APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007657-61.2011.4.03.6119
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC, AEROLINEAS ARGENTINAS SA, AEROVIAS DE MEXICO S/A DE C V AEROMEXICO, AIR CANADA, SOCIETE AIR FRANCE, ALITALIA COMPAGNIA AEREA ITALIANA S.P.A., AMERICAN AIRLINES INC, OCEANAIR LINHAS AEREAS S/A, BRITISH AIRWAYS PLC, UNITED AIRLINES, INC., COMPANIA PANAMENA DE AVIACION S/A, DELTA AIR LINES INC, EMIRATES, GOL LINHAS AEREAS S.A., GOL LINHAS AEREAS INTELIGENTES S.A., IBERIA LINEAS AEREAS DE ESPANA SOCIEDAD ANONIMA OPERADORA, KLM CIA REAL HOLANDESA DE AVIACAO, KOREAN AIR LINES COMPANY LIMITED, LATAM AIRLINES GROUP S/A, DEUTSCHE LUFTHANSA AG, PANTANAL LINHAS AEREAS S.A., PASSAREDO TRANSPORTES AEREOS S.A, PLUNA - LINEAS AEREAS URUGUAYAS SOCIEDAD ANONIMA, QATAR AIRWAYS, SINGAPORE AIRLINES LIMITED, SOUTH AFRICAN AIRWAYS STATE OWNED COMPANY (SOC) LIMITED, SWISS INTERNATIONAL AIR LINES AG, TAAG LINHAS AEREAS DE ANGOLA, TAM LINHAS AEREAS S/A., TURKISH AIRLINES INC. (TURK HAVA YOLLARI ANONIM ORTAKLIGI), UNITED AIR LINES INC, WEBJET PARTICIPACOES S.A., AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES SA, BOLIVIANA DE AVIACION - BOA, AIR CHINA, AEROSUR-COMPANHIA BOLIVIANA DE TRANSPORTE AEREO PRIVADO S.A., LATAM AIRLINES GROUP S/A, TRANS AMERICAN AIRLINES S.A. - TACA PERU, CONTINENTAL AIRLINES INC.
Advogado do(a) APELADO: DIEGO PAES MOREIRA - SP257343-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: ANDRE DE ALMEIDA RODRIGUES - SP164322-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA CHRISTINA SCHNAPP - SP139242-A, RICARDO BERNARDI - SP119576-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: ALFREDO ZUCCA NETO - SP154694-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA CHRISTINA SCHNAPP - SP139242-A, RICARDO BERNARDI - SP119576-A
Advogado do(a) APELADO: CELIA ALVES GUEDES - SP234337
Advogado do(a) APELADO: ELIANA ASTRAUSKAS - SP80203-A
Advogado do(a) APELADO: ALFREDO ZUCCA NETO - SP154694-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA CHRISTINA SCHNAPP - SP139242-A, RICARDO BERNARDI - SP119576-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: JUAN MIGUEL CASTILLO JUNIOR - SP234670-A
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO - SP186458-S
Advogado do(a) APELADO: CELSO CALDAS MARTINS XAVIER - SP172708
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: PAULO GUILHERME DE MENDONCA LOPES - SP98709-A
Advogado do(a) APELADO: ERIKA DE ANDRADE MAZZETTO CROSIO - SP237512
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA CHRISTINA SCHNAPP - SP139242-A, RICARDO BERNARDI - SP119576-A
Advogado do(a) APELADO: NEIL MONTGOMERY - SP146468-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: VITOR MARCELO ARANHA AFONSO RODRIGUES - RJ88827
Advogados do(a) APELADO: RODRIGO USTARROZ CANTALI - RS96857-A, ISABELA BOSCOLO CAMARA - SP389625
Advogado do(a) APELADO: LEONARDO PLATAIS BRASIL TEIXEIRA - ES15134-A
Advogado do(a) APELADO: ALFREDO ZUCCA NETO - SP154694-A
Advogado do(a) APELADO: JUAN MIGUEL CASTILLO JUNIOR - SP234670-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA CHRISTINA SCHNAPP - SP139242-A, RICARDO BERNARDI - SP119576-A, CARLOS EDUARDO AVERBACH - SP199319
Advogado do(a) APELADO: JOAO ROBERTO LEITAO DE ALBUQUERQUE MELO - SP245790-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007657-61.2011.4.03.6119
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC, AEROLINEAS ARGENTINAS SA, AEROVIAS DE MEXICO S/A DE C V AEROMEXICO, AIR CANADA, SOCIETE AIR FRANCE, ALITALIA COMPAGNIA AEREA ITALIANA S.P.A., AMERICAN AIRLINES INC, OCEANAIR LINHAS AEREAS S/A, BRITISH AIRWAYS PLC, UNITED AIRLINES, INC., COMPANIA PANAMENA DE AVIACION S/A, DELTA AIR LINES INC, EMIRATES, GOL LINHAS AEREAS S.A., GOL LINHAS AEREAS INTELIGENTES S.A., IBERIA LINEAS AEREAS DE ESPANA SOCIEDAD ANONIMA OPERADORA, KLM CIA REAL HOLANDESA DE AVIACAO, KOREAN AIR LINES COMPANY LIMITED, LATAM AIRLINES GROUP S/A, DEUTSCHE LUFTHANSA AG, PANTANAL LINHAS AEREAS S.A., PASSAREDO TRANSPORTES AEREOS S.A, PLUNA - LINEAS AEREAS URUGUAYAS SOCIEDAD ANONIMA, QATAR AIRWAYS, SINGAPORE AIRLINES LIMITED, SOUTH AFRICAN AIRWAYS STATE OWNED COMPANY (SOC) LIMITED, SWISS INTERNATIONAL AIR LINES AG, TAAG LINHAS AEREAS DE ANGOLA, TAM LINHAS AEREAS S/A., TURKISH AIRLINES INC. (TURK HAVA YOLLARI ANONIM ORTAKLIGI), UNITED AIR LINES INC, WEBJET PARTICIPACOES S.A., AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES SA, BOLIVIANA DE AVIACION - BOA, AIR CHINA, AEROSUR-COMPANHIA BOLIVIANA DE TRANSPORTE AEREO PRIVADO S.A., LATAM AIRLINES GROUP S/A, TRANS AMERICAN AIRLINES S.A. - TACA PERU, CONTINENTAL AIRLINES INC.
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Advogado do(a) APELADO: ERIKA DE ANDRADE MAZZETTO CROSIO - SP237512
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA CHRISTINA SCHNAPP - SP139242-A, RICARDO BERNARDI - SP119576-A
Advogado do(a) APELADO: NEIL MONTGOMERY - SP146468-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: VITOR MARCELO ARANHA AFONSO RODRIGUES - RJ88827
Advogados do(a) APELADO: RODRIGO USTARROZ CANTALI - RS96857-A, ISABELA BOSCOLO CAMARA - SP389625
Advogado do(a) APELADO: LEONARDO PLATAIS BRASIL TEIXEIRA - ES15134-A
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Advogado do(a) APELADO: JOAO ROBERTO LEITAO DE ALBUQUERQUE MELO - SP245790-A
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de embargos de declaração opostos por companhias aéreas que operam no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP em face de acórdão da Terceira Turma que deu provimento à apelação do Ministério Público Federal, para condená-las a comunicar formalmente cada passageiro preterido no embarque da ocorrência de overbooking e a cumprir as garantias previstas na Resolução ANAC nº 141/2010 ao consumidor atingido pela prática (remarcação de voo, reembolso do bilhete de passagem ou outro serviço de transporte, sem prejuízo de assistência material), sob pena de multa de R$ 10.000,00, segundo ementa a seguir reproduzida:
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO E CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA A TUTELA DE DIREITOS DO CONSUMIDOR. “OVERBOOKING”. APLICAÇÃO DA RESOLUÇÃO ANAC N° 141/2010. INTERESSE COLETIVO DE REFLEXO SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSE DE AGIR. REGULAMENTO INEFICAZ. CONDENAÇÃO JUDICIAL COMO GARANTIA DE CUMPRIMENTO DAS OPÇÕES DO CONSUMIDOR AO VÍCIO DO SERVIÇO. “OVERBOOKING”. ESTRATÉGIA DISPONÍVEL A TODAS AS COMPANHIAS AÉREAS. LEGITIMIDADE PASSIVA. INCIDÊNCIA DA RESOLUÇÃO E FIXAÇÃO DE DEVER DE INFORMAÇÃO SOBRE A PRÁTICA. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. COMUNICAÇÃO DA OPERAÇÃO A CADA PASSAGEIRO. DESNECESSIDADE DE PEDIDO. PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO E DA EDUCAÇÃO DE CONSUMO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CUMPRIMENTO DAS ALTERNATIVAS PREVISTAS NA RESOLUÇÃO N° 141/2010. DESCUMPRIMENTO SISTEMÁTICO DOS DIREITOS DO USUÁRIO DE TRANSPORTE AÉREO. CONDENAÇÃO JUDICIAL. FISCALIZAÇÃO PELA ANAC. MULTA COMO MEDIDA PROCESSUAL DE COERÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. PEDIDOS JULGADOS PROCEDENTES.
I. O indeferimento da petição inicial com fundamento na ilegitimidade ativa do Ministério Público não se sustenta. Tanto a Constituição Federal, através da expressão “outros interesses difusos e coletivos” (artigo 129, III), quanto a legislação infraconstitucional (artigo 6°, VII, c, da LC n° 75/1993 e artigo 82, I, da Lei n° 8.078/1990) preveem expressamente como atribuição do órgão ministerial a defesa de direitos coletivos dos consumidores.
