RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001006-92.2020.4.03.6314
RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARIA APARECIDA DE FREITAS RUIZ
Advogado do(a) RECORRENTE: PAULO SERGIO FERNANDES PINHO - SP197902-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001006-92.2020.4.03.6314 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: MARIA APARECIDA DE FREITAS RUIZ Advogado do(a) RECORRENTE: PAULO SERGIO FERNANDES PINHO - SP197902-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso inominado interposto pela Autora (36), ora Recorrente, em face da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial de prestação continuada ao idoso (LOAS IDOSO). Nas razões recursais sustenta a única renda do grupo familiar é do marido no valor de 1 salário mínimo (aposentadoria) e que ela não tem renda e vive em situação de vulnerabilidade. Por essa razão requer a reforma da sentença e a procedência do pedido. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001006-92.2020.4.03.6314 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: MARIA APARECIDA DE FREITAS RUIZ Advogado do(a) RECORRENTE: PAULO SERGIO FERNANDES PINHO - SP197902-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O objeto do recurso é o requisito da miserabilidade. A condição de idosa é incontroversa. O artigo 1.013 do Código de Processo Civil preconiza que o recurso devolve à instância recursal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas desde que relativas ao capítulo impugnado. Não foram arguidas preliminares de mérito e não há aquelas que devem ser conhecidas de ofício pelo julgador. Passo ao julgamento do mérito do recurso. Desde já é importante dizer que o benefício pleiteado é uma excepcionalidade criada pelo legislador com o objetivo de política social de inclusão. Não é benefício previdenciário, mas sim da Assistência Social. Não exige contribuições e por sua natureza deve ser prestado àqueles que além de não auferirem renda, seja por velhice, seja por deficiência ou impedimento de logo prazo, não tem nenhum membro da família que lhes possa prestar qualquer auxílio. É de se ressaltar, ainda, que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, fora de sua configuração constitucional, é fator que vem ajudando a comprometer a higidez do orçamento da Seguridade Social, com graves prejuízos a toda a sociedade. O benefício foi previsto como um mecanismo apto a retirar pessoas da miséria e não como instrumento apto a alçar à classe média ainda que baixa os menos favorecidos ou complementar renda. Conceito de grupo familiar. Considera-se como parte do mesmo grupo familiar “o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (art. 20 da Lei n.º 8.742/93,§ 1º). Deixo consignado que a Lei nº 12.435/11 alterou o conceito de família, dando nova redação ao artigo 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93, não mais remetendo ao artigo 16 da Lei nº 8.213/91 para identificação dos componentes do grupo familiar. É o que se depreende do dispositivo acima transcrito. Dos critérios para aferição da miserabilidade. Pois bem. O benefício assistencial requer o preenchimento de dois requisitos cumulativos para a sua concessão: a) a existência de deficiência ou de idade mínima; e b) hipossuficiência econômica. Em relação à questão econômica, cabe observar que, a despeito da controvérsia quanto à adequação do valor fixado pelo legislador no § 3o., do art. 20, da Lei 8742/93, a fixação da renda familiar inferior a um quarto do salário mínimo per capita é critério seguro a indicar o cabimento do benefício. No entanto, a certeza absoluta do estado de miserabilidade das famílias cujos membros sobrevivam com menos um quarto de salário mínimo não faz inferir a negativa desse estado de carência em relação àqueles que sobrevivem com pouco mais. O E. Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Recurso Extraordinário 567.985-MT, julgado em 18.04.2013, nos termos do voto condutor, entendeu que “sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza, assistência aos desemparados. Em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais.” Aliás, a comprovação da insuficiência de recursos familiares não se limita à demonstração da renda per capita mensal inferior a ¼ do salário mínimo. “O STF esclareceu que ao longo dos últimos anos houve uma proliferação de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais (Lei n. 