APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005622-96.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WALQUIRIA PAINCO
Advogado do(a) APELADO: REGINA CELIA FERREIRA - MS8541-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005622-96.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: WALQUIRIA PAINCO Advogado do(a) APELADO: REGINA CELIA FERREIRA - MS8541-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS: Trata-se de agravo interposto pelo INSS em face da decisão que rejeitou a preliminar e, no mérito, negou provimento ao seu apelo. A autarquia, ora agravante, repete os mesmos argumentos expostos nas razões do recurso já analisado. Requer a restituição dos valores recebidos de forma indevida, mesmo que de boa-fé e com caráter alimentar, tendo em vista a existência de respaldo na legislação previdenciária. Sem contrarrazões. É o Relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005622-96.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: WALQUIRIA PAINCO Advogado do(a) APELADO: REGINA CELIA FERREIRA - MS8541-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS: De início consigo que tal qual o pretérito artigo 557 do CPC de 1973, a regra do artigo 932, incisos V e V, do Novo CPC pode ser utilizada no caso de jurisprudência dominante, ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910). O caso dos autos não é de retratação. Conforme se depreende dos autos, a autora obteve a concessão do benefício de auxílio-doença previdenciário (NB 31/536.429.343-9), aos 15.07.2009, o qual foi sucedido por outro benefício de auxílio-doença (NB 31/542.729.606-5), posteriormente, convertido em aposentadoria por invalidez (NB 32/551.558.546-8), contudo, após procedimento de revisão do ato concessório das referidas benesses, a autarquia federal apurou a ocorrência de irregularidades formais na concessão do primeiro benefício, pois a despeito da fixação da data de início da incapacidade laborativa da demandante em 01.07.2008, esta somente reingressou ao RGPS – Regime Geral de Previdência Social, recuperando assim sua qualidade de segurada, aos 27.08.2009, ou seja, na DER originária não preenchia os requisitos legais necessários à concessão das benesses em questão. Diante disso, aos 09.03.2016, o ente autárquico determinou a cessação administrativa do benefício de aposentadoria por invalidez vigente e passou a exigir a restituição dos valores indevidamente recebidos pela segurada desde a concessão da primeira benesse, a saber, 15.07.2009. Frise-se que a autora ajuizou ação com vistas ao restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez (NB 32/551.558.546-8), autos n.º 0801213-67.2016.8.12.0024, que tramitou perante a 2ª Vara da Comarca de Aparecida do Taboado/MS, contudo, referida demanda foi julgada improcedente, entendimento mantido por esta E. Corte, em sessão de julgamento realizada aos 14.08.2019, ocasião em o i. Relator, Des. Federal Nelson Porfírio, negou provimento ao apelo interposto pela parte segurada, nos autos n.º 5006247-33.2018.4.03.9999, com trânsito em julgado certificado aos 02.10.2019. Todavia, em que pese a argumentação exarada pelo ente autárquico acerca da irregularidade formal do ato concessório das benesses, in casu, forçoso observar que não houve comprovação inequívoca da má fé da segurada na percepção das verbas decorrentes da concessão administrativa dos benefícios por incapacidade em comento. Isso porque, conforme se depreende do extrato CNIS-Cidadão colacionado aos autos, a demandante procedeu ao recolhimento de contribuições previdenciárias relativas ao período de 01/2008 a 07/2008, assim, em que pese o efetivo pagamento tenha ocorrido de forma extemporânea, ou seja, somente aos 27.08.2009, circunstância que inviabilizou sua consideração para fins de caracterização da qualidade de segurada na data de início da incapacidade laborativa, qual seja, 01.07.2008 e, portanto, tornou indevida a concessão do benefício de auxílio-doença (NB 31.536.429.343-9), não há como desconsiderar a boa fé demonstrada pela requerente. Ora, resta evidenciado pelas informações contidas nos relatórios dos exames periciais a que a segurada foi submetida perante o ente autárquico que, de fato, encontrava-se acometida por moléstias ortopédicas que acarretavam sua incapacidade para o exercício de atividade remunerada, circunstância que aliada à iniciativa da requerente de proceder ao recolhimento de contribuições previdenciárias em atraso, a meu ver, nos permite concluir que não tinha intenção de locupletar-se em detrimento do erário público. Diante disso, coaduno do entendimento exarado pelo d. Juízo de Primeiro Grau acerca da inexigibilidade de ressarcimento de quaisquer valores recebidos de boa fé pela autora. Acrescento, ainda, que referido entendimento foi recentemente confirmado pelo C. STJ no julgamento do Recurso Especial n.º 1.381.734/RN, Representativo de Controvérsia (Tema 979), conforme ementa que ora trago à colação, in verbis: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA. 1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991. 