Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012411-08.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MARIA HELI DALLA COLLETTA DE MATTOS

Advogados do(a) APELANTE: VICTOR TERRA BACCEGA - SP421507, LAVINIA MORAES DE ALMEIDA NOGUEIRA JUNQUEIRA - SP2901550A, CRISTIANE MEITIN IE - SP2499460A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012411-08.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MARIA HELI DALLA COLLETTA DE MATTOS

Advogados do(a) APELANTE: LAVINIA MORAES DE ALMEIDA NOGUEIRA JUNQUEIRA - SP2901550A, CRISTIANE MEITIN IE - SP2499460A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta por MARIA HELI DALLA COLLETTA DE MATTOS em face da sentença que denegou a ordem, neste mandado de segurança impetrado com o objetivo de afastar a incidência do IRRF por ocasião da transferência das cotas dos Fundos de Investimento do Espólio de seu então cônjuge para a sua titularidade.

Em seu recurso, a impetrante alega, em síntese, que a retenção do Imposto de Renda na Fonte, com base no art. 2º do Ato Declaratório Interpretativo nº 13/2007 e na Solução de Consulta COSIT nº 383/2014, afronta o art. 23 da Lei nº 9.532/1997, o qual determina que o inventariante, no formal de partilha, pode deliberar sobre a transmissão sucessória a valor de custo de declaração ou de mercado. Argumenta que se a transferência for pelo valor constante da última Declaração de Bens e Direitos do de cujus, não haverá ganho de capital.

Ofertadas contrarrazões, os autos subiram a esta Corte Regional.

Neste Tribunal, o Ministério Público Federal opinou pelo não provimento da apelação da impetrante.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


                                   

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012411-08.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MARIA HELI DALLA COLLETTA DE MATTOS

Advogados do(a) APELANTE: LAVINIA MORAES DE ALMEIDA NOGUEIRA JUNQUEIRA - SP2901550A, CRISTIANE MEITIN IE - SP2499460A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

 

 

V O T O

 

Consta dos autos que, em decorrência do falecimento de Ronuel Macedo de Mattos, foi aberto o processo de inventário. Em 19 de outubro de 2016, foi homologada a partilha nos autos de Inventário dos bens e direitos deixados em razão do falecimento, com expedição de Formal de Partilha, em 05 (cinco) dias após o trânsito em julgado, ocorrido em 26 de outubro de 2016.

Entre os bens e direitos do falecido, encontram-se investimentos em fundos de investimentos custodiados por instituições financeiras, indicados na exordial do feito a ID nº 3854623 - Pág. 3. Por ocasião das tratativas para transferência causa mortis, sem resgate, de referidas aplicações financeiras, a viúva meeira e legatária, autora deste mandamus, foi informada pelas referidas instituições financeiras que esta operação seria objeto de tributação pelo imposto de renda, em razão de posicionamento defendido pela Receita Federal do Brasil, na solução de consulta COSIT nº 383/14 e ato declaratório interpretativo - ADI nº 13/07.

Pois bem.

Pelo princípio da legalidade estrita, também conhecido como tipicidade fechada, a exação de tributos deve ser alicerçada em lei, não se admitindo a imposição de impostos decorrentes de ficções, presunções ou indícios. Nesse sentido militam os arts. 150, inciso I, da Constituição Federal e 97 e 104 do Código Tributário Nacional. Ademais, não basta que os tributos tenham seus fatos geradores descritos de forma genérica, sendo necessário que a lei defina in abstracto todos os aspectos relevantes para que se determine quem terá que pagar, quanto, quando e a quem.

A lição de Luciano Amaro é elucidativa:

" (...) A lei deve esgotar, como preceito geral e abstrato, os dados necessários à identificação do fato gerador da obrigação tributária e à quantificação do tributo, sem que restem à autoridade poderes para, discricionariamente, determinar se 'A' irá ou não pagar tributo, em face de determinada situação. Os critérios que definirão se 'A' deve ou não contribuir, ou que montante está obrigado a recolher, devem figurar na lei e não no juízo de conveniência e oportunidade do administrador público. Em suma, a legalidade tributária não se conforma com a mera autorização em lei para cobrança de tributos; requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador, necessários à quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita em lei. A legalidade tributária implica, por conseguinte, não a simples preeminência da lei, mas a reserva absoluta da lei, vale dizer, 'a necessidade de que toda a conduta da Administração tenha o seu fundamento positivo na lei, ou, por outras palavras, que a lei seja o pressuposto necessário e indispensável de toda atividade administrativa. Por isso, não tem a autoridade administrativa o poder de decidir, no caso concreto, se o tributo é devido, ou quanto é devido. A obrigação tributária é uma decorrência necessária da norma sobre o fato concreto, cuja existência é suficiente para o nascimento daquela obrigação (CTN, art. 114)". (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 17ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2011. Pág. 134).

