Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003902-54.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

APELANTE: VALTER CAMPOS FERREIRA

Advogados do(a) APELANTE: PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A, THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003902-54.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

APELANTE: VALTER CAMPOS FERREIRA

Advogados do(a) APELANTE: PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A, THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação interposta por Valter Campos Ferreira, contra sentença que julgou improcedente a presente ação ordinária ajuizada em face da União Federal.

Segundo consta na inicial, o demandante é filho de Isabel Campos Araújo Ferreira e Antônio Amaral Ferreira, ambos portadores de hanseníase, e internados compulsoriamente em um hospital colônia de isolamento, denominado Aquiles Lisboa Bonfim, situado no Estado do Maranhão.

Afirma que após seu nascimento (10.07.1969), foi afastado de seus pais biológicos e imediatamente inserido no Educandário Santo Antônio, em São Luís/MA. Relata que aos aproximadamente 7 anos foi informado acerca do falecimento de seus genitores e que nunca conheceu seus irmãos. Afirma ter sido privado de convivência familiar por toda sua vida.

Sustenta a imprescritibilidade das ações ajuizadas em face de graves violações a direitos fundamentais e requer a condenação da União Federal ao pagamento de indenização por danos morais em razão dos abusos sofridos e da ausência de formação de vínculos afetivos familiares em decorrência da separação forçada.

O Magistrado a quo acolheu a alegação de prescritibilidade da pretensão suscitada pelo ente público, julgando improcedentes os pedidos. Fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa, ressalvada a gratuidade de justiça a que faz jus o requerente.

Insurge-se o apelante retomando os argumentos de sua exordial.

Com contrarrazões, os autos subiram a esta E. Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003902-54.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

APELANTE: VALTER CAMPOS FERREIRA

Advogados do(a) APELANTE: PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A, THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

A questão posta nos autos diz respeito à responsabilização da União Federal pela segregação compulsória imposta entre filhos e seus genitores portadores de hanseníase.

De início, passa-se à análise da prescrição.

É amplamente aceita nos Tribunais Superiores a tese de imprescritibilidade das pretensões indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais ocorridas ao longo do Regime Militar no Brasil. Verbis:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PRETENSÃO DE REINTEGRAÇÃO AO CARGO PÚBLICO, CUJO AFASTAMENTO FOI MOTIVADO POR PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRISÃO E TORTURA PERPETRADOS DURANTE O REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973.

II - Trata-se, na origem, de ação ordinária proposta por ex-servidor da Assembleia Legislativa do Paraná buscando sua reintegração ao cargo anteriormente ocupado, além dos efeitos financeiros e funcionais, com fundamento no art. 8º do ADCT e na Lei n. 10.559/02, sob a alegação de que seu desligamento ocorreu em razão de perseguição política, perpetrada na época da ditadura militar.

III - A Constituição da República não prevê lapso prescricional ao direito de agir quando se trata de defender o direito inalienável à dignidade humana, sobretudo quando violada durante o período do regime de exceção.

IV - Este Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de ser imprescritível a reparação de danos, material e/ou moral, decorrentes de violação de direitos fundamentais perpetrada durante o regime militar, período de supressão das liberdades públicas.

V - A 1ª Seção desta Corte, ao julgar EREsp 816.209/RJ, de Relatoria da Ministra Eliana Calmon, afastou expressamente a tese de que a imprescritibilidade, nesse tipo de ação, alcançaria apenas os pleitos por dano moral, invocando exatamente a natureza fundamental do direito protegido para estender a imprescritibilidade também às ações por danos patrimoniais, o que deve ocorrer, do mesmo modo, em relação aos pleitos de reintegração a cargo público.

VI - O retorno ao serviço público, nessa perspectiva, corresponde a reparação intimamente ligada ao princípio da dignidade humana, porquanto o trabalho representa uma das expressões mais relevantes do ser humano, sem o qual o indivíduo é privado do exercício amplo dos demais direitos constitucionalmente garantidos.

