Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004334-46.2017.4.03.6181

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: HONGMIN SHI

Advogados do(a) APELANTE: LEONARDO LEAL PERET ANTUNES - SP257433-A, LUIZ AUGUSTO SARTORI DE CASTRO - SP273157-A, ATILA PIMENTA COELHO MACHADO - SP270981-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004334-46.2017.4.03.6181

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: HONGMIN SHI

Advogados do(a) APELANTE: LEONARDO LEAL PERET ANTUNES - SP257433-A, LUIZ AUGUSTO SARTORI DE CASTRO - SP273157-A, ATILA PIMENTA COELHO MACHADO - SP270981-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação criminal interposta pela ré Hongmin Shi contra a sentença que a condenou à pena de 1 (um) ano, 2 (dois) meses e 5 (cinco) dias de reclusão, regime inicial aberto, por cometimento do crime previsto no art. 334, § 1º, IV, do Código Penal, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos (Id n. 149651880, pp. 167/183).

A ré alega, em resumo, o seguinte:

a) em caráter preliminar, aduz a nulidade do feito a partir da sentença condenatória, por ofensa ao princípio da identidade física do juiz;

b) no mérito, a apelante jamais foi intimada a comprovar a regularidade fiscal das mercadorias apreendidas, tendo sido denunciada sem haver elementos mínimos de sua participação nos fatos;

c) desde o ano de 2012, a apelante sublocava o “stand” HDT 17-19-21 ao Sr. Xaoming Zhang, sendo este a pessoa indicada como responsável pela referida loja quando da apreensão das mercadorias objeto deste processo;

d) a transferência do ônus probatório para a parte acusada é “no mínimo incoerente, visto que sua inocência é presumida” (Id n. 152657894, p. 17);

e) não há prova de autoria delitiva, tampouco de materialidade, ausente a comprovação de efetivo prejuízo ao erário considerando que não houve prova pericial direta, necessária para a apuração do valor das mercadorias apreendidas;

f) caso não se reconheça a insuficiência do conjunto probatório, é caso de desclassificação da conduta de descaminho para o delito previsto no art. 190 da Lei n. 9.279/96, com a extinção da punibilidade da apelante por consequência, haja vista o decurso do prazo decadencial para o ajuizamento de queixa-crime (Id n. 152657894, pp. 1/31).

Foi determinada vista dos autos à Procuradoria Regional da República para apresentação de contrarrazões e, após, a membro do órgão diverso para parecer (Id n. 152023368).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Vinícius Fernando Alves Fermino, obteve vista dos autos e requereu a conversão do julgamento em diligência, a fim de solicitar ao Juízo a quo “informação sobre o motivo que levou à substituição do magistrado  titular  pelo  Juiz  Federal  Rafael   Minervino  Bispo  na  presidência  da audiência de instrução” (cf. Id n. 154842793).

O requerimento da Procuradoria Regional da República foi acolhido (Id n. 154930795).

Os autos baixaram à Vara de Origem, onde se determinou a juntada de cópia do Ato CJF3R n. 3356/17, de designação do MM. Juiz Federal Substituto Rafael Minervino Bispo para atuar em auxílio à 9ª Vara Federal Criminal no período de 22.02.18 a 02.03.18 (Id n. 159775098, pp. 1/2).

Os autos foram devolvidos a este Tribunal (Id n. 159775099), abrindo-se nova vista ao Ministério Público Federal (Id n. 160256415), que se deu por ciente das informações juntadas e se manifestou pela abertura de vista à defesa, para que também fosse cientificada dos novos documentos (Id n. 160975782). 

Foi dada vista dos autos à defesa da apelante, que reiterou a alegação de nulidade absoluta por ofensa ao princípio da identidade física do juiz (Id n. 161766299).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. João Francisco Bezerra de Carvalho, obteve vista dos autos e, preliminarmente, indicou que se manifestava na condição de “custos legis”, não obstante a determinação de oferta de contrarrazões nesta instância, “sem qualquer prejuízo à celeridade processual” (cf. Id n. 162753979, p. 3). Quanto ao recurso apresentado, manifestou-se pelo desprovimento do apelo (Id n. 162753979).

É o relatório.

Encaminhem-se os autos ao Revisor, nos termos regimentais.