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; Lei n. 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Informação; e a Lei n. 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola) e apontou a utilização do valor de meio salário mínimo como valor padrão da renda familiar per capita para análise do preenchimento do requisito da hipossuficiência econômica que deve ser analisado em conjunto com as peculiaridades do caso concreto”. (PEDILEF 00009172220084036304, JUIZ FEDERAL BOAVENTURA JOÃO ANDRADE, TNU, DOU 09/10/2015 PÁGINAS 117/255.) Nesse sentido, a Súmula nº 21 (TRU 3ª Região): "Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderás ser infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo." Da exclusão de renda e do indivíduo que aufere proventos de aposentadoria ou benefício de prestação continuada no valor de até um salário mínimo e exclusão de valores obtidos com programa assistencial de Bolsa Família. O benefício previdenciário ou assistencial no valor de até 1 (um) salário mínimo pago a(o) qualquer um dos membros do grupo familiar da parte autora não pode ser considerado para o cálculo da renda familiar, por aplicação analógica do artigo 34 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), in verbis: “Artigo 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.” Nesse mesmo sentido a jurisprudência: “BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LEI Nº 8.742/93. PESSOA IDOSA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. BENEFÍCIO DEVIDO. 1. O benefício previdenciário em valor igual a um salário mínimo, recebido por qualquer membro da família, não se computa para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o art. 20 da Lei nº 8.742/93, diante do disposto no parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), cujo preceito é aplicável por analogia. 2. Preenchido o requisito idade, bem como comprovada a ausência de meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, é devida a concessão do benefício assistencial de que tratam o art. 203, inciso V, da Constituição Federal e a Lei nº 8.742/93. 3. Apelação do INSS improvida. (APELAÇÃO CIVEL - 825039, Rel. Desembargador GALVÃO MIRANDA, DÉCIMA TURMA, julgado em 19.12.2006, DJ 31.01.2007 p. 585)” Nesse passo, diante dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, evidencia-se razoável a adoção de interpretação mais ampla, por analogia ao disposto no parágrafo único do artigo 34 da Lei n.º 10.741/03, de modo a desconsiderar, no cômputo da renda per capita, não somente o benefício recebido por pessoa idosa maior de 65 anos como também o amparo social ao deficiente e os decorrentes de aposentadoria, de valor mínimo, percebido por integrante do grupo familiar. Nesse sentido é a jurisprudência do E. Tribunal Regional da 3ª Região: “ASSISTENCIAL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, DO CPC. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CF. RENDA FAMILIAR PER CAPITA. ART. 20, §3º, DA LEI N.º 8.742/93. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 34 DA LEI nº 10.741/2003. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. 1. Para a concessão do benefício de assistência social (LOAS) faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) ser pessoa portadora de deficiência ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (art. 34 do Estatuto do Idoso - Lei n.º 10.741 de 01.10.2003); 2) não possuir meios de subsistência próprios ou de tê-la provida por sua família, cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo (art. 203, V, da CF; art. 20, § 3º, e art. 38 da Lei n.º 8.742 de 07.12.1993). 2. Preenchidos os requisitos legais ensejadores à concessão do benefício. 3. O C. Supremo Tribunal Federal já decidiu não haver violação ao inciso V do art. 203 da Magna Carta ou à decisão proferida na ADIN nº 1.232-1-DF, a aplicação aos casos concretos do disposto supervenientemente pelo Estatuto do Idoso (art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003). 4. Por aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, não somente os valores referentes ao benefício assistencial ao idoso devem ser descontados do cálculo da renda familiar, mas também aqueles referentes ao amparo social ao deficiente e os decorrentes de aposentadoria no importe de um salário mínimo. 