APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004658-95.2011.4.03.6100
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: MONSANTO DO BRASIL LTDA
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA VELA GONZALES - SP287361-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004658-95.2011.4.03.6100 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: MONSANTO DO BRASIL LTDA Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA VELA GONZALES - SP287361-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta por Monsanto Technology, LLC. e Monsanto do Brasil LTDA. em face da r. sentença que julgou improcedente o pedido e condenou as partes autoras ao pagamento de honorários advocatícios em 10% do valor da causa. Em suas razões recursais, as partes autoras sustentam, em síntese, que é devida a restituição/devolução de 2.046 dias do prazo concedido na carta patente PI 1100007-4 para uso exclusivo da tecnologia "Roundup Ready" (tecnologia RR) na soja geneticamente modificada. Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte Regional. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004658-95.2011.4.03.6100 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: MONSANTO DO BRASIL LTDA Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA VELA GONZALES - SP287361-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O cerne da controvérsia cinge-se à análise de propriedade industrial, consistente na utilização da tecnologia "Roundup Ready" (tecnologia RR) após o término do prazo da patente, sob o fundamento de devolução de prazo do período de 17 de agosto de 1999 até 24 de março de 2005, totalizando 2.046 dias. Alegam as partes autoras que foram proibidas de explorar a soja com tecnologia RR em razão de conflitos interministeriais em tal período. Da análise dos autos, verifica-se que a PI n. 1100007-4 foi depositada, no exterior, em 07 de agosto de 1985, e, no Brasil, em 12 de junho de 1996, com concessão da patente em 17 de agosto de 1999 e prazo de validade até 07 de agosto de 2005, conforme se constata em documento de fl. 62 dos autos. Trata-se de hipótese de "patente pipeline", em que a proteção conferida no exterior é revalidada no território nacional, mantendo a patente vinculada à patente originária estrangeira, observadas certas condições. A previsão legal dessa modalidade de patente está expressa nos artigos 230 e 231 da Lei n. 9.279/96. Aduz o artigo 230 que: "Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente. [...] § 3º Respeitados os arts. 10 e 18 desta Lei, e uma vez atendidas as condições estabelecidas neste artigo e comprovada a concessão da patente no país onde foi depositado o primeiro pedido, será concedida a patente no Brasil, tal como concedida no país de origem. § 4º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único. [...]" Nos termos do parágrafo 4º do aludido artigo, a vigência da patente tem início da data do depósito do primeiro pedido feito no exterior, respeitado o prazo máximo permitido pela legislação brasileira, o qual, nos termos do artigo 40 da Lei n. 9.279/96 é de 20 (vinte) anos: "Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito. Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior." Ainda sobre o prazo de vigência, veja-se a jurisprudência deste E. TRF da 3ª Região: CIVIL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE PIPELINE. PROTEÇÃO NO BRASIL. VALIDADE. TERMO INICIAL. PRAZO REMANESCENTE. LIMITE. 20 (VINTE) ANOS. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a proteção conferida às patentes estrangeiras vigora pelo prazo remanescente de proteção no país em que depositado o primeiro pedido, até o prazo máximo de proteção concedido no Brasil, nos termos dos arts. 40 e 230, § 4º, da Lei n. 9.279/96 (STJ, REsp n. 731.101, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 28.04.10; AgREsp N. 1355115, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 25.06.13; AgREsp n. 1079298, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 28.05.13; AgREsp 1359965, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 16.05.13). 2. Não merece reparo a sentença, que considerou como termo inicial do prazo de proteção da patente pipeline a data do primeiro depósito no exterior, como prazo de validade de 20 (vinte) anos, conforme dispõem os arts. 40 e 230, § 4º, da Lei de Propriedade Industrial. 3. Apelação não provida. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1597592 - 0009662-84.2009.