 

 


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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004334-46.2017.4.03.6181

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: HONGMIN SHI

Advogados do(a) APELANTE: LEONARDO LEAL PERET ANTUNES - SP257433-A, LUIZ AUGUSTO SARTORI DE CASTRO - SP273157-A, ATILA PIMENTA COELHO MACHADO - SP270981-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

V O T O

Imputação. Hongmin Shi foi denunciada por cometimento do delito previsto no art. 334, § 1º, IV, do Código Penal, porque em 15.04.15, no estabelecimento comercial H Shi Presentes, localizado na Rua Florêncio de Abreu, n. 418, loja HDT 17 e 21, foi constado que a acusada adquirira, recebera ou ocultara, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, mercadoria de origem estrangeira desacompanhada de documentação legal, consistente em 545kg (quinhentos e quarenta e cinco quilogramas) de óculos de diversos modelos, quantidade equivalente a mais de 16.300 (dezesseis mil e trezentos) pares de óculos, além de 33kg (trinta e três quilogramas) de capas para óculos. A mercadoria foi ao todo avaliada em R$ 328.650,00 (trezentos e vinte e oito mil, seiscentos e cinquenta reais) e o montante dos tributos iludidos (IPI e II) totalizou aproximadamente R$ 164.325,00 (cento e sessenta e quatro mil, trezentos e vinte e cinco reais).

A denúncia narra que a apreensão foi realizada no curso de fiscalização realizada por servidores da Equipe de Repressão ao Contrabando e Descaminho da Receita Federal, os quais localizaram as diversas mercadorias de origem estrangeira nas dependências do estabelecimento, sem a devida documentação fiscal, em espaço destinado à venda dos produtos.

Com o objetivo de identificar os responsáveis pelo estabelecimento, os servidores solicitaram informações à empresa administradora do espaço comercial, a qual respondeu que apenas sublocava o a loja, fornecendo cópia do contrato de cessão temporária do uso dos “stands”.

O contrato de cessão demonstra que o “stand HDT 17-19-21” fora sublocado à denunciada Hongmin Shi, que assim restou identificada como responsável pelas mercadorias ali apreendidas pela Receita Federal (Id n. 149651880, pp. 3/6).

Identidade física do juiz. Nulidade relativa. A Lei n. 11.719, de 20.06.08, publicada no DOU de 23.06.08 e que entrou em vigor 60 (sessenta) dias depois, em 23.08.08, acrescentou o § 2º ao art. 399 do Código de Processo Penal, dispondo que o juiz que presidiu a instrução a instrução deverá proferir sentença. Foi portanto introduzido no processo penal o princípio da identidade física do juiz, anteriormente instituído no art. 132 do Código de Processo Civil, que por sua vez dispõe mais pormenorizadamente a respeito, ressalvando as hipóteses em que o juiz estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, além de prever que, em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas. Permitida a analogia no processo penal (CPP, art. 3º), cumpre observar as disposições do art. 132 do Código de Processo Civil e, em consequência, a jurisprudência que se formou a respeito, no sentido de que o eventual descumprimento do preceito resolve-se em nulidade relativa a demandar comprovação pela parte interessada de prejuízo concreto (NEGRÃO, Theotonio et al. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 41ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 275, nota 2 ao art. 132), consoante ademais acabou por decidir o Superior Tribunal de Justiça:

 

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, INCISO V, AMBOS DA LEI Nº 11.343/06. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. TESE NÃO APRESENTADA PERANTE A AUTORIDADE COATORA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 132 DO CPC. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. I - Tendo em vista que o pedido de reconhecimento do direito de aguardar em liberdade o julgamento do recurso de apelação não foi sequer apresentado perante a autoridade apontada como coatora, fica esta Corte impedida de examinar tal alegação, sob pena de supressão de instância (Precedentes). II - Segundo o Princípio da Identidade Física do Juiz, previsto no art. 399, § 2º, do CPP (modificação trazida pela Lei nº 11.719/08), o Magistrado que concluir a instrução em audiência deverá sentenciar o feito. III - No entanto, em razão da ausência de regras específicas, deve-se aplicar por analogia o disposto no art. 132 do CPC, segundo o qual no caso de ausência por convocação, licença, afastamento, promoção ou aposentadoria, deverão os autos passar ao sucessor do Magistrado. IV - "A adoção do princípio da identidade física do Juiz no processo penal não pode conduzir ao raciocínio simplista de dispensar totalmente e em todas as situações a colaboração de outro juízo na realização de atos judiciais, inclusive do interrogatório do acusado, sob pena de subverter a finalidade da reforma do processo penal, criando entraves à realização da Jurisdição Penal que somente interessam aos que pretendem se furtar à aplicação da Lei." (CC 99023/PR, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJU de 28/08/2009). V - Ademais, no sistema das nulidades pátrio, somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver efetiva demonstração de prejuízo à defesa, o que não ocorreu na hipótese dos autos (Precedentes). Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, denegada.