5. Agravo Legal a que se nega provimento. (APELREEX 00084908020094036109, DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/09/2013)” Excluída a renda de até um salário mínimo, de rigor excluir o beneficiário do cálculo da renda per capita. É de se observar que, uma vez excluídos os rendimentos de até um salário mínimo, pago ao idoso ou deficiente físico, para efeito de apuração da renda per capita do núcleo familiar, também é de ser excluído aquele que recebe tais rendimentos, e tal sistemática atende ao disposto no parágrafo único, art. 34 do Estatuto do Idoso. Veja que constitui equívoco a exclusão da referida renda se também não excluído aquele que a recebe, para efeito de apuração da renda per capita do núcleo familiar em exame. Com efeito, embora a lei não explicite a exclusão do idoso ou deficiente que já recebe benefício assistencial ou previdenciário no valor de um salário mínimo, ditando, apenas, que referida renda deve ser excluída, tal se mostra decorrência lógica do ditame legal, pois o indivíduo em questão já está devidamente socorrido pela seguridade social, e, portanto, deve ser excluído do núcleo familiar para efeito de apuração da renda per capita, de modo a restar sem efeito, nessa apuração, o valor em questão. É evidente o escopo da lei em preservar a "neutralidade", para efeito de apuração da renda per capita, dos valores pagos a título de benefício assistencial, neutralidade esta que inexistiria se retirada essa renda, em obediência ao ditame legal, mas mantido aquele que a recebe, como se fosse membro do núcleo familiar sob análise, e, por isso, ainda carente dos recursos financeiros totais obtidos pelo referido grupo. Esse equívoco, o de excluir os rendimentos pagos a idosos ou deficientes, a título de benefício assistencial ou previdenciário no valor de um salário mínimo, porém, com a manutenção do componente em questão para efeito de apuração da renda per capita, resultaria em apuração de renda per capita artificialmente diminuída, na medida em que incluiria membro que, em verdade, não afeta os rendimentos do núcleo familiar, pois, como ressaltado, já tem suas necessidades básicas atendidas por meio de seus rendimentos próprios, de modo que extirpar esses vencimentos, mas manter dito componente, implica em renda per capita equivocadamente apurada, na medida em que leva em consideração indivíduo que não depende economicamente do núcleo familiar sob exame. Insta salientar que é falsa a conclusão de que “excluir o componente do grupo e sua renda resulta no mesmo que não excluir ambos”, o que, evidentemente, não tenderia ao disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do idoso. Basta analisar cada um dos casos concretos, e apurar a renda per capita com a exclusão do componente devidamente assistido pelo benefício de um salário mínimo, mas excluído do núcleo familiar, e comparar o resultado matemático considerando sua inclusão mais seus rendimentos (nesta última hipótese simulação contrária à lei), e se constatará diferença comprobatória de que não há equivalência entre "excluir o componente do grupo e sua renda e manter ambos", última hipótese, repita-se, contrária ao dispositivo legal examinado, com o que tenho que a correta aplicação do disposto no art. 34 do Estatuto do Idoso tem como vetor a desconsideração de qualquer efeito financeiro decorrente do cômputo dos rendimentos de um salário mínimo pago ao idoso ou deficiente a título de benefício assistencial ou previdenciário, com fim de que tal seja indiferente à apuração da renda per capita, neutralidade esta obtida desde que haja, também, a desconsideração daquele assistido por esse recurso financeiro, uma vez que, pontuasse, não depende economicamente do núcleo familiar em questão, porque já supridas suas necessidades básicas por meio de seus rendimentos próprios. Quanto ao bolsa-família, consigno que o próprio regulamento do benefício assistencial ora almejado (Decreto 6.214/2007) prevê a desconsideração, do cálculo da renda mensal, dos valores oriundos de programas sociais de transferência de renda: “Art. 4º Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se: (...) VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19. § 2o Para fins do disposto no inciso VI do caput, não serão computados como renda mensal bruta familiar: (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011) I - benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária; (Incluído pelo Decreto nº 7.617, de 2011) II - valores oriundos de programas sociais de transferência de renda;(...)” O Bolsa Família é, por dicção legal, um programa social de transferência de renda, vide o caput do art. 1º da Lei 10.836/04: “Art. 1º Fica criado, no âmbito da Presidência da República, o Programa Bolsa Família, destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades.” Assim, verifica-se que segundo o próprio entendimento da Administração Previdenciária, o valor oriundo do Bolsa Família deve ser desconsiderado para fins de concessão do LOAS. Quanto à capacidade financeira da família em prover o sustento de seu ente idoso ou deficiente. Mesmo que já apurada a renda per capita, é necessária também a aferição da capacidade financeira da família da parte autora (aqui entendida de forma ampla) em prover o seu sustento, visto que a assistência estatal é subsidiária à assistência que deve ser provida pelos entes familiares (parte final do art.203, V, da CF88). Ou seja, apenas na impossibilidade da família sustentar seus idosos ou deficientes é que deve a sociedade arcar com este custo. Ressalto que, diferentemente do cálculo da renda per capita utilizado para aferição do estado de miserabilidade, entendo que, neste requisito, toda e qualquer renda deve ser considerada, de forma a verificar, de fato, se a família é capaz de adimplir ao dever de alimentar. Tal entendimento está pautado na principiologia constitucional (Princípio da Solidariedade, art. 3º, I, da CF88), transpassando o direito de família (Princípio da Solidariedade Familiar, art. 1.694 do Código Civil) e é excludente legal do direito de concessão do benefício assistencial (art. 203, V, da CF88), a ver (grifo nosso): Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. Art. 203, V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. É preciso levar em consideração para a correta interpretação dos requisitos necessários para a obtenção do benefício assistencial pretendido o disposto nos arts. 229 e 230, caput, da Constituição Federal, verbis: Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Art. 230. A família, a sociedade, e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. Assim, ainda que o interessado em obter o benefício assistencial não resida com seus pais ou filhos maiores sob o mesmo teto, a responsabilidade destes não pode ser desprezada para efeito de avaliação do requisito da miserabilidade, porque é aos familiares, em primeiro lugar, que a Constituição Federal atribui o dever de prestar alimentos. Esse dever é repetido e detalhado no Código Civil, especialmente nos arts. 1.695 a 1.697, que reproduzo abaixo por questão de clareza: Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais. Em outras palavras, diante do dever dos pais e dos filhos maiores e, na falta destes, dos irmãos, a responsabilidade do Estado pelo sustento do idoso é tão somente subsidiária. Ressalto que o conceito de família expresso no art. 203, V, da CF88, é amplo e não se relaciona à restrição contida no §1º do artigo 20 da lei 8742/93, este o qual possui caráter evidentemente operacional e deve ser utilizado exclusivamente para cálculo da renda per capita. Entendo que a análise da capacidade financeira da família para o sustento de seu ente em estado de necessidade deve ser efetuada de forma objetiva, a partir da verificação de qual percentual da renda dos familiares corresponde a um salário mínimo (valor do benefício a ser concedido). Em suma, caso um pequeno percentual da renda da família seja equivalente ao valor a ser pago pelo benefício assistencial, salvo prova em contrário, entendo que se presume a capacidade dos parentes em prover o sustento do seu ente necessitado, afastando assim, a necessidade da tutela assistencial. Das reais condições de moradia e da possível ocultação de renda. O critério de renda per capita é apenas um dos elementos do estado de miserabilidade e constitui presunção relativa de vulnerabilidade social se abaixo de ½ salário