VII - A imprescritibilidade da ação que visa reparar danos provocados pelos atos de exceção não implica no afastamento da prescrição quinquenal sobre as parcelas eventualmente devidas ao Autor. Não se deve confundir imprescritibilidade da ação de reintegração com imprescritibilidade dos efeitos patrimoniais e funcionais dela decorrentes, sob pena de prestigiar a inércia do Autor, o qual poderia ter buscado seu direito desde a publicação da Constituição da República.

VIII - Recurso especial provido.

(REsp 1565166/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. REGIME MILITAR. PERSEGUIÇÃO E PRISÃO POR MOTIVOS POLÍTICOS. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. PRECEDENTES.

1. Inicialmente, esclareço que a questão de fato suscitada da tribuna - de que o autor da ação, na verdade, não é anistiado em si (ou seja, ele é herdeiro de anistiado perseguido político) - já estava expressa na decisão ora agravada (fl. 337, e-STJ), que ora transcrevo: "cuida-se, na origem, de Ação Ordinária ajuizada por Morganna Rodrigues Sales e Carlos Marcos Rodrigues Sales contra a União, em que pleiteiam o pagamento de indenização por danos morais por terem sido privados da convivência com o pai, preso e condenado a várias penas, incluindo prisão perpétua, durante o regime militar" (grifei).

2. Em recente julgamento do Agravo Interno no REsp 1.710.240/RS, da relatoria do Ministro Francisco Falcão, ocorrido em 8.5.2018 e publicado no DJe 14.5.2018, a Segunda Turma do STJ reafirmou entendimento de que a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932, é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, que são imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento suas pretensões.

3. A insurgente reitera, em seus memoriais, as razões do Recurso Especial, não apresentando nenhum argumento novo.

4. Agravo Interno não provido.

(AgInt no REsp 1648124/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018)

DMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ANISTIADO POLÍTICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. PRAZO PRESCRICIONAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO N.º 20.910/1932. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. DANOS MORAIS. REVISÃO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Inexistindo, na Corte de origem, efetivo debate acerca da tese jurídica e do conteúdo normativo de artigo de lei veiculado nas razões do recurso especial, resta descumprido o requisito do prequestionamento, conforme dispõe a Súmula 282/STF.

2. Conforme entendimento do STJ, "a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932, não se aplica aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, os quais são imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época em que os jurisdicionados não podiam deduzir a contento suas pretensões" (AgRg no AREsp 302.979/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 5/6/2013).

3. A desconstituição da premissa lançada pelo Tribunal de origem, acerca da caracterização dos danos morais, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático, providência vedada em sede especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 701.444/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 27/08/2015)

Observa-se que, conforme grifamos, essa orientação jurídica não se limita apenas aos casos específicos que remetem à Ditatura Militar no Brasil, mas, uma vez amparada na lógica de que não se pode admitir que o decurso do tempo legitime a violação de um direito fundamental, deve ser estendida a todos os casos que igualmente ofendam nessa intensidade a dignidade da pessoa humana.

Isto porque a compreensão axiológica dos direitos fundamentais não cabe na estreiteza das regras do processo clássico, demandando largueza intelectual que lhes possa reconhecer a máxima efetividade possível.

É juridicamente sustentável afirmar, portanto, que a imprescritibilidade dos direitos fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa humana, somente será garantida quando assegurar-se também imprescritibilidade dos meios disponíveis a sua proteção.

Ademais, nos cenários típicos de graves violações perpetradas pelo Estado contra uma coletividade de pessoas, o decurso do tempo atua justamente para que seja possível vislumbrar posteriormente, à luz do distanciamento dos fatos, algumas atrocidades cuja percepção era dificultada pelo contexto histórico vigente à época de seu cometimento.

Assim, afasta-se o reconhecimento da ocorrência de prescrição ante o acolhimento da tese de imprescritibilidade da presente demanda.

Superada esta questão prejudicial, passa-se à análise do mérito propriamente dito.

O cerne da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais.

São elementos da responsabilidade civil a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar.

No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, sob a seguinte redação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O trecho extraído do voto do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário nº. 109.615, ilustra com clareza a norma do referido artigo:

A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. (RE 109615, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 28/05/1996, DJ 02-08-1996 PP-25785 EMENT VOL-01835-01 PP-00081).

