APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0024431-24.2014.4.03.6100
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Advogado do(a) APELANTE: ARAKEN OLIVEIRA DA SILVA - SP95593
APELADO: COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUICAO
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO GOMES DE MENDONCA PINHEIRO - SP273904-A
OUTROS PARTICIPANTES:
ASSISTENTE: UNISUPER UTILIDADES PARA COZINHA EIRELI - EPP
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ALESSANDRO DESSIMONI VICENTE - SP146121-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0024431-24.2014.4.03.6100 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL Advogado do(a) APELANTE: ARAKEN OLIVEIRA DA SILVA - SP95593 APELADO: COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUICAO Advogado do(a) APELADO: RODRIGO GOMES DE MENDONCA PINHEIRO - SP273904-A OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: UNISUPER UTILIDADES PARA COZINHA EIRELI - EPP ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ALESSANDRO DESSIMONI VICENTE - SP146121-A R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR): Trata-se de apelação em face de sentença de fls. 625/629 que julgou procedente o pedido para que seja reestabelecida a exclusividade do registro nº 814.8147.882, da marca mista EXTRA, na classe BR 40.15, de titularidade da autora. Alega-se, em síntese, que, (i) o termo extra é termo genérico, não registrável; (ii) "o termo EXTRA compõe marcas titularizadas por terceiros ao menos desde 1937". Contrarrazões (fls. 647/665). Incluído em pauta e iniciado o julgamento do recurso, a Turma acolheu questão de ordem para anulá-lo, em razão de ausência de intimação das partes, sendo determinada nova inclusão em nova sessão de julgamento. É o relatório.
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: RODRIGO JANUARIO CALABRIA - SP195152
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ANDRE ALMEIDA BLANCO - SP147925-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0024431-24.2014.4.03.6100 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL Advogado do(a) APELANTE: ARAKEN OLIVEIRA DA SILVA - SP95593 APELADO: COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUICAO Advogado do(a) APELADO: RODRIGO GOMES DE MENDONCA PINHEIRO - SP273904-A OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: UNISUPER UTILIDADES PARA COZINHA EIRELI - EPP ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ALESSANDRO DESSIMONI VICENTE - SP146121-A V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR): Preliminarmente, os embargos de declaração (fls. 753/755) interpostos contra a decisão de fl. 749, estão prejudicados pelo julgamento do processo nº 0018300-29.2016.4.030000 nesta sessão. No mérito, a Lei nº 9.279/1996 (disposição símile ao revogado art. 65 da Lei 5.772/1971) estabelece como pressuposto da marca registrável a distintividade: Art. 124. Não são registráveis como marca: VI - sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva; De acordo com o dicionário Michaelis, a definição de "extra", para o que aqui interessa, é: 1. Que é incomum, além das expectativas; extraordinário; 3. Caracterizado pela qualidade excelente; Por conseguinte, deveras, é um termo descritivo genérico relacionado à qualidade superior de qualquer produto ou serviço (englobando a classe 40.15, serviços auxiliares ao comércio de mercadorias, inclusive à importação e à exportação; incluem-se neste item todas as formas de representação, intermediação e corretagem do comércio de mercadorias, inclusive, jornais, livros e revistas. Incluem-se, também, serviços de despachos e desembaraços de mercadorias relativas à comercialização externa - atualmente; classe 35 NCL 11 2018). Nessa senda, a jurisprudência abnega da proteção de exclusividade da marca signos de uso comum, sem caracteres distintivos relevantes: "Marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade e sem suficiente forma distintiva atraem a mitigação da regra de exclusividade do registro e podem conviver com outras semelhantes. Precedentes do STJ". (AgInt no REsp 1338834/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 23/02/2017) Ressalte-se que a distintividade não demanda o neologismo, mas reclama que o signo não tenha relação de pertinência com atributo genérico inerente ao produto ou serviço (novidade relativa): "A vedação à registrabilidade de vocábulos ou sinais de caráter genérico ou de uso comum deve ser analisada à luz de sua aplicabilidade ao produto ou serviço que se pretende identificar, e não com vistas à própria palavra ou sinal examinados isoladamente". (REsp 1237752/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 27/05/2015) Por exemplo, não se admitiria o registro da marca "Chocolate" com relação a produto pertencente a esse gênero alimentício, mas nada obsta que seja reconhecida a exclusividade de tal signo quando utilizado para identificar uma linha de vestuário. No caso em tela, contudo, o semema implica genericamente o sema de "qualidade superior", de sorte que não há alegar que não se trata de termo com relação de pertinência direta com o serviço de comércio de mercadorias. A tese da apelada é que teria havido uma singularização do semema em razão da notoriedade que sua marca angariou ao longo dos anos (distinção superveniente, secondary meaning). Verdadeiramente, dispõe o art. 6, quinquies, C.1, da Convenção da União de Paris que "para determinar se a marca é suscetível de proteção deverão ser levadas em consideração todas as circunstâncias de fato, particularmente a duração do uso da marca". Na mesma senda, o art. 124, VI, in fine, da Lei de Propriedade Industrial ressalva a marca