mínimo. Porém, outros elementos, tais como as condições de moradia incoerentes com a renda declarada, podem indiciar a existência de ocultação de renda, sobretudo, nos casos em que o membro da unidade familiar não possui vínculo de emprego com renda demonstrada nos autos (cópia da CTPS, CNIS ou holerites) ou não consta histórico das contribuições individuais no CNIS. Há que se ter em conta, ainda, que a miserabilidade não pode ser presumida, muito menos de forma absoluta utilizando-se apenas como critério o valor da renda per capita, conforme recente decisão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) que abaixo transcrevo: É de conhecimento notório que a economia brasileira é marcada por alto percentual de informalidade, não sendo raros os casos de famílias que, a despeito de não registrarem renda formal, ostentam qualidade de vida satisfatória, de acordo com padrões internacionalmente aceitos. Ademais, a adoção da presunção de miserabilidade baseada exclusivamente na renda formal, retira do juiz o livre convencimento motivado com base na prova dos autos ( CPC – artigos 131 e 436) que é um dos cânones do direito processual pátrio. Processo 5009459- 52.2011.4.04.7001, Relator JUIZ FEDERAL PAULO ERNANE MOREIRA BARROS. Do caso concreto. A parte autora teve indeferido o pedido pelo INSS, NB n. 7033703105, cuja DER é de 06/11/2017. Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com a entrevista social, o grupo familiar é composto por 2 (dois) indivíduos: a autora seu cônjuge. A renda provém da aposentadoria por idade do marido no valor de 1 salário mínimo. Assim, nos termos da fundamentação desse voto, excluo a renda proveniente da aposentadoria de modo que a renda da autor é “zero, demonstrando presunção relativa de miserabilidade. Descarto a possibilidade de auxílio dos demais familiares, pois de acordo com o laudo social estes constituem núcleo autônomo e não tem condições de prestar auxílio, são analfabetos e trabalham catando material reciclável. No que tange as condições de moradia a parte reside no imóvel próprio em condições ruins, parcos itens eletroportáteis, parca em mantimentos, sem telefone fixo ou celular. Além disso, residem em imóvel de bairro de difícil acesso. Vejamos o que disse o laudo: “(...) Histórico (campo para relato da parte autora e de sua família quanto às suas dificuldades financeiras, as privações que eventualmente estejam a sofrer). Para constatar a situação socioeconômica da autora Sra. Maria Aparecida de Freitas Ruiz foi realizado a visita social. A autora reside em condição humilde juntamente com seu esposo, idoso, apresenta enfermidades e aposentado com um salário mínimo. A autora informou que teve seus seis filhos trabalhando na lavoura, sem nenhum direito de licença médica e outros benefícios que ela poderia ter e, no entanto, não teve. Ela trabalhou até os cinquenta anos. Em razão de não ter vínculos empregatícios. Por esse motivo encontra dificuldades para se aposentar. Ela informou que ia para o trabalho com seu esposo, ele era registrado e ela não. Portanto ele conseguiu se aposentar a dezesseis anos. Durante algum tempo ele fez alguns bicos para complementar a renda familiar, depois teve que parar devido aos problemas de saúde com diabete, pressão alta e colesterol alterado. A autora informou que os médicos que ela trata em Catanduva diagnosticou que ela sofre várias sequelas dos serviços exaustivos na lavoura com dores na coluna, inchaço nas pernas, caminha com dificuldades, para melhorar um pouco faz uso de bengala e pressão alta. Os filhos não estudaram, começaram a trabalha muito cedo na roça, cortando e plantando coma e laranja. As três mulheres são diaristas e trabalham também com coleta e venda de materiais recicláveis. Diante do exposto, os filhos não podem ajudar. A autora e o esposo vivem, portanto, com dificuldades financeiras e qualidade de vida ruim devido à baixa renda, idades avançadas e enfermidades que não possibilitam exercer atividade profissional. Respostas aos quesitos do Juízo 1. A parte autora realmente mora no endereço mencionado na petição inicial? Sim, a autora reside no endereço mencionado na petição inicial. 2. A moradia é própria, alugada ou cedida por algum membro familiar? Própria. 