AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5018266-61.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
AGRAVANTE: LANZI MINERACAO LTDA - EPP
Advogado do(a) AGRAVANTE: GABRIEL FELICIO GIACOMINI ROCCO - SP246281-A
AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5018266-61.2019.4.03.0000 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA AGRAVANTE: LANZI MINERACAO LTDA - EPP Advogado do(a) AGRAVANTE: GABRIEL FELICIO GIACOMINI ROCCO - SP246281 AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento interposto por MINERAÇÃO ORIGANÇA – EIRELI, atual denominação da LANZI MINERAÇÃO LTDA., contra decisão proferida pelo r. Juízo da 1ª Vara Federal de São João da Boa Vista, que, nos autos da Ação Civil Pública nº 5001118-23.2018.4.03.6127, afastou a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e a prescrição da pretensão de ressarcimento de danos ambientais. Cuidam os autos principais de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face de Cerâmica Lanzi Ltda., Lanzi Mineração Ltda, Victor Marcello de Souza, Luís Antônio Lanzi, Luciana Bueno Lanzi Menegatti, Liliana Aparecida Lanzi de Souza, Ana Beatriz Lanzi de Toledo e Maria Lúcia Bueno Lanzi objetivando o ressarcimento integral pela usurpação de bem minerário da União; a indenização pelo dano material derivado da exploração ilícita e dano ambiental; a indenização pelo dano moral coletivo decorrente da exploração ilícita e do dano ambiental; a recuperação ambiental de área degradada, de modo a restituir as funções ambientais do local afetado por extração mineral irregular. A parte autora apresenta para reparação o valor de R$ 2.944.365,18. Foi deferido pedido de tutela provisória de indisponibilidade de bens (ID Num. 9075957 da ACP originária). Os corréus apresentaram contestação conjunta, arguindo, dentre outras preliminares, a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e a prescrição da pretensão de ressarcimento de danos ambientais (ID Num. 14238974 da ACP originária). Ao examinar os autos principais, o r. Juízo a quo afastou as preliminares arguidas e determinou que as partes especificassem as provas que pretendiam produzir (ID Num. 81312169). Inconformada, a LANZI MINERAÇÃO LTDA. (MINERAÇÃO ORIGANÇA – EIRELI) interpõe o presente recurso, com pedido de efeito suspensivo, alegando, em síntese, a ilegitimidade ativa do Parquet Federal para pleitear os direitos pertencentes à União; b) a prescrição do pedido de ressarcimento do alegado dano ambiental. Assim, formulou o pedido de antecipação dos efeitos tutela recursal para que seja “suspensa a produção de prova pericial tendente à quantificação da suposta usurpação do patrimônio mineral da União Federal para momento posterior ao julgamento do presente recurso, cujo o eventual provimento implicará na inutilidade da produção desta custosa prova” (ID Num. 81318016 - Pág. 16). Ao final, requer o provimento do recurso para que: “(i.) seja reconhecida a ilegitimidade ativa do Ministério Público para o pleito de cobrança em nome da União Federal, do patrimônio mineral supostamente usurpado; e (ii.) seja reconhecida a prescrição quinquenal da pretensão do pedido ressarcitório do patrimônio mineral supostamente usurpado da União Federal, uma vez que o DNPM tinha conhecimento dos fatos objeto dos autos desde de 2007 e 2010, mas esta ação somente foi ajuizada em 26.06.2018” (ID Num. 81318016 - Pág. 16). Em decisão ID Num. 90142727, o pedido de antecipação da tutela recursal foi postergado para após a vinda da contraminuta, diante da necessidade de esclarecimentos acerca da questão discutida. Intimada, a parte agravada apresentou contraminuta, aduzindo, em preliminar, a o não cabimento do agravo instrumento. No mérito, pugnou pela manutenção da decisão atacada (ID Num. 90599839). Em decisão ID Num. 122866362, determinei o sobrestamento do feito, uma vez que o E. Supremo Tribunal Federal estava analisando a questão relativa à prescritibilidade da pretensão de reparação civil do dano ambiental no RE 654.833 RG/AC (Tema 999). Em decisão ID Num. 137657763, foi indeferido o pedido de antecipação da tutela recursal. Em parecer, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República, opinou pelo prosseguimento do feito, requerendo o julgamento conjunto com o Agravo de Instrumento nº 5018257-02.2019.4.03.0000 (ID Num. 138721621). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5018266-61.2019.4.03.0000 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA AGRAVANTE: LANZI MINERACAO LTDA - EPP Advogado do(a) AGRAVANTE: GABRIEL FELICIO GIACOMINI ROCCO - SP246281 AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Do cabimento do agravo de instrumento em ação civil pública Inicialmente, afasto a preliminar arguida em contraminuta. O art. 19, § 1º da Lei nº 4.717/1965 prevê o cabimento do agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias proferidas em ação popular. Considerando que a Lei da Ação Popular e a Lei da Ação Civil Pública fazem parte do microssistema processual coletivo, aplica-se à ação civil pública, por analogia, o disposto no art. 19, § 1º, da Lei nº 4.717/1965, sendo cabível o agravo de instrumento contra qualquer decisão interlocutória proferida em tais processos. Ademais, o art. 1.015, XIII, do CPC, contempla o cabimento do agravo de instrumento em “outros casos expressamente referidos em lei”. Superada a questão preliminar, passo à análise do mérito. Da legitimidade ativa do Ministério Público Federal