Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000061-94.2014.4.03.6127

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, HERALDO PERES, ANTONIO JOSE DE ALMEIDA SERRA

Advogado do(a) APELANTE: SERGIO ANTONIO DALRI - SP98388-N
Advogado do(a) APELANTE: SERGIO ANTONIO DALRI - SP98388-N

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, HERALDO PERES, ANTONIO JOSE DE ALMEIDA SERRA

Advogado do(a) APELADO: SERGIO ANTONIO DALRI - SP98388-N
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OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000061-94.2014.4.03.6127

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, HERALDO PERES, ANTONIO JOSE DE ALMEIDA SERRA

Advogado do(a) APELANTE: SERGIO ANTONIO DALRI - SP98388-N
Advogado do(a) APELANTE: SERGIO ANTONIO DALRI - SP98388-N

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, HERALDO PERES, ANTONIO JOSE DE ALMEIDA SERRA

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pela defesa de Heraldo Peres e Antônio José de Almeida Serra, contra a sentença de fls. 818/823, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de São João da Boa Vista/SP, que condenou os réus à pena de 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistindo em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 5 (cinco) salários-mínimos, além do pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo, pela prática dos crimes previstos no artigo 168-A, §1º, inciso I, c.c. artigo 337-A, inciso III, CP e artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 c.c. Artigo 71 do CP.

O apelo do Ministério Público Federal cinge-se à reforma da dosimetria, pleiteando o aumento da pena-base e o reconhecimento da agravante da reincidência. Sustenta, ainda, que a causa de aumento de pena referente à continuidade delitiva não se aplica entre os crimes de apropriação indébita previdenciária, de sonegação e contra a ordem tributária, e sim a cada um deles. Além disso, pugna pelo reconhecimento do concurso formal entre os delitos do artigo 337-A, inciso III, do Código Penal e artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 e, ainda, entre eles e o tipo penal do artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal, a aplicação do concurso material e, após essa etapa, a aplicação do aumento de pena decorrente da continuidade delitiva (fl. 828 e fls. 875/879). 

De outro lado, a defesa dos réus, argumenta, preliminarmente, a nulidade da sentença decorrente de cerceamento de defesa e, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva. Quanto ao mérito, alega a ausência de dolo; a inexistência do tipo penal objetivo de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária; estado de necessidade e, por fim, subsidiariamente,  pugna pela redução da pena para aplicá-la no mínimo previsto em lei (fls. 832/867).

Contrarrazões da acusação (fls. 893/906) e da defesa (fls. 880/885).

Subindo os autos a esta E. Corte, a Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do Dr. Márcio Domene Cabrini, opinou pelo desprovimento do recurso da defesa e pelo parcial provimento do recurso da acusação, no sentido do reconhecimento do concurso formal entre os delitos do artigo 337-A, inciso III, do Código Penal e artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 e, entre eles e o tipo penal do artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal, a aplicação do concurso material. Todavia, opinou no sentido de que apenas o crime de apropriação indébita previdenciária poderá ter sua pena aumentada por conta da continuidade delitiva (fls. 914/926).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


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5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000061-94.2014.4.03.6127

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APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, HERALDO PERES, ANTONIO JOSE DE ALMEIDA SERRA

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V O T O

 

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pela defesa de Heraldo Peres e Antonio José de Almeida Serra em face da sentença (id. 140302167 – fls. 220/230) que os condenou pela prática dos crimes previstos no artigo 168-A, §1º, inciso I c.c. o artigo 337-A, inciso III, ambos do Código Penal e artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 c.c. o artigo 71 do Código Penal, às penas de 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto e pagamento de 12 (doze) dias-multa no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente em fevereiro de 2008, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e pagamento de prestação pecuniária no valor de 5 (cinco) salários mínimos.

Em suas razões recursais (id. 140302168 – fls. 03/38), a defesa de Heraldo Peres e Antonio José de Almeida Serra suscita ocorrência da prescrição da pretensão punitiva e nulidade da sentença por cerceamento de defesa. No mérito, almeja a absolvição por ausência de dolo, inexistência de elemento objetivo do tipo quanto aos crimes do artigo 168-A, §1º, inciso I e artigo 337-A, inciso III, do Código Penal, estado de necessidade e, subsidiariamente, a aplicação da pena no mínimo legal.

O Ministério Público Federal, de sua parte (id. 140302168 – fls. 46/55), recorre quanto à dosimetria das penas de Heraldo Peres e Antonio José de Almeida Serra e pretende o aumento da pena-base, além do reconhecimento da reincidência. Almeja, ainda, a incidência do concurso formal entre os delitos do artigo 337-A, inciso III, do Código Penal e do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 e, entre estes e o crime do artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal, o reconhecimento do concurso material para, finalmente, incidir a continuidade delitiva sobre cada delito.

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo parcial provimento do recurso da acusação e desprovimento do apelo defensivo (id. 140302168 – fls. 102/125).

Na sessão de julgamento realizada em 13.09.2021, esta 5ª Turma decidiu, por unanimidade, declarar extinta a punibilidade do réu Antônio José de Almeida Serra, com fundamento no artigo 107, inciso I, do Código Penal, rejeitar as preliminares de cerceamento de defesa e prescrição arguidas pela defesa e negar provimento ao apelo da defesa, nos termos do voto do relator. E, por maioria, dar parcial provimento ao recurso da acusação, para reconhecer o concurso material entre os delitos previstos no artigo 168-A e artigo 337-A, III, ambos do Código Penal e, de ofício, reconhecer a existência de crime único entre os delitos previstos nos artigos 337-A, inciso III do Código Penal e artigo 1º, inciso I da Lei nº 8.137/90, bem como para reconhecer a atenuante da confissão espontânea em benefício do réu Heraldo Peres, fixando-lhe as penas de 4 (quatro) anos, 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto e 22 (vinte e dois) dias-multa, mantido o valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, consoante voto que prolatei, no que fui acompanhado pelo Desembargador Federal André Nekatschalow.

Designado para relatoria do acórdão, passo a declarar o voto condutor.

Consta dos autos que Heraldo Peres e Antonio José de Almeida Serra foram denunciados pela prática dos crimes previstos no artigo 168-A, §1º, inciso I c.c. o artigo 337-A, inciso III, ambos do Código Penal e artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90 c.c. os artigos 29 e 71 do Código Penal, em concurso material (artigo 69 do Código Penal), porque não recolheram contribuições destinadas à previdência social, descontadas de pagamentos efetuados a empregados e contribuintes individuais, omitiram fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias e assim suprimiram referidas exações, bem como suprimiram contribuições sociais não previdenciárias mediante omissão de informações às autoridades fazendárias.

Narra a denúncia que, na condição de responsáveis pela administração da pessoa jurídica Clínica de Repouso Santa Fé LTDA – EPP, nas competências de fevereiro de 2008 a janeiro de 2010, deixaram de recolher, no prazo legal, contribuições previdenciárias descontadas de remunerações pagas a empregados, contribuintes individuais e sócios, a título de pro labore, no valor de R$40.258,78 (quarenta mil, duzentos e cinquenta e oito reais e setenta e oito centavos), conforme Auto de Infração nº 37.218.987-3.

Ainda, os denunciados omitiram de Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social – GFIPs remunerações e pagamentos realizados de fevereiro de 2008 a janeiro de 2010 a empregados, contribuintes individuais, prestadora de serviços cooperados e sócios e assim suprimiram contribuições sociais previdenciárias devidas pela Clínica de Repouso Santa Fé LTDA – EPP no valor de R$140.844,64 (cento e quarenta mil, oitocentos e quarenta e quatro reais e sessenta e quatro centavos), segundo o Auto de Infração nº 37.218.986-5.

Finalmente, ao omitirem de GFIP´s remunerações pagas a empregados de novembro de 2009 a janeiro de 2010, suprimiram contribuições sociais destinadas a terceiras entidades, no valor de R$21.617,31 (vinte e um mil, seiscentos e dezessete reais e trinta e um centavos), fatos que foram objeto do Auto de Infração nº 37.218.988-1.

Após regular instrução processual, sobreveio a sentença recorrida que condenou Heraldo Peres e Antonio José de Almeida Serra pela prática dos crimes previstos no artigo 168-A, §1º, inciso I c.c. o artigo 337-A, inciso III, ambos do Código Penal e artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90, c.c. o artigo 71 do Código Penal, às penas de 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto e pagamento de 12 (doze) dias-multa no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente em fevereiro de 2008, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e pagamento de prestação pecuniária no valor de 5 (cinco) salários-mínimos.

Passo às matérias devolvidas.

Da extinção de punibilidade

De saída, verifico que está extinta a punibilidade do corréu Antonio José de Almeida Serra.

Com efeito, depreende-se da certidão de óbito lavrada pelo Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Itapira/SP que Antonio José de Almeida Serra faleceu em 1º de agosto de 2021 (id. 175004477).

Assim, declaro extinta a punibilidade do corréu Antonio José de Almeida Serra, com fulcro no artigo 107, inciso I, do Código Penal.

Da prescrição retroativa da pretensão punitiva

A defesa de Heraldo Peres pretende a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, sob a alegação de que transcorreu prazo superior a dois anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, bem como entre este ato e a publicação da sentença.

Sem razão.

Consta dos autos que Heraldo Peres e Antonio José de Almeida Serra, em síntese, foram denunciados, processados e condenados pelos delitos do artigo 168-A, §1º, inciso I c.c. o artigo 337-A, inciso III, ambos do Código Penal e artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90, porque, nos anos-calendários de 2008 a 2010, se apropriaram de contribuições previdenciárias descontadas de pagamentos efetuados a empregados e contribuintes individuais, suprimiram contribuições previdenciárias e sonegaram tributos federais, consistentes em contribuições sociais destinadas a terceiras entidades – FNDE, INCRA, SENAC, SESC e SEBRAE (PAF 10865.003616/2010-04 - id. 140302156 e id. 140302233).

A denúncia foi recebida em 03.02.2014 (id. 140302318 – fls. 08/10) e a sentença condenatória foi publicada em 29.08.2017 (id. 140302167 – fls. 231).

Intimados, o Ministério Público Federal e a defesa interpuseram recursos de apelação (id. 140302167 – fls. 235 e id. 140302168 - fls. 3/38).

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento que os crimes contra a ordem tributária, de natureza material, se concretizam somente após o exaurimento da via administrativa, nos termos da Súmula Vinculante nº 24, sendo que a apropriação das contribuições previdenciárias se deu nas competências de fevereiro de 2008 a janeiro de 2010, ao passo que a constituição definitiva dos créditos tributários ocorreu em 17.12.2010 (id. 140301505 – fls. 22).

E, nos termos do artigo 109, caput, do Código Penal, a prescrição, antes do trânsito em julgado para a acusação, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade imputada.

Esclareça-se que a Lei nº 12.234, de 05 de maio de 2010, revogou o §2º do artigo 110 do Código Penal, que previa a prescrição na modalidade retroativa e, ao fazê-lo, passou a vedar o seu reconhecimento no período anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa, sendo que, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei penal mais grave, tal alteração legislativa não se aplica aos fatos anteriores, o que não é o caso dos autos.

Tomados tais parâmetros, observo que os delitos imputados cominam pena privativa de liberdade máxima de 5 (cinco) anos, de modo que o prazo prescricional é de 12 (doze) anos, nos termos do artigo 109, inciso III, do Código Penal.

Ressalte-se, no entanto, que deve ser aplicada a redução do prazo prescricional pela metade, por se tratar de réu maior de 70 (setenta) anos na data da sentença (29.08.2017), conforme demonstra o documento pessoal (id. 140302318 – fls. 96 – nascimento em 04.06.1930).

