Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001549-88.2017.4.03.6128

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

APELADO: EVELINE GRILLO PEREIRA ALVES FEITOSA

Advogado do(a) APELADO: EDER COELHO DOS SANTOS - SP352161-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001549-88.2017.4.03.6128

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

 

APELADO: EVELINE GRILLO PEREIRA ALVES FEITOSA

Advogado do(a) APELADO: EDER COELHO DOS SANTOS - SP352161-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Cuida-se de apelação, em ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de Eveline Grillo Pereira Alves, servidora do INSS então lotada em Amparo-SP, com fundamento no art. 9º, inciso XI, e art. 11, inciso I, Lei 8.429/92, em decorrência de ter sido nomeada para cargo comissionado em Jundiaí-SP e ter solicitado ajuda de custo para mudança de domicílio, o que não se implementou, além de ter gozado de período de trânsito de 18 dias, para suposto retorno à APS Amparo-SP, não obstante já estivesse, à época, naquela localidade.

 

Requereu: a) a título de antecipação de tutela, a indisponibilidade de bens até o limite de R$ 188.852,91, valor correspondente a uma vez e meia o valor indevidamente recebido (R$ 24.959,22), acrescido de multa civil; b) condenação da requerida nas penalidades previstas no art. 12, I, da Lei nº 8.429/92, e ressarcimento ao erário federal, inclusive com a perda do cargo, suspensão dos direitos políticos e aplicação de multa civil.

 

A indisponibilidade foi indeferida (doc. 4964323, pg. 2).

 

O Ministério Público Federal interpôs Agravo de instrumento (doc. 4964331).

 

A r. sentença, proferida sob a égide do CPC/2015 (doc. 4964387), rejeitou a ação, nos termos do art. 17, § 8º, LIA, por considerar inadequada a via eleita e a inexistência de ato a configurar improbidade, pois é faculdade do servidor solicitar a verba em questão, sendo assim descabida a atribuição de dolo e. Uma vez não concretizada a mudança de domicílio, os valores percebidos devem ser devolvidos, inclusive cabível a apuração pela Administração, estando ausentes os elementos da improbidade, não podendo se pressupor uma má-fé antecedente pela inocorrência de mudança. Sem honorários.

 

Embargos de declaração do MPF improvidos (doc. 4964401).

 

Apelou o MPF (doc. 4964402), alegando, em síntese, que a servidora omitiu do INSS que jamais havia se mudado da cidade de Amparo-SP, além de ter gozado de período de trânsito irregular. Se não fosse o fato ter vazado à imprensa, a requeria teria tido êxito no locupletamento, sendo que somente se movimentou, para devolver os recursos, após os fatos se tornarem públicos, condutas que se encaixam como atos de improbidade. Esclarece que a devolução administrativa do dinheiro não retira a gravidade do fato, sendo contraditório o r. julgamento, no que respeita à falta de dolo, porque com o veredicto obstou a produção de provas, sob o crivo do contraditório. Requer a anulação da r. sentença, a fim de que seja dada continuidade ao processo, sem prejuízo da imediata decretação de indisponibilidade de bens da demandada.

 

Apresentadas as contrarrazões (doc. 4964406), sem preliminares, subiram os autos a esta E. Corte.

 

Manifestou-se o MPF pelo provimento à apelação (doc. 90607058).

 

É o relatório.

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001549-88.2017.4.03.6128

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

 

APELADO: EVELINE GRILLO PEREIRA ALVES FEITOSA

Advogado do(a) APELADO: EDER COELHO DOS SANTOS - SP352161-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

A r. sentença deve ser reformada.

 

De início, “o posicionamento do STJ é a favor de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso na Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos dispostos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10 da mesma lei. É pacífico no STJ que o ato de improbidade administrativa estabelecido no art. 11 da Lei 8.429/1992 exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não precisa ser específico, sendo suficiente o dolo genérico (REsp 951.389/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 4/5/2011). Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014”, REsp 1819704/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 01/10/2019, DJe 11/10/2019.