No caso dos autos, trata-se de evidente conduta comissiva consubstanciada na separação compulsória entre pais e filhos.

É certo que a Lei 610/1949 fixou normas para a profilaxia da hanseníase, dentre elas, o tratamento obrigatório mediante isolamento compulsório dos doentes contagiantes. Igualmente, restou estabelecido que todo recém-nascido filho de portadores de hanseníase seria compulsoriamente e imediatamente afastado da convivência com os pais.

Contudo, o mero fato da conduta danosa estar amparada pela legislação vigente à época não é suficiente para excluir a responsabilidade do Estado pela adoção de uma política governamental sanitária desumana.

Com o advento da Lei 11.520/2007, a própria União Federal assumiu sua responsabilidade e reconheceu o direito à concessão de pensão especial para as pessoas que foram submetidas à mencionada política sanitária segregacionista. Entretanto, o diploma legal não esgota todas as alternativas de reparação, e nem ampara os familiares das pessoas isoladas, que, especialmente no caso dos filhos, igualmente sofreram as mazelas da segregação, ainda que na condição de internos em educandários.

Assim, se o próprio Estado reconhece o direito de pensionamento às pessoas atingidas pela doença, exsurge, como corolário, assegurar-se aos filhos o pagamento de indenizações por dano moral.

Acerca do dano moral a doutrina o conceitua como "dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral , porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (Cavalieri, Sérgio. responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 549)"

O demandante juntou suficientes documentos comprobatórios da internação compulsória de seus pais para tratamento de hanseníase, da separação compulsória após seu nascimento seguida de sua internação em educandário (ID 107789157, 107789158, 107789159, 107789160, 107789161).

Inquestionável, portanto, o abalo psicológico daqueles que tiveram sua infância e juventude interrompida por separações traumáticas para viver o sentimento de abandono e a privação do convívio familiar. Casos como o presente caracterizam a típica situação de dano moral in re ipsa, nos quais a mera comprovação fática do acontecimento gera um constrangimento presumido, capaz de ensejar indenização.

Observa-se o precedente do C. STJ, no julgamento do Resp. 1.689.641/RS, em caso idêntico ao presente, mantendo o acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região:

ADMINISTRATIVO. FILHOS DE PACIENTES COM HANSENÍASE INTERNADOS COMPULSORIAMENTE. SEGREGAÇÃO, TORTURA FÍSICA E EMOCIONAL - DEMONSTRADOS. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA.1. Comprovada a segregação social dos filhos de pacientes internados compulsoriamente, bem como a prática de tortura física e emocional nos menores, faz jus a indenização por danos morais daí decorrentes, tendo em vista ser fato, agora conhecido, que os locais onde eram colocadas as crianças não propiciavam qualquer cuidado com sua integridade física ou psicológica.2. Na hipótese, os irmãos além de separados de ambos os pais doentes também foram separados um do outro, sem notícias e contato. Ainda, mesmo depois que o menino foi para casa de parentes por ser o mais velho, a menina permaneceu internada por anos em Educandário, até que pudesse ir para casa de parentes também.3. Em se tratando de ação que visa à condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais em razão dos atos praticados no período das décadas de 1930 a 1980 como política sanitária de controle e prevenção da Hanseníase, deve ser afastado o reconhecimento da prescrição consoante o Decreto nº 20.910/32, haja vista ser ação que visa à salvaguarda da dignidade da pessoa humana.4. Acolhida a tese de violação de direitos humanos no caso em concreto, razão pela qual não ocorre a prescrição.5. Indenização por danos morais mantida em R$ 50.000,00 para cada autor, ante a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.Já acerca de sua fixação, é sabido que seu arbitramento deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito.