3. Qual a infra-estrutura e as condições gerais de moradia? Para tanto, indicar quantidade de cômodos, tempo em que o grupo dela se utiliza, principais características e breve descrição da rua e bairro em que localizada. Imóvel simples, antigo, conservação ruim, cuidados e higiene razoável apesar da humildade e dificuldades que a autora informou em não conseguir realizar os serviços domésticos devido às dores que sente no corpo. O imóvel está localizado em um bairro distante da área central, equipamentos de saúde, educação e comércio. Por ser um município de pequeno porte não há linha de transporte público coletivo. Possui rede de água, esgoto, energia elétrica e pavimentação asfáltica. Pelo aspecto dos imóveis, percebe-se que os moradores possuem baixa renda. O imóvel possui dois dormitórios, uma sala, uma cozinha e um sanitário. Não possui forro, as telhas e instalações elétricas são aparentes. Contrapiso pintado de vermelhão e pintura de cal. A família reside nesse endereço há vinte e quatro anos, nunca tiveram condições financeiras de realizar reformas e/ou melhorias. 4. A parte autora ou alguém do grupo familiar[1] possui outros imóveis? Possui carro? Se sim, que marca e ano? Possui telefone fixo ou celular? Quantos? Não possui outro imóvel, veículos e nem telefones fixos e/ou celulares. 5. Quais são as características dos móveis e utensílios que guarnecem a casa? São compatíveis com a renda familiar declarada? Fundamente a resposta. Os móveis e eletrodomésticos são simples, de baixa qualidade e conservação ruim devido ao tempo de uso. Existe o necessário para viver com o mínimo de conforto. Não foi observado nenhum utensílio com aspecto de ter sido adquirido recentemente. 6. A parte autora ou algum dos familiares recebe benefício do INSS ou algum benefício assistencial (LOAS)? O esposo da autora é aposentado pelo INSS e recebe um salário mínimo há dezesseis anos. 7. Alguém do grupo familiar alvo da investigação social é deficiente físico, mental ou está incapacitado para o trabalho? Esclareça. A autora sofre de desgaste na coluna, pressão alta e problemas circulatórios, tem as pernas e os pés inchados e faz uso de bengala. 8. A parte autora ou alguém do seu grupo familiar faz uso constante de medicamentos? Quais? Estes medicamentos não são fornecidos pela rede pública? A autora faz uso de Lipess 100 mg; Ibrunix 300 mg; Carvedilol 25 mg; Sinvastatina 40 mg; Desilopin 5 mg; Aldosterin 25 mg; AAS. Seu esposo faz uso de Cloridrato de Betaistina 16 mg; NeoFedifina 20 mg; Atenolol 25 mg; Cloridrato de Metformina 500 mg; Maleato de Enalapril 10 mg; Diuremida 40 mg; Nioxil 20 mg; Digascina 0,25 mg; AAS. Os medicamentos, em sua maioria, são encontrados na rede pública. 9. A parte autora recebe algum auxílio financeiro de alguma instituição[2] ou de parente que não integra o núcleo familiar? Com exceção dos medicamentos e vestuários, as demais despesas são pagas com a renda financeira do esposo da autora. 10. Que componentes do grupo familiar estavam presentes durante a visita social? Foram entrevistados? A autora e o esposo. 11. Indique abaixo a composição familiar e o meio de sobrevivência dos membros do grupo, atentando para as seguintes observações: Pelas informações, o núcleo familiar é formado por dois idosos. a) mencionar quantos do grupo familiar exercem atividade remunerada, ainda que informal, esporádica, incerta, eventual ou de pouca monta. b) mencionar quais desses membros estavam presentes por ocasião da visita social; c) ausentes ou presentes durante a visita, em quais elementos a perita judicial formou sua convicção de que realmente integram o grupo familiar? Dispensa-se a justificativa quando integra o grupo familiar apenas pais e filhos menores. Despesas: DISCRIMINAÇÃO VALOR OBSERVAÇÃO Alimentação 800,00 Compra por semana e um pouco de cada vez Água 40,00 Luz 150,00 Gás 80,00 TOTAL 1070,00 (...)” Assim, considerando a renda zero da autora, as condições de moradia e fotografias anexadas está caracterizado o estado de vulnerabilidade que dá direito à autora ao benefício de prestação continuada ao idoso. Pelo exposto, dou provimento ao recurso para reformar a sentença e conceder em favor da parte autora o benefício de prestação continuadas. Conclui-se, assim, que a parte Recorrente preenche os requisitos para o recebimento do benefício de prestação