 

Neste passo, a acusação ministerial tem arrimo no art. 9º, LIA: “constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente”.

 

O seu inciso XI dispõe, como sendo ato ímprobo, “incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei”.

 

Por sua vez, o art. 11 estatui que “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente”, sendo vedado (inciso I) “praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”.

 

Afigura-se incontroverso que a ré, servidora do INSS, trabalhava em Amparo-SP e foi nomeada para laborar em Jundiaí-SP.

 

Em razão do interesse da Administração no deslocamento da servidora, a Lei 8.112/90, em seu art. 53, prevê: “A ajuda de custo destina-se a compensar as despesas de instalação do servidor que, no interesse do serviço, passar a ter exercício em nova sede, com mudança de domicílio em caráter permanente, vedado o duplo pagamento de indenização, a qualquer tempo, no caso de o cônjuge ou companheiro que detenha também a condição de servidor, vier a ter exercício na mesma sede”.  

 

Logo, da norma não resta dúvida que deverá ocorrer a mudança de domicílio a justificar o pagamento da verba.

 

De seu giro, em regulamentação ao retrocitado dispositivo, o Decreto 4.004/2001, art. 2º, normatiza que “a ajuda de custo corresponderá a uma remuneração, caso o servidor possua um dependente, a duas remunerações, caso o servidor possua dois dependentes e a três remunerações, caso o servidor possua três ou mais dependentes”.

 

Consta dos autos que Eveline formalizou pedido ao INSS em 23/12/2015, lançando como dependentes dois filhos e esposo (doc. 4964281, pg. 3).

 

Contudo, conforme apurado, não restou provado que a servidora efetivamente se mudou para Jundiaí-SP (assumiu o posto em 11/01/2016 - doc. 4964096, pg. 41), tanto que, para amparar a solicitação da indenização, apresentou conta de água da cidade de São Paulo-SP (doc. 4964252).

 

Em pesquisas, constatou o INSS que a servidora acessou sistemas informáticos na cidade de Amparo em 10/02/2016, 09/03/2016, 05/04/2016 e 25/04/2016 (doc. 4964269, pg. 1), o que demonstra a regularidade com que estava na sua cidade de origem.

 

Aliás, os filhos da autora jamais se mudaram de Amparo, como por ela mesmo afirmado (doc. 4964096, pg. 41), tanto que foram matriculados em escola naquela cidade em janeiro/2016 (doc. 4964265, pg. 5 e seguintes).

 

Importante destacar, também, a nebulosa situação conjugal da ré, porque o comprovante de água fornecido, com endereço em São Paulo, e que pertenceria ao então marido, conforme estudos realizados, apresentou consumo regular em data anterior à suposta mudança e em quantidade sempre linear (doc. 4964094, pg. 2), o que evidenciaria a inexistência de deslocamento do marido, sendo injustificada sua inclusão como dependente.

Relevante noticiar que, segundo a própria apelada, houve idas e vindas no relacionamento (doc. 4964406, pg. 10).

 

Nesta ordem de ideias, sendo o pagamento da ajuda de custo baseado no número de dependentes, extrai-se indício de conduta dolosa da requerida ao inserir tais informações na solicitação e não promover a retificação junto à Administração, permanecendo inerte.

Assim, num exame preliminar, trata-se de gesto desprovido de lealdade, porque despida de veracidade a anotação de que seria acompanhada por seus dependentes.

 

Da mesma forma, a parte requerida também disse que, em março/abril de 2016, retornou a Amparo-SP (doc. 4964265, pg. 1), não tendo comunicado o INSS a respeito (doc. 4964096, pg. 42).

 

Com esta conduta, veementemente descumpriu ao disposto no art. 7º, incisos I e II, do Decreto 4.004, porque se tivesse sido observada a norma, o dinheiro deveria ter sido devolvido:

 

 

Art. 7o  Será restituída a ajuda de custo: 

 

I - considerando-se, individualmente, o servidor e cada dependente quando não se efetivar o deslocamento para a nova sede no prazo de trinta dias, contados da concessão, observado o disposto no art. 46 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; 

 

II - quando, antes de decorridos três meses do deslocamento, regressar, pedir exoneração ou abandonar o serviço. 