No mesmo sentido, têm-se o precedente desta E. Turma:

ADMINISTRATIVO  E CONSTITUCIONAL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – FILHO DE PORTADORES DE HANSENÍASE – DANOS MORAIS –  IMPRESCRITIBILIDADE –  ISOLAMENTO EM EDUCANDÁRIO – DANOS MORAIS PRESENTES - PENSÃO ESPECIAL DA LEI 11.520/07 – TRATO SUCESSIVO – REQUISITOS PARA FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO – NÃO PREENCHIMENTO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Imprescritibilidade da pretensão de compensação dos danos morais decorrentes da segregação compulsória dos genitores para tratamento de Hanseníase (Lei n.º 610/1949), considerada a natureza fundamental do direito violado. Precedentes da E. Terceira Turma. Vencido o relator no ponto.

2. Conforme deflui dos autos, o requerente esteve em regime de internato no Educandário Eunice Weaver de Araguari (Preventório de Araguai-MG) entre 27/08/1959 e 05/01/1966, período em que seus pais foram submetidos a internação compulsória em razão do acometimento de hanseníase.

3. A privação do convívio dos genitores, em tenra idade e por mais de 6 (seis) anos, traduz, por si só, situação apta a engendrar dissabores para além da normalidade, a superar, em muito, aqueles enfrentados no dia a dia. Nexo causal e danos morais demonstrados.

4.  Compensação arbitrada em R$ 200.000,00, em atenção aos parâmetros estabelecidos pelo C. STJ e às circunstâncias do caso concreto. Correção monetária, a partir desta decisão, e juros de mora, a conta da citação, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. 

5. O pedido de pensionamento, nos termos da Lei nº 11.520/07, traduz relação de trato sucessivo, de modo que a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior ao ajuizamento do feito, nos termos da Súmula nº 85 do Superior Tribunal de Justiça.

6. O art. 1º, caput, da Lei 11.520/07 restringe o recebimento da pensão especial àquelas pessoas que, comprovadamente atingidas pela hanseníase, tenham sido submetidas a isolamento e internação compulsórios. Requisitos cumulativos não preenchidos na espécie.

7. Inaplicabilidade da analogia na espécie, haja vista que aludido instituto, consoante estabelece o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, pressupõe lacuna da lei, o que não ocorre no caso vertente. Como visto, a Lei 11.520/07 elenca, de forma clara e inequívoca, os requisitos indispensáveis à fruição da pensão especial.

8. Configurada a sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários devidos ao patrono da parte adversa, com base na metade do valor atribuído à causa e no mínimo legal, observados os benefícios da gratuidade da justiça.

9. Apelação parcialmente provida.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004940-78.2017.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, julgado em 28/01/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 04/02/2020)

Acerca de sua fixação do quantum indenizatório, é sabido que seu arbitramento deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito.

Logo, frente à dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o ressarcimento, o Superior Tribunal de Justiça tem procurado definir determinados parâmetros, a fim de se alcançar um valor atendendo à dupla função, tal qual, reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não reincida.

Nesse sentido é certo que "na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado."(REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014)

Com base no precedente citado, nas particularidades do caso, e na extensão do dano que marcou a requerente por toda sua vida, reputa-se adequado o arbitramento feito em primeira instância, em R$ 200.000,00, com incidência de correção monetária nos termos da Súmula 362 do STJ, e juros de mora a partir da citação, conforme entendimento do C. STJ para as hipóteses de reparação a violações a direitos fundamentais ocorridas durante o Regime Militar. Verbis:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANO PATRIMONIAL E MORAL EM DECORRÊNCIA DE DESAPARECIMENTO DE PESSOA, POR MOTIVOS POLÍTICOS. ALEGAÇÕES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO, VALIDADE DOS ATOS INSTITUCIONAIS E AUSÊNCIA DE INTERESSE NO PAGAMENTO DE PENSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ENUNCIADO SUMULAR Nº 211/STJ. PRESCRIÇÃO. DIREITOS DA PERSONALIDADE. IMPRESCRITIBILIDADE. JULGAMENTO ULTRA PETITA. NÃO-OCORRÊNCIA. LEI 9.140/95. PREVISÃO DE REPARAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS EVENTUALMENTE CAUSADOS À VÍTIMA. DANO MORAL NÃO ABRANGIDO. JUROS MORATÓRIOS. TERMO A QUO. CITAÇÃO . APLICAÇÃO DO VERBETE Nº 54 DA SÚMULA/STJ QUE SE AFASTA DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO RAZOÁVEL.