II. Desde que o interesse seja metaindividual, ou seja, transcenda os traços da lide intersubjetiva, com alto poder de disseminação social, a tutela coletiva em juízo por iniciativa do Ministério Público se torna possível.
III. O “overbooking” (excesso de passageiros no voo) constitui justamente um exemplo: coloca em risco maciço os direitos e as garantias do consumidor, impossibilitando a própria prestação do serviço contratado (vício de qualidade) e assumindo uma abrangência suficiente para se transformar em até estratégia operacional das companhias aéreas, mediante a elaboração de cálculos atuariais e a regulamentação dos efeitos da medida por entidade de aviação civil (Resolução ANAC n° 141/2010).
IV. Diferentemente do que consta da sentença e das contrarrazões oferecidas, os interesses tutelados na ação civil pública não são individuais homogêneos. Embora mesmo esta categoria integre as atribuições do MP, conforme decisões do STF (RE 460923 AgR/RR, Relator Marco Aurélio, DJ 08/05/2018), os pedidos do órgão ministerial, no sentido de que se condenem as empresas aéreas a comunicar cada passageiro preterido no embarque da ocorrência de “overbooking” e a cumprir as alternativas previstas na Resolução ANAC n° 141/2010, dizem respeito a direitos coletivos em sentido estrito.
V. A cominação de multa de R$ 10.000,00 a cada usuário lesado não modifica a conclusão, a ponto de tornar individual a pretensão e meramente monetária a condenação. Como se demonstrará ao longo do voto, a penalidade veio associada ao cumprimento de obrigações instituídas em favor de direitos coletivos em sentido estrito (alternativas ao vício do serviço), de modo que a sanção mantém a nota de indivisibilidade da própria prestação cujo adimplemento visa garantir.
VI. Não ocorre, portanto, a antecipação da responsabilidade civil por danos causados ao consumidor exposto ao “overbooking”, tanto que o MPF não cogita do procedimento de liquidação e execução de sentença proferida na tutela de interesses individuais homogêneos (artigo 91 do CDC).
VII. A apelação do MPF não deixou de abordar a preliminar de falta de interesse de agir, com a ocorrência de preclusão consumativa. O órgão ministerial, ao final das razões recursais, dedicou um capítulo específico ao tema e explicou que a atuação da agência reguladora na regulamentação dos efeitos do “overbooking” aos passageiros não neutraliza a atribuição de outros integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que podem buscar o fortalecimento das regras concedidas ou a incidência de medidas de coerção específicas do processo civil.
VIII. O Ministério Público Federal tem interesse em exigir judicialmente o cumprimento dos deveres previstos nos artigos 10 a 15 da Resolução n° 141/2010 da ANAC. Em primeiro lugar, o regulamento não trouxe grandes novidades à situação do consumidor preterido no embarque, porquanto as alternativas à ocorrência de “overbooking” (reacomodação em outro voo, reembolso da passagem ou meio diverso de transporte) já constavam de normas regulamentares anteriores (artigos 22 a 26 da Portaria n° 676/GC-5 de 2000) e, mesmo assim, as transportadoras não as vinham cumprindo, conforme se depreende dos autos de infração lavrados nos exercícios de 2007 a 2010, de fls. 77/83.
IX. Em segundo lugar, o órgão ministerial propôs a ação civil pública, a fim de que os direitos dos consumidores fossem tutelados na esfera judicial, além dos limites da fiscalização de aviação civil. Considerou que as opções já garantidas em âmbito legislativo ao passageiro – os regulamentos da autoridade aeronáutica apenas levaram operacionalidade a mandamentos do Código de Defesa do Consumidor e do Código Brasileiro de Aeronáutica – devem receber uma medida processual de coerção, para maior eficácia.
X. Em terceiro lugar, a multa requerida como garantia aos direitos dos passageiros não possui natureza administrativa, enquanto elemento do contrato de concessão de serviço aéreo regular. Objetiva assegurar provimento judicial voltado à proteção de interesses do consumidor, assumindo função civil e destinando-se a um fundo de reparação dos bens da coletividade, sem que pertença ao orçamento de agência reguladora de aviação civil (artigo 84, §4°, do CDC, artigo 11 da Lei n° 7.347/1985 e artigo 2°, I, do Decreto n° 1.306/1994).
XI. E, em último lugar, um dos pedidos do MPF sequer encontra correspondência na Resolução ANAC n° 141/2010: a comunicação formal do “overbooking” aos passageiros, independentemente de requerimento expresso. O regulamento exige a iniciativa do interessado (artigo 10, parágrafo único), o que, a princípio, contraria a petição inicial.
XII. Como já se esclareceu na abordagem da falta de interesse de agir, a comunicação formal do “overbooking” a cada usuário e a cominação de multa em favor das garantias do passageiro à preterição de embarque não violam a separação dos Poderes, na forma de invasão da competência de agência reguladora.
XIII. O MPF, na tutela de direitos coletivos dos consumidores, pretende a aplicação dos princípios do CDC, especificamente das normas que asseguram informação, transparência, harmonização e educação no fornecimento de bens e serviços (artigos 4°, IV, e 6°, II e III). Entende que o consumidor deve ser informado do motivo de cada cancelamento de voo, a fim de que possa exercer as prerrogativas que a modalidade oferece. Considera que a Resolução n° 141/2010 da ANAC não refletiu essa garantia, que vem a depender de iniciativa de cada passageiro (artigo 10, parágrafo único), em contraposição às normas de ordem pública e de interesse social da relação de consumo.
XIV. A obrigação de fazer naturalmente não equivale ao controle abstrato de constitucionalidade de lei ou ato normativo. Em primeiro lugar, o órgão ministerial não impugna a regulamentação da ANAC sob a influência direta de norma constitucional; somente pondera que, enquanto regulação voltada à aviação civil, não reproduziu a legislação infraconstitucional aplicável aos consumidores de serviços de transporte aéreo (artigos 230 e 231 da Lei n° 7.565/1986 e artigo 20 da Lei n° 8.078/1990).
XV. E, em segundo lugar, a comunicação formal constitui mero reflexo da legislação de consumo (dever de informação, transparência, harmonização e educação), sem que signifique inovação normativa ou suprimento de omissão de outros entes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. O MPF quer que prevaleçam direitos de passageiro estabelecidos em nível legislativo, com eficácia imediata no serviço de transporte aéreo regular.
XVI. A fixação de multa para a garantia do cumprimento do preceito tampouco subtrai a competência da agência reguladora. A penalidade não ostenta base administrativa, relacionada a contrato de concessão; retrata uma medida de coerção processual, direcionada para relação de consumo, tanto que os respectivos valores passarão a integrar fundo de reparação de interesses difusos e coletivos (artigo 84, §4°, do CDC, artigo 11 da Lei n° 7.347/1985 e artigo 2°, I, do Decreto n° 1.306/1994).
XVII. Todas as empresas de transporte aéreo que operam no Aeroporto de Guarulhos/SP, segundo os fundamentos da petição inicial e as particularidades do conflito de interesses, devem compor o polo passivo da ação civil pública.
XVIII. O “overbooking” configura uma estratégia operacional à disposição de todas as companhias, elemento do serviço aéreo regular: como o bilhete de passagem é válido por até doze meses (artigo 228 da Lei n° 7.565/1986), cada voo comporta um risco considerável de cancelamento repentino de reserva e de ausência de embarque (“no-show”), o que possibilita a realização de viagem com assentos vazios e prejuízos financeiros à concessionária.
XIX. Se as transportadoras não decidirem repassar o custo ao valor das tarifas aéreas, valer-se-ão de cálculos atuariais para estimar uma margem segura de desistências de embarque, com possibilidade, entretanto, de falhas de prognósticos e de excesso de passageiros. A operação integra a atividade de transporte aéreo; coerentemente, a ANAC não a proíbe – apenas regulamenta os efeitos ao passageiro –, nem o MPF pretende, na petição inicial, a proscrição da prática.
XX. Todas as empresas poderão adotar o mecanismo, ainda que ele não retrate, num dado momento e espaço, estratégia operacional. O risco da adoção já justifica a fixação das condicionantes que se extraem da legislação de consumo.
XXI. A ANAC, da mesma forma, deve compor o polo passivo, porque, além de uma das pretensões do MPF se dirigir diretamente a ela – informação de cada infração ao órgão ministerial para efeito de incidência da multa -, estará encarregada de fiscalizar, em caso de procedência do pedido, a comunicação de “overbooking” aos consumidores lesados.
XXII. A preliminar de inépcia por falta de causa de pedir (imputação de infração a cada uma das empresas aéreas) não procede como mero produto da ponderação anterior.
XXIII. O “overbooking” compõe o serviço de transporte aéreo; mesmo que não o adotem num determinado momento, as concessionárias poderão fazê-lo futuramente, para segurar, por exemplo, o preço de passagem aérea ou expandir a prestação do serviço (imposição da concorrência e da liberdade tarifária).
XXIV. Em caso de opção, elas devem estar preparadas aos direitos dos passageiros, comunicando cada usuário do “overbooking” e assegurando as alternativas ao vício do serviço, sob pena de multa civil.
XXV. Com a rejeição das preliminares, cabe ao Tribunal enfrentar diretamente o mérito (artigo 1.013, §3°, I, do CPC). Isso porque a matéria é unicamente de direito (definição da legislação aplicável aos efeitos do “overbooking”) e dispensa complementação de provas.
XXVI. Apesar de as companhias aéreas não terem sido citadas para apresentar contestação, exerceram plenamente as garantias da ampla defesa e do contraditório nas contrarrazões à apelação do MPF, mediante a invocação de diversas preliminares e a abordagem de cada capítulo do conflito de interesses.