revestida de nota distintiva. Todavia, como anotado em entendimento jurisprudencial - adventício, mas convincente -, a análise de distintividade de uma marca é indene ao interregno de seu uso. Este apenas é influente quando da averiguação de necessidade de proteção adicional à marca (registrável) que adquiriu notoriedade extraordinária - para evitar confusão concorrencial. No caso, tratava-se de marca equivalente ao vocábulo "Farmácia" Appotheke/Apotheke), que teve o cancelamento de seu registro confirmado pelo tribunal federal alemão de patentes, mesmo tratando-se de signo mercantil operante há anos no mercado - Bundespatentgericht, Beschluss vom 9. Februar 2015, Az. 27 W (pat) 73/14. Ainda que assim não se entenda, nota-se que tal está arguição está intrinsicamente relacionada ao reconhecimento de marca de alto renome (art. 125 da Lei nº 9.279/1996) - hipótese de exceção ao princípio da especificidade - e prevalece o entendimento de que tal ato administrativo enunciativo é discricionário por parte do INPI: "O registro de determinada marca na categoria das de alto renome é ato discricionário do INPI, insuscetível de revisão pelo Poder Judiciário, senão quanto aos seus aspectos formais, em vista da tripartição constitucional dos poderes do Estado". (Fábio Ulhoa Coelho, Manual de Direito Comercial, 28 ed., 2016, p. 97) "Na linha dos precedentes desta Corte, cabe ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI e não ao Poder Judiciário examinar se determinada marca atende aos requisitos para se qualificar como 'marca de alto renome'" (AgRg no REsp 1165653/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/09/2013, DJe 02/10/2013) Com efeito, a autarquia tem processo complexo e objetivo para averiguar o alto renome da marca, que exige a comprovação do reconhecimento do signo por ampla parcela do público em geral, prestígio da marca, valor investido em publicidade nos últimos cinco anos, amplitude geográfica e meios de comercialização, dentre outros elementos a serem comprovados por pesquisa realizada por instituto abalizado (art. 3º da Resolução nº 107/2013). Por outro lado, amiúde o Judiciário decide a questão com mero apoio em invocado senso comum. Quanto à invocação do art. 6º bis da Convenção de Paris, despicienda, porquanto se trata de instituto diverso, qual seja "marca notoriamente conhecida" (art. 126), e o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que este é mera exceção ao princípio da territorialidade, diversamente da marca "de alto renome" - esta exceção ao princípio da especificidade: "O conceito de marca notoriamente conhecida não se confunde com marca de alto renome. A primeira - notoriamente conhecida - é exceção ao princípio da territorialidade e goza de proteção especial independente de registro no Brasil em seu respectivo ramo de atividade. A segunda - marca de alto renome - cuida de exceção ao princípio da especificidade e tem proteção especial em todos os ramos de atividade, desde que previamente registrada no Brasil e declarada pelo INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial". (REsp 1114745/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 21/09/2010) Tal instituto visa, primacialmente, a proteção de marcas estrangeiras. Embora, com a alteração da redação do art. 6 bis, seja lícito arguir tal proteção igualmente às marcas nacionais - bem como, em razão do art. 16, §3º, do TRIPs, alegar que a marcas notoriamente conhecidas igualmente são exceção ao princípio da especificidade -, isso é de árdua aplicação prática, considerando que, em âmbito interno, já há proteção do usuário de fato (art. 129, § 1º, LPI). De qualquer maneira, é irrelevante a "marca notoriamente conhecida" no caso em tela, já que tal proteção é apenas necessária quando inexiste pedido de registro prévio, e o caso é relacionado exatamente à defesa de marca já assentada (como a própria apelante assevera, desde 1989). Ainda se assim não o fosse, não haveria razão para não manter o entendimento de competência privativa do INPI também para esse reconhecimento (ubi eadem ratio, ibi idem jus), até pelo próprio teor do art. 6º bis, que prevê um juízo discricionário da autoridade competente. Ressalte-se que a apelada não é a primeira a pleitear o registro de tal marca, utilizada por terceiros desde 1937 (a recorrida apenas depositou a sua em 1989), e que há diversas marcas empresarias (mesmo na classe BR 40.15) que se utilizam, ainda que de maneira composta, do termo "extra" (fls. 449/483): "Ademais, o signo distintivo "paixão" não caracteriza marca de alto renome, a ser protegida em todos os ramos de atividade, o que poderia, em princípio, a depender do caso concreto, justificar a vedação de registro de nome de domínio equivalente. Tal condição deveria ter sido reconhecida, na via administrativa, pelo INPI (único órgão competente para tanto), o que não ocorreu, sobressaindo, ao revés, a existência (incontroversa) de vários registros da expressão "Paixão" como marcas de titulares pertencentes a segmentos mercadológicos diversos". (REsp 1466212/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 03/03/2017) Dessarte, não há que se falar em violação, por parte do INPI, ao princípio da segurança jurídica e tutela da confiança, pois o registro, por ter linde temporal, é ato precário, que tem subjacente a cláusula rebus sic stantibus. Não fosse assim, o registro seria perpétuo, sem necessidade de renovação, em desacordo com o fenômeno de caducidade da marca - que, mesmo de alto renome, está adstrita ao interregno de dez anos (art. 8º, parágrafo único, da Resolução nº 107/2013). Ressalte-se, obiter dictum, que a ausência de apostila (disclaimer) não