INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL (216) Nº 0000663-18.2005.4.03.6122
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
ARGUINTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
ARGUIDO: UNIÃO FEDERAL, FLORALCO ACUCAR E ALCOOL LTDA EM RECUPERACAO JUDICIAL
Advogado do(a) ARGUIDO: JORGE HENRIQUE MATTAR - SP184114-A
OUTROS PARTICIPANTES:
INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL (216) Nº 0000663-18.2005.4.03.6122 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO ARGUINTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP ARGUIDO: UNIÃO FEDERAL, FLORALCO ACUCAR E ALCOOL LTDA EM RECUPERACAO JUDICIAL Advogado do(a) ARGUIDO: JORGE HENRIQUE MATTAR - SP184114-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se, na origem, de ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da União e da Destilaria Flórida Paulista - Floralco Ltda. (Floralco), com o seguinte pedido (ID 113745733. p. 22): a) condenar a UNIÃO (Ministério da Agricultura) a promover efetiva fiscalização da aplicação dos recursos do PAS pela empresa acionada; b) condenar a DESTILARIA FLÓRIDA PAULISTA - FLORALCO LTDA. a promover a elaboração de Plano de Assistência Social (PAS) relativo à presente e futuras safras no setor sucroalcooleiro, apresentando-o ao Ministério da Agricultura, bem como à Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT, do Ministério do Trabalho e Emprego. Deve, ainda, ser compelida a efetivar e a aplicar as quantias devidas a título do PAS, na forma prevista na legïslação, observando que as aplicações deverão recair em Assistência Médica e Hospitalar (preventiva, curativa e reabilitacional), Assistência Farmacêutica, Assistência Odontológica (preventiva, curativa e reabilitacional), Assistência Social, visando à erradicação do trabalho infantil na lavoura canavieira, Assistência Educativa, Assistência Educacional, Assistência Recreativa e Auxílios Complementares, mantendo contabilidade específica para os recursos do PAS, bem como contas bancárias exclusivas para este fim. Em 13.12.2006, o juízo conheceu diretamente do pedido, por entender desnecessária dilação probatória (ID 113745734, pp. 19/33), julgando-o improcedente com a seguinte conclusão: Os objetivos da Assistência Social não são perseguidos unicamente pelo Estado. Muito pelo contrário, conquanto o Estado seja agente preponderante, fazendo uso dos recursos do orçamento da Seguridade Social (art. 204 da CF), grande é o número de entidades beneficentes que, por ato voluntário, prestam importante serviço de assistência social. Por isso, o Estado, em não raras vezes, outorga a referidas entidades beneficentes incentivos, notadamente tributários (§ 7° do art. 195 da CF, art. 55 da Lei n. 8.212/91), como reconhecimento pelos serviços prestados. É nesse sentido que o art. 28, § 9º, da Lei n. 8.212/91 deve ser tomado: não integrarão o salário -de - contribuição as parcelas destinada à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira que, por iniciativa própria, em caráter facultativo, promoveram os objetivos do art. 35 da Lei n. 4.870/65. É dizer, a benemerência voluntária é incentivada pela lei previdenciária. Cumpre, finalizando, registrar que referido setor não está incólume ao dever de contribuir em prol da Seguridade Social. De efeito, na forma do art. 25 da Lei n. 8.212/91, o produtor rural e equiparado contribui sobre a receita bruta da comercialização da produção. Portanto, no meu entender, por não ter sido a contribuição vergastada recepcionada pela Constituição Federal de 1988, não há como compelir as rés a elaborar, executar e fiscalizar o PAS. Improcede, pois, o pedido, restando, como corolário lógico, indeferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Sendo assim, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o processo com resolução de mérito (art. 269, 1, do CPC). O MPF apelou, requerendo a reforma da sentença, basicamente reiterando os argumentos expostos na petição inicial (ID 113745735, pp. 22/49). Com contrarrazões (ID 113745735, pp. 63/74 - Floralco - e 75/85 - União), os autos subiram a este Tribunal, onde inicialmente foram distribuídos à Terceira Turma, sob a relatoria da Desembargadora Federal Cecília Marcondes (ID 113745735, p. 87), que, em 13.03.2008, declinou da competência para uma das Turmas da Primeira Seção (ID 113745735, p. 88), tendo havido a redistribuição para a Primeira Turma, sob a relatoria do Desembargador Federal Johonsom Di Salvo (ID 113745735, p. 90). Em 31.07.2012, a Primeira Turma, por unanimidade, acolheu questão de ordem apresentada pelo Relator para reconhecer a