(...)

5. Embora a Súmula 54/STJ determine a fluência de juros moratórios a partir do evento danoso nos casos de responsabilidade extracontratual, a hipótese dos autos merece tratamento diferenciado em face do reconhecimento legislativo ocorrido com o advento da Lei 9.140/95, que tratou apenas do valor da indenização e não de juros moratórios. Havendo qualquer discussão em juízo em torno do direito resguardado pela Lei 9.140/95, em se tratando de obrigação ilíquida, os juros moratórios devem fluir a partir da citação.

(...)

7. Recurso Especial interposto pela União parcialmente conhecido e, nessa extensão, PROVIDO apenas para determinar que os juros de mora sejam contados a partir da citação .

(REsp 841.410/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 07/04/2009)

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, para fixação de indenização por danos morais em favor da parte autora.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. VIOLAÇÃO A DIREITO FUNDAMENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE. SEGREGAÇÃO COMPULSÓRIA ENTRE PORTADORES DE HANSENÍASE E SEUS RECÉM NASCIDOS. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.

1. A questão posta nos autos diz respeito à responsabilização da União Federal pela segregação compulsória imposta entre filhos e seus genitores portadores de hanseníase.

2. Imprescritibilidade das pretensões indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais. A inadmissibilidade de que o decurso do tempo legitime a violação de um direito fundamental deve ser estendida a todos os casos que igualmente ofendam, nessa intensidade, a dignidade da pessoa humana.

3. Nos cenários típicos de graves violações perpetradas pelo Estado contra uma coletividade de pessoas, o decurso do tempo atua justamente para que seja possível vislumbrar posteriormente, à luz do distanciamento dos fatos, algumas atrocidades cuja percepção era dificultada pelo contexto histórico vigente à época de seu cometimento.

4. O mérito da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil, da qual são elementos a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar.

5. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano.

6. A Lei nº 610/1949 fixou normas para a profilaxia da hanseníase, dentre elas, o tratamento obrigatório mediante isolamento compulsório dos doentes contagiantes. Igualmente, restou estabelecido que todo recém-nascido filho de portadores de hanseníase seria compulsoriamente e imediatamente afastado da convivência com os pais. Contudo, o mero fato da conduta danosa estar amparada pela legislação vigente à época não é suficiente para excluir a responsabilidade do Estado pela adoção de uma política governamental sanitária desumana.

7. Com o advento da Lei 11.520/2007, a própria União Federal assumiu sua responsabilidade e reconheceu o direito à concessão de pensão especial para as pessoas que foram submetidas à mencionada política sanitária segregacionista. Entretanto, o diploma legal não esgota todas as alternativas de reparação, e nem ampara os familiares das pessoas isoladas, que, especialmente no caso dos filhos, igualmente sofreram as mazelas da segregação, ainda que na condição de internos em educandários.

8. O demandante juntou suficientes documentos comprobatórios da internação compulsória de seus pais para tratamento de hanseníase, da separação compulsória após seu nascimento seguida de sua internação em educandário (ID 107789157, 107789158, 107789159, 107789160, 107789161).

9. Inquestionável o abalo psicológico daqueles que tiveram sua infância e juventude interrompida por separações traumáticas para viver o sentimento de abandono e a privação do convívio familiar. Casos como o presente caracterizam a típica situação de dano moral in re ipsa, nos quais a mera comprovação fática do acontecimento gera um constrangimento presumido, capaz de ensejar indenização.

10. Acerca da fixação do quantum indenizatório, é sabido que seu arbitramento deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito.

11. Reputa-se adequado o arbitramento feito em primeira instância, em R$ 200.000,00, com incidência de correção monetária nos termos da Súmula 362 do STJ, e juros de mora a partir da citação, conforme entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça para as hipóteses de reparação a violações a direitos fundamentais ocorridas durante o Regime Militar.

12. Apelação provida em parte.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação, para fixação de indenização por danos morais em favor da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.