implica em reconhecimento de exclusividade, não sendo, assim, hipótese em que o silencio administrativo gera efeitos (cf. Lélio Denicoli Schmidt, A distintividade das marcas: secondary meaning, vulgarização e teoria da distância, 2013, p. 115-121). Adicionalmente, o INPI foi consistente em tal apostila, porquanto aplicou ofereceu resistência desde o primeiro pedido da marca "Extra" pela autora, em 30.03.1988, quando indeferiu o registro (fl. 447 v.o.). Na verdade, a própria recorrida entrou com ações (v.g., processo nº 2000.51.01.529417-0) para que houvesse anotações no registro dessas marcas para que constasse o atributo de não exclusividade, exatamente sob o argumento de que se tratava de termo genérico (fls. 736/738). Portanto, o novo comportamento da autarquia (averbar que as marcas que se utilizam do termo "extra" não são de uso exclusivo) é corolário lógico das determinações judicias provocadas pela própria apelada. Em suma, a recorrida quer que todas as marcas, até anteriores à sua, tenham averbado, num primeiro momento, o atributo da não exclusividade, sob o argumento da generalidade, para, após, dizer que o uso da marca "extra" é exclusivo, arrenegando exatamente a própria asserção prévia, prejudicando todos os demais signos. Assim, viola os postulados de boa-fé, entendido como paradigma de comportamento que veda o comportamento contraditório (venire contra factum proprium), e que tem abrangência além do âmbito meramente endoprocessual (clean hands doctrine), especialmente no âmbito marcário (patent misuse): "O litigante tem o dever de agir com lealdade e boa-fé. Não pode provocar incidentes inúteis ou infundados. A ele é vedada a utilização de expedientes de chicana processual, procrastinatórios, desleais, desonestos, com o objetivo de ganhar a demanda a qualquer custo". (Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 14ª ed., p. 265) "O princípio da boa-fé objetiva proíbe que a parte assuma comportamentos contraditórios no desenvolvimento da relação processual, o que resulta na vedação do venire contra factum proprium, aplicável também ao direito processual". (AgRg no REsp 1280482/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 13/04/2012) Isso não importa dizer que não se possa, eventualmente, haver indevido desvio de clientela por atuantes da mesma Classificação de Nice que se utilizem do semema indigitado, dolosamente, com apresentação exatamente parelha ("diluição" da marca), apta a gerar confusão (o art. 124, XIX, da Lei 9.279/96). Nesses casos, porém, tutela-se não propriamente a exclusividade, e sim se reprime a má-fé, a concorrência desleal (arts. 195 e 209 da Lei nº 9.279/96), e a vedação ao enriquecimento ilícito (art. 884 do Código Civil). Por exemplo, ad argumentandum, certamente haveria ilícito na utilização, por concorrente, não apenas do elemento nominativo, como a própria logotipia da apelada. Todavia, outrossim, é pouco razoável atestar, aprioristicamente, que um termo genérico, de uso comum para significar qualidade superior, apenas possa ser utilizado pela apelada, máxime quando se tratar de marcas nominativas complexas ou mistas, devendo ser analisada casuisticamente a possibilidade de convivência: "Destaco que duas marcas iguais ou semelhantes até podem ser registradas na mesma classe, desde que não se verifique a possibilidade de confusão entre os produtos ou serviços a que se referem. É respeitado o princípio da especificidade, em suma, sempre que o consumidor, diante de certo produto ou serviço, não possa minimamente confundi-lo com outro identificado com marca igual ou semelhante. Afastada essa possibilidade, será indiferente se as marcas em questão estão registradas na mesma classe ou em classes diferentes". (Curso de Direito Comerical, v.1, Fábio Ulhoa Coelho) "A proteção que o registro marcário visa a conferir ao titular da marca comercial é quanto ao seu conjunto. A despeito de o aproveitamento parasitário ser repelido pelo ordenamento jurídico pátrio, independentemente de registro, tal circunstância é de ser aferida a partir do cotejo, pelo conjunto, das marcas comerciais, sendo desimportante o elemento nominativo, individualmente considerado, sobretudo nas marcas de configuração mista, como é a que foi registrada pela autora". (REsp 1237752/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 27/05/2015) "O monopólio de um nome ou sinal genérico em benefício de um comerciante implicaria uma exclusividade inadmissível, a favorecer a detenção e o exercício do comércio de forma única, com prejuízo não apenas à concorrência empresarial - impedindo os demais industriais do ramo de divulgarem a fabricação de produtos semelhantes através de expressões de conhecimento comum, obrigando-os à busca de nomes alternativos estranhos ao domínio público - mas sobretudo ao mercado em geral, que teria dificuldades para identificar produtos similares aos do detentor da marca". (REsp 1315621/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 13/06/2013) V - Nos termos do artigo 124, inciso XIX, da Lei 9.279/96, observa-se que seu objetivo é o de exclusivamente impedir a prática de atos de concorrência desleal, mediante captação indevida de clientela, ou que provoquem confusão perante os próprios consumidores por meio da reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca alheia, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim. VI - No caso dos autos, não se observa, de plano, a possibilidade de confusão dos consumidores pelo que viável a convivência das duas marcas registradas "SKETCH", de propriedade da ora recorrente e, "SKECHERS", da titularidade da ora recorrida, empresa norte-americana. VII - Enquanto