incompetência da Primeira Seção, Primeira Turma, para conhecer e julgar o recurso, suscitando conflito negativo de competência ao Órgão Especial do Tribunal (ID 113745735, pp. 91/95). Em decisão monocrática proferida em 06.12.2012 (ID 113745735, pp. 112/121), a Desembargadora Federal Marisa Santos julgou procedente o conflito de competência, firmando a competência de uma das Turmas da Terceira Seção para processar e julgar o recurso. Os autos foram redistribuídos para a Oitava Turma, sob a relatoria do Desembargador Federal David Dantas (ID 113745735, p. 125), que os encaminhou ao MPF. Em sua manifestação, em 10.01.2014 (ID 113745735, p. 88129/131), o MPF alegou a inconstitucionalidade da incidência retroativa do art. 38 da Lei 12.865/2013, que extinguiu "todas as obrigações, inclusive as anteriores à data de publicação desta Lei, exigidas de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado com fundamento nas alíneas “a” e “c” do caput do art. 36 da Lei nº 4.870, de 1º de dezembro de 1965, preservadas aquelas já adimplidas". A União, por sua vez (ID 113745735, p. 133), pediu a extinção do processo sem resolução do mérito, com fundamento exatamente na Lei nº 12.865/2013. Na sessão de 17.08.2015, a Oitava Turma, por maioria (ID 113745735, p. 145), acolheu a arguição de inconstitucionalidade apresentada pelo Relator, Desembargador Federal David Dantas (ID 113745735, pp. 146/157), com quem votaram a Desembargadora Federal Tânia Marangoni e o então Juiz Federal Convocado Carlos Delgado, ficando vencido o Desembargador Federal Newton De Lucca, que rejeitava a arguição. O acórdão foi assim ementado (ID 113745735, p. 158/160): ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. VEDAÇÃO AO RETROCESSO EM DIREITOS SOCIAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 38 e 42, AMBOS DA Lei N. 12.865/2013. I - Aceitar a vigência e eficácia do preceito que se extrai da Lei n. 12.865/2013 implicaria violar dois subprincipios da Segurança Jurídica: a irretroatividade das leis e a vedação ao retrocesso em direitos sociais. Para tanto, imaginemos uma modesta família de lavradores (marido, mulher e dois filhos), empregados de fazenda produtora de cana de açúcar. Possuem o casal e seus filhos legítima expectativa de que 1% da Receita Bruta referente à cana entregue às usinas seja aplicado em assistência médica, farmacêutica e social que lhes aproveite. Vale dizer: a obrigação legal criou direito subjetivo de índole social exigível pelos seus beneficiários. Obrigação dos produtores de um lado, e direitos a prestações sociais de outro. Com esse cenário humano de fundo, vejamos se a Lei. n. 12.865/2013 subsiste aos princípios da irretroatividade e vedação ao retrocesso. II - De outra parte, sob o ângulo do também principio constitucional da Igualdade, admitir-se a extinção de obrigações sociais perfeitas e acabadas seria tratar com menoscabo, com má fé os produtores/usinas que honraram em tempo e modo suas obrigações sociais de mesma índole, mesmo que tenham sido compelido a fazê-lo por ordem judicial. Premiar-se-ia, mais uma vez, o inadimplente. Prática odiosa que avilta o sentimento de Justiça e retidão no cumprimento social da Consituição e leis do País. III - Mesmo que não retroativas, medidas legislativas com caráter prospectivo (já que alcançam situações futuras, como na hipótese das obrigações sociais de PAS ainda por vencer) podem significar retrocesso em termos de justas expectativas criadas pelo legislador em termos de direitos públicos subjetivos. Um dos mais importante juristas do sec XX, Ronald Dworkin, sustenta que o Direito em muito se assemelha à Literatura. Como a Literatura, o Direito seria uma espécie de "romance em cadeia", uma obra escrita a muitas mãos. Cada juiz, cada tribunal estaria participando desse esforço coletivo, escrevendo capítulos sucessivos nessa empreitada normativa. Obras literárias possuem valor quando a historia que narram podemos atribuir um sentido, um valor que confere qualidade ao texto. A imersão na narrativa que nos faz ver coisas que antes não víamos, ou sentir algo que nos faz, de alguma maneira, diferentes, às vezes melhor. IV - Usando essa analogia literária de Dworkin, podemos ver o subsistema dos Direitos Fundamentais como uma obra histórica coletiva, que vem se ampliando ao longo do mundo moderno, e ao qual podemos atribuir um sentido ao ler a historia de sua caminhada dos Direitos Naturais, passando aos Direitos Morais não positivados e chegando hoje aos Direitos Fundamentais com foro de dignidade constitucional com plena e séria eficácia. Destarte, um dos sentidos que podemos, sem