Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO (198) Nº 5000135-82.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELADO: BEATRIZ PIETRA LEMES BARBOSA

Advogado do(a) APELADO: NATALIA APARECIDA ROSSI ARTICO - MS1612800S

 


 

  

APELAÇÃO (198) Nº 5000135-82.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

Advogado do(a) APELANTE:
Advogado do(a) APELANTE:

APELADO: BEATRIZ PIETRA LEMES BARBOSA

Advogado do(a) APELADO: NATALIA APARECIDA ROSSI ARTICO - MS1612800S

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O Exmo. Des. Fed. Luiz Stefanini (Relator). Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS diante de sentença (Id. 383915) que julgou procedente pedido de concessão de benefício assistencial.

Em suas razões (Id. 383915), o INSS alega que não há impedimento de longo prazo que autorize a concessão do benefício assistencial e que, tratando-se de menor de idade, apenas seria possível a concessão do benefício se se provasse que algum dos membros da família da autora deixou de trabalhar para cuidar dela. Alega, também, que a autora vive com sua mãe, que tem renda de um salário, não se configurando situação de miserabilidade. Subsidiariamente, requer que o termo inicial do benefício seja fixado na data da juntada do laudo.

Foram apresentadas contrarrazões (Id. 383915)

O Ministério Público Federal se manifestou pelo desprovimento do recurso (Id. 421560).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO (198) Nº 5000135-82.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

Advogado do(a) APELANTE:
Advogado do(a) APELANTE:

APELADO: BEATRIZ PIETRA LEMES BARBOSA

Advogado do(a) APELADO: NATALIA APARECIDA ROSSI ARTICO - MS1612800S

 

 

 

V O T O

 

 


 

O Exmo. Des. Fed. Luiz Stefanini (Relator). A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos, independentemente de contribuição à seguridade social:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

[...]

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Como se vê, o inciso V ao art. 203 da Constituição Federal é norma de eficácia limitada, isto é, o efetivo pagamento do benefício dependia de edição de lei regulamentadora.

Essa regulamentação foi feita pela Lei n° 8.742/93, a chamada Lei Orgânica da Assistência Social (“LOAS”), que, entre outras coisas, disciplinou os requisitos necessários à implementação do benefício assistencial de prestação continuada.

O art. 20 da referida lei tem a seguinte redação:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

§ 1o  Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

§ 2o  Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.  

§ 3o  Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

§ 4o  O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.

§ 5o  A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.

§ 6º  A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.    

§ 7o  Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.

 § 8o  A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.

§ 9o  Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.

§ 10.  Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.     

§ 11.  Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.

 

Para a concessão do benefício assistencial, necessária, então, a conjugação de dois requisitos: alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.

No caso dos autos, a autora afirma ser deficiente.

A Lei Orgânica da Assistência Social prevê que “[p]ara efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (art. 20, §2º) e que se considera impedimento de longo prazo “aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos” (art. 20, §10).

Tratando-se de menor de 16 anos, isso, naturalmente, não significa inaptidão para o trabalho, mas que, para a configuração da deficiência, o impedimento do menor deve causar impacto no desempenho de sua atividade escolar e restrição à participação social compatível com sua idade (Decreto n. 6.214/2007, art. 2º, parágrafo 1º). Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO.

I - As limitações físicas e mentais de que padece o demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras, acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, do Decreto nº 6.214/2007.

[...]

V - Embargos Infringentes do INSS a que se nega provimento.
(EI 00000969320054039999, DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, TRF3 - TERCEIRA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/09/2011 PÁGINA: 71 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

 

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MENOR DE DEZESSEIS ANOS. LAUDO PERICIAL MÉDICO. INCAPACIDADE PARA OS ATOS DA VIDA INDEPENDENTE E PARA AS ATIVIDADES HABITUAIS. LAUDO SÓCIO-ECONÔMICO. SUPERAÇÃO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA EM VALOR ÍNFIMO. SITUAÇÃO FÁTICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL DOS VALORES EM ATRASO.

1. O benefício de prestação continuada, em se tratando de crianças e adolescentes de até dezesseis anos de idade, será devido quando houver a comprovação de deficiência física ou mental que implique em incapacidade para a vida independente própria da idade, bem como a renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

2. Para fins de reconhecimento do direito ao benefício, a deficiência deve causar impacto no desempenho de atividade estudantil e restrição da participação social compatível com a idade, sendo dispensável proceder à avaliação da incapacidade para o trabalho.

3. Fundamento Legal: artigo 20, Lei n.º 8.742/1993 e artigo 4º, Decreto n.º 6.214/2007.

4. Laudo médico conclusivo quanto à presença de incapacidade para os atos da vida independente e para a atividade estudantil.

5. Laudo sócio-econômico que atesta a superação, em valor insignificante, da renda familiar per capita.

6. A renda mensal per capita de ¼ (um quarto) do salário mínimo não constitui critério absoluto de aferição de miserabilidade para fins de benefício assistencial.

7. Precedente: Súmula n.º 01/TNU.

8. Condições pessoais da parte autora e de sua família.

9. Preenchimento dos requisitos legais no caso concreto.

10. Termo inicial do benefício fixado na citação, diante do transcurso de hiato temporal importante entre o indeferimento administrativo e o ajuizamento de ação (quase seis anos), tudo com vistas a fazer valer o princípio da razoabilidade, promovendo-se um equilíbrio entre os valores devidos e pagos a destempo àqueles que tiveram seus direitos reconhecidos, sem, no entanto, penalizar o Erário Público, em virtude da demora do interessado promover a competente ação judicial.