a ora recorrente, LIMA ROUPAS E ACESSÓRIOS LTDA., titular da marca "SKETCH", comercializa produtos de vestuário e acessórios, inclusive calçados, a ora recorrida, SKECHERS USA INC II", atua, especificamente, na comercialização de roupas e acessórios de uso comum, para a prática de esportes, de uso profissional. De maneira que, é possível observar que, embora os consumidores possam encontrar em um ou em outro, pontos de interesse comum, não há porque não se reconhecer a possibilidade de convivência pacífica entre ambos. VIII - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido. (REsp 1114745/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 21/09/2010) "Tendo em vista o subjetivismo que cerca a matéria, a caracterização da colidência entre marcas se mostra uma tarefa das mais árduas. Diante disso, acabou-se por estabelecer parâmetros visando a possibilitar uma confrontação minimamente objetiva: (i) as marcas devem ser apreciadas sucessivamente, de modo a se verificar se a lembrança deixada por uma influencia na lembrança deixada pela outra; (ii) as marcas devem ser avaliadas com base nas suas semelhanças e não nas suas diferenças; e (iii) as marcas devem ser comparadas pela sua impressão de conjunto e não por detalhes". (REsp 1342955/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 31/03/2014) Nessa senda, deve haver preeminência da "discricionariedade técnica", já que o INPI é o ente apontado pelo sistema normativo como competente para resolver tais casos, até porque tem corpo técnico especializado para tal (postulado de atribuição de peso formal às valorações administrativas). Tal intelecção não tem como consequência infringência à inafastabilidade da Jurisdição, mas sim valoração do princípio da separação dos Poderes, que, além do mais, não torna irretorquível a atuação da autarquia, mas limita a atuação jurisdicional a flagrantes inconstitucionalidades e ilegalidades, o que não se mostra no caso dos autos: "controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos diz respeito ao seu amplo aspecto de obediência aos postulados formais e materiais presentes na Carta Magna, sem, contudo, adentrar o mérito administrativo". (AgInt no RMS 49.202/PR, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/05/2017, DJe 09/05/2017) Pelo contrário, a atuação da recorrente pautou-se em previsão legal, e determinações judiciais, sendo a subsunção do caso à hipótese do art. 124, VI, essencialmente análise técnica. Seria possível cogitar indevida cooptação do sistema jurídico pelo sistema econômico (corrupção sistêmica quando do acoplamento estrutural, no léxico de Luhmann), caso em que seria viável a atuação judicial. Exemplificando, estudo demonstra que as decisões do CADE, entre 1998 a 2003, antes de evitar a concentração do mercado, promoveram-na, o que indica atuação de interesses outros (MACERA, Andréa Pereira & MONTEIRO, Carmen Diva Beltrão. Antitruste versus Antidumping: Reconciliando Políticas através da Cláusula do Interesse Nacional). É também notório o fenômeno da cooptação no âmbito de agências reguladoras, conquista neoliberal que tem como escopo exatamente que os próprios atuantes econômicos estipulem regras que os favoreçam - revolving door (RAND Journal of Economics Vol. 26, No. 3, Autumn 1995 pp. 378-397) Nesse sentido, trabalhos evidenciam que as decisões das agências sempre se pautam no aumento de lucro dos empresários, em detrimento dos consumidores (MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Regulação econômica e social: o direito entre eficiência e legitimidade. Tese de doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2004; Série Pensando o Direito nº 21/2010, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). No caso em tela, entretanto, a apelada faz parte do Grupo Pão de Açúcar, coletividade já dominante do mercado respectivo, de sorte que descabe invocar corrupção sistêmica; pelo contrário, decisão da autarquia, contrária ao interesse de grupo dominante, demonstra, antes, a isenção do INPI em tal. Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO à apelação para que o pedido seja julgado improcedente. Observados os critérios do art. 20 do Código Buzaid (Enunciado Administrativo nº 7/STJ), condeno a recorrida em honorários que fixo em 15% sobre o valor atualizado da causa.
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: RODRIGO JANUARIO CALABRIA - SP195152
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ANDRE ALMEIDA BLANCO - SP147925-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0024431-24.2014.4.03.6100
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Advogado do(a) APELANTE: ARAKEN OLIVEIRA DA SILVA - SP95593
APELADO: COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUICAO
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO GOMES DE MENDONCA PINHEIRO - SP273904-A
OUTROS PARTICIPANTES:
ASSISTENTE: UNISUPER UTILIDADES PARA COZINHA EIRELI - EPP
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ALESSANDRO DESSIMONI VICENTE - SP146121-A
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: RODRIGO JANUARIO CALABRIA - SP195152
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ANDRE ALMEIDA BLANCO - SP147925-A
DECLARAÇÃO DE VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:
Peço vênia ao E. Relator para divergir de seu voto, pelas razões que passo a expor:
Com efeito, a análise dos autos revela que pretende a parte autora provimento jurisdicional que restabeleça a exclusividade do registro n° 814.817.882, marca mista EXTRA, classe BR 40.15, com a determinação de exclusão da ressalva aplicada pelo INPI ("sem direito ao uso exclusivo da palavra EXTRA") (fl. 40).
