APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5034583-42.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: P. A. M. D. S.
REPRESENTANTE: ANA BEATRIZ MANTOVAN RAMOS BALTAZAR
Advogado do(a) APELANTE: NATALIA APARECIDA CARMELIN - SP381688-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5034583-42.2021.4.03.9999 RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA APELANTE: P. A. M. D. S. Advogado do(a) APELANTE: NATALIA APARECIDA CARMELIN - SP381688-N, APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de ação ajuizada em 11/11/19 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Pleiteia, ainda, que o termo inicial seja fixado desde a data do requerimento administrativo em 16/11/18, bem como a tutela de urgência. Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, e indeferida a antecipação dos efeitos da tutela. O Juízo a quo, em 5/10/20, julgou improcedente o pedido, sob o fundamento da ausência de comprovação do requisito da deficiência. Condenou o demandante ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento), ficando suspensa a exigibilidade. Sem custas. Inconformada, apelou a parte autora, alegando em síntese: a) Preliminarmente: - a nulidade do laudo pericial, por apresentar contradições, falhas e omissões em relação a todos os fatos apurados, e consequentemente a anulação do decisum, devendo retornar os autos à Vara de Origem para a reabertura da fase instrutória, e a realização de nova perícia com médico especialista em ortopedia. b) No mérito: - a constatação da deficiência física, consoante documentação médica dos autos e - o preenchimento do requisito da miserabilidade, motivo pelo qual requer a reforma da R. sentença, para ser julgado procedente o pedido. Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. Parecer do Ministério Público Federal a fls. 299/303 (id. 155455797 – págs. 1/5), opinando pelo não provimento do recurso. É o breve relatório.
REPRESENTANTE: ANA BEATRIZ MANTOVAN RAMOS BALTAZAR
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5034583-42.2021.4.03.9999 RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA APELANTE: P. A. M. D. S. Advogado do(a) APELANTE: NATALIA APARECIDA CARMELIN - SP381688-N, APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente, de ofício, retifico o evidente erro material constante do dispositivo da R. sentença, a fim de que onde se lê "honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento)" (fls. 275 – id. 152629135 – pág. 3, grifos meus), leia-se "honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa". Utilizo-me, aqui, dos ensinamentos do Eminente Professor Cândido Rangel Dinamarco, em "Instituições de Direito Processual Civil", vol. III, pp. 684 e 685, Malheiros Editores: "As correções informais da sentença são admissíveis a qualquer tempo, sem o óbice de supostas preclusões. Precisamente porque não devem afetar em substância o decisório da sentença, o que mediante elas se faz não altera, não aumenta e não diminui os efeitos desta." Neste sentido, transcrevo o julgado do C. Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ERRO MATERIAL CONFIGURADO NA SENTENÇA QUANTO AO CÁLCULO MATEMÁTICO. SOMATÓRIO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO QUE DÁ DIREITO A PROVENTOS INTEGRAIS. CÁLCULO REFEITO PELO TRIBUNAL LEVANDO EM CONTA OS MESMOS ELEMENTOS CONSIDERADOS PELA SENTENÇA. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. (...) 3. O erro material não decorre de juízo de valor ou de aplicação de norma jurídica sobre os fatos do processo. Sua correção é possível a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento das partes, até porque o erro material não transita em julgado, tendo em vista que a sua correção não implica em alteração do conteúdo do provimento jurisdicional. 4. Agravo regimental não provido." (STJ, AgRg no REsp nº 1.213.286/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 23/06/15, v.u., DJe 29/06/15, grifos meus) Passo ao exame da apelação. Preliminarmente, observo que a perícia médica foi devidamente realizada por Perito nomeado pelo Juízo a quo, tendo sido apresentado o respectivo parecer técnico e laudo complementar, motivo pelo qual não merece prosperar o pedido de realização de nova prova pericial. Os laudos encontram-se devidamente fundamentados e com respostas claras e objetivas, sendo despicienda a realização de novo exame por profissional especializado em ortopedia. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto probatório, pode concluir pela dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo único do art. 370 do CPC/15. Passo, então, à análise do mérito. Não merece prosperar o recurso interposto. Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis: "Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II -o amparo às crianças e adolescentes carentes; III -a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus) Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de 7/12/1993. Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da Assistência Social supramencionada. Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família. Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003. No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover, por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para a vida independente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas." No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93. No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis: "Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento." (STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. em 18/4/13) Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial." Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis: "RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. 3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001). 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável. 5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar. 7. Recurso Especial provido." (STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09, v.u., DJ 20/11/09) Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos. Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem. Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in verbis: "EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR. I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora. II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo. III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e faz uso diário de medicamentos. IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita. V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91. VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o rol dos beneficiários descritos na legislação. VII - Embargos infringentes não providos." (EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de 05/10/04, grifos meus) Passo à análise do caso concreto. Para a comprovação da alegada deficiência, foi realizada perícia médica judicial em 23/3/20, tendo sido elaborado o respectivo parecer técnico e juntado a fls. 180/188 (id. 152629074 – pág. 1 e id. 152629075 – págs. 1/8). Afirmou o esculápio encarregado do exame, com base no exame clínico e análise da documentação médica dos autos, que o autor de 5 anos apresenta discreta limitação à extensão total de antebraço esquerdo, em razão de lesão de plexo braquial esquerdo resolvida, sendo possível a reversão ou minimização do déficit por meio de tratamento de reabilitação físico e medicamentoso. Concluiu pela ausência de características anatômicas ou funcionais que possibilitem o seu enquadramento como deficiente físico, de acordo com as regras legais atualmente vigentes no Brasil. Em laudo complementar datado de 25/7/20 e acostado a fls. 240/245 (id. 152629113 – pág. 1 e id. 152629114 – págs. 1/5), o Sr. Perito ratificou o parecer técnico, e enfatizou categoricamente que "Parece ter restado apenas um leve déficit de extensão do antebraço esquerdo. Cumpre ressaltar que, em havendo lesão do plexo braquial esquerdo ao nascimento esta, felizmente, pôde ser quase totalmente revertida pelos tratamentos empregados, como mostram claramente os relatórios da UR Lucy Montoro. Durante o exame pericial, o examinado conseguiu realizar adequadamente todas as manobras de utilização do membro superior esquerdo. Sejam as de teste de força motora e as de coordenação grosseira e fina, como explícito no corpo do laudo inicial deste perito. Ainda, há que se esclarecer que a lesão prévia do plexo braquial, afortunadamente revertida, caracteriza-se por alteração exclusivamente motora, não afetando anatomicamente estruturas relacionadas à cognição, inteligência, aprendizado e outras funções intelectuais." Assim, não comprovado o requisito do impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Com relação à miserabilidade, o estudo social (elaborado em março/20, data em que o salário mínimo era de R$ 1.045,00) revela que o autor de 5 anos, reside com os genitores Ana Beatriz Mantovan Ramos Baltazar, nascida em 29/5/98, e Rafael dos Santos Missias, diarista, nascido em 11/8/91, 3 tias menores que perderam a mãe, e a bisavó Isolina Mantovan, nascida em 28/9/59. O requerente recebe Bolsa Família no valor de R$ 268,00, o genitor encontra-se parado há mais de um mês, a genitora foi contratada para atuar na Frente de Trabalho, porém, ainda não teve início o labor, e a bisavó está aguardando receber auxílio doença. A tia mais nova Rafaela recebe pensão alimentícia do pai, no valor de R$ 140,00, em atraso há dois meses. Dona Isolina residia com a família em casa com risco de desabamento, atualmente sendo reconstruída. Assim, o demandante e seus pais, para ajudar a cuidar das três netas de D. Isolina, foram morar em casa do "Aluguel Social", pago pela Prefeitura de Fernandópolis, bem localizada, constituída por 7 cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha, banheiro, garagem e varanda, com laje, piso, muro e portão. O núcleo familiar não possui nenhuma renda fixa até momento, recebendo mensalmente cestas do CRAS e cestas básicas da instituição Meimei para sobreviver. As despesas mensais em energia elétrica e água/esgoto totalizam em média R$ 200,00. O autor faz tratamento na rede pública de saúde, frequenta a escola normalmente e está aguardando tratamento fisioterápico. Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, ficou demonstrada a vulnerabilidade social do núcleo familiar. No entanto, em se tratando de requisitos cumulativos, não tendo sido constatada a deficiência, não há como possa ser deferido o benefício assistencial. Ante o exposto, de ofício, retifico o erro material constante do dispositivo da R. sentença, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação da parte autora. É o meu voto.
REPRESENTANTE: ANA BEATRIZ MANTOVAN RAMOS BALTAZAR
E M E N T A
ERRO MATERIAL. RETIFICAÇÃO EX OFFICIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NOVA PERÍCIA COM ESPECIALISTA. DESNECESSIDADE. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. PEDIDO IMPROCEDENTE. REQUISITOS CUMULATIVOS.
I-Retificação, de ofício, do evidente erro material constante do dispositivo da R. sentença.
II- A perícia médica foi devidamente realizada por Perito nomeado pelo Juízo deprecado, tendo sido apresentado o respectivo parecer técnico e laudo complementar, motivo pelo qual não merece prosperar o pedido de realização de nova prova pericial. Os laudos encontram-se devidamente fundamentados e com respostas claras e objetivas, sendo despicienda a realização de novo exame por profissional especializado em ortopedia. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto probatório, pode concluir pela dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo único do art. 370 do CPC/15.
III- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
IV- Para a comprovação da incapacidade, foi realizada perícia médica. Afirmou o esculápio encarregado do exame, com base no exame clínico e análise da documentação médica dos autos, que o autor de 5 anos apresenta discreta limitação à extensão total de antebraço esquerdo, em razão de lesão de plexo braquial esquerdo resolvida, sendo possível a reversão ou minimização do déficit por meio de tratamento de reabilitação físico e medicamentoso. Concluiu pela ausência de características anatômicas ou funcionais que possibilitem o seu enquadramento como deficiente físico, de acordo com as regras legais atualmente vigentes no Brasil.
V- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência ficou demonstrado.
VI- Não preenchidos, de forma cumulativa, os requisitos necessários para a concessão do benefício previsto no art. 203 da Constituição Federal, consoante dispõe a Lei nº 8.742/93, não há como possa ser deferido o benefício assistencial.
VII- Erro material retificado ex officio. Rejeitada a matéria preliminar. No mérito, apelação da parte autora improvida.