XXVII. A devolução dos autos ao primeiro grau de jurisdição, além de desrespeitar a instrumentalidade das formas constante do artigo 282, §1°, do CPC - contraditório alcançado através de método diverso –, feriria o princípio da economia processual, que constitui o fundamento do julgamento imediato pelo Tribunal, da aplicação da teoria da causa madura. A própria garantia constitucional da razoável tramitação dos processos seria impactada, na forma de regressão desnecessária e inútil do procedimento (artigo 5°, LXXVIII, da CF).
XXVIII. Embora o “overbooking” seja uma operação fundada nas próprias características do transporte aéreo e se destine a evitar prejuízos decorrentes de viagem com assentos vazios após o cancelamento repentino de reserva e a ausência de embarque – coerentemente, a ANAC não o proíbe, nem o MPF pretende a proscrição da medida -, o passageiro, na qualidade de destinatário final da atividade, deve ser suficientemente informado da prática e dos direitos que resultam do vício do serviço (preterição de embarque).
XXIX. O CDC prevê como garantias essenciais do consumidor a informação, a transparência, a harmonização e a educação do consumo (artigos 4°, IV, e 6°, II e III). Se o serviço não for prestado, o usuário deve ter ciência do motivo e das alternativas que a legislação lhe assegura na situação. A comunicação do “overbooking”, independentemente de pedido formal do interessado – exigência prevista no artigo 10, parágrafo único, da Resolução ANAC n° 141/2010 e nos regulamentos seguintes -, garante esse esclarecimento.
XXX. O cancelamento ou atraso de voo pode decorrer de vários fatores, cujas repercussões variam para cada hipótese. Se a causa corresponde a condições climáticas, ordem de autoridade aeronáutica ou outras manifestações de caso fortuito ou força maior, os efeitos não se igualam necessariamente aos do excesso de passageiros, enquanto plano diretamente elaborado pelas empresas para se precaver das consequências da ausência de embarque em outras viagens (“no-show”).
XXXI. A declaração formal de “overbooking” propicia a cada consumidor a ciência do motivo da preterição de embarque, com possibilidade de exigências imediatas junto à concessionária de serviço aéreo, especificamente reacomodação em outro voo, reembolso da passagem ou meio diverso de transporte (artigos 230 e 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica, artigo 20 do CDC e artigos 12 e 14 da Resolução ANAC n° 141/2010).
XXXII. Se o comunicado depender da iniciativa do interessado, muitos passageiros poderão ficar na desinformação, desconhecendo o real fundamento da falta de serviço e deixando de pleitear os seus direitos perante a transportadora.
XXXIII. Aliás, normas do CDC são de ordem pública e de interesse social (artigo 1°), de sorte que a necessidade de iniciativa do interessado no atestado de “overbooking” se torna contraproducente. A informação, a transparência, a harmonização e a educação do consumo constituem deveres do fornecedor (artigo 22), cujo cumprimento não pode ficar na dependência da manifestação de vontade do passageiro.
XXXIV. Segundo os autos de infração juntados à petição inicial, num total de 111, diversas companhias aéreas, nos exercícios de 2007 a 2010, desrespeitaram os direitos do consumidor após a preterição de embarque oriunda de excesso de passageiros. Em consulta aos relatórios da ANAC dos anos seguintes (2011 a 2016), verifica-se que a prática persiste e tem dado origem a operações especiais de fiscalização nos finais de ano e no Carnaval.
XXXV. A reacomodação em outro voo, o reembolso do valor da passagem ou meio diverso de transporte ao passageiro preterido no embarque representam obrigações da concessionária de serviço aéreo regular desde o Código Brasileiro de Aeronáutica, assim como a assistência material a quem decide aguardar viagem na primeira oportunidade.
XXXVI. A Lei n° 8.078/1990 contextualizou esses mesmos deveres em uma relação jurídica ampla (de consumo), instituindo princípios e garantias em favor de todos os destinatários finais de serviço, sobre os quais recai presunção de vulnerabilidade e de hipossuficiência.
XXXVII. A autoridade aeronáutica, inclusive, por intermédio da Portaria n° 676/GC-5 de 2000, já dispunha de regulamento para a concretização de cada uma das alternativas ao passageiro na hipótese de preterição de embarque.
XXXVIII. A recapitulação serve para indicar que os direitos do consumidor ao excesso de passageiros desfrutam de previsão legal desde 1986 e vêm sendo sistematicamente violados, mesmo diante do regulamento de autoridade aeronáutica de 2000. Consequentemente, o conflito de interesses resultante da inobservância de contrapartidas à preterição de embarque reclama intervenção judicial e não é prejudicado pela edição da Resolução ANAC n° 141/2010, seja porque ela se limitou a reproduzir legislação imediatamente aplicável sobre a matéria – já violada -, seja porque há autuações posteriores a março de 2010, principalmente nos finais de ano e no Carnaval.
XXXIX. A constatação faz com que a emissão de condenação judicial no sentido de impor o cumprimento das garantias do passageiro nos serviços aéreos do Aeroporto de Guarulhos/SP se torne necessária.
XL. A Resolução ANAC n° 141/2010 e os regulamentos seguintes apenas devem servir de referência à obrigação de fazer, pelo simples fato de que unificaram e racionalizaram as normas aeronáuticas e consumeristas, adotando terminologia própria e acrescentando medidas preventivas do “overbooking”, como as compensações a voluntários.
XLI. Apesar de a reacomodação em outro voo, o reembolso da passagem, a execução de outro meio de transporte e a assistência material refletirem prestações extraíveis diretamente dos artigos 230 e 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica e do artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor, com poder imediato de vinculação, a adoção da resolução para os limites do comando judicial traz maior eficácia à decisão.
XLII. Diante do cabimento das obrigações de fazer, a fixação de multa para a hipótese de inobservância do preceito se justifica. A penalidade administrativa aplicada pela ANAC não tem sido suficiente para desencorajar a prática do “overbooking” às custas das garantias do consumidor. A incidência de sanção judicial pode ter efeito pedagógico, assegurando a defesa dos interesses dos passageiros na execução do serviço aéreo regular (artigo 84, §4°, do CDC e artigo 11 da Lei n° 7.347/1985).
XLIII. O valor de R$ 10.000,00 por cada usuário lesado demonstra razoabilidade e proporcionalidade. Além de encontrar paralelo no poder de polícia da ANAC, reflete a importância do transporte aéreo e a gravidade da situação do consumidor desamparado.
XLIV. Cabe à ANAC, como entidade reguladora de aviação civil, fiscalizar o cumprimento dos deveres da concessionária de serviço aéreo, sobretudo sob o ponto de vista dos direitos dos usuários (artigo 8°, X e XXXV, da Lei n° 11.182/2005). Se as empresas de transporte não comunicarem o “overbooking” a cada consumidor preterido ou desrespeitarem as garantias ligadas à preterição de embarque, a agência deve não apenas exercer o poder de polícia, como trazer as informações necessárias à execução de decisão judicial.
XLV. A responsabilidade não significa subordinação hierárquica ao MPF, enquanto parte interessada na cobrança da multa, mas dever de colaboração com a Justiça, especificamente no cumprimento de provimentos condenatórios e mandamentais (artigo 77, IV, do CPC). Afinal, a ANAC, entre outras funções, deve zelar pelos direitos dos usuários dos serviços aéreos, inclusive os fixados judicialmente, e eventual omissão na comunicação de infrações não seria apropriada para a atribuição.
XLVI. Com a procedência dos pedidos, os réus devem ser condenados ao pagamento de despesas processuais (artigo 18 da Lei n° 7.347/1985 e artigo 82, §2°, do CPC). A verba honorária fica excluída, uma vez que o MPF não atua através de advogados ou procuradores e os seus membros estão expressamente proibidos, a qualquer título e sob qualquer pretexto, de receber honorários, nos termos do artigo 128, §5°, II, a e b, da CF e do artigo 237, I, da Lei Complementar n° 75/1993.
XLVII. Apelação a que se dá provimento, com a rejeição das preliminares e a procedência dos pedidos formulados.
TURKISH AIRLINES INC. sustenta que a decisão colegiada apresenta contradições: 1) aplicou a teoria da causa madura para julgar imediatamente o mérito e condenar a empresa aérea, quando ela sequer foi autuada pela prática de overbooking no período apurado; 2) promoveu julgamento “extra petita”, ao desconsiderar o pedido do MPF de entrega da multa a cada consumidor lesado e destinar o valor ao fundo de interesses coletivos; 3) previu o dever de comunicação formal do overbooking a cada passageiro preterido no embarque, inovando a ordem jurídica e assumindo as atribuições de outros Poderes; 4) estabeleceu multa para a empresa, sem que ela tivesse cometido qualquer ilícito, em detrimento dos pressupostos da responsabilidade civil; e 5) adotou o montante de R$ 10.000,00 para penalidade de modo arbitrário, invocando genericamente os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
DEUTSCHE LUFTHANSA AG, SWISS INTERNATIONAL AIR LINES, KLM COMPANHIA REAL HOLANDESA DE AVIAÇÃO, SOCIETÉ AIR FRANCE, EMIRATES AIRLINE, KOREAN AIRLINES e BOLIVIANA DE AVIACIÓN – BOA alegam que o acórdão contém erros materiais e contradições: 1) aplicou o artigo 285-A do CPC de 73 já revogado, julgando imediatamente o mérito em prejuízo das garantias da ampla defesa e do contraditório; 2) aplicou também resolução já revogada da ANAC (nº 141/2010) na análise dos direitos de passageiro preterido no embarque; 3) deixou de reconhecer a perda superveniente do interesse de agir, conforme manifestações posteriores das concessionárias, já que a Resolução nº 400/2016 da ANAC regulamentou os direitos do consumidor na hipótese de overbooking, com a superação do vácuo alegado pelo MPF.