Vê-se que a autarquia assim procedeu por entender se tratar de expressão empregada comumente para designar uma característica do produto quanto à sua qualidade e, portanto, irregistrável, com fundamento no art. 124, VI da Lei n° 9.279/96, nos seguintes termos (fls. 447/448):
"(...)
A análise do mérito da ação em causa, à vista das alegações apresentadas pela autoria, enseja a abordagem dos seguintes pontos:
a) quanto à distintividade da expressão 'EXTRA', consideramos improcedentes as alegações da autora e ratificamos o entendimento de que a expressão é irregistrável, por infringir o disposto no inciso VI do art. 124 da LPE, uma vez que se trata de expressão empregada comumente para designar uma característica do produto/serviço quanto 'a qualidade, contrariamente ao que argumenta a autora, e portanto como adjetivo que tem a principal acepção de indicar atributos positivos em relação a outros de mesma natureza, não podendo ser apropriada a título exclusivo.
Não se enquadrando no rol das marcas evocativas, que são aquelas que trazem à mente o produto/serviço ou alguma característica destes, de forma indireta, e não direta e imediata, como no caso em tela.
Tal entendimento é ratificado pelas inúmeras decisões do INPI, seja na 1ª instância ou 2ª instância, relativas às marcas da autora constituídas pela expressão EXTRA, isolada ou com acréscimos, onde foi negada apostila nos registros, ou indeferimento pelo inciso VI do art. 124 da LPI nos pedidos de marca de apresentação nominativa.
Ressalte-se que tal procedimento foi aplicado desde o primeiro pedido da marca solicitado pela autora, em 30/03/1988, relativo ao processo 814143571, na classe nacional cl. 40.15 (espelho em anexo), que foi indeferido à luz dos itens 06 e 20 do art. 65 do CPI (recepcionados na atual LPI, pelo inc. VI do art. 124).
Razão pela qual verificamos a existência de diversas marcas de diferentes titulares compostas pelo termo 'EXTRA' e concedidas com a mesma ressalva.
b) quanto à alegada distintividade adquirida pelo uso da marca 'EXTRA', secondary meaning, resta informar que não há o que se falar, na medida em que a LPE não prevê tal dispositivo no exame da registrabilidade dos sinais.
6. Por fim, cumpre informar que a argumentação da autora de registros concedidos pelo INPI à autora sem qualquer ressalva, face as inúmeras decisões do INPI pela irregistrabilidade da expressão EXTRA, não afasta a aplicabilidade do inciso VI do art. 124 da LPI, em se tratando de sinal irregistrável, pelos pontos acima abordados.
(...)" (destaquei).
De se ver, portanto, que a questão essencial ao deslinde da causa diz com o grau de distintividade do sinal "EXTRA", para fins marcários, para que se decida se a autora tem, ou não, direito subjetivo ao registro da marca com direito de exclusividade.
De fato, tem se firmado na Jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o uso de expressões corriqueiras, sem originalidade, autorizam o registro da marca sem direito à exclusividade do uso de seus elementos.
Neste sentido:
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. REGISTRO DA MARCA "PORTAPRONTA". PRETENDIDA EXCLUSIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. USO DE TERMOS COMUNS E SIMPLESMENTE DESCRITIVOS DO PRODUTO QUE VISAM A DISTINGUIR. LEI 9.279/96. ART. 124, VI.
1.- Para a composição da marca "PortaPronta" a Recorrente não criou palavra nova, mas valeu-se de palavras comuns, que, isolada ou conjuntamente, não podem ser apropriadas com exclusividade por ninguém, já que são de uso corriqueiro e desprovidas de originalidade.
2.- Adequado o registro realizado pelo INPI, com a observação de que "concedida sem exclusividade de uso dos elementos normativos".
3.- Recurso Especial improvido.
(STJ, REsp n° 1.039.011/RJ, Rel, Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe: 17/06/2011) (destaquei).
Ainda, não se tem admitido o registro de expressões empregadas comumente para designar uma característica do produto ou do serviço a ser por elas identificado, por expressa previsão do art. 124, VI da Lei n° 9.279/96, verbis:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
(...)
VI - sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;
Não obstante, não é este o caso dos autos, já que o sinal "Extra", evidentemente, não tem relação com o produto ou serviço a distinguir. Quanto a isto, reporto-me aos bons fundamentos lançados em sentença (fls. 627/628):
"(...)
A esse respeito, é evidente que o sinal EXTRA não é usual ou comumente empregado para designar uma característica de supermercados, hipermercados, de estabelecimentos varejistas ou da própria atividade de comércio de mercadorias e bens de consumo.
É imprescindível que se observe, nesse sentido, os exemplos novamente citados no dicionário do Professor Caldas Aulete, que menciona adições comuns ou usuais do sinal EXTRA em sua função semântica adjetiva qualitativa: 'dose extra de uísque; horas extras de trabalho; açúcar extra; edição extra; arranjou um bico de motorista extra, aos domingos; com o pagamento extra, comprou um som; contratou dois funcionários extras durante a liquidação'.
Como claramente se vê, nenhuma dessas espécies de uso se aplica a adoção do sinal EXTRA como marca identificadora de supermercados, hipermercados, de estabelecimentos varejistas ou da própria atividade de comércio de mercadorias e bens de consumo.
(...)" (destaquei).