E a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça anda na mesma direção:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR. LEI 9.961/00. ACÓRDÃO RECORRIDO COM DUPLO FUNDAMENTO. ENTENDIMENTO DO STF DE QUE COMPETE AO STJ EXAMINAR A QUESTÃO. CONTRARIEDADE AOS ARTS. 77, 78 E 97 DO CTN RECONHECIDA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O STF tem decidido que compete ao STJ apreciar a questão em torno da exigibilidade da Taxa de Saúde Suplementar instituída pela Lei 9.961/00, sob o fundamento de que eventual violação à Constituição Federal seria reflexa

2. Diante disso, merece ser revista a solução até então adotada por esta Corte, de não conhecer de recursos especiais em que discutido o tema, sob pena de se negar aos contribuintes o efetivo acesso à jurisdição. 3. Por força do princípio da legalidade estrita, corolário da tipicidade fechada, própria do Direito Tributário, apenas a lei em sentido formal pode estabelecer os elementos estruturais ou essenciais dos tributos, com exceção dos casos previstos expressamente no próprio CTN. 4. O art. 37 da Lei 9.961/00 contrariou os arts. 77 e 78 do CTN ao instituir a cobrança da Taxa de Saúde Suplementar, cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia, antes que a Agência Nacional de Saúde estivesse efetivamente estruturada para tanto. 5. De igual maneira, o art. 20 da referida Lei contrariou o art. 97 do CTN ao mencionar que a base de cálculo seria apurada com base em critérios imprecisos, vale dizer, a "multiplicação de R$ 2,00 (dois reais) pelo número médio de usuários de cada plano privado", sem especificar do que se trata e como seria apurado tal "número médio". 6. Reconhecida a ilegalidade da cobrança em questão mesmo na vigência da Lei 9.961/00, por coerência, não se pode aceitar a tese de que seria legítima a exação no período anterior a janeiro de 2000, como defende a recorrente. 7. Recurso especial não provido. (STJ, REsp 1110315/ RJ, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJe 27.04.2011) TRIBUTÁRIO. ICMS. CONVÊNIO 69/98. ASSINATURA MENSAL. ATIVIDADE-MEIO. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. CONCEITO. INCIDÊNCIA APENAS SOBRE A ATIVIDADE-FIM. COMUNICAÇÃO EM SENTIDO ESTRITO. PRECEDENTES. I - "Este Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de analisar o conteúdo desse convênio, concluindo, em síntese, que: (a) a interpretação conjunta dos arts. 2º, III, e 12, VI, da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) leva ao entendimento de que o ICMS somente pode incidir sobre os serviços de comunicação propriamente ditos, no momento em que são prestados, ou seja, apenas pode incidir sobre a atividade-fim, que é o serviço de comunicação, e não sobre a atividade-meio ou intermediária, que é, por exemplo, a habilitação, a instalação, a disponibilidade, a assinatura, o cadastro de usuário e de equipamento, entre outros serviços. Isso porque, nesse caso, o serviço é considerado preparatório para a consumação do ato de comunicação; (b) o serviço de comunicação propriamente dito, consoante previsto no art. 60 da Lei 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), para fins de incidência de ICMS, é aquele que transmite mensagens, idéias, de modo oneroso; (c) o Direito Tributário consagra o princípio da tipicidade fechada, de maneira que, sem lei expressa, não se pode ampliar os elementos que formam o fato gerador, sob pena de violar o disposto no art. 108, § 1º, do CTN. Assim, não pode o Convênio 69/98 aumentar o campo de incidência do ICMS, porquanto isso somente poderia ser realizado por meio de lei complementar." (REsp nº 601.056/BA, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 03/04/2006). No mesmo sentido: REsp nº 418.594/PR, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 21/03/2005 e REsp nº 402.047/MG, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 09/12/2003. II - Ante a evidência de que não se trata de serviço de comunicação em sentido estrito, inviável a inclusão no seu conceito do serviço de "assinatura mensal", para fins de incidência do ICMS. III - Recurso Especial provido. (STJ, Resp 754393/ DF, Primeira Turma, Relator Ministro Francisco Falcão).

Anote-se, a título de relevo, que a tributação dos fundos de investimento varia de acordo com o tipo de condomínio em questão. Os fundos de ações, descritos na IN/RFB nº 1.022/10 e Instrução CVM nº 409/04 como aqueles formados por mais de 67% do capital investido nesses ativos, têm o momento de sua cobrança determinada pelo art. 28, § 6º, da Lei nº 9.532/ 1997, e pelo artigo 744 do Decreto nº 3.000/99, a saber:

Art. 28. A partir de 1º de janeiro de 1998, a incidência do imposto de renda sobre os rendimentos auferidos por qualquer beneficiário, ou isenta, nas aplicações em fundos de investimento, constituídos sob qualquer forma, ocorrerá:

(...)