TAM LINHAS AÉREAS S.A. argumenta que o acórdão deixou de analisar itens essenciais à resolução justa e equilibrada da controvérsia: 1) o dever de informação na prática de overbooking não integrou a causa de pedir e o pedido, gerando decisão com efeito surpresa no processo civil. O MPF não considerou a medida ilícita, mas exigiu apenas regulamentação mais condizente com os direitos do consumidor; 2) a teoria da causa madura foi invocada antes da contestação dos réus, o que violou as garantias da ampla defesa e do contraditório e fez o Tribunal abordar questões que não chegaram a ser discutidas na instância inferior; e 3) o Poder Judiciário não pode alterar o poder regulamentar da ANAC e a Resolução nº 400/2016 trouxe maior proteção aos interesses do usuário do serviço de transporte, com a superação do vácuo indicado pelo MPF e com a perda superveniente do interesse de agir.
LAN AIRLINES S/A afirma que a decisão colegiada apresenta os seguintes vícios de julgamento: 1) aplicou o artigo 285-A do CPC de 73 já revogado, julgando imediatamente o mérito em prejuízo das garantias da ampla defesa e do contraditório; 2) aplicou também resolução já revogada da ANAC (nº 141/2010) na análise dos direitos de passageiro preterido no embarque; 3) deixou de reconhecer a perda superveniente do interesse de agir, conforme manifestações posteriores das concessionárias, já que a Resolução nº 400/2016 da ANAC regulamentou os direitos do consumidor em caso de overbooking, com a superação do vácuo alegado pelo MPF.
ALITALIA – SOCIETA AEREA ITALIANA SPA e COMPANIA PANAMENA DE AVIACIÓN S/A apontam contradições e erro material no julgamento colegiado: 1) o MPF pediu a fixação de multa em favor de cada consumidor preterido no embarque, ao passo que o acórdão, em julgamento “extra petita”, destinou o valor da penalidade ao fundo de interesses difusos e coletivos; 2) o artigo 285-A do CPC de 73 somente dispensa a contestação dos réus, na hipótese de matéria de direito e de precedentes do próprio Juízo no sentido da improcedência do pedido, o que não ocorreu no processo, com a nulidade da decisão do Tribunal; e 3) a Resolução nº 141/2010 foi revogada pela Resolução nº 400/2016 da ANAC e, não obstante os memoriais das concessionárias, a Terceira Turma analisou somente o ato normativo revogado, deixando de atentar para maior tutela dos direitos do passageiro na regulamentação superveniente.
DELTA AIRLINES INC, AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S.A., AIR CANADA, QATAR AIRWAYS e AMERICAN AIRLINES INC. sustentam que a decisão colegiada incidiu nas seguintes omissões e contradições: 1) deixou de abordar a Resolução nº 400/2016 da ANAC, que revogou a Resolução impugnada pelo MPF e ampliou a proteção dos interesses do usuário do serviço de transporte, prevendo compensação financeira pelo overbooking, formalizando a medida com a própria transferência bancária e agravando o montante da multa. Haveria perda superveniente do interesse de agir, que, porém, não recebeu qualquer análise; 2) o julgamento imediato da lide feriu toda a principiologia do novo CPC, especificamente as garantias da ampla defesa e do contraditório, sem que a causa estivesse madura; 3) as companhias sofreram condenação na ausência de qualquer autuação no período informado pelo MPF; e 4) o órgão ministerial, na petição inicial, requereu a destinação da multa a cada consumidor preterido no embarque, enquanto que o Tribunal, contraditoriamente, estabeleceu a entrega do montante ao fundo de interesses difusos e coletivos.
AEROVIAS DE MEXICO S.A. sustenta que o acórdão apresenta diversos vícios de julgamento: 1) aplicou a teoria da causa madura, quando os réus não ofertaram contestação e nem todos foram autuados pela prática do overbooking. O retorno dos autos para a comprovação da responsabilidade de todas as companhias se fazia imprescindível; 2) o MPF não pediu a destinação do valor da multa para o fundo consumerista, fazendo que o acórdão fugisse dos limites da causa de pedir e do pedido; e 3) a previsão de comunicação formal do overbooking a cada passageiro, sob risco de multa, implica assunção do poder regulamentar da ANAC, em contrariedade à separação dos Poderes.
UNITED AIRLINES INC indica as seguintes contradições e erros materiais no julgamento colegiado: 1) o artigo 285-A do CPC de 73 não era invocável para a aplicação da teoria da causa madura, porquanto o Juízo de Origem não analisou o mérito, nem usou precedentes anteriores. O julgamento pelo Tribunal se fez sem contestações, que não poderiam ser substituídas pelas contrarrazões de recurso, e sem provas de responsabilidade da maioria das companhias aéreas, em plena subversão do procedimento; 2) a quantidade de preterição de embarque por excesso de passageiros foi insignificante no período em relação ao número de voos, tornando precipitada a intervenção do Poder Judiciário, principalmente diante da constatação de que cabe à ANAC tutelar os direitos do usuário de transporte aéreo; 3) os interesses dos passageiros preteridos no embarque são individuais e não comportam postulação pelo MPF; 4) a obrigação de comunicação por escrito do overbooking não condiciona o exercício de direitos pelo consumidor lesado, nem serve de esclarecimento; 5) a Resolução nº 400/2016 da ANAC, editada no curso da apelação, prejudicou o julgamento da ação, garantindo compensação financeira ao passageiro e elucidando todas as garantias do consumidor, de modo que deveria ter sido abordada no acórdão; e 6) a fixação da multa de R$ 10.000,00 não veio acompanhada de qualquer critério, em prejuízo da aferição da própria razoabilidade e proporcionalidade do montante.
TAP – TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES S.A. considera o acórdão da Terceira Turma contraditório e omisso: 1) a Resolução 141/2010, cuja aplicação era exigida pelo MPF, foi revogada pela Resolução nº 400/2016, de maneira que o Tribunal não poderia ter deixado de analisá-la. A nova regulamentação interfere diretamente no interesse de agir, principalmente diante da constatação de que ela previu a comunicação por escrito do overbooking ao passageiro preterido no embarque e compensação financeira, numa evolução da tutela dos direitos do consumidor; 2) a invocação do direito consumerista de informação e a previsão de multa a ser destinada ao fundo de interesses difusos implicaram alteração da causa de pedir e do pedido; 3) a teoria da causa madura não tinha cabimento, seja porque os réus não foram citados para contestação, mas para contrarrazões ao recurso, seja porque a responsabilidade de cada concessionária pela prática de overbooking demanda dilação probatória, sem que os autos de infração lavrados contra poucas empresas aéreas fossem suficientes; e 4) a fiscalização da aviação civil no aspecto dos direitos dos usuários, sob risco de multa, constitui atribuição da ANAC. Não poderia o MPF assumir a defesa, invocando resolução editada e exigida por agência reguladora.
GOL LINHAS AÉREAS S/A verifica no acórdão as seguintes omissões e contradições: 1) a teoria da causa madura não é aplicável, se os réus não exerceram ainda contestação, insubstituível por contrarrazões recursais, e a responsabilidade da maioria das empresas aéreas reclama dilação probatória, diante do fato de que os autos de infração se dirigiram apenas a algumas concessionárias; 2) a destinação da multa ao fundo consumerista não constou dos pedidos do MPF, levando a julgamento “extra petita” e com efeito surpresa; e 3) os direitos dos usuários em caso de overbooking estão devidamente tutelados pela Resolução nº 141/2010 e nº 400/2016 da ANAC, com a ampliação da proteção pelo último ato normativo em relação ao dever de informação e ao montante da multa por infração. O acórdão acabou por invadir as atribuições da ANAC e deixou de analisar a regulamentação superveniente, apesar dos memoriais apresentados por ocasião do julgamento da apelação.
IBERIA LÍNEAS AÉREAS ESPANÃ, SOCIEDAD ANÓNIMA OPERADORA indica os seguintes vícios de julgamento: 1) após a prolação de sentença, a interposição de apelação e a oferta de contrarrazões, a ANAC editou a Resolução nº 400/2016, que revogou a Resolução nº 141/2010 e assegurou todos os direitos de passageiro preterido no embarque, inclusive o de informação, sob cominação de multa ainda mais gravosa. O acórdão deixou de examinar o novo ato normativo e a perda de interesse processual do MPF; e 2) a teoria da causa madura não poderia ser aplicada, se os réus nem tiveram a oportunidade de produzir provas.
A AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL – ANAC afirma que o acórdão contém omissões e contradições: 1) não recebeu intimação pessoal da data da sessão do quórum estendido, o que inviabilizou sustentação oral e o exercício da ampla defesa; 2) não pode ser obrigada a fiscalizar o cumprimento da decisão judicial para a cobrança da multa, seja porque o MPF não fez requerimento nesse sentido, seja porque exerce poder de polícia com o mesmo alcance; 3) a Resolução nº 400/2016, que deixou de ser examinada pelo órgão julgador, assegurou todos os direitos do usuário preterido no embarque por excesso de passageiro, com previsão de compensação financeira e de comunicação do overbooking por escrito; e 4) a quantidade de cancelamento de voo por excesso de passageiro no período apurado pelo MPF é pouco representativa, demonstrando que o poder de polícia da agência reguladora é eficaz e impeditivo da própria configuração do conflito de interesses.