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 10/08/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/08/2015 ) ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. ANULAÇÃO DE REGISTRO DE PATENTE. PATENTE PIPELINE. PRAZO REMANESCENTE DE PROTEÇÃO. INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA ACOLHIDA PELA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE CARÁTER NORMATIVO DA FUNDAMENTAÇÃO DO DECISUM. REFORMA DE OFÍCIO DO ATO NA PARTE INQUINADA DE VÍCIO DE ILEGALIDADE OBJETIVA: POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS RECURSAIS: NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A disciplina da chamada patente pipeline consta do artigo 230 e parágrafos da Lei nº 9.279/1996, que reconhece a proteção conferida no exterior, por país signatário da Convenção de Paris sobre Propriedade Industrial, estendendo-a ao território brasileiro. 2. Nos termos do § 4º do artigo 230 da Lei nº 9.279/1996, combinado com seu artigo 40, a vigência da patente pipeline estende-se por vinte anos, contados da data do depósito do primeiro pedido feito no exterior. [...] (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1406739 - 0014301-92.2002.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 13/06/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/06/2017 ) Já o artigo 231 da Lei n. 9.279/96 dispõe que: "Art. 231. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às matérias de que trata o artigo anterior, por nacional ou pessoa domiciliada no País, ficando assegurada a data de divulgação do invento, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido. § 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei. § 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será processado nos termos desta Lei. § 3º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção de 20 (vinte) anos contado da data da divulgação do invento, a partir do depósito no Brasil. § 4º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às matérias de que trata o artigo anterior, poderá apresentar novo pedido, no prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em andamento." Nesse sentido, na "patente pipeline", o INPI não adentra ao mérito dos requisitos para que o objeto seja patenteado, visto que estes já foram observados nos termos da legislação estrangeira, havendo, tão somente, exigência de requisitos legais para revalidação da patente estrangeira no território nacional, dentre os quais se destacam: a) o objeto do pedido não pode ter sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento; e b) não pode ter ocorrido, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração desse objeto. Cumpre destacar que o princípio da novidade fica mitigado, conforme a jurisprudência do C. STJ: PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PATENTE PIPELINE. PRAZO DE VALIDADE. CONTAGEM. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DEPÓSITO NO EXTERIOR. OCORRÊNCIA DE DESISTÊNCIA DO PEDIDO. IRRELEVÂNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E SISTEMÁTICA DE NORMAS. TRATADOS INTERNACIONAIS (TRIPS E CUP). PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS PATENTES. APLICAÇÃO DA LEI. OBSERVÂNCIA DA FINALIDADE SOCIAL. 1. O regime de patente pipeline, ou de importação, ou equivalente é uma criação excepcional, de caráter temporário, que permite a revalidação, em território nacional, observadas certas condições, de patente concedida ou depositada em outro país. 2. Para a concessão da patente pipeline, o princípio da novidade é mitigado, bem como não são examinados os requisitos usuais de patenteabilidade. Destarte, é um sistema de exceção, não previsto em tratados internacionais, que deve ser interpretado restritivamente, seja por contrapor ao sistema comum de patentes, seja por restringir a concorrência e a livre iniciativa. 3. Quando se tratar da vigência da patente pipeline, o termo inicial de contagem do prazo remanescente à correspondente estrangeira, a incidir a partir da data do pedido de revalidação no Brasil, é o dia em que foi realizado o depósito no sistema de concessão original, ou seja, o primeiro depósito no exterior, ainda que abandonado, visto que a partir de tal fato já surgiu proteção ao invento (v.g.: prioridade unionista). Interpretação sistemática dos arts. 40 e 230, § 4º, da Lei 9.279/96, 33 do TRIPS e 4º bis da CUP. 4. Nem sempre a data da entrada em domínio público da patente pipeline no Brasil vai ser a mesma da correspondente no exterior. Incidência do princípio da independência das patentes, que se aplica, de modo absoluto, tanto do ponto de vista das causas de nulidade e de caducidade patentárias como do ponto de vista da duração normal. 5. Consoante o art. 5º, XXIX, da CF, os direitos de propriedade industrial devem ter como norte, além do desenvolvimento tecnológico e econômico do país, o interesse social. Outrossim, na aplicação da lei, o juiz deverá atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º da LICC). 