§ 6º Os fundos de investimento cujas carteiras sejam constituídas, no mínimo, por 80% de ações negociadas no mercado à vista de bolsa de valores ou entidade assemelhada, poderão calcular o imposto no resgate de quotas, abrangendo os rendimentos e ganhos totais do patrimônio do fundo.

Art. 744. Os fundos de investimento cujas carteiras sejam constituídas, no mínimo, por sessenta e sete por cento de ações negociadas no mercado à vista de bolsa de valores ou entidade assemelhada, calcularão o imposto no resgate de quotas, abrangendo os rendimentos e ganhos totais do patrimônio do fundo (Lei nº 9.532, de 1997, art. 28, § 6º, e Medida Provisória nº 1.753 -16, de 1999, art. 2º).

Vale mencionar que foi por meio da MP nº 2.189-49/01 que se reduziu a razão mínima de investimento em ações de 80 para 67%. Fato é que os dispositivos legais transcritos deixam claro que os rendimentos auferidos pelos investidores estarão sujeitos à tributação pelo IRF somente quando do resgate das quotas. Exclui-se, portanto, esse tipo de investimento da sistemática de cobrança pelo "come-quotas" ou de qualquer outra sistemática.

Já os fundos de investimento abertos, como no caso em análise, são aqueles em que, embora se permita o resgate de quotas a todo tempo, bem como a entrada de novos investidores, não se admite e cessão das quotas, a não ser em casos especiais como, por exemplo, a sucessão.

Assim, não vejo como se admitir que a sucessão causa mortis seja considerada um resgate para os efeitos de cobrança tributária, incidindo ao caso a previsão contida no art. 23 da Lei nº 9.532/97, cujo dispositivo da norma reza:

Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.

Conforme adrede mencionado, o fato gerador de tributo deve ter seu desenho muito bem delimitado por lei em sentido formal, não se podendo alargar o termo "resgate" para abarcar o caso em análise. No caso de herança, o herdeiro continua nas relações patrimoniais do de cujos, substituindo-o em suas relações jurídicas, não se podendo criar, a princípio, uma ficção jurídica de resgate e recompra. Pode-se dizer que há uma continuidade no exercício de direitos.

O ADI nº 13, da RFB, de 18 de julho de 2007, porém, deu entendimento diverso, pelo qual também na sucessão causa mortis o IRF seria devido. Vamos a ele:

O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso III do art. 224 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal, aprovado pela Portaria MF nº 95, de 30 de abril de 2007, tendo em vista o disposto nos arts. 1º, 2º, 8º e 16 da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, com a redação dada pela Lei nº 10.892, de 13 de julho de 2004, e o que consta do processo nº 10168.002295/2007-84, declara:

Art. 1º São passíveis de incidência da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF) as transferências financeiras, realizadas pelas instituições financeiras, decorrentes de:

I - incorporação, cisão ou fusão;

II - sucessão "causa mortis".

Parágrafo único. O disposto no inciso I não se aplica na hipótese de transferência de reservas técnicas, fundos e provisões de plano de benefício de caráter previdenciário entre entidades de previdência complementar ou sociedades seguradoras, nos termos do inciso IX do art. 8º da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996.

Art. 2º As operações de que tratam o art. 1º, quando referentes a aplicações financeiras, sujeitam-se inclusive ao pagamento do imposto de renda na fonte e do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a título ou valores mobiliários, quando for o caso.

O Ato Declaratório, sendo fonte secundária, não tem o condão de criar hipóteses de incidência diversas daquelas previstas em lei. Tampouco deve alarga-las ou diminuí-las, a ponto de alterar o efeito de norma existente. Como o próprio nome indica, este tipo de fonte deve tão-somente buscar tornar a aplicação das normas mais claras.

Nesse sentido, se posicionou esta Quarta Turma no recente julgamento do Agravo de Instrumento nº 5018288-56.2018.4.03.0000, de minha relatoria.

Dessa forma, deve ser provida a apelação autoral, para reformar a sentença a quo, julgar procedente o pedido e conceder a ordem, à finalidade de afastar a incidência do IRPF no momento da transferência das cotas dos fundos de investimento do espólio em questão à titularidade da impetrante.

Ante o exposto, dou provimento à apelação, para reformar a sentença a quo, julgar procedente o pedido e conceder a ordem requerida, consoante fundamentação.

É o meu voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
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Advogados do(a) APELANTE: VICTOR TERRA BACCEGA - SP421507, LAVINIA MORAES DE ALMEIDA NOGUEIRA JUNQUEIRA - SP2901550A, CRISTIANE MEITIN IE - SP2499460A

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V O T O -  V I S T A

 

Apelação de Maria Heli Dalla Colletta de Mattos contra sentença que denegou a ordem pleiteada para obter o afastamento da incidência do imposto de renda retido na fonte (IRRF) por ocasião da transferência das cotas dos fundos de investimento do espólio do marido, falecido em 04.12.2012 (ID 3854739), para a sua titularidade. Custas na forma da lei. Honorários advocatícios indevidos (ID 3854766).