Desta forma, entre a data do recebimento da denúncia (03.02.2014) e a data da publicação da sentença condenatória (29.08.2017) não decorreu lapso de tempo superior a 6 (seis) anos, que também não escoou entre esta e a presente data, portanto, não está prescrita a pretensão punitiva estatal.

Da nulidade da sentença por cerceamento de defesa

Também é o caso de rejeitar a preliminar de nulidade da sentença aduzida pela defesa de Heraldo Peres, que sustenta cerceamento de defesa em decorrência do indeferimento de realização de perícia contábil.

Com efeito, a defesa requereu, em resposta à acusação (id. 140302318 – fls. 35/92) e em alegações finais (id. 140302167 – fls. 158/187), a realização de perícia contábil a fim de atestar a realidade financeira da empresa Clínica de Repouso Santa Fé LTDA – EPP, pedido indeferido pelo magistrado de 1º grau sob os fundamentos de que a prova pretendida não seria apta a comprovar a excludente de culpabilidade arguida pela defesa e de que a materialidade delitiva foi constatada mediante ação fiscal (id. 140302318 – fls. 127/129).  

Considero que a decisão está devidamente fundamentada e obedece ao preceito do artigo 93, IX, da Constituição Federal, já que a prova pericial efetivamente é prescindível para a comprovação dos fatos pretendidos pela defesa.

Para configurar os crimes de apropriação indébita previdenciária, sonegação de contribuição previdenciária e sonegação fiscal, a prova pericial é dispensável, especialmente porque a peça inaugural encontra-se alicerçada em procedimento administrativo que, aliado aos elementos de prova coligidos no transcorrer da instrução criminal, demonstram a materialidade dos delitos.

Ademais, caberia à defesa anexar aos autos indícios mínimos de suas alegações, tais como documentos relativos a ações de cobrança ou trabalhistas movidas contra a empresa, além de balancetes contábeis, ônus que lhe é atribuído nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal e do qual não se desincumbiu.

Ainda, registre-se que a aferição da necessidade da produção da prova é mister do juiz da causa, que tem ampla visão sobre o desenrolar da ação penal e é o destinatário das provas, com atribuição para indeferir a prova irrelevante, impertinente e protelatória, ainda mais quando o requerimento não agregará à demonstração da materialidade e autoria delitivas e, além de não contribuir ao deslinde das questões processuais e materiais fundamentais do processo, pode causar indesejado tumulto e atraso na instrução processual.

Acrescento, finalmente, que a teor do artigo 563 do Código de Processo Penal, nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para acusação ou para a defesa, sendo certo que a defesa não demonstrou a necessidade e eficácia da prova pretendida, razões pelas quais rejeito a preliminar arguida.

Do mérito

Superadas as questões prévias, passo ao exame do mérito.

Aqui, observo que a inicial acusatória imputou a Heraldo Peres os ilícitos previstos no artigo 168-A, §1º, inciso I c.c. o artigo 337-A, inciso III, ambos do Código Penal e artigo 1º, inciso I, da Lei  8.137/90, em concurso material (artigo 69 do Código Penal), porque, ao omitir informações em Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social – GFIP, ocasionou a redução do quantum devido às (i) contribuições previdenciárias e (ii) contribuições devidas a terceiros (INCRA, SENAI, SESI, SEBRAE e FNDE).

Neste ponto, tenho que deve ser afastada a incidência do crime do artigo 1º, I da Lei 8.137 de maneira autônoma, já que a conduta delitiva se perfaz pela sonegação de várias espécies tributárias mediante a omissão ou declaração falsa/incompleta ao fisco federal, seja de contribuições sociais devidas a terceiros (artigo 1º, I da Lei 8.137/90), seja de contribuições previdenciárias (artigo 337-A, III do Código Penal).

Quando os vários tributos sonegados são uma consequência da omissão ou informação inverídica prestada pelo agente na Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social - GFIP, não podem ser considerados de forma isolada, como no caso dos autos em relação às contribuições previdenciárias e às devidas pelo empregador a entidades terceiras (FNDE, SESI, SENAI, INCRA e SEBRAE).

Nesta hipótese, a conduta consiste em deixar de prestar declaração ou prestá-la em desacordo com a realidade através de um mesmo meio, atingindo o bem jurídico tutelado, que é a arrecadação tributária.

A diversidade das espécies tributárias não constitui, neste caso, condição suficiente, por si só, para a incidência da regra de concurso de crimes, já que a supressão ou redução de tributos ou contribuição social e qualquer acessório constitui crime de ação múltipla, em que o agente, dentro de um mesmo contexto fático e sucessivo, pratica mais de uma ação típica, respondendo, por conseguinte, por um único crime, dada a incidência, quanto ao particular, do princípio da alternatividade.

Aqui, é de se ressaltar que a omissão de remunerações pagas pela pessoa jurídica em GFIP acarreta a supressão de contribuições previdenciárias e de contribuições sociais destinadas a terceiros, dada a coincidência de base de cálculo das exações e que, diante do princípio da especialidade e do dolo do agente em sonegar tributos, independentemente da espécie, deve o réu responder pelo crime único tipificado no artigo 337-A, inciso III, do Código Penal.

Assim, de ofício, reconheço a existência do crime único (artigo 337-A, inciso III do Código Penal) entre os delitos previstos nos artigos 337-A, inciso III do Código Penal e artigo 1º, inciso I da Lei 8.137/90.

Feitas essas observações, tenho que, ao contrário do alegado pela defesa, a materialidade dos delitos do artigo 168-A, §1º, inciso I e do artigo 337-A, inciso III, ambos do Código Penal, encontra-se comprovada por meio dos seguintes elementos de convicção principais:

a) Processo Administrativo Fiscal nº 10865.003616/2010-04, que noticia a formalização dos Autos de Infração nº 37.218.986-5, 37.218.987-3 e 37.218.988-1, com crédito tributário constituído no importe total de R$ 202.720,55 (duzentos e dois mil, setecentos e vinte reais e cinquenta e cinco centavos) devido pela empresa Clínica de Repouso Santa Fé LTDA – EPP (id. 140302156 e id. 140302233);

b) Termo de Encerramento do Procedimento Fiscal que apurou o crédito tributário atualizado até novembro/2010 (id. 140302156 – fl. 19);

c) Termo de Descrição dos Fatos (ação fiscal) elaborado por auditor-fiscal da Receita Federal (id. 140302156 – fls. 06/10);

d) Auto de Infração nº 37.218.987-3 (contribuições dos segurados empregados, temporários, avulsos e contribuintes individuais não recolhidas nas competências de 02/2008 a 12/2008, 01/2009 a 12/2009 e 01/2010) no valor original de R$ 21.829,51 (vinte e um mil, oitocentos e vinte e nove reais e cinquenta e um centavos), descontados juros e multa (id. 140302156 – fls. 20/39);

e) Auto de Infração nº 37.218.986-5 (contribuições da empresa sobre remuneração de empregados, pagas a cooperados e a contribuintes individuais sobre valores não declarados nas competências de 02/2008 a 12/2008 e 01/2009 a 01/2010) no valor original de R$75.668,27 (setenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e oito reais e vinte e sete centavos), descontados juros e multa (id. 140302156 – fls. 55/86);

f) Auto de Infração nº 37.218.988-1 (contribuições devidas a terceiros – FNDE, INCRA, SENAC, SESC e SEBRAE nas competências 11/2009, 12/2009 e 01/2010) no valor original de R$ 11.813,26 (onze mil, oitocentos e treze reais e vinte e seis centavos), descontados juros e multa (id. 140302317 – fls. 66/75); e,

g) Ofício DRF/SECAT nº 461/2011 e Ofício DRF/SECAT nº 350/2013, que indicam a constituição definitiva dos débitos dos AIs nºs 37.218.986-5, 37.218.987-3 e 37.218.988-1 em 17.12.2010, com inscrição em dívida ativa em 04.04.2011, os quais não foram objeto de parcelamento (id. 140301505 – fls. 22 e id. 140302317 – fls. 63).

Na mesma linha, demonstrada a autoria delitiva a partir dos depoimentos colhidos durante a fase pré-processual e sob contraditório.

Em solo policial, Antonio José de Almeida Serra narrou que Heraldo Peres desempenha a função de diretor administrativo da empresa Clínica de Repouso Santa Fé LTDA – EPP há cerca de cinquenta anos e a ele cabia ordenar as despesas da pessoa jurídica. Esclareceu que os valores descritos não foram recolhidos em razão de dificuldades financeiras da empresa (id. 140302317 – fls. 51).

Sob contraditório, Antonio José de Almeida Serra declarou que os fatos descritos na denúncia aconteceram em parte, já que o SUS deixou de pagar a empresa, o que acarretou a falta de dinheiro. Afirmou que deixaram de recolher os tributos para efetuar o pagamento de funcionários e que acredita que as dificuldades financeiras da clínica tenham se iniciado em 2002. Esclareceu que a decisão sobre o que pagar era tomada em conjunto pelos sócios, no caso, ele e Heraldo Peres (id. 153049652).

Em interrogatório durante o inquérito policial, Heraldo Peres afirmou que é diretor administrativo e exerce a função desde 1960. Asseverou que administra a empresa Clínica de Repouso Santa Fé LTDA – EPP juntamente com Antonio José de Almeida Serra e a ambos cabia a função de ordenador de despesas, inclusive no período de fevereiro de 2008 a janeiro de 2010. Acrescentou que a empresa passou por grave crise financeira, quadro que perdura desde 1994 e que os débitos em discussão não foram quitados (id. 140302317 – fls. 31).

Em juízo, Heraldo Peres afirmou que era sócio-proprietário da empresa Clínica de Repouso Santa Fé LTDA – EPP e a administra desde sua fundação. Esclareceu que os fatos descritos na denúncia aconteceram, porque a clínica teve que optar pelo pagamento de funcionários e fornecedores. Afirmou que a pessoa jurídica enfrentou greve de funcionários e que buscou vender uma propriedade a fim de resolver a situação. Apontou que as decisões administrativas e financeiras ficavam a cargo dele e de Antonio José de Almeida Serra (id. 153049651).

Destaco que para se auferir a autoria dos crimes de sonegação de contribuição previdenciária e apropriação indébita previdenciária é necessário verificar quem, de fato, detinha poderes de administração na sociedade. Se o réu administrava a sociedade e detinha poderes de decisão, fica comprovada a autoria, mesmo que exista uma outra pessoa responsável pela área contábil.

No particular, conforme se extrai de seu próprio interrogatório judicial (id. 153049651) e do contrato social da sociedade empresarial (id. 140302156 – fls. 180/189), é certo que Heraldo Peres, como sócio administrador, exercia efetivamente a gerência e a administração da empresa Clínica de Repouso Santa Fé LTDA – EPP à época dos fatos.

Ainda, a despeito da irresignação defensiva, o dolo dos delitos é inconteste.

Quanto ao elemento subjetivo do tipo penal de apropriação indébita previdenciária, a jurisprudência dos Tribunais Superiores já se firmou no sentido de que é suficiente a presença do dolo genérico.

Destarte, prescindível é a demonstração do dolo específico como elemento essencial do tipo inscrito no artigo 168-A do Código Penal, ou seja, para a configuração do delito, basta que o agente tenha descontado dos salários dos trabalhadores os valores que estes estão obrigados a contribuir para a previdência social e deixado de repassá-los à autarquia na época própria.

Igualmente não se faz necessária a comprovação do ânimo de apropriação, ou seja, da intenção de ter a coisa para si (animus rem sibi habendi).

Aqui, a absolvição lastreada por ausência de dolo não é sustentável, tornando-se inviável a alegação da defesa de que o réu não tinha a disposição em contribuir para que a inadimplência ocorresse.