Devido ao potencial infringente dos embargos de declaração, o Ministério Público Federal apresentou manifestação. Respondeu que: 1) a ANAC não comprovou prejuízo na ausência de intimação da sessão de quórum estendido, o que torna inviável a decretação de nulidade, principalmente diante da abordagem de todos os pontos nos embargos de declaração a serem julgados pelo mesmo órgão colegiado; 2) a previsão de multa em favor de fundo de interesses difusos e a aplicação do direito consumerista de informação não geraram alteração da causa de pedir ou de pedido, representando apenas atividade de interpretação e aplicação de normas jurídicas, no exercício de convencimento motivado; 3) a teoria da causa madura era aplicável ao recurso, devido ao fato de que a matéria envolvia uma prática já arraigada no transporte aéreo (overbooking), com número suficiente de autos de infração, principalmente nos finais de ano e feriado, e o contraditório dos réus foi amplamente exercido nas contrarrazões de apelação. A economia processual e a razoável duração dos processos justificavam o julgamento imediato; 4) a omissão de um dos Poderes autoriza a intervenção do outro, segundo a noção de freios e contrapesos, como se nota da prática generalizada do overbooking e do desrespeito ao direitos dos consumidores impedidos de embarcar; 5) o overbooking constitui uma estratégia operacional do serviço de transporte aéreo de passageiros, de modo que todas as empresas transportadoras, independentemente de figurarem nos autos de infração juntados na petição inicial, devem estar sujeitas a multa por violação dos direitos dos passageiros, cujo valor foi arbitrado em bases razoáveis e proporcionais, com paralelo na própria penalidade administrativa; e 6) a superveniência da Resolução nº 400/2016 da ANAC não justifica a perda do interesse de agir, seja porque a comunicação por escrito da ocorrência de overbooking continua a depender de solicitação do interessado, o que vai de encontro à postulação do MPF, seja porque a penalização administrativa não substitui a tutela judicial, prestada num contexto de transgressão aos direitos de usuários de transporte aéreo.
É o relatório.
VOTO VENCEDOR
Embargos de declaração opostos pela Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC – e por diversas companhias aéreas que operam no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP contra acórdão da Terceira Turma desta corte que deu provimento à apelação do Ministério Público Federal para condená-las a comunicar formalmente a cada passageiro preterido no embarque sobre a ocorrência de overbooking e a garantir as providências previstas na Resolução ANAC nº 141/2010 ao consumidor atingido pela prática (remarcação de voo, reembolso do bilhete de passagem ou outro serviço de transporte, sem prejuízo de assistência material), sob pena de multa de R$ 10.000,00.
O Relator Des. Fed. Antonio Cedenho rejeitou todos os embargos de declaração. Discordo, contudo, da solução dada aos embargos declaratórios da ANAC referente à ausência de intimação pessoal acerca da data da sessão para composição do quórum estendido, que inviabilizou a sustentação oral e o exercício da ampla defesa, de forma que passo a expor as razões do voto dissonante.
Inicialmente, constata-se que a representação judicial da ANAC é exercida por procuradoria com prerrogativas de fazenda pública, nos termos do artigo 17 da Lei nº 11.182/2005. Destarte, a sua intimação para os atos do processo deve ser pessoal, nos termos do que dispõe o artigo 17 da Lei nº 10.910/2004. Sobre o tema, confira-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. INTIMAÇÃO PESSOAL. PROCURADOR DE AUTARQUIA FEDERAL. LEI 10.910/2004.
1. Nos termos do artigo 17 da Lei 10.910/2004, “nos processos em que atuem em razão das atribuições de seus cargos, os ocupantes dos cargos das carreiras de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil serão intimados e notificados pessoalmente.”
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica nesse sentido, isto é, de que após a edição da Lei n. 10.910 de 15 de julho de 2004 os procuradores autárquicos passaram a ter prerrogativa da intimação pessoal dos processos em que atuam, sendo que os prazos são contados a partir da juntada do mandado de intimação cumprido aos autos. Nesse sentido também é o entendimento deste Tribunal.
3. Agravo provido.
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5020824-74.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 04/04/2018, Intimação via sistema DATA: 09/04/2018)
Assim, após o pedido de inclusão em pauta do relator (ID 144004883 – p. 12), a subsecretaria noticiou a data do julgamento com a disponibilização no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região, bem como com a intimação pessoal dos órgãos enumerados, nos termos dos artigos 183 e 236, § 2º, do Código de Processo Civil, artigo 6º da Lei 9.028/1995 e o inciso I do artigo 44 da Lei Complementar 80/1994, que tratam das prerrogativas de intimação pessoal (ID 144004883 – p. 13).
Iniciado o julgamento em 01.08.2018, após o voto do relator para dar provimento à apelação do Ministério Público Federal para rejeitar as preliminares suscitadas e, no mérito, julgar procedentes os pedidos formulados na ação civil pública, no que foi acompanhado pelo Des. Fed. Mairan Maia, pediu vista o Des. Fed. Nelton dos Santos (ID 144004884 – p. 12), que informou a apresentação do referido voto-vista na data de 05.09.2018 e determinou a intimação das partes (ID 144004884 – p. 43). Após, consta certidão da subsecretaria no sentido de que “ficam as partes intimadas” sobre a data da continuidade do julgamento (ID 144004885 – p. 44).
Apresentado voto-vista parcialmente divergente, em 05.09.2018, de rigor a aplicação da regra prevista no artigo 942 do CPC, de forma que houve a suspensão do julgamento, para posterior prosseguimento com quórum ampliado (ID 144004851 – p. 37). Incluído o processo na pauta de julgamento de 05.06.2019, ordenou-se a intimação das partes, inclusive para eventual oposição ao julgamento em ambiente exclusivamente eletrônico (ID 144004853 – p. 08), mas houve apenas a disponibilização no Diário Eletrônico, consoante certidão na folha subsequente.
Por sua vez, a decisão de fl. 2044 dos autos físicos (ID 144004853 – p. 10), que indeferiu pedido de suspensão do processo decorrente da recuperação judicial de Oceanair Linhas Aéreas S/A e recebeu as manifestações que enumera como memoriais, foi publicada (p.11) e foram feitas as intimações pessoais, conforme certidão (p. 27).
Em 05.06.2019, o julgamento do feito foi adiado, nos termos da Portaria nº 01/2017 (ID 144004853 – p. 32), e ordenou-se a intimação das partes acerca da continuação do julgamento na data de 23.10.2019, mas novamente consta apenas a disponibilização do mencionado despacho no Diário Eletrônico, em 17.09.2019, conforme carimbo na mesma folha (ID 144004853 – p. 35). Finalmente, em 23.10.2019, o julgamento foi concluído, com a prolação do acórdão ora embargado.
Da narrativa dos fatos, constata-se que não há nos autos a demonstração de que a procuradoria foi intimada pessoalmente da data do prosseguimento do julgamento. Há, assim, evidente prejuízo, na medida em que o Código de Processo Civil assegura expressamente às partes o direito de expor suas razões oralmente perante os julgadores que integrarão o quórum ampliado, consoante se constata da redação do artigo 942, caput, verbis:
Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
(grifo nosso)
Vê-se da letra da lei que o direito de sustentar oralmente perante os julgadores que vierem a integrar o quórum ampliado não é condicionado ao prévio pedido de sustentação oral ou à extensão da divergência, consoante acontecia com a extinta figura dos embargos infringentes. Da mesma forma, os debates podem influenciar até mesmo aqueles que já proferiram seus votos e que podem alterá-los por ocasião do prosseguimento do julgamento, nos termos do artigo 942, §2º, do CPC. Assim, entendo insuperável o vício suscitado nos embargos de declaração da ANAC. Sobre o tema, confira-se:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.673.028 - RJ (2017/0117323-5)
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por JOSE SOARES, conexo à Tutela Provisória n° 269/RJ, com fundamento na alínea "a" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado (fl. 179 e-STJ):
AÇÃO POSSESSÓRIA. REINTEGRAÇÃO. IMÓVEL INVADIDO. PRESENÇA DE CLANDESTINIDADE E PRECARIEDADE. AUSÊNCIA DE POSSE JUSTA E LEGÍTIMA, CARACTERIZANDO O EXERCÍCIO DO ORA APELANTE MERA DETENÇÃO.HERDEIRO CO-TITULAR DA POSSE INDIRETA, OBTIDA PELA SUCESSÃO POR INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA SAISINE. NA AÇÃO POSSESSÓRIA MISTER SE FAZ SEJAM DEMONSTRADOS PELO AUTOR OS REQUISITOS ESTABELECIDOS NO ARTIGO 927 DO CPC PARA QUE OBTENHA ÊXITO. CONQUANTO NÃO SEJA O DOMÍNIO MATÉRIA AFETA ÀS AÇÕES POSSESSÓRIAS, HAVENDO DÚVIDA QUANTO ÀQUELE REQUISITO, O JUIZ DEVE PRIVILEGIAR QUEM TEM O DOMÍNIO.
Em suas razões do recurso, o recorrente alegou violação ao artigo 942, caput, do Código de Processo Civil de 2015, visto que o advogado não foi intimado da sessão de prosseguimento de julgamento da apelação, impedindo o direito do advogado de sustentar oralmente.
Sustentou negativa de vigência aos artigos 434 e 435, do novo CPC, em razão da juntada extemporânea de documentos. Apontou, também, contrariedade aos artigos 1200, 1202 e 1028, do Código Civil, e 927, do CPC/73, atual 1208, do CPC/15, em virtude da não comprovação dos requisitos necessários para obtenção da tutela possessória, bem como por ser justa a posse exercida pela parte recorrente.
Juízo positivo de admissibilidade proferido às fls. 262/263 e-STJ.