(STJ, HC n. 163425, Rel. Min. Felix Fischer, j. 27.05.10)

 

Do caso dos autos. A ré aduz ofensa ao princípio da identidade física do juiz, haja vista a sentença ter sido proferida por magistrado que não presidira a instrução criminal.

Sem razão.

Em sessão de audiência no dia 28.02.18, houve a colheita do depoimento da testemunha de defesa e o interrogatório da ré, realizados pelo MM. Juiz Federal Substituto Rafael Minervino Bispo, então designado para atuar em auxílio à 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo no período de 22.02.18 a 02.03.18, conforme Ato CJF3R n. 3356, de 22.12.17 (Id n. 159775098). O teor das oitivas foi integralmente registrado em mídia eletrônica (Id n. 149651880, pp. 79/80). 

Embora encerrada a instrução, ficaram pendentes diligências requeridas pela defesa (juntada de laudo merceológico e outros documentos) (Id n. 149651880, pp. 77/78). As partes só obtiveram vista dos autos para memoriais a partir de 16.03.18, quando já cessada a designação do MM. Juiz Federal Substituto, de modo que a sentença acabou sendo proferida pelo MM. Juiz Federal Silvio César Arouck Gemaque, Titular da Vara de Origem, que já vinha atuando no feito, dado que recebera a denúncia, apreciara a resposta a acusação, designara a audiência de instrução e, após a apresentação dos memoriais pelas partes, convertera o julgamento em diligência para acolher requerimento defensivo de exame de corpo de delito direto nas mercadorias, para análise da tese de desclassificação do delito (cf. Id n. 149651880, p. 8, 50/53 e 142/146). Anoto que os autos foram efetivamente conclusos para sentença em 11.06.19 (Id n. 149651880, p. 167).

Consoante acima explicitado, admite-se a aplicação mitigada do princípio da identidade física do juiz na esfera penal e, no caso dos autos, em que cessada a designação do MM. Juiz Federal Substituto para atuar junto à Vara de Origem na data da conclusão para a sentença, está justificada a remessa dos autos a Juiz diverso do que presidira a audiência, não restando constatado, ademais, nenhum prejuízo à defesa da acusada.

Rejeitada, portanto, a alegação de nulidade do feito.

Contrabando ou descaminho. Materialidade. Exame pericial. Desnecessidade. Segundo a jurisprudência, não é indispensável a realização de exame pericial (laudo merceológico) que ateste a origem estrangeira das mercadorias para a comprovação da materialidade do delito de contrabando ou descaminho, que pode ser apurada por outros meios de prova:

 

(...) CONTRABANDO E DESCAMINHO. MATERIALIDADE. LAUDO PERICIAL. PRESCINDIBILIDADE. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS DE PROVA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. (...).

6. Não é indispensável a realização de exame pericial (laudo merceológico) que ateste a origem estrangeira das mercadorias para a comprovação da materialidade do delito de contrabando ou descaminho, que pode ser apurada por outros meios de prova; havendo ainda entendimento no sentido de que o exame pericial não seria necessário em razão desse delito não deixar vestígios. Precedentes.

7. Comprovadas a materialidade e a autoria delitiva do delito de contrabando ou descaminho.

(TRF da 3ª Região, ACR n. 00040039320064036102, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 20.06.11)

 

PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA INAPLICÁVEL. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO PARA RECEBER A DENÚNCIA.

(...)

6. Embora o laudo pericial tenha confirmado a procedência estrangeira das mercadorias, não se afigura imprescindível para a demonstração da materialidade do crime de contrabando ou descaminho, que pode ser aferida por outros elementos de convicção amealhados nos autos (art. 157 do Código de Processo Penal (...).

(TRF da 3ª Região, RSE n. 200661060041939, Rel. Juiz Fed. Conv. Helio Nogueira, unânime, j. 16.03.09)

 

HABEAS CORPUS - CRIME DE DESCAMINHO E FALSIDADE IDEOLÓGICA - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - FALTA DE JUSTA CAUSA - EXAME DE PROVA CONTROVERTIDA - IMPOSSIBILIDADE - INÉPCIA DA DENÚNCIA - EXAME DE CORPO DE DELITO -DISPENSABILIDADE - PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO E COMPROVAÇÃO DE QUALIFICADORA - QUESTÕES PREMATURAS - ORDEM DENEGADA - AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO.

(...)

3. No que diz com a necessidade de exame de corpo de delito, não se trata de questão incontroversa, de modo que, tanto a doutrina como a jurisprudência pendem para o entendimento de que, em se tratando de crime de descaminho, desnecessária se faz a prova pericial quando existentes nos autos outros meios aptos à comprovação da materialidade delitiva (...).