De igual forma, para a caracterização do tipo descrito no artigo 337-A, III do Código Penal é dispensável o dolo específico, bastando para a sua configuração o dolo genérico consistente na inexatidão, omissão ou prestação falsa de informações ao fisco com a finalidade de suprimir ou reduzir contribuição social e qualquer acessório.

Também não se faz necessária a comprovação do ânimo de apropriação, ou seja, da intenção de ter a coisa para si (animus rem sibi habendi), de modo que é suficiente a existência do dolo genérico de deixar de prestar informação ao fisco ou omitir operação de qualquer natureza, como se faz presente no caso dos autos.

Ainda, a defesa recorre pela absolvição do réu, ao argumento de que Heraldo Peres agiu sob excludente de ilicitude consistente em estado de necessidade, uma vez que praticou as condutas a ele imputadas em decorrência de grave crise financeira da empresa Clínica de Repouso Santa Fé LTDA – EPP.

Sem razão.

O estado de necessidade constitui causa de exclusão da ilicitude (inciso I do artigo 23 do Código Penal) e está previsto no artigo 24, caput, do referido Estatuto: considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Para a caracterização da causa de justificação, exige-se a presença dos seguintes requisitos: a) existência de perigo atual e inevitável; b) não voluntariedade na geração do perigo; c) inevitabilidade do perigo por outro meio; d) inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado; e) ameaça a direito próprio ou de terceiro; f) finalidade de salvar o bem do perigo e g) ausência de dever legal de enfrentar o perigo.

Se a defesa não se desincumbe de comprovar o preenchimento dos requisitos (artigo 156, caput, do Código de Processo Penal), não se verifica o estado de necessidade, já que meras alegações dissociadas do conjunto probatório não são aptas a demonstrar a ocorrência da causa excludente de ilicitude.

No particular, a defesa não comprovou a existência de um perigo atual que colocasse em conflito dois ou mais interesses legítimos que, pelas circunstâncias, não poderiam ser todos salvos.

Como destacado, um dos requisitos para a configuração do estado de necessidade é a inevitabilidade do perigo, de maneira que a ação lesiva deve ser o único meio para afastar o perigo. Se, nas circunstâncias do perigo, pode o agente utilizar-se de outro modo para evitá-lo, não há estado de necessidade.

No caso dos autos, em momento algum a defesa apresentou elemento concreto de prova que indicasse que a Clínica de Repouso Santa Fé LTDA – EPP enfrentava dificuldade financeira de tal ordem a configurar estado de necessidade.

Aqui, além da boa-fé do agente, exige-se prova robusta, baseada em elementos reais e concretos do estado financeiro precário da pessoa jurídica a ponto de colocar seu administrador acuado entre duas soluções antagônicas e insuperáveis entre si, ou não cumpria suas obrigações tributárias ou as cumpria e, como consequência, ocorreria o encerramento de atividades comerciais da empresa administrada por ele.

Ademais, a crise financeira deve atingir não apenas as atividades empresariais, mas também os interesses de funcionários e de credores, bem como a vida pessoal dos administradores, além de se comprovar que a situação desfavorável não decorreu de inabilidade, imprudência ou temeridade na administração dos negócios e que foi a última e única alternativa da qual se valeu o empresário para evitar a quebra.

Indispensável a demonstração do sacrifício pessoal dos sócios e, no particular, ainda que o réu tenha alegado que vendeu bens pessoais para sanear a situação financeira da empresa, tais alegações não estão acompanhadas de uma prova sequer, de modo que singelas e vagas afirmações não satisfazem o ônus que cabe à defesa, nos termos do artigo 156, do Código de Processo Penal.

Assim, comprovados materialidade, autoria e dolo delitivos, mantenho a condenação de Heraldo Peres pela prática dos crimes do artigo 168-A, §1º, inciso I c.c. o artigo 337-A, inciso III, ambos do Código Penal.

No que diz respeito à dosimetria, o juízo a quo a estabeleceu nos seguintes termos:

Passo à dosimetria da pena (art. 68 do Código Penal), com exclusão do concurso material e aplicação das regras do crime continuado (art. 71 do CP).

Isso porque, em que pese a tipificação das condutas perpetradas pelos réus estarem alojadas em tipos penais dispostos em capítulos distintos no Código Penal e da Lei 8.137/91 eles atingem o mesmo bem jurídico, tem o mesmo sujeito passivo e estrutura muito próximas, de maneira que deixo de aplicar as regras do concurso material (art. 69 do CP).

Desta forma, como as penas previstas para os três delitos são idênticas (reclusão de 2 a 5 anos e multa), aplico apenas uma, aumentando-a em 1/6.

Para o réu Heraldo Peres:

Na primeira fase, tenho que a culpabilidade do réu é normal à espécie. No tocante aos antecedentes, possui apontamento negativo (condenação criminal em 01.07.2015 por crime semelhante aos dos presentes autos, ação 00004341-21.2008.403.6127 - fls. 736 e 741). Não existem elementos que permitam avaliar sua conduta social nem sua personalidade. Os motivos dos crimes, vontade de obter ganho patrimonial em detrimento do recolhimento dos tributos devidos, são normais aos tipos penais em questão, assim como são normais as circunstâncias dos crimes. As consequências dos crimes não exigem reprimenda maior do que a já prevista abstratamente para os tipos penais.

Com base nessas considerações, fixo a pena em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão e multa de 11 (onze) dias multa.

Nas segunda e terceira fases, não incidem circunstâncias atenuantes e deixo de aplicar a agravante decorrente da reincidência (art. 63 do CP), pois tal já foi sopesada na primeira fase, evitando, assim, o bis in idem na exasperação da pena, mas, por conta do crime continuado (art. 71 do CP), aumento as penas em 1/6, tornando-as definitivas em 02 (dois) anos, 06 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 12 (doze) dias multa, por não verificar outras causas de diminuição e nem de aumento da pena.

Arbitro o valor do dia multa no mínimo legal (1/30 avos do salário mínimo), corrigido monetariamente pelos índices oficiais quando do pagamento, desde a data do primeiro fato (fevereiro de 2008).

Estabeleço o regime aberto para cumprimento da pena (art. 33, c do CP).

Com fundamento no art. 44, parágrafos 2º e 3º do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, sendo uma prestação pecuniária, no montante de 05 (cinco) salários mínimos a ser depositado em conta à disposição do juízo (Resolução n. 295 do CJF e Resolução 154 do CNJ) e uma prestação de serviços à comunidade em favor de entidade a ser designada por ocasião do cumprimento da pena.

O Ministério Público Federal pretende o aumento da pena-base de Heraldo Peres em razão das consequências desfavoráveis dos delitos, o reconhecimento da reincidência, a incidência do concurso formal entre os delitos do artigo 337-A, inciso III do Código Penal e do artigo 1º, inciso I da Lei 8.137/90 e, entre estes e o crime do artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal, o reconhecimento do concurso material para, finalmente, incidir a continuidade delitiva sobre cada delito.

A defesa de Heraldo Peres, por sua vez, requer a aplicação da sanção em seu mínimo legal.

Com parcial razão apenas o órgão ministerial.

Aqui, destaco que não há falar em concurso formal entre os crimes do artigo 337-A, inciso III do Código Penal e do artigo 1º, inciso I da Lei 8.137/90, já que, conforme já fundamentado, a hipótese é de incidência de crime único. 

No entanto, assiste razão ao Ministério Público Federal quanto ao reconhecimento do concurso material entre os ilícitos do artigo 337-A, inciso III do Código Penal e do artigo 168-A, §1º, inciso I do Código Penal, entre os quais não cabe incidir a figura da continuidade delitiva nos termos da sentença. 

A continuidade delitiva é prevista no artigo 71 do Código Penal e decorre do texto legal que, para a sua configuração, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: a) pluralidade de ações ou omissões; b) prática de dois ou mais crimes da mesma espécie e c) relação de continuidade demonstrada pela semelhança entre as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras análogas. 

Por sua vez, o concurso material, que estabelece o sistema do cúmulo material, vem descrito no artigo 69 do Código Penal e tem lugar quando: a) houve mais de uma conduta; b) com incidência em dois ou mais delitos; c) os quais podem ou não ser idênticos. 

Aqui, não é possível a aplicação do instituto da continuidade delitiva entre os crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, os quais, embora sejam do mesmo gênero, são espécies delitivas diversas. 

De fato, o artigo 168-A do Código Penal pune o agente que deixa de: a) de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional (caput); b) recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público (§1º, inciso I); c) recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços (§1º, inciso II) e d) pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social (§1º, inciso III). 

Por sua vez, o artigo 337-A do Código Penal criminaliza a ação de suprimir ou reduzir contribuição previdenciária e qualquer acessório, mediante as condutas de: a) omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços (inciso I); b) deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços (inciso II) e c) omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias (inciso III). 

A despeito de certa similitude entre os tipos penais, a proximidade entre os elementos constitutivos de cada figura delitiva não satisfaz a caracterização de “crimes da mesma espécie”. 

Isto porque são delitos da mesma espécie somente os que estiverem previstos no mesmo tipo penal, o que não é o caso dos autos. 

Para além do fundamento de ordem topográfica, entendo que as infrações penais em exame são executadas de modo diverso e de forma autônoma. Enquanto o crime do artigo 168-A do Código Penal independe de qualquer fraude precedente, o delito do artigo 337-A do Estatuto Repressivo, em quaisquer de suas modalidades, exige o elemento fraude para sua configuração e independe, por sua vez, de apropriação. 

Ademais, o fato de ambos os delitos tutelarem o mesmo bem jurídico (seguridade social ou arrecadação das contribuições de caráter previdenciário), bem como a circunstância relativa à identidade de penas não ensejam a possibilidade de um ânimo de continuidade delitiva entre as condutas. 

No caso, o réu deixou de declarar em GFIP as efetivas remunerações de seus segurados empregados, contribuintes individuais e cooperados, com o intuito de suprimir o pagamento de contribuições previdenciárias e sociais e, além disso, se apropriou dos valores das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, condutas absolutamente distintas. 

Dessa forma, não preenchidos todos os requisitos do artigo 71 do Código Penal e considerando que Heraldo Peres, mediante mais de uma ação, praticou dois crimes em circunstâncias próprias e particulares, adequada a aplicação do concurso material entre os crimes previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal, com a soma das penas. 

Assim, passo a rever a pena de Heraldo Peres aplicada na sentença e a dosar nova sanção, considerando a condenação nesta instância pelos crimes dos artigos 168-A e 337-A do Código Penal em cúmulo material.

Crime do artigo 168-A, §1º do Código Penal

Na primeira fase da dosimetria, o artigo 59, do Código Penal estabelece as circunstâncias judiciais que devem ser consideradas na fixação da pena-base: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.

No particular, a culpabilidade, motivação e circunstâncias do delito são normais à espécie delitiva e dos autos não se extraem elementos que justifiquem avaliar de modo desfavorável a personalidade e o comportamento social do réu e, finalmente, o comportamento da vítima é circunstância neutra neste caso.

O réu ostenta condenação com trânsito em julgado pela prática dos crimes dos artigos 168-A, §1º, I e 337-A, I, ambos do Código Penal (processo nº 0004341-21.2008.4.03.6127, id. 140302167 – fl. 137), o que justifica o incremento da reprimenda a título de maus antecedentes.

Por outro lado, ao contrário do que pretende o Ministério Público Federal, as consequências do crime não demandam exasperação da pena, já que o valor das contribuições não recolhidas, descontados juros e multa, é de R$ 21.829,51 (vinte e um mil, oitocentos e vinte e nove reais e cinquenta e um centavos), quantia que, segundo os parâmetros dessa Turma julgadora, não denota maior gravidade do dano causado.