Presentes os pressupostos de admissibilidade e ultrapassado o limite do conhecimento do presente recurso, verifico que esse merece provimento, senão vejamos.
Inicialmente, cumpre destacar que dei provimento à Tutela Provisória n° 269/RJ conexa a este recurso, para conferir efeito suspensivo ao recurso especial objeto dos autos e suspender os atos de reintegração de posse eventualmente requisitados pela requerida.
Requisitei, ainda, informações adicionais quanto à ausência de publicação da pauta de julgamento realizado no dia 30/8/2016, visto que, ao consultar o sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, verifiquei que, de fato, não consta no andamento do processo a publicação da pauta do novo julgamento, realizado por força do artigo 942, do atual Código de Processo Civil, que assim determina:
Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
Diante da requisição de informações, o Tribunal de origem encaminhou ofício (fls. 169/174 e-STJ, dos autos da TP 269/RJ), por meio do qual noticiou que:
Trata a hipótese de apelação interposta contra a sentença proferida em sede de ação de reintegração de posse (Apelação Cível 0032697-78.2014.8.19.0002). A publicação da pauta de julgamento ocorreu na data de 25/07/2016, sendo a sessão realizada em 02/08/2016, quando houve pedido de vista. O referido julgamento teve seu prosseguimento somente na data de 30/08/2016, contudo, por um equívoco da Secretaria da 19ª Câmara Cível, as partes não foram intimadas da data desta última sessão. Com efeito, não tendo sido intimado o ora recorrente da data de realização da sessão que prosseguiu no julgamento da apelação, cerceando-lhe o direito assegurado legalmente de nova sustentação oral, imperioso concluir pelo provimento do recurso especial.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. FALTA DE INTIMAÇÃO PARA A SESSÃO DE JULGAMENTO DO NOME DO ADVOGADO DE UMA DAS PARTES NO PROCESSO QUE ORIGINOU O TÍTULO. ART. 236, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NULIDADE CONFIGURADA. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO.
1.- A nulidade da intimação decorre justamente do descumprimento da exigência imposta pela lei de que constem, nas publicações para fins de intimação, os nomes das partes e dos causídicos. Isso porque a realização do ato processual sem os requisitos legalmente impostos pode gerar prejuízos ao exercício do direito de defesa, na medida em que dificulta ou até mesmo impede que haja ciência da intimação pela parte ou por seu advogado, não podendo ser dado tratamento diverso às empresas públicas a pretexto de elas possuírem inúmeros advogados habilitados nos autos, porquanto é inviável ao intérprete fazer distinção onde a legislação não o fez. Precedentes. Aplicação da Súmula 83/STJ.
2.- O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar o decidido, que se mantém por seus próprios fundamentos.
3.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 1297801/BA, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2012, DJe 04/06/2012) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC DE 1973. ERRO MATERIAL VERIFICADO.
PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO IMPUGNADA PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DO NOVO CPC. APLICABILIDADE NA ESPÉCIE DO CPC DE 1973. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. INTIMAÇÃO. ART. 236, § 1º, DO CPC DE 1973. AUSÊNCIA, NA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA, DO NOME DA PARTE. NULIDADE RECONHECIDA PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU, POR DECISÃO NÃO RECORRIDA. INTEMPESTIVIDADE DO APELO PELO DECLARADA PELO TRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO. PRECEDENTES. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES.
1. O acórdão embargado foi publicado antes da entrada em vigor da Lei 13.105 de 2015, estando o recurso sujeito aos requisitos de admissibilidade do Código de Processo Civil de 1973, conforme o Enunciado Administrativo 2/2016 do Plenário do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes.
2. Nos termos do art. 535 do CPC de 1973, os embargos de declaração apenas são cabíveis quando constar no julgamento obscuridade ou contradição ou quando o julgador for omisso na análise de algum ponto. Admite-se também a interposição de aclaratórios para a correção de erro material.
3. Na hipótese dos autos, constata-se a ocorrência de erro material, pois verifica-se que o inteiro teor do acórdão embargado não corresponde à hipótese retratada nos autos.
4. A jurisprudência desta Corte Superior é uníssona no sentido de que, à luz do disposto no art. 236, § 1º, do CPC de 1973, é indispensável, sob pena de nulidade, que da publicação constem os nomes das partes e de seus advogados.
5. Na espécie, o acórdão recorrido assenta que nome da parte ora embargante não constou na publicação da intimação da sentença.
Assim, não obstante seja representada em juízo pelo mesmo patrono de parte litisconsorte, o referido vício acarreta a nulidade do ato.
6. "A decisão que devolve prazo para recurso é interlocutória (CPC, Art. 162, paragrafo 2º). Expõe-se, assim a agravo de instrumento (CPC, Art. 522). As decisões interlocutórias não desafiadas em agravo de instrumento operam preclusão" (REsp 88.482/RJ, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 23/5/1996, DJ de 17/6/1996).
7. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes para sanar o erro material apontado. Agravo regimental provido para conhecer do agravo nos próprios autos e dar provimento ao recurso especial.
(EDcl no AgRg no AREsp 827.011/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/06/2016, DJe 23/06/2016) Em face do exposto, dou provimento ao recurso especial para anular o acórdão recorrido e determinar a intimação das partes para a realização de novo julgamento, nos termos do artigo 942, caput, do novo CPC.
Traslade-se cópia da presente decisão aos autos da Tutela Provisória n° 269/RJ. Após, certifique-se o trânsito em julgado da referida tutela provisória e proceda ao seu arquivamento.
Intimem-se.
Brasília (DF), 19 de junho de 2017.
(Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 21/06/2017)(grifo nosso)
Ante o exposto, divirjo apenas para acolher os embargos declaratórios da ANAC, a fim de anular o julgamento finalizado na sessão de 23.10.2019, para que seja pessoalmente intimada da data do prosseguimento, com quórum ampliado, nos termos do artigo 942 do CPC, prejudicados os demais embargos de declaração.
É como voto.
ANDRÉ NABARRETE – DESEMBARGADOR FEDERAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007657-61.2011.4.03.6119
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC, AEROLINEAS ARGENTINAS SA, AEROVIAS DE MEXICO S/A DE C V AEROMEXICO, AIR CANADA, SOCIETE AIR FRANCE, ALITALIA COMPAGNIA AEREA ITALIANA S.P.A., AMERICAN AIRLINES INC, OCEANAIR LINHAS AEREAS S/A, BRITISH AIRWAYS PLC, UNITED AIRLINES, INC., COMPANIA PANAMENA DE AVIACION S/A, DELTA AIR LINES INC, EMIRATES, GOL LINHAS AEREAS S.A., GOL LINHAS AEREAS INTELIGENTES S.A., IBERIA LINEAS AEREAS DE ESPANA SOCIEDAD ANONIMA OPERADORA, KLM CIA REAL HOLANDESA DE AVIACAO, KOREAN AIR LINES COMPANY LIMITED, LATAM AIRLINES GROUP S/A, DEUTSCHE LUFTHANSA AG, PANTANAL LINHAS AEREAS S.A., PASSAREDO TRANSPORTES AEREOS S.A, PLUNA - LINEAS AEREAS URUGUAYAS SOCIEDAD ANONIMA, QATAR AIRWAYS, SINGAPORE AIRLINES LIMITED, SOUTH AFRICAN AIRWAYS STATE OWNED COMPANY (SOC) LIMITED, SWISS INTERNATIONAL AIR LINES AG, TAAG LINHAS AEREAS DE ANGOLA, TAM LINHAS AEREAS S/A., TURKISH AIRLINES INC. (TURK HAVA YOLLARI ANONIM ORTAKLIGI), UNITED AIR LINES INC, WEBJET PARTICIPACOES S.A., AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES SA, BOLIVIANA DE AVIACION - BOA, AIR CHINA, AEROSUR-COMPANHIA BOLIVIANA DE TRANSPORTE AEREO PRIVADO S.A., LATAM AIRLINES GROUP S/A, TRANS AMERICAN AIRLINES S.A. - TACA PERU, CONTINENTAL AIRLINES INC.
Advogado do(a) APELADO: DIEGO PAES MOREIRA - SP257343-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: ANDRE DE ALMEIDA RODRIGUES - SP164322-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA CHRISTINA SCHNAPP - SP139242-A, RICARDO BERNARDI - SP119576-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: ALFREDO ZUCCA NETO - SP154694-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA CHRISTINA SCHNAPP - SP139242-A, RICARDO BERNARDI - SP119576-A
Advogado do(a) APELADO: CELIA ALVES GUEDES - SP234337
Advogado do(a) APELADO: ELIANA ASTRAUSKAS - SP80203-A
Advogado do(a) APELADO: ALFREDO ZUCCA NETO - SP154694-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA CHRISTINA SCHNAPP - SP139242-A, RICARDO BERNARDI - SP119576-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: JUAN MIGUEL CASTILLO JUNIOR - SP234670-A
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO - SP186458-S
Advogado do(a) APELADO: CELSO CALDAS MARTINS XAVIER - SP172708
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: PAULO GUILHERME DE MENDONCA LOPES - SP98709-A
Advogado do(a) APELADO: ERIKA DE ANDRADE MAZZETTO CROSIO - SP237512
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA CHRISTINA SCHNAPP - SP139242-A, RICARDO BERNARDI - SP119576-A
Advogado do(a) APELADO: NEIL MONTGOMERY - SP146468-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: VITOR MARCELO ARANHA AFONSO RODRIGUES - RJ88827
Advogados do(a) APELADO: RODRIGO USTARROZ CANTALI - RS96857-A, ISABELA BOSCOLO CAMARA - SP389625
Advogado do(a) APELADO: LEONARDO PLATAIS BRASIL TEIXEIRA - ES15134-A
Advogado do(a) APELADO: ALFREDO ZUCCA NETO - SP154694-A
Advogado do(a) APELADO: JUAN MIGUEL CASTILLO JUNIOR - SP234670-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA CHRISTINA SCHNAPP - SP139242-A, RICARDO BERNARDI - SP119576-A, CARLOS EDUARDO AVERBACH - SP199319
Advogado do(a) APELADO: JOAO ROBERTO LEITAO DE ALBUQUERQUE MELO - SP245790-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING - SP154675-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os embargos de declaração se destinam a integrar decisão judicial que contenha obscuridade, omissão, erro material ou contradição (artigo 1.022 do CPC). Não se prestam a rediscutir o julgamento proferido, a não ser que a superação daqueles vícios produza esse efeito, denominado infringente.