receio de exagerar, perceber nesse tema é da constante ampliação dos Direitos Fundamentais. Partiram desde a 1ª Dimensão (liberdades formais), passando por sucessivas dimensões que incoporaram direitos sociais e até direitos transindividuais e transnacionais. Assim, voltando à semelhanças entre o Direito e a Literatura, vemos como uma má interpretação dessa história admitir-se a retirada do mundo jurídico de direitos que são frutos de concretizações legislativas de Direitos Fundamentais. Essa história é ascendente, não descendente. Tem sentido de ampliação, não de restrição ou supressão. V - Admite-se, portanto, a revogação de leis instituidoras de Direitos Sociais desde que se mantenha, ou seja criado um - para usar uma linguagem da teoria dos sistemas - "equivalente funcional", um instituto que mantenha a vantagem, o beneficio que auferia o titular do direito extinto. Sem políticas compensatórias (equivalentes funcionais) proíbe-se a retirada de direitos conferidos pela lei ao concretizar o principio constitucional da Igualdade e da Justiça Social. VI - São inconstitucionais os artigos 38 e 42, ambos da Lei n. 12.865/2013 à vista da Constituição Federal. Arguição de Inconstitucionalidade. Questão submetida à apreciação do Órgão Especial nos termos do artigo 97 da Constituição Federal. A União opôs embargos de declaração (ID 113745735, p. 164/166), pleiteando a juntada aos autos do voto vencido, o que ocorreu (ID 113745735, p. 170/174), prejudicando os embargos, conforme decisão monocrática do Relator (ID 113745735, p. 184). A corré Floralco também opôs embargos de declaração (ID 113745735, pp. 186/195), os quais foram rejeitados (ID 113745735, pp. 218/224). O incidente de arguição de inconstitucionalidade foi submetido ao Órgão Especial e, após consulta de prevenção, foi distribuído à relatoria da Desembargadora Federal Therezinha Cazerta. O MPF opinou pelo "provimento da arguição, para se declarar a inconstitucionalidade. dos artigos 38 e 42, da Lei n° 12.865/2013, ao menos quanto às obrigações pretéritas" (ID 113745735, pp. 245/247 e ID 113745736, pp. 1/14). Na sessão de 25.10.2017, o Órgão Especial, por maioria, não conheceu da arguição de inconstitucionalidade, acolhendo a questão preliminar suscitada pelo Desembargador Federal Nelton dos Santos, com quem votaram os Desembargadores Federais Mairan Maia, Nery Júnior, Cotrim Guimarães, Antonio Cedenho, Diva Malerbi, Baptista Pereira, Peixoto Júnior e Cecília Marcondes, ficando vencidos a Relatora (Desembargadora Federal Therezinha Cazerta), com quem votaram os Desembargadores Federais Luiz Stefanini, Toru Yamamoto, Paulo Fontes, André Nekatschalow, André Nabarrete, Newton De Lucca e Fábio Prieto (pela conclusão) - ID 113745736, pp. 20/21. O acórdão foi assim ementado (ID 113745736, pp. 50/51): PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO ANTECEDENTE NÃO APRECIADA PELA TURMA NO ÂMBITO DA APELAÇÃO. ARGUIÇÃO NÃO CONHECIDA. 1. O conhecimento da arguição de inconstitucionalidade, pelo Órgão Especial, pressupõe que o pronunciamento de conformidade ou não com o texto constitucional seja necessário ao julgamento do recurso de competência da Turma. O Órgão Especial só pode ser instado a examinar a questão da constitucionalidade se disso depender a continuidade do julgamento do recurso. 2. No caso presente, o recurso de apelação discutia a recepção ou não de dispositivos da Lei n. 4.870/1965, os quais vieram a ser revogados pela Lei n. 12.865/2013. Para alcançar a discussão acerca da constitucionalidade ou não da lei revogadora e, assim, submeter o tema ao Órgão Especial, cumpria à Turma examinar, previamente, a questão da recepção ou não da lei revogada. 3. Arguição de inconstitucionalidade não conhecida. Encaminhados os autos à Oitava Turma para exame da questão relativa à recepção, ou não, da Lei nº 4.870/65, o feito foi novamente julgado, tendo a Turma, por maioria, concluído pela recepção dessa Lei pela Constituição Federal de 1988 e, prosseguindo, também por maioria, acolheu a arguição de inconstitucionalidade quanto à Lei nº 12.865/2013, nos termos do voto do Relator (Desembargador Federal David Dantas), com quem votaram os Desembargadores Federais Luiz Stefanini (por fundamento diverso) e Tânia Marangoni, ficando vencido o Desembargador Federal Newton De Lucca, que rejeitava a arguição (ID 113745736, p. 7). O acórdão foi assim ementado (ID 113745736, pp. 33/35): ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. VEDAÇÃO AO RETROCESSO EM DIREITOS SOCIAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 38 e 42, AMBOS DA Lei N. 12.865/2013. I - A Lei