Dessa forma, preservo a pena-base em 2 (dois) anos e 2 (meses) de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria, não foram reconhecidas atenuantes ou agravantes, ponto em que o Ministério Público Federal almeja reforma, a fim de que seja aplicada a agravante da reincidência (artigo 61, I, do Código Penal).

 Entretanto, a pretensão ministerial encontra óbice na Súmula 241 do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que o registro criminal apontado (processo nº 0004341-21.2008.4.03.6127) já foi considerado para exasperar a pena-base do réu, de maneira que sua utilização nesta fase da dosimetria representaria vedado bis in idem.

Ainda, é o caso de se reconhecer a atenuante da confissão (artigo 65, III, “d”, do Código Penal), de ofício, já que o réu assumiu integralmente a prática dos crimes imputados.

A atenuação da pena pelo reconhecimento de confissão é direito do acusado que admite a autoria da prática delitiva, ainda que não assuma a culpa pelos seus atos ou alegue circunstância que o isente de pena ou a reduza (a chamada “confissão qualificada”), entendimento consentâneo com a Súmula 545 do Superior Tribunal de Justiça. 

Assim, reduzo a pena em 1/6 (um sexto), mas preservo a sanção no mínimo legal, nos termos da Súmula 231 da mencionada Corte Superior, de aplicação consolidada nesta Turma julgadora, pelo que conservo as penas intermediárias em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Na terceira fase da dosimetria, o magistrado a quo aplicou o aumento previsto no artigo 71 do Código Penal na fração de 1/6 (um sexto), acréscimo que mantenho, porque se mostra razoável e proporcional ao tempo que perdurou a prática delitiva.

Dessa forma, a pena definitiva fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos ante a inexistência de elementos quanto à situação financeira do réu.

Crime do artigo 337-A do Código Penal

Na primeira fase da dosimetria, o artigo 59, do Código Penal estabelece as circunstâncias judiciais que devem ser consideradas na fixação da pena-base: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.

Anoto que o valor das contribuições sonegadas pelo réu (R$87.481,53 – oitenta e sete mil, quatrocentos e oitenta e um reais e cinquenta e três centavos, descontados juros e multa) não demonstra dano ao bem jurídico superior à sanção já cominada pelo tipo penal, pelo que entendo não ser o caso de exasperar a pena-base a título de consequências.

Da mesma forma, as circunstâncias, a culpabilidade e a motivação do crime não destoam das características ínsitas ao tipo penal, de modo que não ensejam o agravamento da pena-base, ao passo que o comportamento da vítima é circunstância neutra nesta espécie delitiva.

Ademais, não foram colhidos elementos suficientes a valorar de maneira negativa a personalidade e a conduta social do réu.

No entanto, Heraldo Peres ostenta maus antecedentes, uma vez que já foi condenado por sentença transitada em julgado pela prática dos crimes dos artigos 168-A, §1º, I, e 337-A, I, ambos do Código Penal (id. 140302167 – fls. 137).

Portanto, adequado o incremento da pena-base, que fixo em 2 (dois) anos e 2 (meses) de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria, da fixação da pena, embora o réu ostente condenação criminal já transitada em julgado, deixo de reconhecer a agravante da reincidência (artigo 61, I, do Código Penal), uma vez que este fator já foi valorado a título de maus antecedentes.

Ainda, é o caso de aplicar a atenuante da confissão (artigo 65, III, “d”, do Código Penal), porque o réu assumiu integralmente a prática dos crimes imputados e faz jus à diminuição da pena, nos termos da Súmula 545 do Superior Tribunal de Justiça. 

Assim, reduzo a pena em 1/6 (um sexto), o que não permite a fixação da sanção em patamar inferior ao mínimo legal, nos termos da Súmula 231 da mencionada Corte Superior, de aplicação consolidada nesta Turma julgadora, razão pela qual a pena intermediária fica estabelecida em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Na terceira fase da dosimetria, incide a figura do crime continuado (artigo 71 do Código Penal), o que justifica a exasperação da pena na fração de 1/6 (um sexto), diante do tempo que perdurou a prática delitiva.

Dessa forma, a pena definitiva fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos ante a inexistência de elementos quanto à situação financeira do réu.

Porque os crimes (artigo 168-A, §1º, inciso I, c.c. o artigo 337-A, inciso III, ambos do Código Penal) foram cometidos em concurso material (artigo 69 do Código Penal), promovo o somatório das penas, que alcançam, assim, 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e pagamento de 22 (vinte e dois) dias-multa.

Para a fixação do regime prisional, devem ser observados os seguintes fatores: modalidade de pena de privativa de liberdade, ou seja, reclusão ou detenção (art. 33, caput, CP); quantidade de pena aplicada (art. 33, §2º, alíneas “a”, “b” e “c”, CP); caracterização ou não da reincidência (art. 33, §2º, alíneas “b” e “c”, CP) e circunstâncias do artigo 59 do Código Penal (art. 33, §3º, do CP).

Aqui, observo que uma circunstância judicial subjetiva (antecedentes) foi valorada em desfavor do réu, fator que, aliado à pena concretamente aplicada (4 anos e 8 meses de reclusão) autoriza a fixação do regime inicial semiaberto, nos termos do artigo 33, §2º, b, do Código Penal.

Incabível, finalmente, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, tendo em vista a quantidade de pena ora aplicada, nos termos do inciso I do artigo 44 do Código Penal.

Mantida, no mais, a r. sentença condenatória.

Ante o exposto, declaro extinta a punibilidade em face do réu Antônio José de Almeida Serra, com fundamento no artigo 107, inciso I do Código Penal, rejeito as preliminares de cerceamento de defesa e prescrição arguidas pela defesa e nego provimento ao apelo da defesa de Heraldo Peres, dou parcial provimento ao recurso da acusação para reconhecer o concurso material entre os delitos previstos nos artigos 168-A, §1º, inciso I e 337-A, inciso III, ambos do Código Penal e, de ofício, reconheço a existência de crime único entre os delitos previstos nos artigos 337-A, inciso III do Código Penal e artigo 1º, inciso I da Lei nº 8.137/90, bem como reconheço a atenuante da confissão espontânea em benefício de Heraldo Peres, fixando-lhe a pena privativa de liberdade em 4 (quatro) anos, 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto e 22 (vinte e dois) dias-multa, mantido o valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

É o voto.


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000061-94.2014.4.03.6127

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, HERALDO PERES, ANTONIO JOSE DE ALMEIDA SERRA

Advogado do(a) APELANTE: SERGIO ANTONIO DALRI - SP98388-N
Advogado do(a) APELANTE: SERGIO ANTONIO DALRI - SP98388-N

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, HERALDO PERES, ANTONIO JOSE DE ALMEIDA SERRA

Advogado do(a) APELADO: SERGIO ANTONIO DALRI - SP98388-N
Advogado do(a) APELADO: SERGIO ANTONIO DALRI - SP98388-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

O Ministério Público Federal denunciou Heraldo Peres e Antônio José de Almeida Serra como incursos nas sanções do artigo 168-A, parágrafo §1º, inciso I, e do artigo 337-A, inciso III, todos do Código Penal, bem como do artigo 1º, inciso I, da Lei n.° 8.137/90, combinados com os artigos 29 e 71 do referido Codex, em concurso material de crimes (artigo 69 do Código Penal).
 

É o teor da denúncia (fls. 359/363):

"Consta dos autos que os denunciados deixaram de recolher, no prazo legal, contribuições destinadas à previdência social, descontadas de pagamentos efetuados a segurados empregados e contribuintes individuais, suprimiram contribuições sociais previdenciárias ao omitirem seus respectivos fatos geradores e suprimiram tributo (contribuições sociais não previdenciárias) ao omitirem informações às autoridades fazendárias.

De acordo com o Procedimento Administrativo Fiscal n.° 10865.003616/2010-04, da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Limeira, os responsáveis pela administração da pessoa jurídica "CLÍNICA DE REPOUSO SANTA FÉ LTDA. - EPP", estabelecida na Rua Hildebrando José Rossi, n.° 79, Bairro Santa Fé, em Itapira (SP), deixaram de recolher, no prazo legal, as contribuições previdenciárias descontadas das remunerações pagas a segurados empregados e contribuintes individuais que prestaram serviços ao nosocômio, bem como das remunerações dos sócios a título de pro labore, referentes às competências de fevereiro de 2008 a janeiro de 2010, tudo conforme relatado nas fls. 1 a 5 e 35 a 49 do Apenso 1, Volume 1.

As remunerações pagas estão descritas individualmente nas folhas de pagamento acostadas às fls. 206 a 251 do Apenso 1, Volume II (segurados empregados) e 268 a 297 do mesmo volume (contribuintes individuais prestadores de serviços), assim como na cópia do Livro Diário acostada -fls.- a 199 do Apenso 1, Volume 1, e 202 a 205 do mesmo Apenso, VoIume II (contribuintes individuais prestadores de serviços e pro labore dos sócios), estando as mesmas informações sintetizadas nas planilhas de fls. 107-113 e 114-157 (segurados empregados), 158-160, 161-162 e 162-163 (contribuintes individuais e pra labore dos sócios), todas do Apenso 1, Volume 1. Tais fatos acarretaram a lavratura do Auto de Infração AI n.° 37.218.987-3, no valor de R$ 40.258,78 (quarenta mil, duzentos e cinquenta e 40 oito reais e setenta e oito centavos) - fl. 15 do Apenso 1, Volume 1.

Além disso, o mesmo Procedimento Administrativo Fiscal apurou que os aludidos responsáveis, ao omitirem das GFlPs (Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social) remunerações pagas de fevereiro de 2008 a janeiro de 2010, suprimiram contribuições sociais previdenciárias devidas pela pessoa jurídica, incidentes sobre os pagamentos efetuados a segurados empregados e a prestadores de serviços contribuintes individuais, os quais integravam o salário de contribuição, bem como contribuições previdenciárias incidentes sobre pagamentos efetuados a prestadora de serviços cooperados ("Unimed Regional da Baixa Mogiana - Cooperativa de Trabalho Médico") e também as incidentes sobre a remuneração dos sócios a título de pro labore, tudo consoante narrado nas fls. 1 a 82-106 do Apenso 1, Volume 1. As remunerações pagas estão descritas individualmente nas folhas de pagamento acostadas às fls. 206-251 do Apenso 1, Volume II (segurados empregados) e 268-297 do mesmo volume (contribuintes individuais prestadores de serviços), assim como nos boletos de fls. 336-373 do mesmo caderno (pagamentos à "Unimed 'Regional da Baixa Mogiana") e na cópia do Livro Diário acostada às fis. 189-199 do Apenso 1, Volume 1, e 202-205 do mesmo apenso, Volume II (contribuintes individuais prestadores de serviços e pro labore dos sócios), estando as mesmas informações sintetizadas na planilha de fls. 166-174 do Apenso 1, Volume 1. Verifica-se, inclusive, que não foram apresentadas GFIPs para todo o período, enquanto as poucas guias entregues foram omissas (fls. 253-267 e 298-318 do Apenso 1, Volume II). Esses fatos levaram à expedição do AI n.° 37.218.986-5, no montante de R$ 140.844,64 (cento e quarenta mil, oitocentos e quarenta e quatro reais e sessenta e quatro centavos) - fl. 50 do Apenso 1, Volume 1.