11. Recursos improvidos. (1 00000106420104036308, JUIZ(A) FEDERAL CLAUDIO ROBERTO CANATA - 5ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO ..DATA_PUBLICACAO: 30/11/2011, DJF3 DATA: 29/11/2011.) (grifei)

 

Diferentemente do alegado pelo INSS, não há nenhuma exigência de que para o reconhecimento da deficiência haja prova de que a requerente demanda cuidados que impedem algum membro de sua família de trabalhar.

O laudo médico pericial indica que a autora é portadora de epilepsia, paralisia cerebral, retardamento mental e transtorno expressivo e linguagem, concluindo que a autora estará incapacitada para o trabalho pelo resto de sua vida.

Dessa forma, sendo possível extrair do conjunto probatório a existência de impedimentos de longo prazo, o quadro apresentado se ajusta, portanto, ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos do artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei 13.146/2015.

Quanto à miserabilidade, a LOAS prevê que ela existe quando a renda familiar mensal per capita é inferior a ¼ de um salário mínimo (art. 20, §3º), sendo que se considera como “família” para aferição dessa renda “o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (art. 20, §1º)

Embora esse requisito tenha sido inicialmente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade n º 1.232-1, ele tem sido flexibilizado pela jurisprudência daquele tribunal. Nesse sentido, com o fundamento de que a situação de miserabilidade não pode ser aferida através de mero cálculo aritmético, o STF declarou, em 18.04.2013, ao julgar a Reclamação 4.374, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, §3º da LOAS.

Seguindo essa tendência foi incluído em 2015 o §11 ao art. 20 da LOAS com a seguinte redação:

§ 11.  Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.

No caso dos autos, o estudo social (Id 383914, p. 9 e ss.) atesta que compõem a família da requerente ela (menor, sem renda) e sua mãe (servente de limpeza, com renda de um salário mínimo). A renda per capita familiar mensal é, portanto, de meio salário mínimo.

Não obstante isso, observa-se que a família vive em casa cedida de padrão popular, apenas com “móveis e eletrodomésticos de primeira necessidade” e que, considerando o quadro de saúde da menor – “Beatriz Prieta não consegue pronunciar uma frase, apenas pronuncia palavras distorcidas, tivemos dificuldade de compreensão sobre a palavra pronunciada. É notória a imperatividade, não consegue ficar quieta, calma, corre o tempo todo, como se fosse para consumir energia, um cérebro ativo em demasia”, conforme relata a assistente social – o benefício assistencial é fundamental para permitir que a família viva dignamente. Ou, como opina o Ministério Público em seu parecer, “Em que pese a genitora esteja trabalhando e percebendo um salário mínimo, tal situação não e suficiente para afastar a vulnerabilidade social do núcleo familiar, o que justifica a concessão do beneficio assistencial”.

 

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação.

 

É o voto. 

 

 

 

 

 



E M E N T A


ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. PARALISIA CEREBRAL. RETARDO MENTAL. DEFICIÊNCIA CONFIGURADA. RENDA MENSAL FAMILIAR PER CAPITA SUPERIOR A ¼ DE SALÁRIO MÍNIMO. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS QUE INDICAM SITUAÇÃO DE MISERABILIDADE. MISERABILIDADE CONFIGURADA.

1. A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos, independentemente de contribuição à seguridade social.

2. No caso dos autos, a autora afirma ser deficiente.

3. Diferentemente do alegado pelo INSS, não há nenhuma exigência de que para o reconhecimento da deficiência haja prova de que a requerente demanda cuidados que impedem algum membro de sua família de trabalhar.

4. O laudo médico pericial indica que a autora é portadora de epilepsia, paralisia cerebral, retardamento mental e transtorno expressivo e linguagem, concluindo que a autora estará incapacitada para o trabalho pelo resto de sua vida.

5. Dessa forma, sendo possível extrair do conjunto probatório a existência de impedimentos de longo prazo, o quadro apresentado se ajusta, portanto, ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos do artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei 13.146/2015

6. No caso dos autos, o estudo social atesta que compõem a família da requerente ela (menor, sem renda) e sua mãe (servente de limpeza, com renda de um salário mínimo). A renda per capita familiar mensal é, portanto, de meio salário mínimo.

7. Não obstante isso, observa-se que a família vive em casa cedida de padrão popular, apenas com “móveis e eletrodomésticos de primeira necessidade” e que, considerando o quadro de saúde da menor – “Beatriz Prieta não consegue pronunciar uma frase, apenas pronuncia palavras distorcidas, tivemos dificuldade de compreensão sobre a palavra pronunciada. É notória a imperatividade, não consegue ficar quieta, calma, corre o tempo todo, como se fosse para consumir energia, um cérebro ativo em demasia”, conforme relata a assistente social – o benefício assistencial é fundamental para permitir que a família viva dignamente.

8. Ou, como opina o Ministério Público em seu parecer, “Em que pese a genitora esteja trabalhando e percebendo um salário mínimo, tal situação não e suficiente para afastar a vulnerabilidade social do núcleo familiar, o que justifica a concessão do beneficio assistencial”.

9. Recurso de apelação a que se nega provimento.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Oitava Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.