(TRF da 3ª Região, HC n. 27991, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, unânime, j. 15.07.08)

 

PENAL. DESCAMINHO. ART. 334, § 1º, 'C', DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PERÍCIA. IMPRESCINDIBILIDADE INDEMONSTRADA. PROVA DA ORIGEM ESTRANGEIRA DA MERCADORIA COMPROVADA.

(...)

2. Apesar de indispensável a prova da origem estrangeira da mercadoria, a perícia não é imprescindível para a caracterização do contrabando ou descaminho . (Precedentes jurisprudenciais) (...).

(TRF da 1ª Região, ACR n. 200742000020180, Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz, unânime, j. 22.09.09)

 

HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. CONDENAÇÃO. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL. (...).

1. Desnecessária a realização de perícia se os indícios de autoria e materialidade delitiva podem ser esclarecidos por outros meios de prova (...).

(TRF da 4ª Região, HC n. 200904000216747, Rel. Des. Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère, unânime, j. 12.08.09)

 

Há ainda entendimento no sentido de que o exame pericial não seria necessário em razão do delito de contrabando ou descaminho não deixar vestígios, sendo desnecessária, portanto, a aplicação do art. 158 do Código de Processo Penal:

 

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. FALSIFICAÇÃO. QUADRILHA OU BANDO. OPERAÇÃO NARCISO. (C) LAUDO MERCEOLÓGICO. DESCAMINHO. IMPRESCINDIBILIDADE DE EXAME DIRETO. (...).

(...)

c) O crime de descaminho não é daqueles que deixam vestígio, configurando-se, antes, como delictum facti transeuntis. Logo, basta a avaliação indireta dos valores das mercadorias, bem assim, a demonstração da ilusão fiscal para se embasar a persecução criminal (...).

(STJ, HC n. 108919, Rel. Min. Maria Theresa de Assis Moura, unânime, j. 16.06.09)

 

PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. PENA. MAJORAÇÃO. SEGUNDA FASE DE APLICAÇÃO. PROVA PERICIAL. (...).

(...)

3. Improcede a alegação de nulidade por falta de exame de corpo de delito (art. 564, inc. III, 'b', do CPP), visto que o crime de descaminho não deixa vestígios, razão pela qual é desnecessário o exame pericial a que se refere o art. 158 do CPP. Precedente do STF (...).

(TRF da 1ª Região, ACR n. 199939000009780, Rel. Juiz Fed. Conv. Guilherme Doehler, unânime, j. 29.11.05)

 

PENAL. DESCAMINHO. ART. 334, CAPUT, DO CP. EMENDATIO LIBELLI. AUTORIA. MATERIALIDADE. COMPROVADAS. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. (...).

(...)

4. Os crimes de contrabando e descaminho não deixam vestígios e, por isso, dispensam, para sua comprovação, a realização de exame pericial, precipuamente se há nos autos outros meios de prova aptos a demonstrar a materialidade do delito. A nulidade relativa não se declara sem a prova do prejuízo (CPP, art. 563) e se considera sanada se o ato, praticado por outra forma, tiver atingido o seu fim (CPP, art. 572, inciso II) (...).

(TRF da 4ª Região, ACR n. 200471040061265, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, j. 16.04.06)

 

Do caso dos autos. Rejeito a alegação de imprescindibilidade de exame pericial direto para a comprovação de materialidade delitiva, inclusive para apuração do efetivo prejuízo à União, considerando que o delito de descaminho, consoante admitido na jurisprudência, é de natureza formal e seu cometimento pode ser demonstrado de outras formas – o que efetivamente sucedeu, neste caso, conforme o tópico seguinte.

Materialidade. A materialidade do delito de descaminho está comprovada em razão do que segue:

a) Representação Fiscal para Fins Penais n. 16905.720152/2015-63 (Id n. 149651934, pp. 17/19);

b) Termo de Retenção e Lacração de 2 (duas) caixas e 39 (trinta e nove) sacos contendo óculos localizados no “stand”/“box” HDT 17 e 21 (Id n. 149651934, pp. 21/22);

c) Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias 0817900/Direp002174/2015 (Id n. 149651934, pp. 68/73);

d) Demonstrativo Presumido de Tributos referente ao Auto de Infração n. 0817900/Direp002174/2015, com indicação de que a carga tributária correspondente à mercadoria apreendida resulta em R$ 164.325,00 (cento e sessenta e quatro mil, trezentos e vinte e cinco reais) (Id n. 149651934, p. 125);

e) Relatório de Triagem n. 2174/2015/DIREP/ERA1 (Id n. 149651934. pp. 65/67)

f) Laudo de Perícia Criminal Federal (Merceologia) n. 609/2018 – NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP (Id n. 149651880, pp. 85/88).