A eminente relatora Des. Fed. Mônica Nobre votou no sentido de dar provimento à apelação por entender que o ADI nº 13, de 18 de julho de 2007, da Receita Federal Brasileira, criou hipótese de incidência de tributo diversa da prevista em lei. Concordo e passo a expor as razões do voto convergente.

A impetrante é herdeira e sucessora do espólio de Ronuel Macedo de Mattos, viúva meeira e legatária. A partilha amigável estabeleceu a transferência de participações em fundos de investimento pelo valor constante da declaração de bens do falecido, ou seja, pelo valor equivalente ao respectivo custo de aquisição. Homologada e transitada em julgado a partilha, pretendia formalizar a transferência das cotas pelo valor do custo de aquisição, consoante as previsões do artigo 119, §2º, do Decreto nº 3.000/99 e artigo 23, §3º, da Lei 9.532 de 1997, mas as instituições financeiras lhe informaram sobre a retenção do imposto de renda na fonte (IRRF) em razão da sucessão por morte, com base no artigo 2º do Ato Declaratório Interpretativo nº 13/2007, proferido pela Receita Federal do Brasil, e na Solução de Consulta COSIT 383/2014. Assevera, todavia, que não há incidência de IRRF em caso de partilha e transferência causa mortis de cotas de fundo de investimento a valor de custo por não existir renda no momento da sucessão. Afirma, ademais, que a Lei nº 9.532/97 permite ao inventariante deliberar sobre a transmissão sucessória pelo custo de aquisição ou de mercado, de forma que a obrigatoriedade da avaliação dos bens pelo valor de mercado imposta por ato infralegal não pode prevalecer. Deu-se à causa o valor de R$ 6.850.000,00 (ID 3854732).

Nas informações (ID 3854751), a União alega que o artigo 23 da Lei nº 9.532/1997 possibilita a escolha do valor pelo qual serão transferidas as aplicações do falecido à titularidade da impetrante, com apuração de IR sobre ganho de capital apenas se for feita a opção por valor superior ao que constou na declaração do falecido e que se aplica ao mesmo tempo o artigo 65 da Lei nº 8.981/1995, com retenção na fonte de IR incidente sobre eventual rendimento financeiro da aplicação, de forma que defende a inexistência de antinomia entre o Ato Declaratório Interpretativo (ADI) RFB nº 13/2007, a Solução de Consulta (SC) COSIT nº 383/2014 e a mencionada lei, posto que tratam de matérias distintas.

Liminar indeferida (ID 3854756) e sentença de improcedência, contra a qual foi interposto o apelo que ora se examina (ID 3854775).

A questão central que ora se apresenta é definir se há incidência de imposto de renda quando há mudança da titularidade das cotas de fundos de investimento em virtude de sucessão causa mortis.

Consoante a emenda à inicial (ID 3854738), a impetrante informa que pretende o afastamento da incidência do IRRF por ocasião da transferência das cotas dos fundos de investimento arrolados:

a) aplicação Financeira em Fundo de Investimento HONOR II MM FICFI junto ao Intrag DTVM Ltda., descrita no item I.5.34 da “Relação de Bens a Inventariar”;

b) aplicação Financeira em Fundo de Investimento RM Futura MM Crédito Privado FI junto ao Intrag DTVM Ltda., descrita no item I.5.35 da “Relação de Bens a Inventariar”

c) aplicação Financeira em Fundo de Investimento HG Sigmai FIC FIM junto ao HG Sigmai FIC de FIM e Credit Suisse Hedging - Griffo, descrita no item I.5.36 da “Relação de Bens a Inventariar”.

Esclarece, ainda, em suas razões recursais que o fundo HONOR é classificado para fins tributários como fundo de investimento em ações (renda variável), ao passo que os demais são considerados fundos de investimento fechados de renda fixa de longo prazo.

Para que se estabeleça se há ou não a incidência de imposto de renda in casu, há que se perquirir sobre o seu fato gerador.

A regra matriz de incidência dos tributos está prevista na Constituição Federal e, quanto ao imposto de renda, seu contorno é delimitado pelo artigo 153, inciso III, o qual prevê a competência da União para instituir imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza. O artigo 43 do Código Tributário Nacional, por sua vez, define como fato gerador da exação a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos (inciso I) e de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior (inciso II).

A partir da descrição do referido fato gerador, cumpre tecer algumas considerações sobre a legislação do imposto de renda no que tange à transferência de bens e direitos por sucessão, no caso de herança. Sobre o tema, dispunha a Lei nº 7.713/88:

"Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:

XVI - o valor dos bens adquiridos por doação ou herança;

(...)