6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1145637/RJ, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 08/02/2010) Exaurido o prazo de vigência, não há que se falar em sua devolução ou restituição para exploração da patente, sob ofensa ao prazo máximo legal, remanescendo eventual direito à indenização por perdas e danos, mormente porquanto não se revela razoável que, após se tornar de domínio público, atribua-se nova exclusividade de exploração da soja geneticamente modificada com tecnologia RR às partes autoras. Ademais, não se vislumbra amparo legal ao pedido da parte autora. Ressalte-se que não há que se falar na aplicação do artigo 70, item 9, do Decreto n. 1.355/94, pois tal dispositivo não assegura direito à devolução de prazo para exploração exclusiva da patente e não é aplicável ao caso em apreço por analogia, visto que a matéria não é omissa no ordenamento jurídico, encontrando previsão no artigo 230 da Lei n. 9.279/96, retrotranscrito. No tocante à alegação de que conflito interministerial impediu as partes autoras de explorarem a tecnologia RR na soja transgênica no período de vigência da patente, não se vislumbra tal fato como suficiente a conceder devolução de prazo de exclusividade às partes autoras, eis que o ato do Ministério do Meio Ambiente questionando a competência da CTNBio para liberar a exploração da "soja RR" sem o prévio estudo de impacto ambiental, não constitui irregularidade ou morosidade injustificada por parte da Administração Pública. Com efeito, em se tratando de questão que envolve potencial impacto ambiental, revela-se pertinente a sua correta avaliação, visando atender ao interesse público e evitar danos sociais, respeitando-se, assim, o artigo 225, caput e inciso IV, da Constituição Federal. Há que se observar, inclusive, que, o Poder Judiciário determinou à União que realizasse o prévio Estudo de Impacto Ambiental para liberação de cultivo de soja transgênica com a tecnologia RR. Veja-se o Dispositivo da r. sentença prolatada em Ação Civil Pública ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (processo n. 1998.34.00.027682-0/DF), em que se discutia a liberação da "soja RR" e a realização de avaliação de impacto ambiental: "Com estas considerações, julgo procedente a presente ação para condenar a União Federal a exigir a realização de prévio Estudo de Impacto Ambiental da MONSANTO DO BRASIL LTDA, nos moldes preconizados nesta sentença, para liberação de espécies geneticamente modificadas e de todos os outros pedido formulados à CTNBio, nesse sentido; declaro, em consequência, a inconstitucionalidade do inciso XIV do art. 2º do Decreto nº 1.752/95, bem assim das Instruções Normativas nº 03 e 10 - CTNBio, no que possibilitam a dispensa do EIA/RIMA, na espécie dos autos. Condeno, ainda, a União Federal a exigir da CTNBio, no prazo de 90 (noventa) dias, a elaboração de normas relativas à segurança alimentar, comercialização e consumo dos alimentos transgênicos, em conformidade com as disposições vinculantes da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e da legislação ambiental, na espécie, ficando obrigada a CTNBio a não emitir qualquer parecer técnico conclusivo a nenhum pedido que lhe for formulado, antes do cumprimento das exigências legais, aqui expostas." Destarte, não havendo fundamentos fáticos ou jurídicos a dar guarida à pretensão das partes autoras, é de rigor o reconhecimento de que inexiste direito destas à devolução de prazo de 2.046 dias da patente PI n. 1100007-4. Ante o exposto, nego provimento à apelação das partes autoras. É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004658-95.2011.4.03.6100
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: MONSANTO DO BRASIL LTDA
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA VELA GONZALES - SP287361-A
APELADO: UNIAO FEDERAL
VOTO-VISTA
O DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:
Pedi vista dos autos para melhor compreensão e análise das questões debatidas na lide.
Após análise detida, com a devida vênia, tenho por divergir do Eminente Desembargador Federal Relator, pelas razões que passo a alinhavar.
Como se vê dos fatos trazidos aos autos, os autores MONSANTO TECHNOLOGY, LLC e MONSANTO DO BRASIL LTDA, detentoras e licenciadas ao uso exclusivo da carta patente PI 1100007-4, que contemplava a tecnologia "Round-up Ready" (Tecnologia RR) na soja geneticamente modificada, ficou impedida, no período de 2.046 (dois mil e quarenta e seis) dias, de uso exclusivo dessa tecnologia patenteada.
Tal se deu em razão da instalação de um conflito interministerial instaurado entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Ministério da Ciência e Tecnologia, dado que o primeiro questionava acerca da competência da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para a análise e liberação da nova tecnologia, em solo brasileiro.
Esclarecem as recorrentes que a liberação da soja RR ficou paralisada unicamente por conta de disputa em torno da competência para decidir sobre a necessidade de realização de EIA/RIMA e não pela discussão científica em torno da segurança do OGM (Organismo Geneticamente Modificado).
