APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006923-61.2020.4.03.6102
RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES
APELANTE: MARTINS E OLIVEIRA ADMINISTRACAO E BENS PROPRIOS E PARTICIPACOES LTDA
Advogados do(a) APELANTE: ELINTON WIERMANN - SP349473-A, ROBERTO DE ALMEIDA GUIMARAES - SP217398-A, GABRIEL CARRER LOCATO - SP417744-A
APELADO: JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SAO PAULO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006923-61.2020.4.03.6102 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES APELANTE: MARTINS E OLIVEIRA ADMINISTRACAO E BENS PROPRIOS E PARTICIPACOES LTDA Advogados do(a) APELANTE: ELINTON WIERMANN - SP349473-A, ROBERTO DE ALMEIDA GUIMARAES - SP217398-A, GABRIEL CARRER LOCATO - SP417744-A APELADO: JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SAO PAULO OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por MARTINS E OLIVEIRA ADMINISTRACAO E BENS PROPRIOS E PARTICIPACOES LTDA contra sentença que julgou improcedente o pedido para compelir a autoridade impetrada a proceder o registro da 3ª alteração do contrato social, afastando a exigência de publicação de ata de redução de capital em jornais pelo prazo de 90 dias. Em suas razões, a parte apelante sustenta, em síntese: a) a rerratificação do contrato social não se enquadra na hipótese de redução de capital da sociedade (artigos 1.082, II 1.084, §§1º, 2º e 3º, e 1.152, §1º todos do Código Civil de 2002); b) que a publicação de ata em jornal só é necessária caso a sociedade esteja reduzindo seu capital, se este for excessivo em relação ao objeto da sociedade ou se, depois de integralizado, houver perdas irreparáveis, o que não se verifica no caso concreto; c) a exigência da apelada viola o princípio da legalidade. Em seu parecer o MPF manifestou pelo desprovimento do recurso de apelação (ID 165089380). Devidamente processado o recurso, subiram os autos a este tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006923-61.2020.4.03.6102 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES APELANTE: MARTINS E OLIVEIRA ADMINISTRACAO E BENS PROPRIOS E PARTICIPACOES LTDA Advogados do(a) APELANTE: ELINTON WIERMANN - SP349473-A, ROBERTO DE ALMEIDA GUIMARAES - SP217398-A, GABRIEL CARRER LOCATO - SP417744-A APELADO: JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SAO PAULO OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): De início, recebo o presente recurso em seu duplo efeito, nos termos dos artigos 1.012 e 1.013 do CPC. A motivação das decisões judiciais é uma garantia expressamente prevista no art. 93, IX, da CRFB/88 e serve para o controle da racionalidade das decisões judiciais, bem como para permitir o direito de defesa das partes. A jurisprudência pátria admite a fundamentação per relationem ou aliunde, sendo esta compatível com o disposto no art. 93, IX da CRFB/88. Nesse sentido os seguintes julgados: Decisão: Vistos. Habeas corpus, sem pedido de liminar, interposto por Lilian de Oliveira Lisboa, Mariana Lisboa Joanides e Robert Bedros Fernezlian contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao agravo no AREsp nº 1.828.885/PR, Relator o Ministro Joel Ilan Paciornik. Narra a impetrante que os pacientes foram condenados pela prática do crime previsto no art. 1º, incisos I e II, da Lei nº 8.137/90, em continuidade delitiva. Sustenta a presença de constrangimento ilegal, pois “a defesa interpôs Recurso Especial para alterar o acórdão, apontando afronta ao não reconhecer nulidade absoluta (art. 564, IV, CPP) pela ofensa ao art. 381, III do CPP e ao art. 489, II e § 1º e incisos do CPC.” Requer a concessão da ordem para anulação do acórdão do STJ, “já que eivado de nulidade absoluta, na forma do art. 564, IV, do CPP”. Examinados os autos, decido. Transcrevo a ementa do aresto questionado: “PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SENTENÇA. 1) VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 381, III, E 564, IV, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – CPP, BEM COMO AO ART. 489, II, § 1º, IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – CPC. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. 2) AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "É válida a utilização da técnica da fundamentação per relationem, em que o magistrado emprega trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, desde que a matéria haja sido abordada pelo órgão julgador, com a menção a argumentos próprios"(AgRg no HC 564.293/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/4/2020, DJe 30/4/2020). 1.1. No caso em tela, o sentenciante se utilizou de fundamentação"per relationem", pois transcreveu trechos de anterior decisão que já havia afastado as teses defensivas de inépcia da denúncia, coisa julgada/litispendência e legitimidade passiva, e teceu considerações próprias para endossar o anteriormente decidido. 