Registre-se que a exclusividade pretendida pela parte autora não tem o condão de inviabilizar o uso da expressão "EXTRA" em sua acepção original, justamente porque não é neste sentido que requerente faz uso do sinal enquanto marca sua, de sorte que não restará prejudicado o uso desta palavra para designar características próprias de outros produtos ou serviços, como, por exemplo, "café extra forte".
Neste sentido, destaco o entendimento adotado pelo próprio INPI quando da apreciação do requerimento de registro da marca mista "Damasco" para designar serviços de restaurante, no bojo do Parecer Normativo INPI/PROC/CAJ n° 014/2005, que restou assim ementado:
"Propriedade Industrial - Marca mista DAMASCO, requerida para assinalar os serviços de restaurante. Recurso Interposto contra decisão de 1ª instância que indeferiu o pedido em epígrafe, com base no art. 124, inciso VI, da LPI. Procedência. Todo e qualquer sinal marcário, visualmente perceptível, constituído por elementos, cujos significados não mantenham relação direta e imediata com o produto ou serviço assinalado, que seja capaz de identificar e distinguir produtos e serviços de outros análogos, de procedência diversa, é passível de registrabilidade como marca a título exclusivo, ressalvado, contudo, o direito da concorrência de utilização do elemento em sua real acepção. Deve ser reformada a decisão recorrida e deferido o pedido de registro".
Ainda que assim não fosse, mesmo se adotada a premissa de que o sinal "EXTRA", inicialmente, seria meramente um termo comum, de se ver que se está diante de marca utilizada há mais de vinte e cinco anos pela parte autora e que goza de prestígio e notoriedade entre o público consumidor suficientes a colocá-la em primeiro lugar em diversas pesquisas sobre as marcas mais lembradas de cada ramo de atividade (fl. 527), tudo a denotar que, no caso concreto, o sinal em comento atingiu distintividade o suficiente para torná-lo registrável enquanto marca, em razão do fenômeno doutrinariamente conhecido como distintividade superveniente, significado secundário da marca ou, na expressão original estrangeira, "secondary meaning".
Neste sentido:
"Secondary meaning é um fenômeno que faz com que um signo comum, originalmente desprovido de distintividade, adquira pelo uso empresarial a capacidade de identificar e diferenciar um produto ou serviço de outro, tornando-se passível de proteção como marca. Essa distintividade superveniente lhe confere um segundo significado (de função marcária), que passa a conviver com o significado primário, de natureza denotativa, que ele tinha enquanto signo usual e integrante do vocabulário ou do estado da técnica. Veja-se o que acontece por exemplo com o time de futebol Grêmio Foot-ball Porto Alegrense. Grêmio é uma palavra comum que significa sociedade, sendo bastante usada na composição dos nomes dos grêmios recreativos de escolas de samba. Em princípio, a força distintiva deveria recair na expressão Porto Alegrense. Entretanto, o uso por mais de 100 anos da marca GRÊMIO® fez com que o time se tornasse notoriamente conhecido por tal denominação (registrada como marca sob o nº 007.190.034), conferindo-lhe uma distintividade que intrinsecamente ela não possuía.
Juan Manuel Gutierrez CARRAU observa que 'Club Nacional de Fútbol' é um nome genérico que poderia ser aplicado a todas as equipes uruguaias, mas que se constituiu como marca de um único time, sem gerar confusão com os demais. O mesmo se pode dizer da marca ATLÉTICO MINEIRO®, registrada sob o número 820.262.943. O CRUZEIRO e todos os demais times de futebol de Minas Gerais também são clubes, também são atléticos e também são mineiros. No entanto, ninguém os confunde com o ATLÉTICO MINEIRO®, pois esta marca adquiriu distintividade suficiente para identificar apenas uma equipe em particular.
O mesmo fenômeno também ocorre em outras áreas, como ilustrado pelas marcas TICKET REFEIÇÃO® (registro 823.445.640) e VALE REFEIÇÃO® (registros n. 813.316.529 e 813.316.545), dotadas de distintividade. Diversa não é a situação da marca REDE TV! ® (registros n. 821.631.438, 821.752.030 e 821.752.049), cujas concorrentes também são redes de TV, sem que no entanto os telespectadores e anunciantes as confunda. Embora compostas por palavras comuns usadas em seu contexto semântico, essas marcas se tornaram notoriamente conhecidas e obtiveram um secondary meaning que as tornou distintivas e permitiu que fossem registradas.
(...)" (destaquei)
(SCHMIDT, Lélio Denícoli. A distintividade das marcas: secondary meaning, vulgarização e teoria da distância. São Paulo: Saraiva, 2013. P. 127/128).
Veja-se que tal teoria tem sido adotada pelo C. Superior Tribunal de Justiça, como se extrai do recente precedente em que se analisou a distintividade da expressão "iPhone", no qual se reconheceu que, inicialmente evocativo - porquanto constituído pela aglutinação de expressões inglesas referentes à rede mundial de computadores e ao próprio aparelho de telefonia celular, a saber, "Internet" e "Phone" - , o sinal veio a adquirir distintividade pelo uso continuado e massivo, nos seguintes termos:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE "NULIDADE PARCIAL" DA MARCA MISTA "G GRADIENTE IPHONE". APARELHOS TELEFÔNICOS COM ACESSO À INTERNET. PRETENSÃO AUTORAL DE INSERÇÃO DE RESSALVA INDICATIVA DA FALTA DE EXCLUSIVIDADE DA UTILIZAÇÃO DA PALAVRA "IPHONE" DE FORMA ISOLADA. MITIGAÇÃO DA EXCLUSIVIDADE DO REGISTRO DE MARCA EVOCATIVA.