Autoria. A autoria do delito também está comprovada.

Na data dos fatos (15.04.15), no curso de fiscalização por equipe da Receita Federal, foi localizada expressiva quantidade de óculos de origem estrangeira nas dependências do estabelecimento comercial H Shi Presentes, localizado na Rua Florêncio de Abreu, n. 418, loja HDT 17 e 21, no Shopping 25 de Março, Centro de São Paulo (SP). Os óculos estavam expostos à venda e a funcionária responsável pela loja informou aos fiscais que não dispunha de qualquer documentação fiscal das mercadorias. O produto apreendido restou avaliado em R$ 328.650,00 (trezentos e vinte e oito mil, seiscentos e cinquenta reais) (cf. Representação Fiscal para Fins Penais, Id n. 149651934, pp. 17/18).

A empresa administradora do Shopping forneceu cópia do contrato de sublocação do espaço comercial, no qual consta a ré Hongmin Shi como sócia responsável pela contratação dos “boxes” onde se deu a apreensão dos óculos desacompanhados de documentação fiscal, o que ensejou sua identificação como responsável/contribuinte no tocante ao ilícito tributário (Id n. 149651934, pp. 35/40).

A testemunha Beatriz Patrícia da Silva declarou em Juízo que conhecia a ré Hongmin Shi, de quem fora funcionária na empresa Shi Min Presentes, não recorda o nome exato da empresa. Trabalhou com carteira assinada no Shopping 25 de Março. O “box” onde trabalhava ficava no 1º andar, não no térreo. Foi contratada diretamente pela ré. Foi dada baixa na CTPS após a demissão. Trabalhava para a ré em 15.04.15. Trabalhou de janeiro a agosto de 2015, quando foi dada baixa na CTPS. Recordava-se de uma operação de fiscalização que houve no Shopping. Os fiscais estiveram na loja onde trabalhava, mas não acharam nada. Os fiscais encontraram irregularidades em outras lojas, algumas foram fechadas, mas não havia nada de errado na loja da ré. Certa vez, a ré comentou que tinha uma loja alugada, mas não disse para quem, só comentou que a depoente e a própria ré não tinham nenhum envolvimento com essa loja. Uma vez a ré comentou que houve apreensão nessa loja, mas que não tinha nada a ver com ela, pois não era dela, estava alugada para uma pessoa, um homem, acha que era chinês. Essa apreensão referida pela ré se deu em abril de 2015. Depois que foi dispensada, em agosto, não soube mais nada. Só sabe da apreensão que houve em abril de 2015. A depoente trabalhava na loja TB 31-A. Nessa loja eram vendidos óculos. Desconhece a loja HDT 17-21, nunca esteve lá. Sabe que o presente processo trata de apreensão de óculos em uma loja que estava no nome da ré. Soube pela própria ré. A loja fiscalizada era alugada, não era da ré. A depoente não fala chinês. Não conversava muito com a ré, às vezes ela conversava com o chinês da loja da frente, que entendia melhor e explicava para a depoente. A ré era auxiliada por um contador, que também era chinês e conversava com a depoente. Nada sabe acerca da loja HDT 17-21. As lojas são numeradas por letra e número, que são afixados na parte de cima do “box”. A depoente trabalhava no “box” TB 31-A. Não conhece o “stand” mencionado na denúncia, que ficava em outro andar. A depoente só saía do Shopping para o almoço. Os óculos vendidos pela ré não eram de marca. Não sabe a procedência deles, mas tinham nota fiscal. Eles eram vendidos sem nota fiscal, mas eram recebidos com nota fiscal. Sabe que havia nota fiscal de entrada porque chegavam os papeis, não sabe direito, ouviu dizer (Ids ns. 151929017 e 151929019).