Sob essa perspectiva os embargos de declaração opostos pelas companhias aéreas e ANAC na ação civil pública serão apreciados, recebendo análise conjunta pela similaridade dos vícios de julgamento alegados.
1) Ausência de intimação da ANAC da sessão do quórum estendido
Embora a ANAC não haja sido intimada da sessão do novo colegiado, diferentemente das companhias aéreas, a anulação do acórdão baseada na violação das garantias da ampla defesa e do contraditório (ausência de oportunidade para sustentação oral) não tem cabimento.
Em primeiro lugar, a agência reguladora não requereu sustentação oral na sessão inicial da Terceira Turma, reputando-a desnecessária para o convencimento dos julgadores e o sucesso da causa. Não pode posteriormente querer transferir todo o contraditório para a nova sessão, quando já se apresentava um resultado inicial desfavorável.
E, em segundo lugar, a nulidade não trouxe qualquer prejuízo para a ANAC. Isso porque o quórum estendido teve por objeto apenas a extensão da condenação civil, sobre a qual os membros iniciais da Turma divergiram – responsabilização de todas as empresas aéreas ou apenas da TAM. O novo julgamento não abrangeu a matéria de defesa da agência reguladora exposta nas contrarrazões da apelação, de que não consta a restrição da condenação a uma ou algumas companhias de aviação civil.
Assim, diante da constatação de que, nos termos do artigo 942 do CPC, o colegiado ampliado se limita ao ponto de divergência – a responsabilidade pelos efeitos do overbooking representa um capítulo unânime, impossível de ser revertido pela convocação de novos julgadores – e que a extensão da condenação expressou a única discordância, a ausência de sustentação oral da ANAC não produziu qualquer prejuízo. A agência reguladora não conseguiria inverter o resultado inicial no sentido de sua defesa específica.
Na falta de prejuízo, não se decreta a nulidade de ato processual, tornando estéril a alegação de omissão do acórdão (artigo 282, §1º, do CPC).
2) Ilegitimidade ativa do MPF
O acórdão não se omitiu na abordagem da questão. Ele ponderou expressamente que os direitos do consumidor preterido no embarque por excesso de passageiro (overbooking) são transindividuais, extravasando a individualidade de cada relação jurídica de transporte e assumindo dimensão coletiva, de grande relevância social.
Considerou que o Ministério Público está legitimado para tutelar em juízo interesses coletivos em geral, de que constitui exemplo o regime previsto aos usuários de transporte aéreo impedidos de embarcar, como reacomodação em outro voo, devolução do preço da passagem, meio diverso de transporte e dever de informação.
3) Julgamento imediato do mérito, segundo a teoria da causa madura
O acórdão não cometeu omissões, erros materiais ou contradições na matéria.
Fundamentou que cabia o julgamento imediato da lide, porque a matéria era unicamente de direito e os réus exerceram as garantias da ampla defesa e do contraditório nas próprias contrarrazões da apelação.
Explicou que a prática do overbooking se encontra enraizada no transporte aéreo de passageiro, à disposição de todas as companhias, representando estratégia operacional à validade do bilhete de passagem por doze meses e ao risco correlato de cancelamento de reservas e de ausência de embarque (no-show), e que a quantidade de reclamações e infrações reportada desde 2007, principalmente nos períodos de alta demanda, como fim de ano e feriado de carnaval, é significativa.
Concluiu que haveria dados suficientes para a delimitação fática da controvérsia – estratégia de companhias aéreas e número substancial de reclamações e infrações -, sem necessidade de dilação probatória, com a subsistência apenas de questão jurídica, relacionada aos direitos do consumidor preterido no embarque, especificamente às alternativas do vício ou fato do serviço e ao dever de informação.
Não se trata naturalmente de fixar condenação sem responsabilidade, em relação às companhias que não receberam reclamação ou autuação. O overbooking configura apenas uma operação arraigada no setor de transporte aéreo, em grande nível de operatividade, como comprova a quantidade de infrações, de modo que os interesses dos consumidores estão sob risco sistemático, em situação de vulnerabilidade, demandando atuação dos órgãos encarregados da tutela de direitos coletivos.
Ademais, advertiu o acórdão que, apesar de o Juízo de Origem ter equivocadamente recorrido ao artigo 285-A do CPC de 73 para fixar o procedimento futuro do indeferimento da petição inicial – a sentença não foi de mérito, nem se baseou em precedentes anteriores do próprio órgão prolator, o que tornava descabida a citação de todos os réus para resposta à apelação do MPF -, as contrarrazões ao recurso oferecidas materializavam a ampla defesa e o contraditório necessários para o julgamento imediato da lide, segundo a teoria da causa madura, sob a nova principiologia do CPC de 2015.
Esclareceu que as companhias aéreas e a ANAC abordaram toda a matéria de defesa, sobretudo o mérito, habilitando o julgamento imediato, em circunstâncias de dispensa de dilação probatória. Acrescentou que o retorno dos autos para oferta de contestação feriria a economia processual, a garantia de duração razoável do processo e a instrumentalidade das formas, que possibilitam a materialização da contestação nas próprias contrarrazões e a supressão de instância no exame do mérito.
4) Julgamento “extra petita”
O acórdão, ao invocar o dever de informação na operacionalização do overbooking e destinar o montante da multa ao fundo de reparação de interesses difusos e coletivos, não se cercou de omissão ou contradição.
Ponderou que a necessidade de comunicação por escrito da prática do overbooking a cada usuário impedido de embarcar, mediante carimbo no bilhete de passagem, segundo um dos capítulos da postulação do MPF, garante o direito de informação, transparência, harmonização e educação do consumo. Considerou que o pedido do MPF já traz essa contextualização, enquanto forma de concretização daqueles deveres consumeristas.
Não se trata de alteração de causa de pedir ou de pedido, com efeito surpresa no processo civil, mas de explicitação de normas jurídicas relacionadas, no exercício da atividade de resolução de conflito de interesses. O juiz não fica preso às argumentações jurídicas das partes, mas deve buscar todo o conhecimento necessário para composição justa e efetiva da controvérsia.
As partes já tinham ciência da contextualização da matéria, de maneira que, se não discutiram especificamente o dever de informação de consumo, o fizeram por negligência ou omissão, sem que possam alegar efeito surpresa da decisão, violação das garantias da ampla defesa e do contraditório.
A mesma ponderação se aplica à destinação da multa prevista por descumprimento de condenação judicial.
A decisão colegiada, na interpretação do conjunto da postulação e da boa-fé, fundamentou que o pedido do MPF de destinação da multa a cada consumidor impedido de embarcar deve refletir a natureza dos interesses que o próprio órgão ministerial se propôs a defender – interesses indivisíveis. Explicou que a reacomodação em outro voo, o reembolso do preço da passagem, uso de meio diverso de transporte e a comunicação formal da preterição de embarque na hipótese de overbooking consubstanciam direitos coletivos em sentido estrito, cuja proteção ou reparação deve seguir a nota de indivisibilidade, sem espaço para apropriação individual da multa.
Acrescentou que o próprio MPF, na petição inicial, não cogitou da liquidação e execução individuais, como seria apropriado para o pedido de entrega da multa a cada consumidor lesado, o que indica atuação institucional para tutela de interesses indivisíveis, incompatível com qualquer imputação particular de valores.
Não ocorre, assim, alteração do pedido, mas simples interpretação da postulação formulada, segundo o conjunto da petição inicial e a boa-fé.
5) Assunção do poder regulamentar da ANAC
O acordão não se omitiu ou contradisse na imposição do dever de comunicação por escrito do overbooking ao consumidor impedido de embarcar. Considerou que ele decorre do direito de informação, transparência, harmonização e educação do consumo e que a Resolução nº 141/2010 – e a Resolução nº 400/2016, como se verá – não tutelou adequadamente esse direito, exigindo solicitação do interessado.
Explicou que a iniciativa do consumidor pode impedir o exercício dos direitos relacionados à preterição de embarque, inclusive de natureza indenizatória, deixando na desinformação e obscuridade quem não reclamou. Esclareceu que o procedimento colide com as normas do CPC, de ordem pública e de interesse social.
Fundamentou que há um déficit na regulamentação da ANAC, o que configura violação ao direito de informação do consumo e autoriza a atuação do Ministério Público no sentido da prevenção e reparação do vício ou fato do serviço, através da imposição de obrigação de fazer, de origem imediatamente legal.
Portanto, a condenação judicial não substitui o poder regulamentar da ANAC; visa apenas a suprir omissão de proteção de direitos, no exercício de atividade tipicamente jurisdicional.