1. A distintividade é condição fundamental para o registro da marca, razão pela qual a Lei 9.279/96 enumera vários sinais não registráveis, tais como aqueles de uso comum, genérico, vulgar ou meramente descritivos, porquanto desprovidos de um mínimo diferenciador que justifique sua apropriação a título exclusivo (artigo 124).
2. Nada obstante, as marcas registráveis podem apresentar diversos graus de distintividade. Assim, fala-se em marcas de fantasia (expressões cunhadas, inventadas, que, como tais, não existem no vocabulário de qualquer idioma), marcas arbitrárias (expressões já existentes, mas que, diante de sua total ausência de relação com as atividades do empresário, não sugerem nem, muito menos, descrevem qualquer ingrediente, qualidade ou característica daquele produto ou serviço) e marcas evocativas.
3. A marca evocativa (ou sugestiva ou fraca) é constituída por expressão que lembra ou sugere finalidade, natureza ou outras características do produto ou serviço desenvolvido pelo titular. Em razão do baixo grau de distintividade da marca evocativa, a regra da exclusividade do registro é mitigada e seu titular deverá suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes. Precedentes das Turmas de Direito Privado.
4. Contudo, deve ser ressalvada a hipótese em que o sinal sugestivo, em função do uso ostensivo e continuado, adquire incontestável notoriedade no tocante aos consumidores dos produtos ou serviços de determinado segmento de mercado. Tal exceção decorre do disposto na parte final do inciso IV do artigo 124 da Lei 9.279/96, que aponta a registrabilidade do signo genérico ou descritivo quando revestido de suficiente forma distintiva.
5. A aferição da existência de confusão ou da associação de marcas deve ter como parâmetro, em regra, a perspectiva do homem médio (homo medius), ou seja, o ser humano razoavelmente atento, informado e perspicaz, o que não afasta exame diferenciado a depender do grau de especialização do público-alvo do produto ou do serviço fornecido. Ademais, em seu papel de aplicador da lei, deve o juiz atender aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum (artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB).
6. No que diz respeito às marcas, sua proteção não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular, mas objetiva, acima de tudo, proteger os adquirentes de produtos ou serviços, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade do produto ou serviço, tendo por escopo, ainda, evitar o desvio ilegal de clientela e a prática do proveito econômico parasitário. Assim pode ser resumida a função social da marca à luz da Constituição Federal e da Lei 9.279/96.
7. O conjunto marcário "G GRADIENTE IPHONE" apresenta dois elementos: um elemento principal (a expressão "GRADIENTE") e dois secundários (o "G" estilizado e o termo "IPHONE"). O elemento principal exerce papel predominante no conjunto marcário, sendo o principal foco de atenção do público alvo. De outro lado, o elemento secundário pode desempenhar um papel meramente informativo ou descritivo em relação ao escopo de proteção pretendido.
8. No caso, a expressão "iphone", elemento secundário da marca mista concebida pela IGB, caracteriza-se como um termo evocativo, tendo surgido da aglutinação dos substantivos ingleses "internet" e "phone" para designar o aparelho telefônico com acesso à internet (também chamado de smartphone), o que, inclusive, ensejou o registro da marca na classe atinente ao citado produto. Desse modo, não há como negar que tal expressão integrante da marca mista sugere característica do produto a ser fornecido. Cuida-se, portanto, de termo evidentemente sugestivo.
9. Sob essa ótica, a IGB terá que conviver com o bônus e o ônus de sua opção pela marca mista "G GRADIENTE IPHONE": de um lado, a simplicidade e baixo custo de divulgação de um signo sugestivo de alguma característica ou qualidade do produto que visava comercializar (o que tinha por objetivo facilitar o alcance de seu público-alvo); e, de outro lado, o fato de ter que suportar a coexistência de marcas semelhantes ante a regra da exclusividade mitigada das evocativas, exegese consagrada nos precedentes desta Corte.
10. Diferentemente do que ocorreu com a IGB, a Apple, com extrema habilidade, conseguiu, desde 2007, incrementar o grau de distintividade da expressão "iPhone" (originariamente evocativa), cuja indiscutível notoriedade nos dias atuais tem o condão de alçá-la à categoria de marca notória (exceção ao princípio da territorialidade) e, quiçá, de alto renome (exceção ao princípio da especificidade).
11. No que diz respeito ao"iPhone" da Apple, sobressai a ocorrência do fenômeno mercadológico denominado secondary meaning ("teoria do significado secundário da marca"), mediante o qual um sinal fraco (como os de caráter genérico, descritivo ou até evocativo) adquire eficácia distintiva (originariamente inexistente) pelo uso continuado e massivo do produto ou do serviço. A distinguibilidade nasce da perspectiva psicológica do consumidor em relação ao produto e sua marca, cujo conteúdo semântico passa a predominar sobre o sentido genérico originário.