nº. 4.870/1965 que criou o PAS sucro alcooleiro foi recepcionada pela atual Constituição de 1988. II - Aceitar a vigência e eficácia do preceito que se extrai da Lei n. 12.865/2013 implicaria violar dois subprincipios da Segurança Jurídica: a irretroatividade das leis e a vedação ao retrocesso em direitos sociais. Para tanto, imaginemos uma modesta família de lavradores (marido, mulher e dois filhos), empregados de fazenda produtora de cana de açúcar. Possuem o casal e seus filhos legítima expectativa de que 1% da Receita Bruta referente à cana entregue às usinas seja aplicado em assistência médica, farmacêutica e social que lhes aproveite. Vale dizer: a obrigação legal criou direito subjetivo de índole social exigível pelos seus beneficiários. Obrigação dos produtores de um lado, e direitos a prestações sociais de outro. Com esse cenário humano de fundo, vejamos se a Lei. n. 12.865/2013 subsiste aos princípios da irretroatividade e vedação ao retrocesso. III - De outra parte, sob o ângulo do também principio constitucional da Igualdade, admitir-se a extinção de obrigações sociais perfeitas e acabadas seria tratar com menoscabo, com má fé os produtores/usinas que honraram em tempo e modo suas obrigações sociais de mesma índole, mesmo que tenham sido compelido a fazê-lo por ordem judicial. Premiar-se-ia, mais uma vez, o inadimplente. Prática odiosa que avilta o sentimento de Justiça e retidão no cumprimento social da Consituição e leis do País. IV - Mesmo que não retroativas, medidas legislativas com caráter prospectivo (já que alcançam situações futuras, como na hipótese das obrigações sociais de PAS ainda por vencer) podem significar retrocesso em termos de justas expectativas criadas pelo legislador em termos de direitos públicos subjetivos. Um dos mais importante juristas do sec XX, Ronald Dworkin, sustenta que o Direito em muito se assemelha à Literatura. Como a Literatura, o Direito seria uma espécie de "romance em cadeia", uma obra escrita a muitas mãos. Cada juiz, cada tribunal estaria participando desse esforço coletivo, escrevendo capítulos sucessivos nessa empreitada normativa. Obras literárias possuem valor quando a historia que narram podemos atribuir um sentido, um valor que confere qualidade ao texto. A imersão na narrativa que nos faz ver coisas que antes não víamos, ou sentir algo que nos faz, de alguma maneira, diferentes, às vezes melhor. V - Usando essa analogia literária de Dworkin, podemos ver o subsistema dos Direitos Fundamentais como uma obra histórica coletiva, que vem se ampliando ao longo do mundo moderno, e ao qual podemos atribuir um sentido ao ler a historia de sua caminhada dos Direitos Naturais, passando aos Direitos Morais não positivados e chegando hoje aos Direitos Fundamentais com foro de dignidade constitucional com plena e séria eficácia. Destarte, um dos sentidos que podemos, sem receio de exagerar, perceber nesse tema é da constante ampliação dos Direitos Fundamentais. Partiram desde a 1ª Dimensão (liberdades formais), passando por sucessivas dimensões que incoporaram direitos sociais e até direitos transindividuais e transnacionais. Assim, voltando à semelhanças entre o Direito e a Literatura, vemos como uma má interpretação dessa história admitir-se a retirada do mundo jurídico de direitos que são frutos de concretizações legislativas de Direitos Fundamentais. Essa história é ascendente, não descendente. Tem sentido de ampliação, não de restrição ou supressão. VI - Admite-se, portanto, a revogação de leis instituidoras de Direitos Sociais desde que se mantenha, ou seja criado um - para usar uma linguagem da teoria dos sistemas - "equivalente funcional", um instituto que mantenha a vantagem, o beneficio que auferia o titular do direito extinto. Sem políticas compensatórias (equivalentes funcionais) proíbe-se a retirada de direitos conferidos pela lei ao concretizar o principio constitucional da Igualdade e da Justiça Social. VIII - São inconstitucionais os artigos 38 e 42, ambos da Lei n. 12.865/2013 à vista da Constituição Federal. Arguição de Inconstitucionalidade. Questão submetida à apreciação do Órgão Especial nos termos do artigo 97 da Constituição Federal. (ID 113745737) A corré Floralco Açúcar e Álcool Ltda. informou que sua recuperação judicial foi convolada em falência pelo Juízo da Comarca de Flórida Paulista (SP), em 05.07.2017, e, por isso, pediu a suspensão do processo (ID 113745737, pp. 37/38), o que foi indeferido (ID 113745737, pp. 152/153). Em face do acórdão proferido pela Oitava Turma foram interpostos embargos de declaração tanto pela corré Floralco Açúcar e