 

Art. 22. Na determinação do ganho de capital serão excluídos:

..................................................................................................

III - as transferências causa mortis e as doações em adiantamento da legítima;"

Sobreveio a Lei nº 9.532/97, que passou a dispor sobre a sujeição das operações de transferência de propriedade de bens e direitos a herdeiros e legatários por sucessão causa mortis à apuração de ganho de capital, caso efetuadas por valor de mercado, desde que superior ao constante da última declaração do falecido:

Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.

§ 1º Se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da declaração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento.

§ 2º (...)

§ 3º O herdeiro, o legatário ou o donatário deverá incluir os bens ou direitos, na sua declaração de bens correspondente à declaração de rendimentos do ano-calendário da homologação da partilha ou do recebimento da doação, pelo valor pelo qual houver sido efetuada a transferência.

 § 4º Para efeito de apuração de ganho de capital relativo aos bens e direitos de que trata este artigo, será considerado como custo de aquisição o valor pelo qual houverem sido transferidos.

 § 5º (...)

 

No caso vertente, é fato incontroverso que a impetrante optou por receber os bens em sucessão pelo valor constante da última declaração de bens do de cujus, conforme lhe permite o artigo 23 da Lei 9.532/97, e postergar a apuração do eventual ganho de capital incidente na transmissão da propriedade das cotas para eventuais futuras alienações. A Receita Federal, contudo, conforme a Solução de Consulta nº 383/2014, considera que tais transferências equivalem à alienação, consoante a cláusula geral estabelecida no artigo 65, §2º, da Lei nº 8.981/95:

Art. 65. O rendimento produzido por aplicação financeira de renda fixa, auferido por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, a partir de 1º de janeiro de 1995, sujeita-se à incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota de dez por cento.

§ 1º A base de cálculo do imposto é constituída pela diferença positiva entre o valor da alienação, líquido do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), de que trata a Lei nº 8.894, de 21 de junho de 1994, e o valor da aplicação financeira.

§ 2º Para fins de incidência do Imposto de Renda na fonte, a alienação compreende qualquer forma de transmissão da propriedade, bem como a liquidação, resgate, cessão ou repactuação do título ou aplicação.

§ 3º Os rendimentos periódicos produzidos por título ou aplicação, bem como qualquer remuneração adicional aos rendimentos prefixados, serão submetidos à incidência do Imposto de Renda na fonte por ocasião de sua percepção.

 

Da leitura do dispositivo constata-se que em momento algum referido artigo pressupõe o resgate ou a liquidação das cotas do fundo de investimento na sucessão causa mortis. Na verdade, o artigo 1.784 do Código Civil estabelece que a transmissão dos bens por sucessão dá-se no momento da morte do titular dos bens e o instrumento jurídico que formaliza tal transmissão sucessória é a partilha. Assim, a questão que se coloca é saber se tal transmissão configura o fato gerador do imposto de renda.

De acordo com a exposição de motivos do projeto de edição da Medida Provisória nº 1.602, de 14 de novembro de 1997, posteriormente convertida na Lei 9.532/97:

"O art. 24 cuida de regular a transferência de direitos de propriedade por sucessão, nos casos de herança e doações em adiantamento da legítima. Pela proposta, os bens e direitos, nas referidas hipóteses, poderão ser transferidos a valor de mercado ou pelo valor constante da última declaração de bens do de cujus ou do doador. Se a opção for a transferência a valor de mercado, a diferença entre este e o valor constante da declaração de bens referida será tributada à alíquota de quinze por cento, devendo o imposto ser pago pelo inventariante, no caso de espólio, ou pelo doador, no caso de doação.

Se a opção for a transferência pelo valor da declaração de bens do de cujus ou do doador, não haverá cobrança de imposto no ato da transferência, mas o herdeiro ou donatário deverá incluir os bens ou direitos, em sua declaração de bens, pelo valor da transferência, o qual constituirá custo para efeito de apuração de ganho de capital numa eventual futura alienação.

Estas normas, pela proposta, serão aplicadas, também, nas hipóteses de transferência de bens e direitos em decorrência de dissolução da sociedade conjugal.

A medida, como se vê, tem caráter meramente de controle, como forma de prevenir a evasão de imposto de renda, hoje comumente verificada nesses casos de sucessão, sem, todavia, obrigar herdeiros ou doadores a dispor de bens para fazer face ao pagamento do imposto no ato da transferência.