2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social. 3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido. 4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário. 5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento). 6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. 7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão. 8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado. 9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015. (STJ. REsp n.º 1.381.734/RN. Primeira Seção. Rel. Min. Benedito Gonçalves. J. 10.03.2021. DJe 23.04.2021. g.n.) Destarte, mostrou-se acertada a declaração de inexigibilidade de restituição de valores recebidos pela demandante a título dos benefícios de auxílio-doença (NB 31/536.429.343-9 e NB 31/542.729.606-5) e aposentadoria por invalidez (NB 3551.558.546-8), no período de 15.07.2009 a 09.03.2016. Acrescento, por fim, que tampouco há de se falar na incidência do art. 115 da Lei n.º 8.213/91, como suscitado pelo ente autárquico, posto que declarada a inexigibilidade de ressarcimento de valores recebidos pela demandante, tampouco há de se falar em eventuais descontos sobre benefícios previdenciários a ela concedidos. Não procedem, portanto, os argumentos expendidos no presente agravo interno. No mais, é forte na 3ª Seção desta Casa jurisprudência no sentido de que decisões condizentemente fundamentadas e sem máculas, tais como ilegalidade ou abuso de poder, não devem ser modificadas, verbis: "PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. VIA INADEQUADA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1- Segundo entendimento firmado nesta Corte, a decisão do Relator não deve ser alterada se solidamente fundamentada e dela não se vislumbrar qualquer ilegalidade ou abuso de poder que resulte em dano irreparável ou de difícil reparação para a parte. (...) 4- Agravo improvido." (TRF - 3ª Região, 3ª Seção, AgRgMS 235404, proc. 2002.03.00.015855-6, rel. Des. Fed. Santos Neves, v. u., DJU 23/8/2007, p. 939) "PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. DECISÃO FUNDAMENTADA. I - É pacífico o entendimento nesta E. Corte, segundo o qual não cabe alterar decisões proferidas pelo relator, desde que bem fundamentadas e quando não se verificar qualquer ilegalidade ou abuso de poder que possa gerar dano irreparável ou de difícil reparação. (...) VI - Agravo não provido." (TRF - 3ª Região, 3ª Seção, AgRgAR 6420, A competência para processar e julgar as ações rescisórias ajuizadas contra decisões proferidas pelos Juizados Federais é do órgão de interposição dos próprios Juizados, isto é, das Turmas Recursais, não do Tribunal Regional Federal (artigos 102, I, ‘j’, 105, I, ‘e’, e 108, I, ‘b’, CF/88). Esclareça-se que às Cortes Regionais Federais não incumbe rever os decisórios oriundos dos Juizados Especiais Federais, por se tratarem de órgãos jurisdicionais diversos. De resto, fixadas a estruturação e competência da Justiça Especializada por força de lei (Leis nº 9.099/95 e 10.259/2001), cediço que o reexame das causas ali julgadas há de ser realizado pelos Juízos de interposição correlatos”. (Turmas Recursais proc. 2008.03.00.034022-1, rel. Des. Fed. Marianina Galante, v. u., DJF3 21/11/2008). Ainda: AgRgAR 5182, rel. Des. Fed. Marianina Galante, v. u., e-DJF3 24/9/2012; AgAR 2518, rel. Des. Fed. Lucia Ursaia, v. u., e-DJF3 17/8/2012; AgAR 2495, rel. Des. Fed. Nelson Bernardes, v. u., e-DJF3 23/7/2012; AgRgAR 8536, rel. Des. Fed. Vera Jucovsky, v. u., e-DJF3 22/5/2012; AgRgAR 8419, rel. Des. Fed. Vera Jucovsky, v. u., e-DJF3 16/3/2012. Ad argumentandum tantum, "Não viola o princípio da legalidade a invocação da jurisprudência como razão de decidir; reportar-se à jurisprudência é forma abreviada de acolher a interpretação da lei que nela se consagrou" (STF - 1ª T., AI 201.132-9-AgRg, Min. Sepúlveda Pertence, j. 11.11.97, DJU 19.12.97)." (NEGRÃO, Theotonio; FERREIRA GOUVÊA, José Roberto; AIDAR BONDIOLI, Luis Guilherme; NAVES DA FONSECA, João Francisco. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 44ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 520) (g. n.). Eventual alegação de que não é cabível o julgamento monocrático no caso presente resta superada, frente à apresentação do recurso para julgamento colegiado. Consigno, finalmente, que foram analisadas todas as alegações constantes do recurso capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada no decisum recorrido. Por derradeiro, advirto o recorrente de que no caso de persistência, caberá aplicação de multa. Isto posto, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO DO INSS, mantendo-se, integralmente, a decisão agravada. É O VOTO.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. VALORES AUFERIDOS DE BOA-FÉ. TEMA 979 DO STJ. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO INTERNO DO INSS. MANUTENÇÃO DO JULGADO AGRAVADO. AGRAVO DESPROVIDO.
- Inviabilidade do agravo interno quando constatada, de plano, a improcedência da pretensão recursal, mantidos os fundamentos de fato e de direito do julgamento monocrático, que bem aplicou o direito à espécie.
- Agravo interno desprovido.