 

 

Além disso, repousando axiomático que Eveline já estava em Amparo-SP entre março/abril, apurou-se, ainda, que gozou de período de dezoito dias de trânsito (doc. 4964268, pg. 15, item b.2).

 

Em tal contexto, o art. 18, Lei 8.112/90, preconiza: “ O servidor que deva ter exercício em outro município em razão de ter sido removido, redistribuído, requisitado, cedido ou posto em exercício provisório terá, no mínimo, dez e, no máximo, trinta dias de prazo, contados da publicação do ato, para a retomada do efetivo desempenho das atribuições do cargo, incluído nesse prazo o tempo necessário para o deslocamento para a nova sede”.

 

Se a servidora já estava em Amparo, deveria ter adotado a postura prevista no § 2º de referido artigo, qual seja, declinar do prazo da lei, afinal não precisava de deslocar, em gesto de lealdade à Administração, boa-fé e observância à moralidade administrativa.

 

É dizer, num exame a respeito do enquadramento das condutas da servidora ao que previsto na legislação, há presença de indícios de dolo na solicitação de ajuda de custo, inclusão de dependentes que jamais acompanharam a servidora e indevido gozo de dias de trânsito, em possível configuração de desonestidade, deslealdade e ilegalidade, os quais, segundo a LIA, estão sujeitos aos seus ditames.

 

Some-se a isso tudo que Eveline somente teve a iniciativa de pleitear a devolução dos valores pagos em 26/06/2017 (doc. 4964319, pg. 45), anos após o recebimento da verba e que, conforme mui bem frisado pelo MPF, não fosse a denúncia realizada, certamente que o recebimento indevido do valor teria passado despercebido, em verdadeira lesão ao Erário.

 

Desta forma, os fatos e provas carreados pelo MPF estão revestidos de indícios suficientes da existência do ato de improbidade, devendo os autos volver ao E. Juízo de Primeiro Grau, em regular trâmite de processamento.

 

De saída, nos termos do REsp 1366721/BA, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 26/02/2014, DJe 19/09/2014, sob a sistemática dos Recursos Repetitivos, possível a decretação da indisponibilidade dos bens, baseado no “periculum in mora” presumido “pro societatis”, diante dos fortes indícios de atos contrários à probidade, conforme a fundamentação supra :

 

 

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. APLICAÇÃO DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DOS BENS DO PROMOVIDO. DECRETAÇÃO. REQUISITOS. EXEGESE DO ART. 7º DA LEI N. 8.429/1992, QUANTO AO PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. MATÉRIA PACIFICADA PELA COLENDA PRIMEIRA SEÇÃO.

1. Tratam os autos de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal contra o ora recorrido, em virtude de imputação de atos de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/1992).

2. Em questão está a exegese do art. 7º da Lei n. 8.429/1992 e a possibilidade de o juízo decretar, cautelarmente, a indisponibilidade de bens do demandado quando presentes fortes indícios de responsabilidade pela prática de ato ímprobo que cause dano ao Erário.

3. A respeito do tema, a Colenda Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1.319.515/ES, de relatoria do em. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator para acórdão Ministro Mauro Campbell Marques (DJe 21/9/2012), reafirmou o entendimento consagrado em diversos precedentes (Recurso Especial 1.256.232/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19/9/2013, DJe 26/9/2013; Recurso Especial 1.343.371/AM, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/4/2013, DJe 10/5/2013; Agravo Regimental no Agravo no Recurso Especial 197.901/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 28/8/2012, DJe 6/9/2012; Agravo Regimental no Agravo no Recurso Especial 20.853/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 21/6/2012, DJe 29/6/2012; e Recurso Especial 1.190.846/PI, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16/12/2010, DJe 10/2/2011) de que, "(...) no comando do art. 7º da Lei 8.429/1992, verifica-se que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual 'os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível'. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. Assim, a Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art. 789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido".