Outrossim, a fiscalização concluiu que os mesmos administradores suprimiram contribuições sociais destinadas ao custeio das chamadas "terceiras entidades" - o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), o Serviço Social do Comércio (SESC) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) - também como consequência de terem omitido das GFIPs as remunerações pagas aos segurados empregados no período de novembro de 2009 a janeiro de 2010, tudo conforme relatado nas fls.. 334-342 dos autos principais. Consoante já expendido, as aludidas remunerações estão individualizadas nas folhas de pagamento acostadas às fls. 206-251 do Apenso 1, Volume II. Reitere-se, outrossim, que não foram entregues GFIPs para todo o período, enquanto as poucas guias apresentadas foram omissas (fls. 253-267 e 298-318 do Apenso 1, Volume II). Tais fatos ensejaram a lavratura do AI n.° 37.218.988-1, no valor de R$ 21.617,31 (vinte e um mil, seiscentos e dezessete reais e trinta e um centavos) - fl. 324 dos autos principais.

A materialidade delitiva está comprovada autos de infração e pelos documentos que os embasaram. Ademais, os créditos tributários apurados foram todos definitivamente constituídos na seara administrativa em 17 de dezembro de 2010 (fls. 15 e 321 dos autos principais), razão pela qual inexiste óbice à propositura da ação penal.

De outro giro, há indícios suficientes de autoria delitiva. Embora Antônio José de Almeida Serra tenha tentado se esquivar da responsabilidade pelos fatos (fl. 313), Heraldo Peres declarou que "os dois diretores" ordenam as despesas da clínica (fi. 298). A propósito, ambos os denunciados já foram condenados por esse Juízo pela prática de crime tributário, na condição de administradores da mesma pessoa jurídica, na Ação Penal n.° 0004341-21.2008.403.6127.

Diante do exposto, o Ministério Público Federal denuncia HERALDO PERES e ANTÔNIO JOSÉ DE ALMEIDA SERRA como incursos nas sanções do artigo 168-A, parágrafo 1.1, inciso 1, e do artigo 337-A, inciso III, estes do Código Penal, bem como do artigo 1.0, inciso 1, da Lei n.° 8.137/90, combinados com os artigos 29 e 71 do referido Codex, em concurso material de crimes (artigo 69 do Código Penal), requerendo seja esta recebida e determinada a citação dos denunciados para que apresentem resposta escrita, com o regular desenvolvimento do processo até final condenação."

A denúncia foi recebida em 03 fevereiro de 2014 (fl. 366).

Após a instrução probatória, sobreveio sentença, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de São João da Boa Vista/SP, que condenou os réus à pena de 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistindo em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 5 (cinco) salários-mínimos, além do pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, pela prática dos crimes previstos no artigo 168-A, §1º, inciso I, c.c. artigo 337-A, inciso III, CP e artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 c.c. Artigo 71 do CP (fls. 818/823).

Das preliminares

Da extinção da punibilidade em face do réu Antônio José de Almeida Serra, com fundamento no artigo 107, inciso I, do Código Penal.

A defesa de Antônio José de Almeida Serra, informou o falecimento do recorrente, juntando aos autos cópia da certidão de óbito, pugnando, outrossim, pela decretação da extinção da punibilidade em face do réu (Id 175004468).

O óbito foi registrado perante o Serviço de Registro Geral das Pessoas Naturais de Itapira/SP, no livro C-87, à fl. 126, sob o nº 24410, em 11 de agosto de 2021, sob a matrícula nº 11470201552021400087126002441025, selo digital nº 1147022PV00000000297942IN  (Id 175004477).

Sendo assim, declaro extinta a punibilidade do réu Antônio José de Almeida Serra, com fundamento no artigo 107, inciso I, do Código Penal.

Da prescrição da pretensão punitiva

Segundo entendimento das nossas Cortes Superiores e deste Tribunal, os delitos previstos nos artigos 168-A e 337-A ambos do Código Penal, da mesma forma que o artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, consumam-se com o lançamento definitivo do débito.

Sendo assim, nos crimes de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do CP) e sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A do CP) e sonegação fiscal (artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90), por se tratarem de crimes materiais, o termo inicial do prazo prescricional corresponde ao término do processo administrativo fiscal, momento em que restará definitivamente constituído o crédito tributário.

In casu, o crédito tributário foi definitivamente constituído em 17 de dezembro de 2010, conforme Ofício nº 350/2013, da Delegacia da Receita Federal em Limeira/SP (fl. 322), momento em que deve ser iniciada a contagem da prescrição.

A denúncia foi recebida em 03 de fevereiro de 2014 (fl. 366) e a sentença condenatória em face dos réus foi publicada em 29 de agosto de 2017 (fl. 825).

Além disso, durante o transcurso daquele interregno não está noticiada nos autos a ocorrência de nenhuma das causas arroladas nos artigos 116 e 117, ambos do Código Penal, que, respectivamente, impedem e interrompem o fluxo da prescrição da pretensão punitiva.

Destaque-se que a Lei nº 12.234/2010, de 05 de maio de 2010, que revogou o §2.º do artigo 110 do Código Penal, para excluir a prescrição na modalidade retroativa, vedando o seu reconhecimento no período anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa é inaplicável ao caso, uma vez que configurada novação legislativa em prejuízo dos réus, o que fere a vedação constitucional da retroatividade em desfavor do réu (cf. artigo 5.º, inciso XL, da Constituição Federal).

Na hipótese, tendo em vista que não ocorreu o trânsito em julgado da sentença para a acusação, a prescrição regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime.

Desse modo, considerando que a pena máxima abstratamente cominada ao delito é de 5 (cinco) anos e que Heraldo, nascido em 04/06/1930, possuía mais de 70 (setenta) anos na data da sentença (DJU 29 de agosto de 2017), o prazo prescricional é de 6 (seis) anos, conforme artigo 109, inciso III e artigo 115, ambos do Código Penal.

Logo, não se verifica a ocorrência da prescrição, mesmo considerando a redução do prazo pela metade, pelo fato do acusado ser maior de 70 anos na data da sentença (art. 115 do CP) .

Com efeito, não transcorreu prazo superior a 6 (seis) anos entre a data de constituição dos débitos tributários (17 de dezembro de 2010), e o recebimento da denúncia (03 de fevereiro de 2014), nem entre a data do recebimento da denúncia (03 de fevereiro de 2014) e a publicação da sentença (29 de agosto de 2017), nem entre a publicação da sentença (29 de agosto de 2017) e os dias atuais.

Rejeito, pois, a preliminar suscitada pela defesa.

Da nulidade da sentença por cerceamento de defesa

De início, cumpre mencionar que a alegação de cerceamento de defesa pelo indeferimento da realização de perícia contábil já foi objeto da deliberação (fls. 479/480), não tendo ocorrido fato superveniente que justificasse a modificação de tal decisão.

Ademais, na hipótese, a plausibilidade dos argumentos da defesa pressupõe que exista documentação apta a demonstrar as dificuldades financeiras enfrentadas pela pessoa jurídica à época dos fatos, v.g., ações judiciais contra ela ajuizadas; títulos protestados; pedidos de moratória e/ou parcelamento de débitos.

Logo, o meio de prova apto para comprovar a insuficiência financeira da empresa é documental, prescindindo-se de perícia contábil.

Além disso, no âmbito processual penal, vigora o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, em que ao magistrado é permitido formar seu convencimento através da ampla liberdade na valoração das provas dos autos, desde que fundamente as decisões que proferir, expondo os elementos de prova que a embasam, sem que haja violação aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa.

Sendo assim, compete ao magistrado deferir as provas que julgar convenientes e necessárias à formação da sua convicção, indeferindo as provas protelatórias ou impertinentes.

Portanto, não houve cerceamento de defesa diante da ausência de exame pericial contábil, posto que foi concedida aos réus a oportunidade para a juntada de documentos que comprovassem a alegação de impossibilidade de pagamento de tributos em razão de dificuldades financeiras, o que não fizeram em tempo oportuno.

Desse modo, rejeito a preliminar de cerceamento da defesa.

Superadas as preliminares arguidas pela defesa, passo ao exame do mérito.

Do mérito

Da materialidade delitiva

A materialidade dos crimes imputados a Heraldo Peres é incontroversa.

Vejamos.

Conforme o Procedimento Administrativo nº 10865.003616/2010-04, da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Limeira, o acusado, responsável pela administração da pessoa jurídica "CLÍNICA DE REPOUSO SANTA FÉ LTDA. - EPP", juntamente com o réu já falecido, Antônio José de Almeida Serra, suprimiu e reduziu tributos, deixando de recolher contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados, dando causa aos Autos de Infração nº 37.218.986-5, 37.218.987-3 e 37.218.988-1. Os créditos tributários foram definitivamente constituídos em 17/12/2010 (fls. 15 e 312).

No que se refere à materialidade do delito previsto no artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal, o acusado deixou de recolher no prazo legal as contribuições previdenciárias devidas à Previdência Social, descontadas de seus empregados e de contribuintes individuais que prestaram serviço à Clínica, bem como das remunerações dos sócios a título de pro labore, referentes às competências de fevereiro de 2008 a janeiro de 2010, ensejando a lavratura do Auto de Infração nº 37.218.987-3, no valor de R$ 40.258,78 (quarenta mil, duzentos e cinquenta e oito reais e setenta e oito centavos - fls. 1 a 5 e 35 a 49 do Apenso 1, Volume 1.

Com efeito, constata-se  o desconto das contribuições previdenciárias sem o devido recolhimento aos cofres da Previdência Social do estudo das remunerações descritas individualmente nas folhas de pagamento acostadas às fls. 206 a 251 do Apenso 1, Volume II (segurados empregados) e fls. 268 a 297 do mesmo volume (contribuintes individuais prestadores de serviços), assim como na cópia do Livro Diário acostada fls. 199 do Apenso 1, Volume 1, e 202 a 205 do mesmo Apenso 1.

Quanto à materialidade do delito previsto no artigo 337-A, inciso III, do Código Penal, constatou-se que, no mesmo período (fevereiro de 2008 a janeiro de 2010), o acusado suprimiu contribuições sociais previdenciárias incidentes sobre os pagamentos efetuados a segurados empregados e a prestadores de serviços contribuintes individuais, os quais integravam o salário de contribuição, bem como contribuições previdenciárias incidentes sobre pagamentos efetuados à prestadora de serviços cooperados ("Unimed Regional da Baixa Mogiana - Cooperativa de Trabalho Médico") e também as incidentes sobre a remuneração dos sócios a título de pro labore (fls. 1 a 82-106 do Apenso 1, Volume 1).

 Verifica-se, inclusive, que não foram apresentadas GFIPs para todo o período, enquanto as poucas guias entregues foram omissas (fis. 253 a 267 e 298 a 318 do Apenso 1, Volume II). Tais fatos levaram à expedição do AI n.° 37.218.986-5, no montante de R$ 140.844,64 (cento e quarenta mil, oitocentos e quarenta e quatro reais e sessenta e quatro centavos - fl. 50 do Apenso 1, Volume 1).

Por fim, no que se refere ao delito previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, o acusado também suprimiu contribuições sociais destinadas ao custeio das chamadas terceiras entidades por terem omitido nas GFIP's a remuneração paga aos segurados empregados, nas competências de novembro de 2009 a janeiro de 2010, gerando o Auto de Infração nº 37.218.988-1, no valor de R$ 21.617,31 (vinte e um mil, seiscentos e dezesseis reais e trinta e um centavos - fls. 358/362).

Cumpre mencionar que não foram entregues GFIPs para todo o período, enquanto as poucas guias apresentadas foram omissas (fls. 253 a 267 e 298 a 318 do Apenso 1, Volume II). Tais fatos ensejaram a lavratura do AI n.° 37.218.988-1, no valor de R$ 21.617,31 (vinte e um mil, seiscentos e dezessete reais e trinta e um centavos - fl. 324 dos autos principais.

