APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0354597-93.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: D. A. G. D. S.
REPRESENTANTE: ADRIANA AGUIAR GUERREIRO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: SONIA REGINA SILVA AMARO PEREIRA - SP223569-A,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0354597-93.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: D. A. G. D. S. Advogado do(a) APELANTE: SONIA REGINA SILVA AMARO PEREIRA - SP223569-A, APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS R E L A T Ó R I O A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se de apelação interposta pela parte autora DANIEL AGUIAR GUERREIRO DOS SANTOS (incapaz), representado por sua genitora ADRIANA AGUIAR GUERREIRO DOS SANTOS, contra a r. sentença (Id.:118215909, págs. 1/4) que julgou improcedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, condenando-o ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em R$ 600,00 (seiscentos reais), nos termos do artigo 85, § 8º do CPC, observado quanto à exigibilidade o disposto no artigo 98, §3º, do CPC. Em suas razões de apelação (Id.: 118215912, págs. 1/9), sustenta a parte autora, que preenche ao requisito de miserabilidade devendo ser provido seu recurso de apelação, para afim de reformar da r. sentença proferida pelo Juiz a quo, julgando procedente o pedido exordial, para conceder o benefício de prestação continuada ao Recorrente. Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional. Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento da apelação (Id.:16532049). É o relatório.
REPRESENTANTE: ADRIANA AGUIAR GUERREIRO DOS SANTOS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0354597-93.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: D. A. G. D. S. Advogado do(a) APELANTE: SONIA REGINA SILVA AMARO PEREIRA - SP223569-A, APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS V O T O A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil. MÉRITO O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993. O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar. O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças. A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos. Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria. No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta 9 do CNJ, que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e 2) desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as metas 1.3 “Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis (...)”; e 2.1 “Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano.” É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser compreendido. O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei 13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social. Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito. Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU: "A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada". No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com redação dada pela recente Lei 13.981/2020, considera como hipossuficiente para consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo. O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar. Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008). No caso em exame, no que tange à incapacidade da parte autora, foi comprovada pelo laudo pericial (id.:118215866, págs. 1/11), que atesta que o autor, apresenta um quadro de autismo (CID F84.0) desde os dois anos de idade. O perito médico esclarece que a doença implica na necessidade de acompanhamento e é incapacitante para as atividades inerentes a idade do autor, cujo principais trechos destaco a seguir: "Considerando o histórico laboral, histórico médico, exame físico e análise indireta dos exames subsidiários, destacamos a (s) Hipótese (s) Diagnóstica (s): AUTISMO- CID F84.0 Autismo é um transtorno global do desenvolvimento marcado pelas características de inabilidade para interagir socialmente, dificuldade no domínio da linguagem para comunicar-se ou lidar com jogos simbólicos e padrão de comportamento restritivo e repetitivo. (...) Do ponto de vista médico enquadra-se para o benefício de BPC- LOAS considerando que é portador de deficiência, de longo prazo, e as limitações impostas pela doença implica na necessidade de acompanhamento de um dos pais de forma a impedir de trabalhar; quanto a incapacidade para o trabalho é inerente a sua idade". Não restando dúvidas sobre a incapacidade alegada. No que pertine à miserabilidade, no estudo social realizado em 2018 (118215880, págs. 1/5) e complementado em 2021 (163556288) foi constatado que o requerente vive com seus genitores. O genitor é técnico em química, e a genitora tem ensino médio, não trabalha, e vivem em imóvel próprio. "O imóvel é comprado através de financiamento... Trata-se de um sobrado de alvenaria composto por sala, cozinha americana, banheiro, área de serviço e garagem na parte de baixo e 02 quartos e banheiro na parte de cima, situado em bairro popular de Vicente de Carvalho, com ruas asfaltadas, redes de água, luz e esgoto e comércio próximo. Apresenta boa estrutura, paredes novas, chão ladrilhado, banheiros e cozinha azulejados e mobília confortável." "A mobília compõe-se de: Sala: Jogo de sofá, Televisor 21 polegadas, Cozinha: Fogão, geladeira, jogo de armário de cozinha, mesa e 04 cadeiras, Área de serviço: máquina de lavar. Quarto do casal: cama de casal, guarda-roupa de casal, cômoda, aparelho de ar condicionado, televisor 42 polegadas. Quarto do requerente: 02 camas de solteiro, guarda roupa de solteiro, Rack, aparelho de televisor moderno, notebook, aparelho de ar condicionado." Foram apresentadas as seguintes despesas mensais: Alimentação: R$ 900,00; Luz: R$ 439,00 (tem um aparelho de ar condicionado em cada quarto); Água: R$173,00; Imposto: R$ 73,00; Convênio médico: R$ 194,00; Prestação da casa: R$ 473,00; Consultas particulares de psicopedagogia: R$ 420,00; Mensalidade escolar: R$ 721,00. "Cabe ressaltar, a título de esclarecimento, que em que pese o alto valor das despesas relacionadas pela família, o Município onde reside o requerente é provido de escolas públicas: estaduais e municipais, além de equipamentos sociais, como CRAS, CREAS, USAFAS e APAAG (Associação de pais e amigos dos Autistas) que dispõem de atendimento à patologia do requerente, sendo que a opção por serviços privados de educação e psicopedagogia usufruídos por ele, é por preferência dos genitores." ( 163556288 - Pág. 41) A renda do núcleo familiar provem do salário do genitor, no valor de R$ 2.724,40 (dois mil, setecentos e vinte e quatro reais e quarenta centavos). Assim sendo, ao analisar a descrição do imóvel e dos gastos do núcleo familiar, não se verifica a situação de vulnerabilidade alegada pela parte autora. Além é claro, do valor auferido pelo genitor que excede a renda per capita de 1/2 do salário mínimo mensal, exigido pela Lei do LOAS para a concessão do beneficio assistencial. Dentro desse cenário, entendo que a parte autora não preencheu os requisitos legais, demonstrando que não se encontra em situação de vulnerabilidade, e assim, não faz jus ao benefício assistencial requerido. Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu art. 85, § 11, como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os limites estabelecidos na lei. Desprovido o apelo da parte autora interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, observada a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo 3º, da mesma lei. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora, condenando-o ao pagamento do ônus de sucumbência, observada a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo 3º do CPC/2015 e, mantenho quanto ao mais a r. sentença recorrida. É COMO VOTO. /gabiv/marnunes
REPRESENTANTE: ADRIANA AGUIAR GUERREIRO DOS SANTOS
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE. AUTISMO. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA IMPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.
1 - Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex processual.
2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
3 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do requisito de deficiência / idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
4 - No que pertine à deficiência, foi comprovada pelo laudo médico pericial que o requerente apresenta um quadro de autismo (CID F84.0) desde os dois anos de idade, não restando dúvidas sobre sua deficiência.
5 - Entretanto, do cotejo do estudo social, demonstrou comprovado que o núcleo familiar vive com renda per capita superior a 1/2 do salario mínimo mensal, sendo capaz de proporcionar uma vida digna para o requerente.
6 - Desprovido o apelo da parte autora interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, observada a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo 3º, da mesma lei.
7 - Apelação da parte autora improvida. Sentença mantida.