12. Assim, é certo que a utilização da marca "iPhone" pela Apple - malgrado o registro antecedente da marca mista "G GRADIENTE IPHONE" - não evidencia circunstância que implique, sequer potencialmente, aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca, com a indução dos consumidores em erro.
13. Em outra vertente, o uso isolado do termo "iPhone" por qualquer outra pessoa física ou jurídica (que não seja a Apple), para designar celulares com acesso à internet, poderá, sim, gerar as consequências nefastas expressamente rechaçadas pela lei de regência e pela Constituição da República de 1988.
14. Tal exegese não configura prejuízo à IGB, que, por ter registrado, precedentemente, a expressão "G GRADIENTE IPHONE", poderá continuar a utilizá-la, ficando apenas afastada a exclusividade de uso da expressão "iphone" de forma isolada.
15. Recursos especiais da IGB Eletrônica e do INPI não providos.
(STJ, REsp n° 1.688.243/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe: 23/10/2018).
Assim, seja por não se tratar de "marca identificadora de supermercados, hipermercados, de estabelecimentos varejistas ou da própria atividade de comércio de mercadorias e bens de consumo", como bem consignado em sentença, seja por estar dotada de suficiente distintividade, de se reconhecer a registrabilidade do sinal "EXTRA" nos termos em que pretendida pela parte autora, com direito de exclusividade.
Por fim, de se reconhecer que não conferir à autora o direito de exclusividade ao termo "EXTRA" enquanto sinal marcário, no ramo de atividade correlato (BR 40.15 - "Serviços auxiliares ao comércio de mercadorias, inclusive à importação e exportação; incluem-se neste item todas as formas de representação, intermediação e corretagem do comércio de mercadorias, inclusive jornais, livros e revistas. Incluem-se, também, serviços de despachos e desembaraços de mercadorias relativas à comercialização externa"), importaria em evidente prejuízo à parte autora, que se veria impossibilitada de obstar seus concorrentes de fazerem uso do referido termo e, com isso, se veria exposta à possibilidade de aproveitamento parasitário de marca que se fortaleceu e ganhou notoriedade graças aos seus vultosos investimentos, além de trazer inegáveis consequências danosas aos consumidores, ante a possibilidade de sua indução em erro por terceiros.
Ademais, a tese recursal de que não caberia o registro da marca em comento com direito de exclusividade de uso não se coaduna com a conduta habitual do INPI, já que consta dos autos que a autarquia concedeu diversos registros de marca em favor da requerente compostos pela expressão "Extra" sem a aplicação de qualquer ressalva, restrição ou apostilamento quanto à exclusividade do uso do sinal, a saber: "EXTRA SUPERMERCADOS", "EXTRASUPER", "EXTRA SUPER", "EXTRA ELETRO", "EXTRATECH", "FIC EXTRA", "EXTRA.COM.BR", "EXTRA FÁCIL", "POSTO EXTRA", "EXTRA", "EXTRA TEC SOLUÇÃO", "EXTRA SOLUÇÃO", dentre outros, sendo certo que alguns destes registros são anteriores e outros, posteriores àquele discutido nos autos, não se verificando justo motivo para a surpreendente negativa de exclusividade com relação à marca questionada no presente feito (mídia de fl. 431 e fls. 649/650).
De tudo quanto o exposto até aqui, tenho por correta a sentença de procedência do pedido, para que seja definitivamente restabelecida a exclusividade do registro n° 814.817.882, da marca mista EXTRA, exclusivamente na classe BR 40.15, de titularidade da autora, com exclusão da ressalva "sem direito ao uso exclusivo da palavra EXTRA".
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, divergindo do voto do E. Relator.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EMPRESARIAL. REGISTRO DA MARCA EXTRA.
1. O art. 124, VI, da Lei nº 9.279/1996 estabelece a distintividade como pressuposto do registro de marca.
2. Distinção não demanda o neologismo, mas reclama que o signo não tenha relação de pertinência com atributo genérico inerente ao produto ou serviço.
3. O termo "Extra" certamente é sinal genérico relacionado à qualidade superior de qualquer produto ou serviço, englobando a classe 40.15 -classe 35, NCL (11) 2018.
4. A jurisprudência abnega da proteção de exclusividade marcas fracas e evocativas.
5. A tese da parte autora é que teria havido uma singularização do semema em razão da notoriedade que sua marca angariou ao longo dos anos (distinção superveniente, secondary meaning).
6. Todavia, tal arguição está intrinsicamente relacionada ao reconhecimento de marca de alto renome (art. 125), e prevalece o entendimento de que tal enunciação é de competência privativa do INPI, que seguirá processo complexo e objetivo nesse mister (art. 3º da Resolução nº 107/2013).
7. Ressalte-se que a apelada não é a primeira a pleitear o registro de tal lexema, utilizada por terceiros desde 1937 (a recorrida apenas depositou a sua em 1989), e que há diversos signos empresarias (mesmo na classe 40.15) que se utilizam, ainda que de maneira complexa e mista, do termo "extra".
8. Na verdade, a própria recorrida entrou com ações (v.g., processo nº 2000.51.01.529417-0) para que houvesse apostila nessas marcas constando o atributo de não exclusividade, exatamente sob o argumento de que se tratava de termo genérico.
9. Apelação provida.