4. Note-se que a compreensão acima foi confirmada pela referida Seção, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.315.092/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 7/6/2013.

5. Portanto, a medida cautelar em exame, própria das ações regidas pela Lei de Improbidade Administrativa, não está condicionada à comprovação de que o réu esteja dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora encontra-se implícito no comando legal que rege, de forma peculiar, o sistema de cautelaridade na ação de improbidade administrativa, sendo possível ao juízo que preside a referida ação, fundamentadamente, decretar a indisponibilidade de bens do demandado, quando presentes fortes indícios da prática de atos de improbidade administrativa.

6. Recursos especiais providos, a que restabelecida a decisão de primeiro grau, que determinou a indisponibilidade dos bens dos promovidos.

7. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e do art. 8º da Resolução n. 8/2008/STJ.”

(REsp 1366721/BA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 19/09/2014)

 

Assim, com razão o MPF em sua pretensão de indisponibilidade, conforme os pedidos prefaciais, devendo ser observado o limite máximo de R$ 188.852,91:

 

a) a expedição de ordem de bloqueio on-line, via sistema BACENJUD, de eventuais ativos financeiros existentes em contas ou aplicações titularizadas pela requerida;

 

b) a expedição de ordem de bloqueio on-line, via sistema RENAJUD, de todos os veículos automotores titularizados pela requerida;

 

c) a expedição de ofício à Junta Comercial do Estado de São Paulo, noticiando a decretação de indisponibilidade de bens da requerida e requisitando informações acerca das providências adotadas para implementação da medida;

 

d) a expedição de ofício aos Ofícios do Registro de Imóveis de Amparo/SP, noticiando a decretação de indisponibilidade de bens da requerida e requisitando informações acerca das providências adotadas para implementação da medida;

 

 

As medidas aqui deferidas deverão ser imediatamente cumpridas pelo E. Juízo “a quo”.

 

 

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO, a fim de que os autos retornem à vara de origem para regular processamento, determinando a indisponibilidade de bens, na forma da fundamentação.

 

 

É como voto. 

 



E M E N T A

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – RECEBIMENTO DE AJUDA DE CUSTO - ART. 53, LEI 8.112/90 – INCLUSÃO DE CÔNJUGE E FILHOS COMO DEPENDENTES – INEXISTÊNCIA DE MUDANÇA – DEVOLUÇÃO DOS VALORES RRECEBIDOS - ART. 7º, INCISOS I E II, DO DECRETO 4.004/2001 -  CONCESSÃO DE PERÍODO DE TRÂNSITO - ART. 18, LEI 8.112/90 -  INDÍCIOS SUFICIENTES DA EXISTÊNCIA DE DOLO E DE ENQUADRAMENTO COMO ATOS DE IMPROBIDADE - ARTS. 9º E 11, LIA -  INDISPONIBILIDADE DE BENS

 