(grifo nosso)

 

Por outro lado, o § 1º do artigo 65 da Lei 8.981/1995 esclarece que a base de cálculo do IRRF é constituída pela diferença entre o valor da alienação e o valor de custo da aplicação financeira. Destarte, se a alienação se deu em decorrência da sucessão e se seu valor é equivalente ao custo de aquisição (valor declarado na declaração de bens do titular falecido), não há base para incidência do IRRF, porquanto inexiste ganho de capital ou rendimento financeiro tributável quando a partilha é realizada a valor de custo. É o que se depreende da leitura do Regulamento do Imposto de Renda então vigente (Decreto nº 3000/99):

Artigo 39 - Não entrarão no cômputo do rendimento bruto: 

XV – o valor dos bens adquiridos por doação ou herança, observado o disposto no art. 119.

 

Artigo 119: Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.

 §1 - Se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse  e  o  valor  pelo  qual  constavam  da  declaração  de  bens  do  de  cujus ou  do  doador  sujeitar-se-á  à  incidência  de  imposto,  observado  o  disposto  nos arts.  138  a 142 (que tratavam da apuração de ganho de capital).

 

Especificamente quanto aos investimentos em análise, há ainda que registrar as diferentes proposições para o fundo de investimento em ações (renda variável - fundo HONOR) e para os demais, que são considerados fundos de investimento fechados de renda fixa de longo prazo. Todos são uma comunhão de recursos, constituídos sob a forma de condomínio (artigo 3º da Instrução CVM Nº 555/2014).

Quanto ao fundo de investimento em ações, o artigo 73 da Lei nº 8.981/1995 é específico sobre o tema e estabelece que se sujeita à incidência de imposto de renda na fonte apenas o rendimento auferido no resgate de quota de fundo de ações, observada a base de cálculo constituída pela diferença positiva entre o valor de resgate, líquido de IOF, e o valor de aquisição da quota (§1º do referido artigo). Nesse sentido, inclusive, recente Solução de Consulta – COSIT 98, de 21.06.2021, na qual a Receita Federal reconheceu não haver resgate antecipado no caso de doações como adiantamento de legítima, de forma que, quando for a custo de aquisição, não haverá imposto de renda a pagar, na medida em que o ganho será apurado apenas quando chegar o momento do resgate, e expressamente estendeu tal entendimento para as transmissões causa mortis de cotas de fundo de investimento fechado em ações. Confira-se:

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - IRPF
DOAÇÃO EM ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA. COTAS DE FUNDO FECHADO DE AÇÕES.

A doação em adiantamento de legítima de cotas de fundo fechado de investimento em ações não resulta em resgate das referidas cotas e deve seguir as regras tributárias do ganho de capital de bens e direitos, quando efetuada para beneficiário pessoa física;

Caso a doação em adiantamento de legítima seja efetuada por valor superior ao valor constante da DIRPF do doador, a diferença positiva entre esses valores configurará ganho, tributado pelo Imposto sobre a Renda à alíquota de 15%, devendo o IR ser retido e recolhido pelo doador, caso seja efetuada pelo valor constante da DIRPF do doador, não haverá IR a pagar, nesse momento.

O donatário deve informar, em sua DIRPF, as cotas de fundo fechado de investimento de ações recebidas pelo valor da transferência.
Dispositivos Legais: Instrução CVM nº 555, de 2014, arts. 3º, 4º, 14; IN RFB nº 1.585, de 2015, arts. 16 a 18; Lei nº 9.532, de 1997, art. 23.

 

Já os fundos fechados de renda fixa regem-se pelas disposições do artigo 65 da 8.981/95, outrora transcritos, que indica como base de cálculo para o imposto a diferença positiva entre o valor da alienação e o valor da aplicação financeira (§1º). Se não há diferença, não há base de cálculo para tal incidência, de forma que os atos infralegais questionados na ação mandamental (ADI 13/2007 e SC COSIT 383/14) não podem extrapolar os dizeres da lei. Nesse sentido, já se manifestou esta 4ª Turma:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. IR. TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE DE COTAS. SUCESSÃO CAUSA MORTIS. ILEGALIDADE ADI 13/07. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO UF. IMPROVIDAS.

- Pelo princípio da legalidade estrita, também conhecido como tipicidade fechada, a exação de tributos deve ser alicerçada em lei, não se admitindo a imposição de impostos decorrentes de ficções, presunções ou indícios. Nesse sentido militam os Arts. 150, inciso I, da Constituição Federal e 97 e 104 do Código Tributário Nacional. Ademais, não basta que os tributos tenham seus fatos geradores descritos de forma genérica, sendo necessário que a lei defina in abstracto todos os aspectos relevantes para que se determine quem terá que pagar, quanto, quando e a quem. Reiterada Jurisprudência. -A tributação dos fundos de investimento varia de acordo com o tipo de condomínio em questão. Os fundos de ações, descritos na IN/RFB 1.022/10 e Instrução CVM 409/04 como aqueles formados por mais de 67% do capital investido nesses ativos, têm o momento de sua cobrança determinada pelo Art 28, 6º da Lei 9.532/ 1997, e pelo Artigo 744 do Decreto 3.000/99.