Interrogada em Juízo, e com o auxílio de intérprete (idioma chinês), a ré declarou que desconhecia os fatos narrados na denúncia. Disse que o advogado lhe explicara que o processo era de uma apreensão de mercadoria em loja pertencente à interrogada, mas, na verdade, essas mercadorias não lhe pertenciam. É falsa a acusação da denúncia. Provavelmente foi acusada porque a loja está em seu nome. A loja estava locada desde 2012, mas não lembrava o nome completo do locador, só o prenome, que era Zhang. Não foi feito contrato formal, escreveram um papel em chinês que dizia que o aluguel era pago e recebido. Não tem esse papel, já faz muito tempo, pode ser que esteja em meio a papeis da outra loja. A interrogada vendia óculos, mas eles não tinham marca. A loja ficava no TB 31-A. Comprava esses óculos de um importador, mas não se lembra mais do nome dos importadores porque faz tempo que não trabalha nesse ramo. Não lembra como fazia com as notas fiscais. Como os lojistas não sabem escrever em português, acabam celebrando os contratos de forma verbal, em chinês. Não conhece a empresa Maxim (administradora do Shopping 25 de Março), não guarda nomes em português. Às vezes emitia nota fiscal de venda das mercadorias, às vezes não emitia. Indagada a respeito do depoimento da testemunha de defesa, a qual disse que as mercadorias eram todas vendidas sem nota, respondeu que os funcionários não sabiam de tudo. O outro processo a que respondeu era do “box” TB 31-A. A interrogada só tinha essas outras duas lojas que estavam em nome dela. A interrogada viu o termo à fl. 12 dos autos, em que consta o termo de retenção assinado por Zhang Xiaoming, e respondeu que essa deve ser a pessoa para quem locou o “box”. A assinatura ao final da fl. 13 não é da interrogada. Não reconhece os fiscais Felipe e Breno, que realizaram a ação fiscal. Desconhece essa apreensão. Viu cópia do contrato de locação às fls. 26 e seguintes, firmado entre a empresa Maxim e a H Shi Presentes, e reconhece a assinatura ao final do documento. É comum haver sublocações de “boxes” no Shopping 25 de Março. Viu os documentos às fls. 35/51, relativos à primeira condenação da interrogada e que foram localizados no “box” onde realizada a apreensão, e disse acreditar que eles estivessem lá porque a Justiça só tinha aquele endereço seu. Por isso, quando havia alguma intimação, chegava nesse endereço. Quanto ao documento às fl. 52/53, cujo beneficiário é a Rede de Serviços de Gestão o e Espaço, e pagadora a Sra. Hongmin Shi, esclareceu que faz muito tempo e não se lembra. Em relação ao documento à fl. 54, cópia de um cartão de crédito Mastercard em nome de Shongmi Zhang (mesma pessoa presente no dia da apreensão), afirmou que não sabe se é de titularidade da pessoa para quem locou o “box”. Às fls. 56/58 (relatório de triagem dos óculos apreendidos, feito pela Receita Federal), disse que nenhum dos óculos ali indicados era comercializado em sua loja, pois não trabalha com óculos de marca. Quanto ao documento às fls. 59/60 (intimação do auto de infração e apreensão dos óculos), afirmou que nunca recebera intimação da Receita. Quanto ao documento às fls. 38/39 (Certidão de Oficial de Justiça tentando intimar a ré no endereço do “box”), afirmou que acreditava haver locado a loja HDT 17-21 em dezembro de 2012. Quanto à qualificação da acusada constante à fl. 79 (na Polícia Federal) e o AR devolvido para intimação em depoimento pessoal (fl. 85), afirmou não ter recebido nenhuma intimação policial ou da Receita Federal acerca do fato tratado na denúncia. Só soube dos fatos pela Justiça Federal, quando recebida a denúncia. Quanto ao boletim de identificação criminal à fl. 88, afirmou que nunca recebeu intimação da Polícia nessa residência, porque havia alugado a casa. O endereço era de imóvel alugado e a interrogada não comunicou ninguém acerca da mudança desse local, então não tinham como avisá-la (Ids ns. 151929020/151929024).

Analisados os autos, não convence a negativa de autoria apresentada pela ré, inviável sustentar que fora acusada sem quaisquer indícios de autoria ou participação criminosa.

O auto de infração indica que, malgrado o termo de retenção tenha sido lavrado em nome de Ziaoming Zhang (pessoa que atendeu os fiscais no dia dos fatos), este era “provavelmente apenas vendedor que se encontrava na loja no momento da abordagem” (cf. Id n. 149651934, p. 72). Chegou-se a essa conclusão após exame do contrato de sublocação do “box” onde armazenadas as mercadorias, em que constava, como sublocatária, a pessoa jurídica H SHI Presentes, cuja sócia era a ré Hongmin Shi.

Por conta disso, tentou-se a intimação da ré para a apresentação de defesa administrativa – o termo de intimação expedido indicava que a empresa pertencente à acusada fora incluída como contribuinte/responsável considerando o teor do contrato de sublocação, bem como o fato de que dentro do “box” foram localizados documentos de depósitos bancários e de um processo também em nome de Hongmin Shi (Id n. 149651934, p. 42).

Cópias desses documentos foram juntadas ao processo administrativo:  são mandados de intimação, carta precatória e sentença oriundas da Ação Penal n. 0005483-45.20012.4.03.6119, da 4ª Vara Federal de Guarulhos, que se trata de processo criminal respondido anteriormente pela ré (Id n. 149651934, pp. 44/59); e comprovantes de pagamento bancário de títulos com vencimento em 15.03.15 e 30.03.15, nos quais consta Hongmin Shi como pagadora (Id n. 149651934, pp. 61/62).