  • De início, “o posicionamento do STJ é a favor de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso na Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos dispostos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10 da mesma lei. É pacífico no STJ que o ato de improbidade administrativa estabelecido no art. 11 da Lei 8.429/1992 exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não precisa ser específico, sendo suficiente o dolo genérico (REsp 951.389/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 4/5/2011). Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014”, REsp 1819704/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 01/10/2019, DJe 11/10/2019.
  • A acusação ministerial tem arrimo no art. 9º, LIA : “constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente”.
  • O seu inciso XI dispõe, como sendo ato ímprobo, “incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei”.
  • O art. 11 estatui que “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente”, sendo vedado (inciso I) “praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”.
  • Afigura-se incontroverso que a ré, servidora do INSS, trabalhava em Amparo-SP e foi nomeada para laborar em Jundiaí-SP.
  • Em razão do interesse da Administração no deslocamento da servidora, a Lei 8.112/90, em seu art. 53, prevê : “A ajuda de custo destina-se a compensar as despesas de instalação do servidor que, no interesse do serviço, passar a ter exercício em nova sede, com mudança de domicílio em caráter permanente, vedado o duplo pagamento de indenização, a qualquer tempo, no caso de o cônjuge ou companheiro que detenha também a condição de servidor, vier a ter exercício na mesma sede”.  Da norma não resta dúvida que deverá ocorrer a mudança de domicílio a justificar o pagamento da verba.
  • Em regulamentação ao retrocitado dispositivo, o Decreto 4.004/2001, art. 2º, normatiza que “a ajuda de custo corresponderá a uma remuneração, caso o servidor possua um dependente, a duas remunerações, caso o servidor possua dois dependentes e a três remunerações, caso o servidor possua três ou mais dependentes”.
  • Consta dos autos que a Ré formalizou pedido ao INSS em 23/12/2015, lançando como dependentes dois filhos e esposo.
  • Conforme apurado, não restou provado que a servidora efetivamente se mudou para Jundiaí-SP.
  • Seus filhos jamais se mudaram de Amparo, como por ela mesmo afirmado, tanto que foram matriculados em escola naquela cidade em janeiro/2016.
  • Importante destacar, também, a nebulosa situação conjugal da ré, havendo dúvidas se ela e o cônjuge residem juntos.
  • Sendo o pagamento da ajuda de custo baseada no número de dependentes, extrai-se indício de conduta dolosa da requerida ao inserir tais informações na solicitação e não promover a retificação junto à Administração.
  • A parte requerida também disse que, em março/abril de 2016, retornou a Amparo-SP, não tendo comunicado o INSS a respeito.
  • Com esta conduta, veementemente descumpriu ao disposto no art. 7º, incisos I e II, do Decreto 4.004, porque se tivesse sido observada a norma, o dinheiro deveria ter sido devolvido.
  • Repousando axiomático que a Ré já estava em Amparo-SP entre março/abril, apurou-se, ainda, gozou de período de dezoito dias de trânsito.
  • Em tal contexto, o art. 18, Lei 8.112/90, preconiza : “ O servidor que deva ter exercício em outro município em razão de ter sido removido, redistribuído, requisitado, cedido ou posto em exercício provisório terá, no mínimo, dez e, no máximo, trinta dias de prazo, contados da publicação do ato, para a retomada do efetivo desempenho das atribuições do cargo, incluído nesse prazo o tempo necessário para o deslocamento para a nova sede”.
  • Se a servidora já estava em Amparo, deveria ter adotado a postura prevista no § 2º de referido artigo, qual seja, declinar do prazo da lei, afinal não precisava de deslocar, em gesto de lealdade à Administração, boa-fé e observância à moralidade administrativa.
  • Num exame a respeito do enquadramento das condutas privadas ao que previsto na legislação, há presença de indícios de dolo na solicitação de ajuda de custo, inclusão de dependentes que jamais acompanharam a servidora e indevido gozo de dias de trânsito, em possível configuração de desonestidade, deslealdade e ilegalidade, os quais, segundo a LIA, estão sujeitos aos seus ditames.
  • Os fatos e provas carreados pelo MPF estão revestidos de indícios suficientes da existência do ato de improbidade, devendo os autos volver ao E. Juízo de Primeiro Grau, em regular trâmite de processamento.
  • Nos termos do REsp 1366721/BA, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 26/02/2014, DJe 19/09/2014, sob a sistemática dos Recursos Repetitivos, possível a decretação da indisponibilidade dos bens, baseado no “periculum in mora” presumido “pro societatis”, diante dos fortes indícios de atos contrários à probidade, conforme a fundamentação supra. Precedente.
  • Com razão o MPF em sua pretensão de indisponibilidade, conforme os pedidos prefaciais, devendo ser observado o limite máximo de R$ 188.852,91.
  • Apelação provida.

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, DEU PROVIMENTO À APELAÇÃO, a fim de que os autos retornem à vara de origem para regular processamento, determinando a indisponibilidade de bens, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.