De acordo com o art. 127 da CF, o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". E, dentre as suas funções institucionais elencadas no art. 129, está a de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (inciso III). O art. 1º da Lei nº 7.347/85 enumera as hipóteses de cabimento da Ação Civil Pública, prevendo a sua admissão quando envolver danos morais e patrimoniais causados “ao meio ambiente” (inciso I). Já no seu art. 5º, I, reconhece a legitimidade ativa do Ministério Público para propor demandas envolvendo tal temática. Como bem ressaltou o Parquet, não se trata de “executar os valores que deixaram de ser pagos à União pela exploração não autorizada de areia e argila, é dizer, não se trata de cobrar emolumentos, multas, e contribuições previstas na legislação minerária. Pretende sim, no âmbito da responsabilidade civil, o ressarcimento do patrimônio da União, diminuído pela subtração ilícita de bens que lhe pertenciam” (ID Num. 90599839 - Pág. 6). E complementa afirmando que, “além do ressarcimento de valores, o Ministério Público Federal pretende a reparação dos danos causados ao meio ambiente em razão do exercício ilegal de atividade minerária e a indenização da coletividade pela degradação ambiental acarretada pela aludida atividade em área situada no Município de Aguaí-SP” (ID Num. 90599839 - Pág. 6) No mais, o entendimento está em consonância com o que já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ZONA DE AMORTECIMENTO. PARQUE NACIONAL DE JERICOACOARA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 1. Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal com a finalidade de condenar o recorrido à obrigação de fazer consistente na demolição de imóvel construído na Vila de Jericoacoara, sem o devido licenciamento ambiental e em desacordo com a IN 04/2001 do Ibama, e na reparação do dano provocado pelo impacto da obra irregular. 2. O juízo de 1° grau declarou a ilegitimidade ativa do MPF e determinou o envio dos autos à Justiça Estadual para que o MPE possa avaliar a oportunidade de ratificação da petição inicial. Tal entendimento foi confirmado pelo Tribunal a quo. 3. Em hipótese idêntica à dos autos, o STJ reconheceu que o MPF possui legitimidade ativa ad causam para a propositura de Ação Civil Pública destinada à tutela ambiental da Zona de Amortecimento do Parque Nacional de Jericoacoara, porquanto presente o interesse federal (AgRg no REsp 1.373.302/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 19.6.2013). 4. Nos termos do art. 4° da Lei 11.486/2007, cabe à União administrar o Parque Nacional de Jericoacoara, adotando as medidas necessárias à sua efetiva implantação e proteção, de modo que se afigura evidente o interesse federal na integridade da Zona de Amortecimento da Unidade de Conservação. 5. Recurso Especial provido. (REsp 1366860/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 04/11/2014, DJe 24/10/2016) Prescrição da pretensão de reparação civil do dano ambiental Conforme apontado na decisão ID Num. 122866362, o E. Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria ora discutida no RE 654.833/AC. Em sessão de julgamento realizada no dia 20/04/2020, a Corte Suprema firmou o entendimento de que é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental. A ementa foi assim redigida: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 999. CONSTITUCIONAL. DANO AMBIENTAL. REPARAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade. 2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo. 3. Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis. 4. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual. 5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais. 6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental. (RE 654833, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, processo eletrônico DJe-157 Divulg 23-06-2020 Public 24-06-2020) Assim, estando a matéria atualmente pacificada em julgamento de recurso com repercussão geral, deve ser respeitada a sua força vinculante, conforme determina o inciso III, do art. 927, do CPC: Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19, § 1º, DA LEI 4.717/1965. CABIMENTO. LEGITIMIDADE DO MPF. DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. O art. 19, § 1º da Lei nº 4.717/1965 prevê o cabimento do agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias proferidas em ação popular. Considerando que a Lei da Ação Popular e a Lei da Ação Civil Pública fazem parte do microssistema processual coletivo, aplica-se à ação civil pública, por analogia, o disposto no art. 19, § 1º, da Lei nº 4.717/1965, sendo cabível o agravo de instrumento contra qualquer decisão interlocutória proferida em tais processos.
2. O art. 1º da Lei nº 7.347/85 enumera as hipóteses de cabimento da Ação Civil Pública, prevendo a sua admissão quando envolver danos morais e patrimoniais causados “ao meio ambiente” (inciso I). Já no seu art. 5º, I, reconhece a legitimidade ativa do Ministério Público para propor demandas envolvendo tal temática.
3. No julgamento do RE 654.833, submetido à sistemática da repercussão geral, o E. Supremo Tribunal firmou o entendimento de que “é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental” (Tema 999).
4. Estando a matéria atualmente pacificada em julgamento de recurso com repercussão geral, deve ser respeitada a sua força vinculante, conforme determina o inciso III, do art. 927, do CPC.
5. Agravo de instrumento improvido.