Note-se que as mercadorias produtos de descaminho foram localizadas, portanto, em “stand” comercial sublocado pela ré, havendo no local, ainda, documentos claramente pertencentes à acusada, consistentes em cópias do processo judicial a que respondera anteriormente e comprovantes de pagamento em seu nome – quanto a estes, ressalto que tinham datas de vencimento próximas à da própria operação de fiscalização, realizada em meados de abril de 2015.

Em contrapartida, não foi produzida nenhuma prova satisfatória de que o “box” HDT 17-21 houvesse sido cedido a terceira pessoa, como afirmado pela acusada. O depoimento da testemunha de defesa ouvida em Juízo é bastante vago nesse sentido: limitou-se a afirmar, em síntese, que a própria ré certa vez teria comentando possuir uma outra loja alugada no mesmo estabelecimento comercial onde mantinha o próprio negócio de venda de óculos. É depoimento que não basta para demonstrar, sem dúvidas, a completa desvinculação da ré ao objeto da apreensão.

Além disso, não é caso de dar provimento ao pedido subsidiário de desclassificação da conduta de descaminho para o crime previsto no art. 190, I, da Lei n. 9.279/96: a documentação administrativa é no sentido de que haveria mais um bem jurídico lesionado, para além da infração contra a Administração Pública, pois em diversos óculos havia indícios de replicação falsa de marcas internacionais de notório conhecimento público, como Ray-Ban, Oakley e Mormaii (cf. Id n. 149651934, p. 71).

O art. 190, I, da Lei n. 9.279/96 (Propriedade Industrial) institui crime contra o registro de marca a conduta de quem importa, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem em estoque produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte. O bem jurídico tutelado pela norma penal é a propriedade industrial do respectivo titular, ao qual fica reservada a faculdade de propor ou não a ação penal, dependendo dos seus interesses, conforme estabelece o art. 199 da mesma Lei, segundo o qual esse crime se procede mediante queixa. A tutela penal do bem jurídico do particular, como é intuitivo, não prejudica àquela da coletividade, sob pena de fazer prevalecer o interesse singular sobre o bem comum: não é razoável eleger o titular da marca como responsável pela persecução penal dos crimes que ofendem a Administração Pública, como sucede com o crime de descaminho previsto no art. 334 do Código Penal. A importação de mercadorias proibidas, como ocorre com aquelas contrafeitas semelhantes às protegidas pela propriedade industrial, não pode ser coonestada pela eventual inação do particular na defesa dos seus interesses econômicos. Destituído do poder de polícia, esse não tem condição de substituir o Estado na sua função de zelar pela sua própria soberania no que se refere ao ingresso de bens no País. O princípio da especialidade é um critério para resolver o conflito aparente de normas cuja incidência seja supostamente concorrente sobre determinado fato. Não se trata de um veículo pelo qual se introduz o interesse particular em detrimento do bem protegido pela norma penal. Nesse caso é ademais duvidoso que se possa falar, propriamente e sem nenhuma cautela, em conflito aparente de normas.

O entendimento explicitado, convém anotar, foi adotado em caso semelhante julgado anteriormente pela 4ª Seção deste Tribunal (TRF da 3ª Região, EIfNu n. 0008995-76.2015.4.03.6104, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 29.10.20).

Assim, e satisfatoriamente demonstrada a conduta de adquirir ou receber, no exercício de atividade comercial, a expressiva quantidade de pares de óculos de origem estrangeira, tratando-se de mercadoria desacompanhada de qualquer documentação fiscal comprobatória de sua regular internalização no País, a ré cometeu o crime de descaminho, conforme o art. 334, § 1º, IV, do Código Penal.

Mantida a condenação, nos termos da sentença.

Dosimetria. Na primeira fase do cálculo, foram reconhecidos os maus antecedentes da ré, por condenação criminal anterior por crime de corrupção ativa, fatos de 06.06.12, com trânsito em julgado em 28.08.15 (Apenso, fl. 30). Assim, a pena-base foi fixada 2/11 (dois onze avos) acima do mínimo legal, em 1 (um) ano, 2 (dois) meses e 5 (cinco) dias de reclusão, que se tornou a pena definitiva à míngua de circunstâncias atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou de aumento nas etapas seguintes da dosimetria.

Foi fixado o regime inicial aberto, conforme o art. 33, § 2º, c, do Código Penal.

A pena privativa de liberdade foi substituída por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos.