6) Descabimento da multa e do critério de fixação
Como já explicado nos capítulos anteriores, o acórdão advertiu que a destinação da multa ao fundo de reparação de interesses difusos e coletivos reflete a natureza indivisível dos direitos em discussão, podendo ser extraída do conjunto da petição inicial do MPF e da boa-fé. Tanto que o órgão ministerial não cogitou de liquidação e execução individuais, que seriam exigíveis em circunstâncias de tutela de interesse individual e divisível.
Ponderou também que a multa não equivale à do poder de fiscalização da ANAC, já que possui natureza judicial, voltada à garantia do cumprimento de sentença. Explicou que o cenário de desrespeito aos direitos de consumidor impedido de embarcar por excesso de passageiros justifica a ativação da tutela jurisdicional, cuja efetividade deve ser buscada através de um instrumento de pressão, como a penalidade pecuniária.
Considerou que o montante de R$ 10.000,00 se mostra apropriado, seja porque encontra correspondência em multa constante do regulamento da ANAC – fixada em atenção às especificidades econômicas do transporte aéreo -, seja porque reflete a importância da aviação civil como serviço essencial e os prejuízos causados ao usuário lesado, devendo assumir dimensão suficiente para o controle dos efeitos da operação de overbooking. Acrescentou que os fundamentos trazem razoabilidade e proporcionalidade ao valor da penalidade.
Nessas condições, não se pode dizer que a multa se confunde com o poder de fiscalização da ANAC ou que o montante foi calculado de modo arbitrário, a ponto de ocorrer omissão ou contradição no acórdão.
7) Revogação da Resolução nº 141/2010 pela Resolução nº 400/2016, com a satisfação dos pedidos do MPF
O acórdão não deixou de ponderar a superveniência da Resolução nº 400/2016 da ANAC, que revogou a resolução cuja aplicação era reivindicada pelo MPF (nº 141/2010), sobretudo no regime da preterição do embarque.
Simplesmente considerou, pela menção a “regulamentos seguintes” à Resolução nº 141/2010 da ANAC, que a nova regulamentação não supriu o déficit de proteção dos direitos do consumidor impedido de embarcar, devido à manutenção da exigência de solicitação do interessado para a comunicação escrita do overbooking, sem que a compensação financeira e o instrumento de pagamento dela (dinheiro, voucher ou transferência bancária) resolvam a omissão – afinal, eles não esclarecem com exatidão o motivo do cancelamento e, consequentemente, pouco contribuem para o exercício das prerrogativas associadas aos efeitos do overbooking.
Explicou que a ausência de informação por escrito, a ser excepcionada por iniciativa do interessado e minimizada, segundo as companhias aéreas, pela própria compensação financeira, viola o direito de informação, transparência, harmonização e educação do consumo, deixando o consumidor desavisado na ignorância e agravando o risco de ineficácia das alternativas asseguradas pelo CDC ao vício ou fato do serviço.
Esclareceu que os regulamentos administrativos da ANAC, em vigor na época da prolação da sentença (Resolução nº 141/2010) e na do julgamento da apelação (Resolução nº 400/2016), não asseguram o direito de informação do consumidor, o que justifica a ativação da jurisdição coletiva para o suprimento da omissão, sem que se possa cogitar de perda do interesse de agir no ponto.
Acrescentou que a regulamentação dos órgãos responsáveis pela aviação civil, independentemente do momento de vigência, não tem evitado a prática de overbooking às custas dos direitos dos consumidores, com a necessidade de condenação judicial e de fixação de multa para o reforço do cumprimento das obrigações relacionadas ao vício e fato do serviço de transporte aéreo. Destacou que 111 infrações praticadas no período de 2007 a 2010 são substanciais, representativas, assim como as autuações mais recentes da ANAC relatadas no site oficial, com as operações especiais de fiscalização no fim de ano e Carnaval, em momento de grande procura.
Portanto, o interesse de agir se faz presente, tanto para o cumprimento do dever de informação, quanto para a efetividade dos direitos dos passageiros previstos pela legislação, que não tem sido garantida pela regulamentação da ANAC, como se pode depreender do número de infrações a cada ano e da fiscalização especial nos períodos de maior procura por transporte aéreo.
8) Sujeição de todas as empresas aéreas ao comando condenatório
Em repetição dos capítulos anteriores, verifica-se que o acórdão previu a condenação de todas as entidades concessionárias, seja porque o overbooking representa uma estratégia operacional do transporte aéreo, à disposição de todas as transportadoras, com grande operatividade e risco sistemático aos direitos dos consumidores, seja porque o número de infrações e reclamações não é pouco representativo, justificando um aparato de proteção generalizado, capaz de vincular o serviço de transporte aéreo em geral.
Fundamentou que não se trata de antecipação de responsabilidade civil, sem conduta, nexo de causalidade ou resultado, mas de prevenção da jurisdição coletiva contra a violação sistemática e documentada dos direitos dos passageiros, mediante o reforço por decisão judicial dos deveres das transportadoras aéreas e a cominação de multa para o cumprimento do preceito condenatório.
A decisão colegiada, portanto, não se omitiu ou se contradisse no ponto. Incluiu sob o alcance do preceito condenatório todas as empresas aéreas pela própria funcionalidade do transporte e pela quantidade significativa de autuações por preterição de embarque sem o resguardo das alternativas ao vício ou fato do serviço, sem deixar de ponderar a individualidade de cada uma, materializada nos argumentos de defesa.
9) Representatividade das infrações
Como se extrai de capítulos anteriores, o acórdão considerou que o overbooking, enquanto estratégia do serviço de transporte aéreo à validade do bilhete de passagem por doze meses e à correlata possibilidade de cancelamento repentino de reservas e de ausência de embarque (no-show), constitui um risco aos direitos do consumidor. Esse fato, aliado ao número de infrações e reclamações desde 2007, autoriza o reforço das obrigações por vício e fato do serviço por decisão judicial, sob cominação de multa.
Observa-se que a decisão colegiada reputou representativa a quantidade de 111 infrações no período de 2007 a 2010, assim como o número de autuações e reclamações posteriores que constam dos relatórios da ANAC no site oficial, principalmente nos momentos de grande procura pelo transporte aéreo – fim de ano e Carnaval -, concluindo que a tutela dos interesses dos passageiros se fazia necessária, num contexto de lesividade suficiente.
Inexistiu, dessa forma, omissão ou contradição na abordagem da matéria.
10) Condenação da ANAC
Em relação à condenação da ANAC, o acórdão expôs que, na condição de agência reguladora da aviação civil, ela deve garantir a comunicação por escrito da prática do overbooking, além da regulamentação já expedida, e informar o MPF de cada infração cometida, após a própria autuação administrativa – afinal, o objeto do poder de fiscalização da agência reguladora e o da jurisdição coletiva coincidem.
Diferentemente do que constou dos embargos, o MPF requereu a condenação da ANAC, o que seria, aliás, intuitivo, devido ao fato de que a regulamentação sobre preterição do embarque não é suficiente para garantia do direito de informação do consumo, tampouco eficaz para o cumprimento das alternativas previstas ao vício ou fato do serviço.
Nessas circunstâncias, não se pode cogitar de inexequibilidade da condenação para a ANAC. Ela tem por atribuição a tutela dos direitos do usuário de transporte aéreo, inclusive a estabelecida em decisão judicial, e deve colaborar com a Justiça para o cumprimento de provimentos condenatórios e mandamentais, no exercício de seu próprio poder de fiscalização.
11) Conclusão
Pela comparação entre os fundamentos dos embargos de declaração e os do julgamento colegiado, conclui-se que as empresas aéreas e a ANAC pretendem claramente rediscutir a solução dada à controvérsia, ultrapassando os limites do simples esclarecimento. Para esse propósito, devem se valer do recurso apropriado.
Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. ANAC. REPRESENTAÇÃO JUDICIAL EXERCIDA PELA PROCURADORIA COM PRERROGATIVAS DE FAZENDA PÚBLICA. ARTIGO 17 DA LEI Nº 11.182/2005. INTIMAÇÃO PESSOAL DOS ATOS PROCESSUAIS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE SUA EFETIVAÇÃO. JULGAMENTO DO RECURSO. ANULAÇÃO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA DATA PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO, COM QUÓRUM AMPLIADO. ARTIGO 942 DO CPC. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA ANAC ACOLHIDOS, PREJUDICADOS OS DEMAIS.
- A representação judicial da ANAC é exercida por procuradoria com prerrogativas de fazenda pública, nos termos do artigo 17 da Lei nº 11.182/2005. Destarte, a sua intimação para os atos do processo deve ser pessoal, nos termos do que dispõe o artigo 17 da Lei nº 10.910/2004.
- Ausência de demonstração de que a procuradoria foi intimada pessoalmente da data do prosseguimento do julgamento. Há, assim, evidente prejuízo, na medida em que o Código de Processo Civil assegura expressamente às partes o direito de expor suas razões oralmente perante os julgadores que integrarão o quórum ampliado, consoante se constata da redação do artigo 942, caput. O direito de sustentar oralmente perante os julgadores que vierem a integrar o quórum ampliado não é condicionado ao prévio pedido de sustentação oral ou à extensão da divergência, consoante acontecia com a extinta figura dos embargos infringentes. Da mesma forma, os debates podem influenciar até mesmo aqueles que já proferiram seus votos e que podem alterá-los por ocasião do prosseguimento do julgamento, nos termos do artigo 942, §2º, do CPC. Assim, entendo insuperável o vício suscitado nos embargos de declaração da ANAC.
- Embargos declaratórios da ANAC acolhidos, a fim de anular o julgamento finalizado na sessão de 23.10.2019, para que seja pessoalmente intimada da data do prosseguimento, com quórum ampliado, nos termos do artigo 942 do CPC, prejudicados os demais embargos de declaração.