2. Agravo regimental desprovido.” Pelo que há no julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, não se verifica flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia. Pelo contrário, o julgado em questão mostra-se devidamente fundamentado, estando justificado o convencimento formado. Quanto à alegação de vício na falta de fundamentação do acórdão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que “ “[e]xtrai-se da sentença que a técnica da fundamentação "per relationem" foi bem empregada, pois o sentenciante, após transcrever o que constou no evento 116 para refutar as teses defensivas de inépcia da denúncia, coisa julgada/litispendência e legitimidade passiva, teceu suas próprias considerações a denotar que estava a endossar o anteriormente decidido.” No tocante à legitimidade da motivação per relationem, esta Corte possui inúmeros precedentes no sentido de que “[r]eveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação per relationem, que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República. A remissão feita pelo magistrado – referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público, ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator)– constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir.”(AI 825.520-AgR-ED/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 9/9/01) “Não configura negativa de prestação jurisdicional ou inexistência de motivação a decisão que adota, como razão de decidir, os fundamentos do parecer lançado pelo Ministério Público. Precedentes.” (ARE 1.024.997-AgR, Relator o Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 16/5/2017) Perfilham esse entnedimento: RHC nº 130.542-AgR/SC, Primeira Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe 25/10/2016; RHC nº 116.166/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 27/5/2015; ARE 960.364-AgR, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe 21/11/2016; e HC º 130.860-AgR/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe de 26/10/2017. Em face do exposto, nos termos do art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento ao presente habeas corpus. Publique-se. Brasília, 30 de junho de 2021. Ministro Dias Toffoli Relator Documento assinado digitalmente (STF - HC: 203939 PR 0056821-03.2021.1.00.0000, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 30/06/2021, Data de Publicação: 05/07/2021) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA CRIMINAL. RECURSO QUE TEVE O SEGUIMENTO NEGADO MONOCRATICAMENTE. POSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM. LEGITIMIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DE MOTIVAÇÃO. O julgamento monocrático de agravo de instrumento está expressamente previsto no art. 38 da Lei 8.038/1990 e no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Esta Corte já firmou o entendimento de que a técnica de motivação por referência ou por remissão é compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição Federal. Não configura negativa de prestação jurisdicional ou inexistência de motivação a decisão que adota, como razões de decidir, os fundamentos do parecer lançado pelo Ministério Público, ainda que em fase anterior ao recebimento da denúncia. Agravo a que se nega provimento. (STF - AI: 738982 PR, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 29/05/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 18-06-2012 PUBLIC 19-06-2012) PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO COMBATIDO. MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM. ARGUMENTOS PRÓPRIOS. AUSÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. DEFICIÊNCIA. 1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC (Enunciado Administrativo n. 3). 2. É possível o julgamento pela técnica per relationem, em que o magistrado adota trechos de decisão anterior ou parecer ministerial como razões de decidir, desde que a matéria tenha sido abordada pelo órgão julgador com menção a argumentos próprios, o que não ocorreu in casu. 3. Agravo interno desprovido.(STJ - AgInt no AREsp: 1534888 RJ 2019/0193231-3, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 05/10/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/10/2020) PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. NULIDADE. MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. O Superior Tribunal de Justiça entende possível a adoção, pelo julgador, de motivação exarada em outra peça processual juntada aos autos como fundamento da decisão (per relationem), desde que haja sua transcrição no acórdão. 3. Recurso Especial não provido. (STJ - REsp: 1314518 RS 2012/0054652-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 07/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/05/2013) Nesta toada sirvo-me da fundamentação per relationem para o deslinde da presente questão, visto que a decisão proferida por esta 2ª Turma, nos autos do agravo de instrumento nº 5032674-23.2020.403.0000, abordou as todas as questões suscitadas novamente, agora em sede de apelação. Assim, passo a transcrever os trechos que embasam suficientemente a presente decisão: “(...) Cuida-se, assim, de verificar ilegalidade ou não da exigência da JUCESP quanto ao cumprimento do disposto nos artigos 1.082, II 1.084, §§1º, 2º e 3º, e 1.152, §1º todos do Código Civil de 2002, para o fim de registro da alteração do contrato social da agravante. Os supracitados artigos dispõem o seguinte acerca do tema: “Art. 1.082. Pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato: I - depois de integralizado, se houver perdas irreparáveis; II - se excessivo em relação ao objeto da sociedade. (...) Art. 1.084. No caso do inciso II do art. 1.082, a redução do capital será feita restituindo-se parte do valor das quotas aos sócios, ou dispensando-se as prestações ainda devidas, com diminuição proporcional, em ambos os casos, do valor nominal das quotas. § 1 o No prazo de noventa dias, contado da data da publicação da ata da assembléia que aprovar a redução, o credor quirografário, por título líquido anterior a essa data, poderá opor-se ao deliberado. § 2 o A redução somente se tornará eficaz se, no prazo estabelecido no parágrafo antecedente, não for impugnada, ou se provado o pagamento da dívida ou o depósito judicial do respectivo valor. § 3 o Satisfeitas as condições estabelecidas no parágrafo antecedente, proceder-se-á à averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata que tenha aprovado a redução. (...) Art. 1.152. Cabe ao órgão incumbido do registro verificar a regularidade das publicações determinadas em lei, de acordo com o disposto nos parágrafos deste artigo. § 1 o Salvo exceção expressa, as publicações ordenadas neste Livro serão feitas no órgão oficial da União ou do Estado, conforme o local da sede do empresário ou da sociedade, e em jornal de grande circulação.” As Juntas Comerciais são órgãos responsáveis pela execução e administração dos atos de registro, estando estas submetidas, no plano técnico, às normas e diretrizes disciplinadas pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração – DREI, nos termos do art. 6º da Lei 8.934/94 (lei que regulamenta o sistema registral brasileiro). Cumpre anotar que a JUCESP, na análise de atos de registro a ela submetidos, devem observar o princípio da legalidade, cumprindo-se as formalidades legais previstas, consoante dispõe o art. 40 da Lei 8.934/94. A análise dos atos de registro pela JUCESP se limita a verificar vícios e o cumprimento de formalidades legais. Havendo vício insanável, procede-se ao indeferimento. De outro lado, se o vício é sanável, a parte interessada possui prazo de 30 dias para suprir referido vício. A exigência de publicação da ata em jornal se justifica pelo disposto nos §§2º e 3º do art. 1.084 do CC/02 na medida em que a redução do capital social não depende exclusivamente da vontade dos sócios, visto que qualquer credor que se sinta prejudicado poderá apresentar impugnação. O erro material apontado pela JUCESP, relativo a descrição dos imóveis integralizados no capital social da agravante, enseja a aplicação do inciso II do art. 1.082 do CC/02, de modo a corrigir o valor do capital social para menor. Portanto, no presente caso não se verifica qualquer exigência ilegal por parte da agravada a corroborar a probabilidade do direito alegado, visto que o ato administrativo se encontra em conformidade com o regramento legal. Também não vislumbro o perigo de dano ou risco ao resultado útil. (...)” Ressalte-se que o MPF, em seu parecer ministerial, adotou o mesmo entendimento de que não houve qualquer ilegalidade na exigência da JUCESP no tocante à publicação de ato consistente na redução do capital social da empresa apelante, após análise contábil e jurídica das alterações por ela promovidas, com fundamento nos artigos 1.082, 1.083 e 1.084 do Código Civil de 2002 e na Instrução Normativa nº 38/17 do DREI. Não cabimento de condenação em honorários advocatícios em razão do disposto no art. 25 da Lei 12.016/09. Diante do exposto, nego provimento ao recurso de apelação. É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO. JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. ALTERAÇÃO DO CONTRATO SOCIAL. VÍCIO NA DESCRIÇÃO DOS IMÓVEIS QUE INTEGRALIZAM O CAPITAL. REDUÇÃO DO CAPITAL SOCIAL. NECESSIDADE DE PUBLICAÇÃO DE ATA EM JORNAL. EXIGÊNCIA LEGAL. ARTIGOS 1.082, 1.083 E 1.084 DO CC/02. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1. Cuida-se, assim, de verificar ilegalidade ou não da exigência da JUCESP quanto ao cumprimento do disposto nos artigos 1.082, II 1.084, §§1º, 2º e 3º, e 1.152, §1º todos do Código Civil de 2002, para o fim de registro da alteração do contrato social da agravante.
2. Cumpre anotar que a JUCESP, na análise de atos de registro a ela submetidos, devem observar o princípio da legalidade, cumprindo-se as formalidades legais previstas, consoante dispõe o art. 40 da Lei 8.934/94.
3. A exigência de publicação da ata em jornal se justifica pelo disposto nos §§2º e 3º do art. 1.084 do CC/02 na medida em que a redução do capital social não depende exclusivamente da vontade dos sócios, visto que qualquer credor que se sinta prejudicado poderá apresentar impugnação.
4. O erro material apontado pela JUCESP, relativo a descrição dos imóveis integralizados no capital social da agravante, enseja a aplicação do inciso II do art. 1.082 do CC/02, de modo a corrigir o valor do capital social para menor.
5. Não se verifica qualquer exigência ilegal por parte da agravada a corroborar a probabilidade do direito alegado, visto que o ato administrativo se encontra em conformidade com o regramento legal.
4. Recurso não provido.