-Anote-se que foi por meio da MP 2.189-49/01 que se reduziu a razão mínima de investimento em ações de 80 para 67%. Fato é que os dispositivos legais transcritos deixam claro que os rendimentos auferidos pelos investidores estarão sujeitos à tributação pelo IRF somente quando do resgate das quotas. Exclui-se, portanto, esse tipo de investimento da sistemática de cobrança pelo "come-quotas" ou de qualquer outra sistemática.

- Os fundos de investimento abertos, como no caso em análise, são aqueles em que, embora se permita o resgate de quotas a todo tempo, bem como a entrada de novos investidores, não se admite e cessão das quotas, a não ser em casos especiais, como, por exemplo, a sucessão.

-Assim, não vejo como se admitir que a sucessão causa mortis seja considerada um resgate para os efeitos de cobrança tributária.

-O fato gerador de tributo deve ter seu desenho muito bem delimitado por lei em sentido formal, não se podendo alargar o termo "resgate" para abarcar o caso em análise. No caso de herança, o herdeiro continua nas relações patrimoniais do de cujos, substituindo-o em suas relações jurídicas, não se podendo criar, a princípio, uma ficção jurídica de resgate e recompra. Pode-se dizer que há uma continuidade no exercício de direitos.

-O ADI 13, da RFB, de 18 de julho de 2007, porém, deu entendimento diverso, pelo qual também na sucessão causa mortis o IRF seria devido.

-O Ato Declaratório, sendo fonte secundária, não tem o condão de criar hipóteses de incidência diversas daquelas previstas em lei. Tampouco deve alarga-las ou diminuí-las, a ponto de alterar o efeito de norma existente. Como o próprio nome indica, este tipo de fonte deve tão-somente buscar tornar a aplicação das normas mais claras. -Por derradeiro, a própria autoridade impetrada, consoante informações constantes a fls. 113, se manifestou nos seguintes termos: "No caso de transferência pelo valor constante na última declaração de bens do de cujus, não há ganho de capital a ser apurado. Nesse caso, a única exação cabível é o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência estadual, previsto no art. 155, I, da Constituição Federal de 1988. Ademais, em consulta à jurisprudência, não foram encontrados julgados acerca de exigência pela RFB de IR sobre a sucessão de quotas de Fundo Aberto de Investimento em Ações, o que pode ser interpretado como ausência de ato coator que justifique a impetração do presente Mandado de Segurança".

-In casu, a própria autoridade impetrada corroborou em suas informações de que incabível a retenção do Imposto sobre a Renda na Fonte no momento da transferência. -Remessa oficial e apelação improvidas.

(TRF-3 - AMS: 00057471720154036100 SP, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, Data de Julgamento: 16/08/2017, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/08/2017)

 

Por fim, cumpre registrar que não se olvida que a transferência de bens e direitos causa mortis constitui forma de aquisição de propriedade e implica acréscimo patrimonial aos sucessores, nos termos do artigo 1784 do Código Civil. Ocorre que não obstante a impetrante tenha adquirido os direitos sobre as quotas dos fundos em questão em 2012 (falecimento do transmitente), optou pela transferência ao preço da declaração do finado, consoante lhe permite o artigo 23 da Lei nº 9.532/1997, e assim, o custo de aquisição resta excluído da base de cálculo do IR, o qual apenas incide sobre o ganho de capital ou rendimento de aplicação financeira.

Interessante reflexão sobre o tema nos traz Antônio Carlos Diniz Murta e Luisa Mendonça Albergaria de Carvalho em artigo intitulado “Tributação sobre doações e heranças no brasil: via de mão dupla?”, verbis:

"Apesar do patrimônio herdado ou doado já ter constituído, no passado, acréscimo patrimonial e sobre ele, certamente, já ter sido incidido o imposto de renda (IR), verificar-se-ia fato ou ato novo de acréscimo patrimonial. O contribuinte, aquele que experimentaria o aumento em seu patrimônio, seria o donatário ou o herdeiro e não o doador (que sofre decréscimo patrimonial ou o de cujus. Havendo novo acréscimo, agora no patrimônio do donatário ou do sucessor (beneficiado pela herança) estaria, em tese, justificada uma nova incidência do IR”. (...) Todavia, “aquele que recebe bens ou direitos passa a ter um acréscimo patrimonial, porém, tal incorporação não pode ser interpretada como se fosse a prática de novo fato gerador do IR auferir renda e proventos de qualquer natureza. A ocorrência do fato gerador do IR ocorreu na origem e com aquele que constituiu o patrimônio objeto da herança ou doação, ou seja, não se pode falar da constituição de um novo fato gerador pelo herdeiro ou donatário, mas apenas da transmissão pelo detentor dos bens e direitos para seus herdeiros ou donatários. Sendo assim, quando o governo federal se prende ao entendimento de que a tributação da herança ou doação é novo fato gerador do IR para o herdeiro ou donatário, ele acaba ensejando na pratica da bitributação sobre o mesmo recurso ou capital que na origem já teve a imposição do IR, o que revelaria inafastável mácula à Constituição Federal.”