Ante o acima exposto, amplamente comprovada a materialidade delitiva dos delitos previstos nos artigos 168-A, §1º, inciso I do CP; 337-A, inciso III, do CP e artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90.

Da autoria delitiva

A autoria é certa e sequer foi objeto de irresignação por parte da defesa.

Com efeito, Heraldo e Antônio eram os administradores responsáveis pela "Clínica de Repouso Santa Fé - EPP" ao tempo dos fatos.

O réu Heraldo, - diretor administrativo, - declarou que ambos os diretores autorizavam as despesas da clínica e a administravam. Reconheceu, outrossim, os fatos imputados, alegando, no entanto, que a clínica vinha sofrendo sérias dificuldades financeiras (mídia - fl. 721).

Por sua vez, o corréu Antonio, - diretor clínico, - explicou que os cortes do SUS interferiram na falta de recursos e que, periodicamente, eram realizadas reuniões para determinar o que seria pago ou não para "acertar a situação". Informou, outrossim, que sempre participava destes encontros, fazendo parte das decisões a respeito do pagamento dos tributos por parte da empresa (mídia - fl. 721).

Em conclusão, do conjunto probatório amealhado nos autos, em especial, pelo depoimento dos próprios réus, bem como pela documentação referente ao processo administrativo, constatou-se que os acusados  detinham total domínio das decisões sobre o não repasse das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, bem como da omissão de valores na base de cálculo, ocorrida no desempenho da administração da "Clínica de Repouso Santa Fé - Ltda." restando, assim, comprovada a autoria delitiva.

Ante o acima exposto, conclui-se que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade e autoria delitivas.

Do dolo

É irrelevante perquirir sobre a comprovação do elemento subjetivo (dolo), porquanto os delitos de apropriação indébita previdenciária, sonegação de contribuição previdenciária e de sonegação fiscal exigem apenas o dolo genérico consistente na conduta omissiva de suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária ou qualquer acessório.

Desse modo, é desnecessária a comprovação de que os réus não obtiveram "proveito próprio", bastando que a conduta imputada subsoma-se a uma das hipóteses previstas no dispositivo legal.

Neste sentido julgado desta Colenda 5ª Turma, in verbis:

"PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. CONCLUSÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGIBILIDADE. DOLO ESPECÍFICO. PRESCINDIBILIDADE. DIFICULDADES FINANCEIRAS. IMPROCEDÊNCIA. DOSIMETRIA. ATENUANTE. CRIME CONTINUADO. CONCURSO MATERIAL. (...)

4. O delito de apropriação de contribuições previdenciárias não exige animus rem sibi habendi para sua caracterização. O fato sancionado penalmente consiste em deixar de recolher as contribuições, vale dizer, uma omissão ou inação, sendo delito omissivo próprio, que se configura pela abstenção de praticar a conduta exigível. Não exige, portanto, que o agente queira ficar com o dinheiro de que tem a posse para si mesmo, invertendo o ânimo da detenção do numerário. Configura-se o delito com a mera omissão no recolhimento.

5. O elemento subjetivo do art. 337-a do Código Penal, embora crime material, dependendo para a sua consumação, da efetiva ocorrência do resultado, não necessita, para sua caracterização, da presença de dolo específico, ou seja, o dolo exigível, é também o dolo genérico, como ocorre com o delito de apropriação indébita previdenciária prevista no art. 168-a do mesmo diploma legal. O tipo não exige nenhum fim especial, bastando a conduta consistente em "suprimir ou reduzir". Portanto, assim como no delito previsto no art. 168-a , não é necessário o animus rem sibi habendi para sua caracterização.

(...)."(negritei).

(TRF3 - Tribunal Regional Federal da 3ª Região - ACR - Apelação Criminal - 5063 - Proc. nº 0000072-82.2007.4.03.6123, Órgão Julgador: 5ª Turma, Julgamento em 23/09/2013, Des. Fed. André Nekatschalow).

No caso vertente, comprovado que o apelante Heraldo Peres agiu de maneira livre e consciente na realização dos delitos, não há como se falar em responsabilidade objetiva.

Portanto, demonstrado o dolo na conduta de Heraldo Peres, que descontou os valores das contribuições previdenciárias dos empregados e não efetuou o devido recolhimento aos cofres da Previdência Social, bem como omitiu informações em documento previsto pela legislação previdenciária, suprimindo contribuições devidas pela empresa à Previdência Social e contribuições sociais devidas a outras entidades.

Da inexigibilidade de conduta diversa.

Os réus alegam que, enfrentando uma situação financeira difícil, optaram por pagar os salários e as dívidas trabalhistas que tinham com os empregados da clínica em detrimento do pagamento das contribuições sociais ao INSS.

De início, no que se refere aos crimes de sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A, §1º, do Código Penal) e de sonegação fiscal (artigo 1º da Lei nº 8.137/90), incabível a aplicação da excludente de culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, já que os delitos ora tratados cuidam da administração tributária das empresas, e do correto lançamento de sua contabilidade, não havendo, assim, como entender-se que eventual dificuldade financeira possa justificar a errônea anotação contábil da empresa, com o fim de prejudicar a fiscalização tributária. Com efeito, se os réu estivessem passando por dificuldades financeiras deveriam apenas deixar de pagar os tributos devidos e não omitir informações com o fim específico de se furtar ao pagamento deles.

Entrementes, cabe analisar a excludente com relação ao delito previsto no artigo 168-A, §1º do Código Penal.

Vejamos.

A alegação de que a empresa passava por dificuldades financeiras corresponde à tese embasada na suposta impossibilidade do recolhimento dos tributos, que diz respeito à configuração ou não da inexigibilidade de conduta diversa, causa supralegal excludente de culpabilidade.

Como sabido, a inexigibilidade de conduta diversa exclui a culpabilidade nos casos em que o agente não tem condições efetivas de se comportar conforme a lei, de tal modo que sua ação não é considerada reprovável naquela situação concreta.

O reconhecimento da exculpante em referência faz imprescindível a prova inequívoca dos fatos - que hão de ser excepcionais, frise-se - que lhe dão suporte, não se afigurando suficientes, por razões de ordem intuitiva, meras declarações prestadas pelo réu e pelas testemunhas de defesa.

É cediço que, para se acatar a exclusão da culpabilidade no crime em voga - medida excepcional -, necessária se faz a comprovação de que o contribuinte passava por sérias dificuldades financeiras na mesma época em que efetuou o desconto das contribuições previdenciárias não repassadas de seus empregados.

Em contrapartida, não existe nos autos sequer um balanço ou alguma cópia dos livros e notas fiscais, bem como não há comprovação documental acerca da suposta falta de pagamento dos fornecedores, das dívidas em instituições financeiras, não sendo possível, assim, verificar-se sua situação financeira.

Conclui-se, portanto, que os depoimentos das testemunhas não são suficientes para corroborar a alegação de impossibilidade de cumprimento das obrigações tributárias, não tendo sido as eventuais dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa devidamente comprovadas, nos termos do artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal.

Diante desse contexto, conclui-se que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade, a autoria e o dolo, sendo imperiosa a manutenção da condenação do réu Heraldo Peres pelos delitos previstos nos artigos 168-A, §1º, inciso I e 337-A, inciso III, ambos do Código Penal, bem como no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90.

Passo ao exame da dosimetria da pena.

Da dosimetria da pena do réu Heraldo Peres.

Na sentença, o juiz a quo condenou o réu Heraldo Peres à pena de 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistindo em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 5 (cinco) salários-mínimos, além do pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, pela prática dos delitos de sonegação de contribuição social previdenciária (art. 337-A, inc. III do Código Penal - 23 vezes), sonegação fiscal (art. 1º, inc. I, da Lei 8.137/1990 - 23 vezes) e apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, § 1°,  inc. I, do Código Penal - 23 vezes), c.c art. 71 do Código Penal, consideradas as regras do crime continuado, nos seguintes termos:

"Passo à dosimetria da pena (art. 68 do Código Penal), com exclusão do concurso material e aplicação das regras do crime continuado (art. 71 do CP) Isso porque, em que pese a tipificação das condutas perpetradas pelos réus estarem alojadas em tipos penais dispostos em capítulos distintos no Código Penal e da Lei 8.137/91 eles atingem o mesmo bem jurídico, tem o mesmo sujeito passivo e estrutura muito próximas, de maneira que deixo de aplicar as regras do concurso material (art. 69 do CP).

Desta forma, como as penas previstas para os três delitos são idênticas (reclusão de 2 a 5 anos e multa), aplico apenas uma, aumentando-a em 1/6.

Para o réu Heraldo Peres: Na primeira fase, tenho que a culpabilidade do réu é normal à espécie. No tocante aos antecedentes, possui apontamento negativo (condenação criminal em 01.07.2015 por crime semelhante aos dos presentes autos, ação 00004341-21.2008.403.6127 - fls. 736 e 741). Não existem elementos que permitam avaliar sua conduta social nem sua personalidade. Os motivos dos crimes, vontade de obter ganho patrimonial em detrimento do recolhimento dos tributos devidos, são normais aos tipos penais em questão, assim como são normais as circunstâncias dos crimes. As consequências dos crimes não exigem reprimenda maior do que a já prevista abstratamente para os tipos penais. Com base nessas considerações, fixo a pena em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão e multa de 11 (onze) dias multa. Nas segunda e terceira fases, não incidem circunstâncias atenuantes e deixo de aplicar a agravante decorrente da reincidência (art. 63 do CP), pois tal já foi sopesada na primeira fase, evitando, assim, o bis in idem na exasperação da pena, mas, por conta do crime continuado (art. 71 do CP), aumento as penas em 1/6, tornando-as definitivas em 02 (dois) anos, 06 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 12 (doze) dias multa, por não verificar outras causas de diminuição e nem de aumento da pena. Arbitro o valor do dia multa no mínimo legal (1/30 avos do salário mínimo), corrigido monetariamente pelos índices oficiais quando do pagamento, desde a data do primeiro fato (fevereiro de 2008). Estabeleço o regime aberto para cumprimento da pena (art. 33, 'c' do CP). Com fundamento no art. 44, parágrafos 2° e 3° do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, sendo uma prestação pecuniária, no montante de 05 (cinco) salários mínimos a ser depositado em conta à disposição do juízo (Resolução n. 295 do CJF e Resolução 154 do CNJ) e uma prestação de serviços à comunidade em favor de entidade a ser designada por ocasião do cumprimento da pena.

(...)

Isso posto, julgo procedente a ação penal e, pela prática dos crimes previstos nos artigos 168-A, § 1°, 1 e 337-A, III do Código Penal e artigo 1°, 1 da Lei n. 8.137/91, combinados com o artigo 71 do Código Penal, condeno:

1- Heraldo Peres a cumprir, em regime aberto, a pena de 02 (dois) anos, 06 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagar 12 (doze) dias multa, no valor unitário de um trinta avos do salário mínimo, vigente na data do primeiro fato (fevereiro de 2008), atualizado até o efetivo pagamento. Substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, sendo a primeira prestação pecuniária, no montante de 05 (cinco) salários mínimos a ser depositado em conta à disposição do juízo (Resolução n. 295 do CJF e Resolução 154 do CNJ) , e a segunda de prestação de serviços à comunidade a ser definida pelo Juízo da Execução.

II- Antonio José de Almeida Serra a cumprir, em regime aberto, a pena de 02 (dois) anos, 06 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagar 12 (doze) dias multa, no valor unitário de um trinta avos do salário mínimo, vigente na data do primeiro fato (fevereiro de 2008), atualizado até o efetivo pagamento. Substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, sendo a primeira prestação pecuniária, no montante de 05 (cinco) salários mínimos a ser depositado em conta à disposição do juízo (Resolução n. 295 do CJF e Resolução 154 do CNJ), e a segunda de prestação de serviços à comunidade a )ser definida pelo Juízo da Execução."

