas, desacompanhadas de início de prova material, não se prestam, por si só, à comprovação pretendida. Ademais, não obstante na certidão de casamento da autora (1974), o cônjuge tenha se declarado lavrador, os registros do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) informam que ele sempre desenvolveu atividade na qualidade de segurado obrigatório, mormente no ramo da construção civil, e até seu falecimento (10/4/2009) como empregado doméstico. Assim, lícito é inferir que a parte autora não fez prova suficiente dos fatos de seu interesse e constitutivos do direito invocado, não se desincumbindo satisfatoriamente do ônus probatório que lhe competia, merecendo o decreto de improcedência. Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita. Diante do exposto, dou provimento à apelação, para julgar improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural. Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de revogação da tutela antecipatória de urgência concedida. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. OLARIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TUTELA ESPECÍFICA REVOGADA.
- À concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, exige-se: a comprovação da idade mínima e o desenvolvimento de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento (REsp Repetitivo n. 1.354.908).
- A comprovação de atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material corroborado por robusta prova testemunhal (Súmula n. 149 do STJ e Recursos Repetitivos n. 1.348.633 e 1.321.493).
- Em relação às contribuições previdenciárias, é assente o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural. Precedentes do STJ.
- Conjunto probatório insuficiente à comprovação do período de atividade rural debatido. Benefício indevido.
- Invertida a sucumbência. Condenação da parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida.
- Revogação da tutela antecipatória de urgência concedida.