A ré não se insurgiu em relação à dosimetria, que resta mantida, à míngua de constatação de irregularidades sanáveis de ofício.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da ré.

É o voto.



E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO (CP, ART. 334, § 1º, IV). NULIDADE. IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. CPP, ART. 399, § 2º. LEI N. 11.719/08. NULIDADE RELATIVA. PREJUÍZO. EXIGIBILIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. DESCAMINHO. MATERIALIDADE. EXAME PERICIAL. DESNECESSIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. REJEIÇÃO DO PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA NÃO IMPUGNADA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. A Lei n. 11.719, de 20.06.08, publicada no DOU de 23.06.08 e que entrou em vigor 60 (sessenta) dias depois, em 23.08.08, acrescentou o § 2º ao art. 399 do Código de Processo Penal, dispondo que o juiz que presidiu a instrução a instrução deverá proferir sentença. Foi portanto introduzido no processo penal o princípio da identidade física do juiz, anteriormente instituído no art. 132 do Código de Processo Civil, que por sua vez dispõe mais pormenorizadamente a respeito, ressalvando as hipóteses em que o juiz estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, além de prever que, em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas. Permitida a analogia no processo penal (CPP, art. 3º), cumpre observar as disposições do art. 132 do Código de Processo Civil e, em consequência, a jurisprudência que se formou a respeito, no sentido de que o eventual descumprimento do preceito resolve-se em nulidade relativa a demandar comprovação pela parte interessada de prejuízo concreto (NEGRÃO, Theotonio et al. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 41ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 275, nota 2 ao art. 132), consoante ademais acabou por decidir o Superior Tribunal de Justiça (STJ, HC n. 163425, Rel. Min. Felix Fischer, j. 27.05.10).

2. Não é indispensável a realização de exame pericial (laudo merceológico) que ateste a origem estrangeira das mercadorias para a comprovação da materialidade do delito de contrabando ou descaminho, que pode ser apurada por outros meios de prova; havendo ainda entendimento no sentido de que o exame pericial não seria necessário em razão desse delito não deixar vestígios. (TRF da 3ª Região, ACR n. 00040039320064036102, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 20.06.11; RSE n. 200661060041939, Rel. Juiz Fed. Conv. Helio Nogueira, j. 16.03.09; HC n. 27991, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, unânime, j. 15.07.08; TRF da 1ª Região, ACR n. 200742000020180, Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz, j. 22.09.09; TRF da 4ª Região, HC n. 200904000216747, Rel. Des. Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère, j. 12.08.09; STJ, HC n. 108919, Rel. Min. Maria Theresa de Assis Moura, j. 16.06.09; TRF da 1ª Região, ACR n. 199939000009780, Rel. Juiz Fed. Conv. Guilherme Doehler, j. 29.11.05; TRF da 4ª Região, ACR n. 200471040061265, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, j. 16.04.06).

3. Ao contrário do que sucede com o delito de sonegação fiscal, cuja natureza material exige a constituição do crédito tributário para instauração da ação penal (STF, Súmula Vinculante n. 24), o delito de contrabando ou descaminho é de natureza formal, não sendo necessário o prévio esgotamento da instância administrativa (TRF da 3ª Região, HC n. 201003000138852, Rel. Juiz Fed. Conv. Silvia Rocha, j. 06.07.10; ACR n. 200261810065925, Rel. Juiz Fed. Conv. Silvio Gemaque, j. 29.06.10; ACR n. 200261810067120, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, j. 29.09.09; HC n. 200803000042027, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 24.09.09; HC n. 200903000243827, Rel. Juiz. Fed. Conv. Marcio Mesquita, j. 25.08.09).

4. Materialidade e autoria comprovadas, rejeitado o pedido de desclassificação e extinção da punibilidade por suposto cometimento de crime de ação penal privada (Lei n. 9.279/96, art. 190). Dosimetria mantida nos termos da sentença, à míngua de impugnação e de constatação de irregularidades de ofício sanáveis.

5. Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por maioria, decidiu preliminarmente rejeitar o pedido subsidiário de desclassificação da conduta de descaminho para o crime previsto no art. 190, I, da Lei n. 9.279/96, nos termos do voto do Des. Fed. Relator, acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes, vencido o Des. Fed. Mauricio Kato que acolhia o pedido de desclassificação e, em consequência, reconhecia a prescrição da pretensão punitiva estatal. Prosseguindo no mérito, a Turma, por maioria, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da ré, nos termos do voto do Des. Fed. Relator, acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes, vencido o Des. Fed. Mauricio Kato que dava provimento ao recurso para absolver a ré, nos termos do art. 386, VII, CPP, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.