continuada ao portador de deficiência. Resta aferir agora a partir de quando a parte autora teria direito ao benefício assistencial. O requerimento administrativo foi feito em 06/11/2017. Vejamos as premissas já sedimentadas pela jurisprudência: se houve requerimento administrativo e a incapacidade (ou impedimento, no caso de benefício assistencial) estabelecida no laudo pericial for preexistente àquele, o benefício será devido desde o requerimento administrativo (Súmula n° 22 da TNU: Se a prova pericial realizada em juízo dá conta de que a incapacidade já existia na data do requerimento administrativo, esta é o termo inicial do benefício assistencial); se houve requerimento administrativo e o laudo pericial judicial fixar a data de início da incapacidade (ou impedimento, no caso de benefício assistencial) após o requerimento administrativo (legitimando a recusa do INSS), antes ou após a data da citação, o benefício será devido desde a citação (STJ, 1ª. Seção, RESp n. 1.369.165/SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 07/03/2014, sob o regime representativo de controvérsia; TNU, PEDILEF 05003021-49.2012.4.04.7009, rel. Frederico Augusto Leopoldino Koehler, DOU 13/11/2015). Em todos os casos, se privilegia o princípio do livre convencimento motivado que permite ao magistrado a fixação da data de início do benefício mediante a análise do conjunto probatório (Precedente: PEDILEF n.º 05017231720094058500)” (Cf. PEDILEF n.º 0501152-47.2007.4.05.8102, Rel. Juiz Federal Paulo Ricardo Arena Filho, j. 25 mai. 2012) Aplicando tais preceitos ao idoso, tem-se que o estado de vulnerabilidade já estava presente na DER, vez que a renda de 1 salário mínimo do cônjuge assim o é há 16 anos e o CNIS da autora demonstra que não possuía renda àquela época. Diante do exposto, dou provimento ao recurso da parte Autora, para reformar a sentença e julgar procedente o pedido condenando o INSS a implantar em favor da parte Autora o benefício de prestação continuada ao portador de deficiência a partir da DER em 06/11/2017. Tendo em vista a natureza alimentar do benefício e considerando o disposto no art. 43 da Lei n.º 9.099/95 e no art. 497 do Código de Processo Civil, concedo tutela específica para determinar a implantação do benefício independentemente do trânsito em julgado. OFICIE-SE com brevidade o INSS (APSADJ) para dar cumprimento à tutela, mediante comprovação nos autos, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias a contar da intimação. O descumprimento do prazo acima estabelecido importará em multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais) por dia de atraso, pela qual responderá o INSS, com direito de regresso contra o servidor que desatender a ordem judicial, mediante desconto em folha (arts. 46 e 122 da Lei nº 8.112/90), conforme preceitua o art. 77, inciso IV e parágrafo único, combinado com o art. 536, §1º, ambos do Novo Código de Processo Civil. O valor da multa será revertido ao Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), instituído pelo art. 27 da Lei n.º 8.742/93, e será cobrado por meio de ação autônoma. Com o trânsito em julgado, desde que informado o cumprimento da obrigação de fazer, remetam-se os autos à Contadoria Judicial para apurar os atrasados vencidos desde a data de início do benefício até a DIP, com atualização monetária e incidência de juros de mora nos termos da Lei n.º 11.960/2009 (ajuizamento posterior a 30.06.2009) para o fim de expedição de ofício requisitório. No cálculo dos atrasados deverão ser descontados os valores provenientes de eventuais outros benefícios inacumuláveis percebidos pela parte autora. A existência de vínculo de emprego ou de contribuições no período não impede, contudo, o cômputo dos atrasados, nos termos da Súmula n.º 72 da Turma Nacional de Uniformização. O réu reembolsará à União os honorários periciais, nos termos do art. 12, § 1º, da Lei n.º 10.259/2001. Sem condenação em honorários, porque somente o recorrente vencido deve arcar com as verbas sucumbenciais, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei nº 10.259/2001. É como voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. LOAS IDOSO. SENTENÇA IMPROCEDENTE. RECURSO AUTORA. RENDA ZERO. MISERABILIDADE. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.