(In Revista de Direito Tributário e Financeiro | e-ISSN: 2526-0138 | Maranhão | v. 3 | n. 2 | p. 68 - 86 | Jul/Dez. 2017).

 

Diante de tais considerações, de rigor a reforma da sentença que julgou improcedente o pedido inicial.

Ante o exposto, acompanho a relatora para dar provimento à apelação da parte impetrante e reformar a sentença para conceder-lhe a ordem requerida, a fim de afastar a incidência do imposto de renda retido na fonte (IRRF) por ocasião da transferência das cotas dos fundos de investimento do espólio de seu marido falecido para a sua titularidade.

É como voto.

ANDRÉ NABARRETE – DESEMBARGADOR FEDERAL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE RENDA. TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE DE COTAS. SUCESSÃO CAUSA MORTIS. ILEGALIDADE ADI Nº 13/07. APELAÇÃO PROVIDA.

- Pelo princípio da legalidade estrita, também conhecido como tipicidade fechada, a exação de tributos deve ser alicerçada em lei, não se admitindo a imposição de impostos decorrentes de ficções, presunções ou indícios. Nesse sentido militam os Arts. 150, inciso I, da Constituição Federal e 97 e 104 do Código Tributário Nacional. Ademais, não basta que os tributos tenham seus fatos geradores descritos de forma genérica, sendo necessário que a lei defina in abstracto todos os aspectos relevantes para que se determine quem terá que pagar, quanto, quando e a quem. Reiterada Jurisprudência.

- A tributação dos fundos de investimento varia de acordo com o tipo de condomínio em questão. Os fundos de ações, descritos na IN/RFB nº 1.022/10 e Instrução CVM nº 409/04 como aqueles formados por mais de 67% do capital investido nesses ativos, têm o momento de sua cobrança determinada pelo Art 28, 6º da Lei nº 9.532/ 1997, e pelo Artigo 744 do Decreto 3.000/99.

- Anote-se que foi por meio da MP nº 2.189-49/01 que se reduziu a razão mínima de investimento em ações de 80 para 67%. Fato é que os dispositivos legais transcritos deixam claro que os rendimentos auferidos pelos investidores estarão sujeitos à tributação pelo IRF somente quando do resgate das quotas. Exclui-se, portanto, esse tipo de investimento da sistemática de cobrança pelo "come-quotas" ou de qualquer outra sistemática.

- Os fundos de investimento abertos, como no caso em análise, são aqueles em que, embora se permita o resgate de quotas a todo tempo, bem como a entrada de novos investidores, não se admite e cessão das quotas, a não ser em casos especiais, como, por exemplo, a sucessão.

- Assim, não vejo como se admitir que a sucessão causa mortis seja considerada um resgate para os efeitos de cobrança tributária, incidindo ao caso a previsão contida no art. 23 da Lei nº 9.532/97, cujo dispositivo da norma reza: Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.

- O fato gerador de tributo deve ter seu desenho muito bem delimitado por lei em sentido formal, não se podendo alargar o termo "resgate" para abarcar o caso em análise. No caso de herança, o herdeiro continua nas relações patrimoniais do de cujos, substituindo-o em suas relações jurídicas, não se podendo criar, a princípio, uma ficção jurídica de resgate e recompra. Pode-se dizer que há uma continuidade no exercício de direitos.

- O ADI nº 13 da RFB, de 18 de julho de 2007, porém, deu entendimento diverso, pelo qual também na sucessão causa mortis o IRF seria devido.

- O Ato Declaratório, sendo fonte secundária, não tem o condão de criar hipóteses de incidência diversas daquelas previstas em lei. Tampouco deve alarga-las ou diminuí-las, a ponto de alterar o efeito de norma existente. Como o próprio nome indica, este tipo de fonte deve tão-somente buscar tornar a aplicação das normas mais claras.

- Deve ser provida a apelação autoral, para reformar a sentença a quo, julgar procedente o pedido e conceder a ordem, à finalidade de afastar a incidência do IRPF no momento da transferência das cotas dos fundos de investimento do espólio em questão à titularidade da impetrante.

- Apelação provida, para reformar a sentença a quo, julgar procedente o pedido e conceder a ordem mandamental.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, na sequência do julgamento, após o voto-vista do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE, que acompanhou integralmente a Relatora, foi proferida a seguinte decisão: a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, para reformar a sentença a quo, julgar procedente o pedido e conceder a ordem requerida, nos termos do voto da Des. Fed. MÔNICA NOBRE (Relatora), com quem votaram o Des. Fed. MARCELO SARAIVA e o Des. Fed. ANDRÉ NABARRRETE, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.