Que tal conflito ministerial, que as recorrentes denominam de fato do príncipe, gerou enorme lesão a seus direitos e interesses, com a proibição de comercialização da soja RR durante o interregno temporal mencionado.
Pontuam ainda que não obstante a impossibilidade de exercer todos os direitos decorrentes da patente, não está a pretender indenização do Poder Público, mas, tão só, o reconhecimento (devolução) do prazo em que se viu privada do exercício de um direito legitimamente reconhecido.
A sentença recorrida apreciou a questão debatida e concluiu pela improcedência valendo-se de três fundamentos, bem sintetizados pelas apelantes: 1) a pretensão deduzida em juízo caracteriza pedido de extensão de prazo de patente; 2) não há de se aplicar por analogia o disposto no item 70.9, do Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1.994, pois a Lei de Propriedade Industrial não é omissa na espécie e 3) a patente encontra-se caduca, ou seja, a tecnologia em questão encontrava-se em domínio público quando do ajuizamento da ação.
Tenho que efetivamente, para o exercício de um direito, há a necessidade de que ele se mostre atual, presente, passível de interferir na esfera de direitos subjetivos do detentor desse direito.
Como se vê da documentação agregada aos autos, a patente que serve de fundamento para o pedido, - assim entendido como aquela que teria sofrido a impossibilidade de uso exclusivo da patente em razão do fato do príncipe - tinha prazo de validade até 7 de agosto de 2.005 (doc. fl 62), enquanto que o interregno de suspensão do uso a patente se deu entre 17 de agosto de 1.999 e 24 de março de 2.005.
Não se há de falar, portanto, em caducidade da patente no período eleito como gênese do direito reivindicado na lide.
Quanto à possível pretensão de ver ampliado o prazo da patente (extensão do prazo da patente, na visão do juiz de primeiro grau), tenho que essa pretensão não está excluída do ordenamento jurídico, a teor do que dispõe a Constituição Federal, no sentido de que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário.
Havendo a indicação de lesão em razão de possível violação do direito, não se há de se criar objeções preconcebidas ao pleito, à luz também do que dispõe o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito).
Fixadas tais premissas e voltando-se vistas ao caso concreto, tenho que o pleito deduzido pelas autoras se justifica, à luz do melhor direito.
Com efeito, há nos autos um fato não contestado: no período de 17 de agosto de 1.999 a 24 de março de 2.005, enquanto vigente a patente das autoras, elas dela não puderam fazer uso, com exclusividade, aí entendida a possibilidade impedir que concorrentes não autorizados pudessem fazer uso do direito protegido por patente.
Esse fato não é negado.
Ocorre que a solução governamental demorou a vir, retirando da esfera de disponibilidade das autoras, repita-se, a possibilidade de uso desse direito.
Daí, diante desse fato, duas soluções seriam possíveis, partindo-se do pressuposto de que se houve violação de um direito (e esse fato é inquestionável), para a reparação do dano: ou a equivalência financeira - indenização, ou a devolução do prazo em que ficou impedida de exercer o direito decorrente da patente.
Sob esse viés me parece que não se poderia impor às autoras a escolha de uma das soluções apenas, a indenizatória, como indicado na sentença.
Considerando-se que a reparação de danos deve se dar de modo mais completo possível ou, quando menos, restituir as partes ao estágio de direito que gozariam, não fosse a prática de ato impeditivo a seu exercício, tem-se que no caso concreto o pleito de devolução do prazo de uso da patente, no interregno de 17 de agosto de 1.999 a 24 de março de 2.005 apresenta-se em pé de igualdade ao de indenização.
O artigo 461, parágrafo 1º, do CPC/73, reproduzido pelo artigo 499, do CPC/15, estabelecida que "a obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente", inovado na redação do atual CPC para "A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente".
De toda a sorte, o sistema de reparação de danos privilegia que se dê soluções alternativas mais práticas e próximas de recompor, com eficiência e de modo abrangente, os prejuízos experimentados pela parte.
Destarte, não vejo óbice a que se acolha o pleito das autoras, adicionando, a essa conclusão, mais um fundamento: as patentes, quando solicitadas, não representam mero diletantismo do pretendente ao reconhecimento desse direito; ao contrário, a postulação da patente tem como objetivo garantir o exercício de uma atividade empresarial, que verta frutos efetivos em prol dos interesses do titular dessa patente, sendo o tempo elementos fundamental no desenvolvimento dessa atividade atrelada à patente, sob duas óticas: o não-exercício dos direitos decorrentes da patente caracterizará caducidade e o lapso temporal máximo estipulado, se vencido, terá a mesma consequência.