O apelo do Ministério Público Federal cinge-se à reforma da dosimetria, pleiteando o aumento da pena-base e o reconhecimento da agravante da reincidência. Sustenta que a causa de aumento de pena referente à continuidade delitiva não se aplica entre os crimes de apropriação indébita previdenciária, de sonegação e contra a ordem tributária, e sim a cada um deles. Além disso, pugna pelo reconhecimento do concurso formal entre os delitos do artigo 337-A, inciso III, do Código Penal e artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 e, ainda, entre eles e o tipo penal do artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal, a aplicação do concurso material e, após essa etapa, a aplicação do aumento de pena decorrente da continuidade delitiva (fl. 828 e fls. 875/879).

De outro lado, a defesa pugnou pela redução da pena para aplicá-la no mínimo previsto em lei (fls. 832/867).

Vejamos.

De início, revejo meu posicionamento anterior, afastando, de ofício, a condenação do réu pelo crime do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, considerando a conduta como crime único que se subsome ao delito do artigo 337-A, inciso III, do Código Penal, uma vez que a perpetração de uma única conduta fraudulenta, ainda que reduza o encargo fiscal de espécies tributárias distintas, não enseja a pluralidade de crimes.

In casu, de acordo com o teor da Representação Fiscal para Fins Penais, os réus, na direção da empresa, deixaram de informar em GFIP's, quase a totalidade dos salários pagos a seus empregados. Ademais, ao deixar de apresentar GFIP's com as informações necessárias, os réus suprimiram também as contribuições do Sistema "S", relativo às contribuições arrecadadas pelo INSS e destinadas a terceiros (Salário Educação; INCRA; SENAI; SESI e SEBRAE), no período compreendido entre novembro de 2009 a janeiro de 2010.

Todavia, tais condutas são consequência da informação inverídica prestada pelo agente por meio da GFIP e não podem ser consideradas de forma isolada. Desse modo, a diversidade das espécies tributárias não constitui condição suficiente, por si só, para a incidência da regra de concurso de crimes.

Logo, reconhece-se a existência de crime único (artigo 337-A, inciso III, do Código Penal) entre as condutas perpetradas pelos acusados com relação à supressão ou redução das contribuições previdenciárias e à das contribuições sociais referentes a outras entidades e fundos.

Ademais, mantida a condenação do réu Heraldo Peres nos delitos de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do CP) e sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A, inciso III, do CP) é possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre os delitos.

Acerca do tema, acolho entendimento jurisprudencial no sentido de que os crimes de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do CP), sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A do CP) e sonegação fiscal (artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90) são delitos da mesma espécie, que violam os mesmos bens jurídicos, ensejando, assim, a aplicação do instituto da continuidade delitiva.

A figura criada no artigo 71 do Código penal é uma medida de política criminal em benefício do réu, segundo a qual lei considera como um único crime diversas condutas típicas.

Desse modo, o agente mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie que, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução são considerados como continuação do primeiro, aplicando-se a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços).

Contudo, ressalve-se que pende controvérsia a respeito do que se considera como "crimes de mesma espécie". A propósito, o Código Penal, não dispôs sobre a expressão para o reconhecimento da continuidade delitiva.

Segundo Guilherme de Souza Nucci, em sua obra "Código Penal Comentado", 15ª Edição, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2015, dois posicionamentos consolidados existem na doutrina acerca do tema:

"(...)

a) são delitos da mesma espécie os que estiverem previstos no mesmo tipo penal. Nesse prisma, tanto faz sejam figuras simples ou qualificadas, dolosas ou culposas, tentadas ou consumadas. Assim: Hungria, Frederico Marques - com a ressalva de que não precisam estar no mesmo artigo (ex: furto e furto de coisa comum, arts. 155 e 156, CP) -, Damásio, Jair Leonardo Lopes - embora admita, excepcionalmente, casos não previstos no mesmo tipo penal.

(...)

b) são crimes da mesma espécie os que protegem o mesmo bem jurídico, embora previstos em tipos diferentes. É a lição de Basileu, Fragoso, Delmanto, Paulo José da Costa Jr., Walter Vieira do Nascimento. Assim, seriam delitos da mesma espécie o roubo e o furto, pois ambos protegem o patrimônio.

(...)".

Filio-me ao entendimento de que crimes de mesma espécie são aqueles que tenham elementos objetivos e subjetivos semelhantes, os quais não estão necessariamente descritos no mesmo tipo penal, mas buscam a tutela do mesmo bem jurídico.

Na hipótese, observa-se que os delitos se assemelham em relação aos elementos subjetivos e objetivos, de forma que é possível o reconhecimento da continuidade delitiva.

A respeito do tema há posicionamento na doutrina:

"É possível o reconhecimento do crime continuado em razão da prática dos crimes tipificados nos artigo s 168-a , § 1º, inciso I, e 337-a , inciso III, ambos do Código Penal, pois embora sejam tipos penais distintos, possuem características próprias, tutelam o mesmo bem jurídico (arrecadação previdenciária)".

(HIROSE, Tadaaqui e JUNIOR, José Paulo Baltazar. Curso Modular de Direito Penal. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010).

Igualmente, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça já decidiu a questão no mesmo sentido:

RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ARTS. 71, 168-A E 337-A, III, DO CP. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA. EMPRESAS PERTENCENTES AO MESMO GRUPO EMPRESARIAL. CONTINUIDADE DELITIVA. POSSIBILIDADE. INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS EM CURSO NÃO CONFIGURAM PERSONALIDADE NEGATIVA DO AGENTE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF.

1. Para o reconhecimento da continuidade delitiva, é necessária a prática sucessiva de ações criminosas de semelhante espécie que guardem, entre si, vínculos em relação ao tempo, ao lugar e à forma de execução, de modo a revelar homogeneidade de condutas típicas, evidenciando serem as últimas ações desdobramentos da primeira (art. 71 do CP).

2. No caso, o réu responde por delitos descritos nos arts. 168-A e 337-A, ambos do Código Penal - em continuidade delitiva -, nas Apelações Criminais n. 2004.71.038480-8, 2003.71.00.042734-7 e 2004.71.00.021296-7.

3. Em função da melhor hermenêutica, os crimes descritos nos arts. 168-A e 337-A, apesar de constarem em títulos diferentes no Código Penal e serem, por isso, topograficamente díspares, refletem delitos que guardam estreita relação entre si, portanto cabível o instituto da continuidade delitiva (art. 71 do CP).

4. O agente cometeu delitos análogos, descritos nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, na administração de empresas diversas, mas de idêntico grupo empresarial, durante semelhante período, no mesmo espaço geográfico (cidade de Porto Alegre/RS) e mediante similar maneira de execução, portanto tem lugar a ficção jurídica do crime continuado (art. 71 do CP).

5. Precedentes deste Tribunal e do Supremo Tribunal Federal.

6. O acórdão regional firmou-se em sentido contrário à jurisprudência deste Tribunal ao considerar os inquéritos e as ações penais em andamento como aspectos desfavoráveis à personalidade do réu.

7. Recurso especial improvido. De ofício, habeas corpus concedido para afastar a majoração da pena-base em razão do juízo negativo sobre a circunstância da personalidade do recorrido. (REsp 1212911/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6 T., DJe 09.04.2012). (Grifado).

No mesmo sentido, o entendimento acolhido pela jurisprudência pátria. Confira-se:

PROCESSO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (ART. 168- A DO CP). SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (ART. 337-A DO CP). SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL (ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90). AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. MANUTENÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA. CRIMES DA MESMA ESPÉCIE. APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. NÃO PROVIMENTO DOS RECURSOS DE APELAÇÃO. 1. Recursos interpostos pelo Ministério Público Federal e pelo acusado contra sentença que julgou parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo Parquet, para condenar o réu pela prática dos crimes tipificados nos art. 337-a , I (sonegação de contribuição previdenciária), e art. 168-a (Apropriação indébita previdenciária), ambos do Código Penal, além do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 (crime contra a ordem tributária) - todos em continuidade delitiva (art. 71 do CP). 2. Na sentença recorrida reconheceu-se que estavam devidamente comprovadas a autoria e materialidade dos crimes imputados, mas não seria o caso de se aplicar a regra do concurso material, vez que todas as condutas praticadas cuidam de sonegação de tributos, único fim do agente, razão pela qual aplicou a regra do crime continuado. A pena definitiva foi fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto (art. 33, § 2º, "b", do CP), acrescida de multa de 6 (seis) salários mínimos, realizando-se a substituição da pena privativa de liberdade por 02 (duas) penas restritivas de direito: a) prestação de serviço a entidade pública; e b) prestação pecuniária, no importe mensal de R$ 300,00 (trezentos reais), durante todo o período da pena substituída. 3. Com relação à alegação de inexigibilidade de conduta diversa, observa-se que não basta ao réu fazer afirmações das dificuldades financeiras da empresa, sem, contudo, produzir provas robustas de sua insolvência. De fato, os documentos acostados referem-se a dificuldades financeiras da empresa, mas em períodos distintos dos que são objeto da denúncia. O auditor fiscal da Receita Federal do Brasil, por ocasião da fiscalização que culminou na denúncia, esclareceu que a empresa, no ano de 2010, "continua em plena atividade, sendo uma churrascaria, possui bom movimento de clientes, conforme constatação in loco, aparentemente sendo injustificável o não recolhimento dos tributos". 4. As supostas dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa a que vinculado o Réu deveriam ser por ele cabalmente demonstradas, consoante dispõe o art. 156 do Código de Processo Penal, prova esta que não restou produzida. 5. No tocante à dosimetria da pena (fixação da pena-base), verifica-se que sentença aquilatou a culpabilidade do agente, seus antecedentes, conduta social, personalidade, circunstâncias relativas ao contexto do fato criminoso, isto é, todas as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, tendo valorado negativamente apenas duas circunstâncias judiciais, a saber: as consequências do crime e o comportamento da vítima. 6. O montante tributário envolvido nos crimes em questão é elevado. Igualmente, o comportamento da vítima, no caso, em nenhum momento pode ser encarado como provocador da conduta do réu, justificando-se a elevação da pena base, com acréscimo de 06 (seis) meses. 7. O valor do tributo suprimido consolidado nos autos de infração que deram azo às representações fiscais objeto desta ação criminal é significativo (Representação nº 10.480.724.148/2010-11 - R$ 148.325,54 e R$ 450.076,95 e Representação nº 10.480.724.150/2010-91 - R$ 99.497,63). Ambas as circunstâncias foram devidamente fundamentadas, não merecendo reparos a dosimetria penal nesses pontos. 8. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "é possível a exasperação da pena-base aplicada ao crime de sonegação fiscal pela análise do montante de crédito tributário suprimido ou reduzido a partir da ação delituosa". (STJ, AGARESP 201400265889, Reynaldo Soares Da Fonseca - Quinta Turma, DJE: 13/12/2017). 9. A sentença estabeleceu as seguintes penalidades: a) penas de multa de 6 (seis) salários mínimos; b) prestação pecuniária em substituição à pena privativa de liberdade no valor mensal de R$ 300,00 (trezentos reais). A fixação da pena deve ter como baliza, entre outros parâmetros, a capacidade econômica do réu. Na hipótese, não há nenhuma evidência de que a sentença deixou de observar os critérios legais. O réu não apresentou provas da alegada hipossuficiência econômica que incorresse na inviabilidade do cumprimento ao pagamento das multas, razão pela qual não há fundamentos para se reformar o provimento de primeiro grau nesse tocante. 10. O entendimento jurisprudencial predominante firmou-se no sentido de que os crimes de apropriação indébita previdenciária (art. 168-a do CP), sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-a do CP) e sonegação de contribuição social (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90) são delitos da mesma espécie, que violam os mesmos bens jurídicos, ensejando, assim, a aplicação do instituto da continuidade delitiva. Precedentes. 11. Apelações do réu e do Ministério Público Federal improvidas. UNÂNIME. (ACR - Apelação Criminal - 14349 0008097-51.2014.4.05.8300, Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::27/07/2018 - Página::62.)

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. CRIMES DOS ARTIGOS 168-a , § 1º, DO CP E 2º, INCISO II, DA LEI 8.137/90. UNIFICAÇÃO DAS REPRIMENDAS. CÁLCULO. MAJORANTE DA CONTINUIDADE. "BIS IN IDEM" NÃO CONFIGURADO. PENA DE MULTA. MODIFICAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO POR DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. ALTERAÇÃO DO VALOR. 1 - Reconhecida a possibilidade de continuidade delitiva entre os crimes capitulados nos artigos 168-a, § 1º, do CP, e 2º, II, da Lei nº 8.137/90, pela semelhança dos seus elementos descritivos, bem como por tutelarem a ordem tributária, além das circunstâncias objetivas, correta a unificação das reprimendas impostas. 2 - No cálculo da reprimenda unificada, feito em sede de execução, o acréscimo decorrente da continuidade delitiva deve incidir uma única vez, sob pena de "bis in idem", tomando-se a pena da condenação mais grave, com o percentual de aumento calculado com base no número de condutas delituosas em ambas as condenações, forte no disposto no art. 71 do CP. 3 - Se a pena de multa, embora proporcional e seguindo o mesmo critério da pena privativa de liberdade unificada, ultrapassar a soma das penas de multa individualmente fixadas em cada processo, deve ser recalculada. 4 - Às penas restritivas de direitos não se aplica o regime de unificação das penas, devendo ser feita nova substituição, sendo que a pena pecuniária arbitrada deve ser proporcional e não deve ultrapassar os valores fixados em cada uma das ações.

(TRF4 - AGEPN - 2004.71.07.007557-6, Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado - Oitava Turma, DJE - Data: 26/04/2006 - Página: 1233).

Desse modo, mantenho a aplicação da pena-base de um só dos crimes, sobre a qual deve incidir a causa de aumento de pena do artigo 71 do Código Penal.

Ante o exposto, mantenho a aplicação da pena do crime mais grave, qual seja, o delito de sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A, inciso III, do CP), com base no valor do prejuízo suportado pelos cofres públicos.

Passo ao reexame da pena cominada ao réu Heraldo Peres.

Primeira fase

Na sentença, o juiz a quo considerou que a culpabilidade do réu é normal à espécie. Todavia, exasperou a pena-base somente por força dos maus antecedentes, uma vez que possui apontamento negativo (condenação criminal em 01.07.2015 por crime semelhante aos dos presentes autos, ação 00004341-21.2008.403.6127 - fls. 736 e 741), fixando-a em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão e multa de 11 (onze) dias multa.

 Nesta sede, em atenção aos critérios do artigo 59 do Código Penal, observo que a culpabilidade do réu mostrou-se dentro dos limites da normalidade do tipo penal. No entanto, o réu é realmente portador de maus antecedentes, uma vez que foi condenado em outra ação penal por meio de decisão com trânsito em julgado em 01/07/2015 (fls. 736 e 741).

Cumpre acrescentar que quanto às consequências delitivas, os valores originários sonegados pelo réu, descontados a multa e os juros, perfazem o valor de R$ 75.668,27 (setenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e oito reais e vinte e sete centavos - fl. 50), referente ao não pagamento de contribuições previdenciárias, não dando causa à exasperação da pena-base, em conformidade com os parâmetros adotados por esta E. Corte.

Desse modo, mantenho a pena-base cominada ao réu em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão e multa de 11 (onze) dias multa.

Segunda fase

Nas segunda fase, o juiz a quo considerou que não incidem circunstâncias atenuantes e deixou de aplicar a agravante decorrente da reincidência (art. 63 do CP), uma vez que já considerada, na primeira fase da dosimetria, a condenação suportada pelo réu, evitando, assim, o bis in idem na exasperação da pena.

Todavia, nesta sede, reconheço, de ofício, a atenuante da confissão, ainda que parcial, nos termos da Súmula 535 do STJ, uma vez que o réu reconheceu a prática dos fatos imputados, em que pese ter alegado que o inadimplemento ocorreu por força das dificuldades financeiras suportadas pela pessoa jurídica.

No que se refere ao pedido ministerial relativo ao reconhecimento da reincidência, porém, tal fato caracteriza maus antecedentes, tendo sido, inclusive, reconhecido na sentença para fins de aumento da pena-base. Dessa forma, ainda que possível, a aplicação de tal fato a título de reincidência acarretaria violação ao princípio do non bis in idem.

Desse modo, reduzo a pena intermediária cominada ao réu em 1/6 (um sexto) por força da atenuante genérica da confissão espontânea (artigo 65, inciso III, alínea "c", do CP), redimensionado-a para o patamar mínimo legal, por força da Súmula 231 do STJ, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias- multa.

Terceira fase

Na última etapa da dosimetria, o juiz monocrático reconheceu a existência do crime continuado (art. 71 do CP), aumentando a pena no fator de acréscimo de 1/6 (um sexto).

Neste ponto a sentença não merece reparos, porquanto a peça acusatória descreve que o acusado praticou crimes, que pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem ser compreendidos numa relação de continuidade delitiva.

Todavia, embora demonstrada a continuidade delitiva, aplico o aumento previsto no art. 71 do CP, no fator de acréscimo de 1/5 (um quinto), ao invés de 1/6 (um sexto) aplicado na sentença, em conformidade com a jurisprudência desta Corte, já que a conduta delitiva permaneceu de fevereiro de 2008 a janeiro de 2010, cerca de 1 (um) ano e 11 (onze) meses (cf. TRF, 3ª Região, Segunda Turma, ACR n.º 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).

Não há outras causas de aumento ou diminuição.

Diante do exposto, redimensiono a pena definitiva cominada ao réu para 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão e 12 (doze) dias-multa, mantido o valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Valor do dia-multa

À míngua de recurso da defesa, mantenho o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Regime inicial de cumprimento da pena

Nos moldes do art. 33, §2º, "c", do Código Penal, não havendo circunstância que torne recomendável a fixação em regime mais gravoso, bem como são favoráveis os critérios fixados no artigo 59 do CP, mantenho o regime inicial aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade.

Substituição da pena privativa de liberdade

Com fundamento no artigo 44, inciso III, do Código Penal, mantida a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, posto que recomendável, não havendo a necessidade de tolhimento da liberdade do réu para a eficácia da reprimenda, considerando, ainda, o tipo penal transgredido.

Sendo assim, mantenho a substituição da reprimenda corporal imposta ao réu, reduzida de forma proporcional, ante as alterações na pena a ele cominada, fixando-as duas penas restritivas de direitos, quais sejam, a prestação de serviços à comunidade, na forma do art. 46, §3º, do Código penal, e prestação pecuniária no valor de 4,5 (quatro e meio) salários mínimos vigentes à época do pagamento.

Dispositivo

Ante o acima exposto, DECLARO extinta a punibilidade em face do réu Antônio José de Almeida Serra, com fundamento no artigo 107, inciso I, do Código Penal; REJEITO as preliminares de cerceamento de defesa e prescrição arguidas pela defesa, NEGO PROVIMENTO aos apelos da acusação e da defesa, e DE OFÍCIO, reconheço a existência de crime único entre os delitos previstos nos artigos 337-A, inciso III, do CP e artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, bem como para reconhecer a atenuante da confissão espontânea em benefício de Heraldo Peres, fixando-lhe a pena privativa de liberdade em 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, na forma do art. 46, §3º, do Código penal, e prestação pecuniária no valor de 4,5 (quatro e meio) salários mínimos vigentes à época do pagamento e 12 (doze) dias-multa, mantido o valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 168-A, §1º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 337-A, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. CRIME ÚNICO. DOLO. ESTADO DE NECESSIDADE. DOSIMETRIA. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. CONTINUIDADE DELITIVA. MAUS ANTECEDENTES. REINCIDÊNCIA. BIS IN IDEM.

1. Para configurar os crimes de apropriação indébita previdenciária, sonegação de contribuição previdenciária e sonegação fiscal, a prova pericial é dispensável, especialmente quando a peça inaugural encontra-se alicerçada em procedimento administrativo que, aliado aos elementos de prova coligidos no transcorrer da instrução criminal, demonstram a materialidade dos delitos.

2. Quando os vários tributos sonegados, sejam contribuições previdenciárias, sejam contribuições sociais devidas pelo empregador a entidades terceiras (FNDE, SESI, SENAI, INCRA e SEBRAE) são uma consequência da omissão ou informação inverídica prestada pelo agente na Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social - GFIP, a conduta configura crime único.

3. Para a tipificação das condutas previstas pelo artigo 168-A, §1º, I, do Código Penal e artigo 337-A, III, do Código Penal não se faz necessária a presença de dolo específico, bastando o dolo genérico, relacionado ao desconto dos salários dos trabalhadores dos valores que estes estão obrigados a contribuir para a previdência social e a falta de repasse à autarquia na época própria, bem como a inexatidão, omissão ou prestação falsa de informações ao fisco com a finalidade de suprimir ou reduzir contribuição social e qualquer acessório.

4. O estado de necessidade somente se caracteriza quando comprovada a inevitabilidade do perigo, consistente em evidências de que a ação lesiva era o único meio de que o agente poderia se valer para afastar o perigo.

5. Embora sejam do mesmo gênero, os crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária são espécies delitivas distintas, circunstância que obsta o reconhecimento da continuidade delitiva e enseja a incidência do concurso material de crimes.

6. Se o registro criminal já foi considerado para exasperar a pena-base do réu a título de maus antecedentes, não pode ser utilizado para configurar reincidência sob pena de incidir em vedado bis in idem.

7. Recurso da defesa desprovido. Apelação do Ministério Público Federal parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por unanimidade, decidiu DECLARAR extinta a punibilidade em face do réu Antônio José de Almeida Serra, com fundamento no artigo 107, inciso I, do Código Penal, REJEITAR as preliminares de cerceamento de defesa e prescrição arguidas pela defesa e NEGAR PROVIMENTO ao apelo da defesa, nos termos do voto do Des. Fed. Relator, e por maioria, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA ACUSAÇÃO, para reconhecer o concurso material entre os delitos previstos no art. 168-A e 337-A, III, do CP e DE OFÍCIO, reconhecer a existência de crime único entre os delitos previstos nos artigos 337-A, inciso III, do CP e artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, bem como para reconhecer a atenuante da confissão espontânea em benefício de Heraldo Peres, fixando-lhe a pena privativa de liberdade em 4 anos, 8 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 22 dias-multa, mantido o valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, nos termos do voto do Des. Fed. Mauricio Kato, acompanhado pelo Des. Fed. André Nekatschalow, vencido o Des. Fed. Relator que, negava provimento ao recurso da acusação e, DE OFÍCIO, reconhecia a existência de crime único entre os delitos previstos nos artigos 337-A, inciso III, do CP e artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, bem como para reconhecer a atenuante da confissão espontânea em benefício de Heraldo Peres, fixando-lhe a pena privativa de liberdade em 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, na forma do art. 46, §3º, do Código penal, e prestação pecuniária no valor de 4,5 (quatro e meio) salários mínimos vigentes à época do pagamento e 12 (doze) dias-multa, mantido o valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Lavrará o acórdão o Des. Fed. Mauricio Kato , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.