Portanto, o tempo é elemento que pode constituir meio de reparação adequado a resolver a questão trazida a Juízo, sem que se imponha aos autores a necessidade de postularem indenização - de cuja faculdade já abriram mão.
Destarte, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO às apelações para JULGAR PROCEDENTE o pedido deduzido pelas autoras e, de conseguinte, declarar o direito das autoras ao uso exclusivo da tecnologia "Roud-up Ready" na soja geneticamente modificada, por mais 2.046 (dois e quarenta e seis dias) a contar da expiração do prazo da patente PI 1100007-4, em razão de circunstância identificada como fato do príncipe, que impediu o regular uso exclusivo dos direitos decorrentes da patente mencionada.
Inverto os ônus de sucumbência.
É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE. SOJA TRANSGÊNICA. TECNOLOGIA "ROUNDUP READY". DEVOLUÇÃO DE PRAZO INDEVIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. A PI n. 1100007-4 foi depositada, no exterior, em 07 de agosto de 1985, e, no Brasil, em 12 de junho de 1996, com concessão da patente em 17 de agosto de 1999 e prazo de validade até 07 de agosto de 2005. Trata-se de hipótese de "patente pipeline", em que a proteção conferida no exterior é revalidada no território nacional, mantendo a patente vinculada à patente originária estrangeira, observadas certas condições.
2. A previsão legal dessa modalidade de patente está expressa nos artigos 230 e 231 da Lei n. 9.279/96. Nos termos do parágrafo 4º do artigo 230, a vigência da patente tem início da data do depósito do primeiro pedido feito no exterior, respeitado o prazo máximo permitido pela legislação brasileira, o qual, nos termos do artigo 40 da Lei n. 9.279/96 é de 20 (vinte) anos. Precedentes.
3. Na "patente pipeline", o INPI não adentra ao mérito dos requisitos para que o objeto seja patenteado, visto que estes já foram observados nos termos da legislação estrangeira, havendo, tão somente, exigência de requisitos legais para revalidação da patente estrangeira no território nacional, dentre os quais se destacam: a) o objeto do pedido não pode ter sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento; e b) não pode ter ocorrido, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração desse objeto.
4. Exaurido o prazo, não há que se falar em sua devolução para exploração da patente, sob ofensa ao prazo máximo legal, remanescendo eventual direito à indenização por perdas e danos, mormente porquanto não se revela razoável que, após se tornar de domínio público, atribua-se nova exclusividade de exploração da soja geneticamente modificada com tecnologia RR às partes autoras.
5. Ademais, não se vislumbra amparo legal ao pedido da parte autora. Ressalte-se que não há que se falar na aplicação do artigo 70, item 9, do Decreto n. 1.355/94, pois tal dispositivo não assegura direito à devolução de prazo para exploração exclusiva da patente e não é aplicável ao caso em apreço por analogia, visto que a matéria não é omissa no ordenamento jurídico, encontrando previsão no artigo 230 da Lei n. 9.279/96.
6. Ato do Ministério do Meio Ambiente questionando a competência da CTNBio para liberar a exploração da "soja RR" sem o prévio estudo de impacto ambiental, não constitui irregularidade ou morosidade injustificada por parte da Administração Pública. Com efeito, em se tratando de questão que envolve potencial impacto ambiental, revela-se pertinente a sua correta avaliação, visando atender ao interesse público e evitar danos sociais, respeitando-se, assim, o artigo 225, caput e inciso IV, da Constituição Federal.
7. Há que se observar, inclusive, que, o Poder Judiciário, em Ação Civil Pública ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (processo n. 1998.34.00.027682-0/DF), determinou à União que realizasse o prévio Estudo de Impacto Ambiental para liberação de cultivo de soja transgênica com a tecnologia RR.
8. Não havendo fundamentos fáticos ou jurídicos a dar guarida à pretensão das partes autoras, é de rigor o reconhecimento de que inexiste direito destas à devolução de prazo de 2.046 dias da patente PI n. 1100007-4.
9. Apelação a que se nega provimento.