Álcool Ltda., quanto pela União (ID 113745737, pp. 113/116 e 136/144), tendo sido negado provimento a ambos os recursos (ID 113745737, pp. 154/161). A seguir, os autos foram remetidos à Desembargadora Federal Cecília Marcondes, sucessora, no Órgão Especial, da Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, relatora originária desta arguição de inconstitucionalidade. Entretanto, a prevenção para o julgamento do incidente não foi reconhecida, haja vista que as questões de mérito nele vertidas, quais sejam, a recepção da Lei 4.870/65 pela Constituição Federal/88, bem como a suposta inconstitucionalidade dos artigos 38 e 42 da Lei nº 12.865/2013, não haviam sido conhecidas pelo Órgão Especial (ID 113745737, pp. 169/170). Na sequência, o incidente foi redistribuído à relatoria do Desembargador Federal André Nekatschalow, que determinou o reencaminhamento dos autos ao Gabinete da Desembargadora Federal Cecília Marcondes para nova verificação de eventual prevenção, considerando os arts. 286, II, e 930, parágrafo único, do Código de Processo Civil, bem como o art. 15, caput e §§ 2º e 4º, do Regimento Interno desta Corte, e ainda a revogação do § 5º do mesmo dispositivo (ID 126846669). Em 09.11.2020, proferi decisão reconhecendo a prevenção no tocante a este incidente de arguição de inconstitucionalidade, haja vista haver sucedido o acervo da Desembargadora Federal Cecília Marcondes no Órgão Especial (ID 146176228). O feito, então, foi redistribuído à minha relatoria (ID 146993764). É o relatório.
INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL (216) Nº 0000663-18.2005.4.03.6122 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO ARGUINTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP ARGUIDO: UNIÃO FEDERAL, FLORALCO ACUCAR E ALCOOL LTDA EM RECUPERACAO JUDICIAL Advogado do(a) ARGUIDO: JORGE HENRIQUE MATTAR - SP184114-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O P R E L I M I N A R O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Como relatado, o caso versa sobre arguição de inconstitucionalidade, acolhida por maioria de votos pela Oitava Turma deste Tribunal, relativamente ao Plano de Assistência Social (PAS) previsto no art. 36 da Lei nº 4.870/65. A arguição de inconstitucionalidade havia sido acolhida ao fundamento de que os arts. 38 e 42 da Lei nº 12.865/2013 teriam incorrido em violação aos princípios constitucionais da irretroatividade das leis (direito adquirido), da vedação ao retrocesso em matéria de direitos sociais e da igualdade. Da análise dos autos, todavia, tenho que a inconstitucionalidade vislumbrada não é direta, mas reflexa, o que inviabiliza o seu exame por este Órgão Especial. Com efeito, são reconhecidas na doutrina e na jurisprudência duas espécies de ofensa ao texto constitucional: a direta (ou frontal) e a indireta (ou reflexa), sendo que apenas a primeira pode levar à admissibilidade de recurso extraordinário, na via do controle difuso de constitucionalidade. A ofensa direta ou frontal à Constituição Federal é aquela em que a lei ou ato normativo impugnado viola de forma imediata o texto constitucional, sem que, para a sua verificação, se faça necessário proceder à análise de qualquer legislação infraconstitucional. De outro lado, a ofensa indireta ou reflexa necessita dessa análise e, por isso, não enseja o próprio controle difuso, dependendo do exame, em cada caso concreto, de normas infraconstitucionais interpostas. O Supremo Tribunal Federal não admite recursos extraordinários nos quais se pretenda discutir a denominada ofensa reflexa ou indireta. Esse entendimento está consubstanciado na Súmula nº 636 da sua jurisprudência: Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida. Além disso, ao examinar o Tema nº 660, que tinha por objeto a violação dos princípios do contraditório, da ampla defesa e dos limites da coisa julgada e do devido processo legal, nos autos do ARE nº 748.371/MT, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a repercussão geral do tema quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais (Plenário virtual, 17.5 a 06.6.2013, Publicação 01.08.2013). Seguindo esse entendimento: AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. FUNDAMENTAÇÃO A RESPEITO DA REPERCUSSÃO GERAL. INSUFICIÊNCIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. SÚMULA 636 DO STF. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AFRONTA MERAMENTE REFLEXA À CONSTITUIÇÃO. REAPRECIAÇÃO DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 279 DO STF. 1. Os Recursos Extraordinários somente serão conhecidos e julgados, quando essenciais e relevantes as questões constitucionais a serem analisadas, sendo imprescindível ao recorrente, em sua petição de interposição de recurso, a apresentação formal e motivada da repercussão geral, que demonstre, perante o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a existência de acentuado interesse geral na solução das questões constitucionais discutidas no processo, que transcenda a defesa puramente de interesses subjetivos e particulares. 2. A obrigação do recorrente em apresentar formal e motivadamente a preliminar de repercussão geral, que demonstre sob o ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, a relevância da questão constitucional debatida que ultrapasse os interesses subjetivos da causa, conforme exigência constitucional, legal e regimental (art. 102, § 3º, da CF/88, c/c art. 1.035, § 2º, do CPC/2015), não se confunde com meras invocações desacompanhadas de sólidos fundamentos no sentido de que o tema controvertido é portador de ampla repercussão e de suma importância para o cenário econômico, político, social ou jurídico, ou que não interessa única e simplesmente às partes envolvidas na lide, muito menos ainda divagações de que a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é incontroversa no tocante à causa debatida, entre outras de igual patamar argumentativo. 3. O STF, no julgamento do ARE 748.371-RG/MT (Rel. Min. GILMAR MENDES, Tema 660), rejeitou a repercussão geral da violação ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada ou aos princípios da legalidade, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, quando se mostrar imprescindível o exame de normas de natureza infraconstitucional. 4. "Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida" (Súmula 636/STF). 5. Tendo o acórdão recorrido solucionado as questões a si postas com base em preceitos de ordem infraconstitucional, não há espaço para a admissão de Recurso Extraordinário, que supõe matéria constitucional prequestionada explicitamente. 6. A reversão do aresto passa necessariamente pela revisão das provas. Incide, portanto, o óbice da Súmula 279 (Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário) desta CORTE. 7. Agravo Interno a que se nega provimento. (ARE 1.144.981 AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 23.11.2018, Publicação 04.12.2018) Especificamente quanto à alegação de violação ao direito adquirido, são inúmeros os precedentes, dos quais menciono, a título exemplificativo: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VENCIMENTOS. COMPOSIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS ASSEGURADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A DIREITO ADQUIRIDO. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA REFLEXA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (RE 458492 AgR, Segunda Turma. Rel. Min. Teori Zavascki, j. 06.08.2013, DJe-165 DIVULG 22.8.2013 PUBLIC 23.8.2013) TRABALHISTA E PROCESSO CIVIL. DIREITO ADQUIRIDO. OFENSA REFLEXA. 1. Alegação de ofensa ao princípio do direito adquirido configura, quando muito, ofensa meramente reflexa às normas constitucionais. 2. Agravo regimental improvido. (AI 746.067 AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 28.9.2010, DJe-204 DIVULG 22.10.2010 PUBLIC 25.10.2010) CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. OFENSA REFLEXA. 1. Alegação de ofensa aos princípios do ato jurídico perfeito e do direito adquirido configura, quando muito, ofensa meramente reflexa às normas constitucionais. 2. Agravo regimental improvido. (AI 732.374 AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 08.6.2010, DJe-116 DIVULG 24.6.2010 PUBLIC 25.6.2010) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 5º, INCISO XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIREITO ADQUIRIDO. OFENSA REFLEXA. PRECEDENTES. 1. Inadmissível em recurso extraordinário o exame de ofensa reflexa à Constituição Federal e a análise de legislação infraconstitucional. Incidência da Súmula nº 636/STF. 2. Agravo regimental não provido. (RE 400.679 AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 10.5.2011, DJe-157 DIVULG 16.8.2011 PUBLIC 17.8.2011). Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Direito Previdenciário. 3. Conversão do tempo de serviço comum em especial. Cômputo para fins de aposentadoria. Violação ao direito adquirido. Não ocorrência. Não preenchimento dos requisitos necessários à aposentadoria na época. 4. Matéria infraconstitucional. Ofensa reflexa à Constituição Federal. Precedentes. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 917012 ED-ED-AgR-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 09.12.2016, DJe-021 DIVULG 03.02.2017 PUBLIC 06.02.2017) De modo ainda mais específico, há decisão monocrática em caso idêntico a este, que havia sido julgado pela Décima Turma deste Tribunal (AC nº 0002562-66.2010.4.03.6125), tratando da alegação de inconstitucionalidade da Lei nº 12.865/2013, que, nos seus artigos 38 e 42, revogou o art. 36 da nº Lei 4.870/65: DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PROCESSUAL CIVIL. USINAS DE AÇÚCAR E ÁLCOOL. PLANO DE ASSISTENCIAL SOCIAL – PAS. EXTINÇÃO DE OBRIGAÇÕES PREVISTAS EM LEI. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Agravo nos autos principais contra inadmissão de recurso extraordinário interposto com base na al. a do inc. III do art. 102 da Constituição da República. 2. A Décima Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região decidiu: “PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE ASSISTENCIAL SOCIAL. OBRIGAÇÃO DA INDÚSTRIA CANAVIEIRA INSTITUÍDA PELA LEI N. 4.870/65. EXTINÇÃO DETERMINADA PELA LEI N. 12.865/2013. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO SUPERVENIENTE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO ADQUIRIDO. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 12.865/2013 NÃO CONFIGURADA. I - Foi publicada no DOU, em 10.10.2013, a Lei n. 12.865, de 09.10.2013, que nos artigos 38 e 42 revoga o artigo 36 da Lei n. 4.870/65, pelo qual se atribuía às usinas, destilarias e fornecedores de cana a obrigação de fazer, consistente na elaboração e execução do PAS, e à União, a sua fiscalização, de modo a configurar, em tese, a superveniente impossibilidade jurídica do pedido, com a consequente extinção do feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC. II - As providências pleiteadas pela parte autora, mesmo em uma análise abstrata, sem se ater aos fatos narrados na inicial, não encontrariam mais previsão em nosso ordenamento jurídico nacional, na medida em que o art. 38 da Lei n. 12.865/2013 proclamou a extinção de todas as obrigações, inclusive as anteriores à sua edição, que seriam derivadas do artigo 36, a e c, da Lei n. 4.870/65, preceito legal este em que se fundou a presente ação civil pública. III - Cabe destacar que a Turma Julgadora, na apreciação de causa similar (AC. n. 0005477-82.2009.4.03.6106), em sessão de 18.02.2014, extinguiu o feito, sem resolução do mérito, por reconhecer o autor carecedor da ação, dada a impossibilidade jurídica do pedido. IV - A pretensão deduzida na inicial encontrou vedação explícita estabelecida no direito positivo, daí, então, ser possível reconhecer a superveniente impossibilidade jurídica do pedido. V - Não há falar-se, igualmente, em ofensa a direito adquirido por parte dos trabalhadores do setor sucroalcooleiro, que pudesse implicar a inconstitucionalidade da Lei n. 12.865/2013, uma vez que as usinas de açúcar e álcool foram desobrigadas de implementar o indigitado Plano de Assistencial Social-PAS, conforme acima explanado, de modo que eventuais ações sociais já implantadas passam a ter caráter de liberalidade, não mais se sujeitando à fiscalização do Poder Público. VI - Agravo do Ministério Público Federal desprovido (art. 557, §1º, do CPC)” (fl. 287). 3. Na decisão agravada, adotou-se como fundamento para a inadmissibilidade do recurso extraordinário a ausência de ofensa Constitucional direta. 4. O Agravante argumenta que “propôs ação civil pública com o objetivo de obter a condenação da União Federal a promover a efetiva fiscalização da aplicação dos recursos do PAS (Plano de Assistência Social) por todas as empresas que implementam o plano e por todas as outras que venham a explorar o mesmo ramo de atividade na região de abrangência da 25ª subseção judiciária de Ourinhos/SP. O direito fundamental dos trabalhadores ao implemento do plano de assistência social foi suprimido pela Lei n. 12.865/2013. Assim é que, consoante se apontou no recurso extraordinário, a Lei 12.865/2013 padece de flagrante inconstitucionalidade, à medida que desconstitui o direito fundamental dos trabalhadores do setor sucroalcooleiro à vida, à saúde e à assistência social, em flagrante ofensa a sua dignidade e em desrespeito ao direito adquirido e a proibição de retrocesso. Nesse contexto, é fácil perceber que o acórdão atacado pelo recurso extraordinário, ao reconhecer a superveniente impossibilidade jurídica do pedido em decorrência da extinção das obrigações referentes ao PAS, perpetrada pela Lei 12.865/2013, privou os trabalhadores do setor sucroalcooleiro dos direitos fundamentais à vida (art. 5º), à saúde (art. 196 a 200) e à assistência social (art. 203 e 204), bem como feriu o direito adquirido (art. 5º, XXXVI da CR)” (fls. 312-313). No recurso extraordinário, alega-se ter o Tribunal de origem contrariado os arts. 1º, incs. II e III, 3º, incs. I e IV, 5º, caput, incs. XXXVI, 196, 200, 203 e 204 da Constituição da República. Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 5. No art. 544 do Código de Processo Civil, com as alterações da Lei n. 12.322/2010, estabeleceu-se que o agravo contra inadmissão de recurso extraordinário processa-se nos autos do recurso, ou seja, sem a necessidade da formação de instrumento. Sendo este o caso, analisam-se os argumentos expostos no agravo, de cuja decisão se terá, então, se for o caso, exame do recurso extraordinário. 6. Razão jurídica não assiste ao Agravante. Na espécie, a apreciação do pleito recursal exigiria a análise prévia da legislação infraconstitucional aplicada à espécie (Código de Processo Civil e Leis ns. 4.870/1965 e 12.865/2013). A alegada contrariedade à Constituição da República, se tivesse ocorrido, seria indireta, a inviabilizar o processamento do recurso extraordinário: “ACÓRDÃO QUE DECIDIU A CONTROVÉRSIA COM BASE NA PROVA DOS AUTOS E NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PERTINENTE. Caso em que ofensa à Carta da República, se existente, dar-se-ia de forma reflexa ou indireta, não ensejando a abertura da via extraordinária. Incidência, ainda, no caso, da Súmula n. 279 desta colenda Corte. Agravo desprovido” (AI 457.368-AgR, Relator o Ministro Ayres Britto, Primeira Turma, DJe 21.10.2005). “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. TÍTULO DE CRÉDITO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA SEGURANÇA JURÍDICA, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA NÃO ENSEJA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 20.3.2012. (...). O exame da alegada ofensa ao art. 5º , II, XXXV, XXXVI, LIV e LV, da Constituição Federal, dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, o que refoge à competência jurisdicional extraordinária, prevista no art. 102 da Constituição Federal. Agravo regimental conhecido e não provido” (ARE 733.781-AgR, Relatora a Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 15.8.2013). “Este Supremo Tribunal Federal assentou que a alegação de contrariedade e a verificação, no caso concreto, da ocorrência, ou não, de ofensa ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada ou, ainda, aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da prestação jurisdicional, se dependentes de análise prévia da legislação infraconstitucional, configurariam apenas ofensa constitucional indireta” (AI 573.345-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 12.5.2011). A decisão agravada, embasada nos dados constantes no acórdão recorrido, harmoniza-se com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, nada havendo a prover quanto às alegações do Agravante. 7. Pelo exposto, nego seguimento a este agravo (art. 544, § 4º, inc. II, al. a, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 5 de junho de 2015. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora (ARE 889.623, Decisão 05.06.2015, Publicação 19.06.2015) Assim, conclui-se do quanto até aqui exposto que a arguição de inconstitucionalidade de que ora se trata envolve a alegação de violação indireta ou reflexa ao texto constitucional, pois, para determinar se os artigos 38 e 42 da Lei nº 12.865/2013 violaram ou não os princípios da segurança jurídica (direito adquirido), da vedação ao retrocesso social e da igualdade, é preciso, antes de mais nada, examinar, no caso concreto, a incidência dos citados artigos à luz da Lei nº 4.870/65, que se caracteriza, assim, como legislação interposta. Em outras palavras, a Lei nº 12.865/2013 não ofende, imediata e diretamente, os dispositivos constitucionais que consagram as garantias do direito adquirido, da vedação ao retrocesso social e da igualdade. Eventual violação a esses dispositivos passa, antes, pelo exame da repercussão da Lei nº 12.865/2013 sobre a Lei interposta (Lei nº 4.870/65), o que configuraria ofensa reflexa ou indireta. Com efeito, se em determinado processo ficar evidenciado que o Plano de Assistência Social foi adequadamente implementado pela empresa produtora de cana, açúcar e álcool, observadas as determinações da Lei nº 4.870/65, não se poderá falar que a Lei nº 12.865/2013 violou as garantias constitucionais do direito adquirido, da vedação ao retrocesso social e da igualdade. Dessa forma, o exame sobre se a Lei nº 12.865/2013 violou a Constituição Federal passa, obrigatoriamente, pela análise das disposições da Lei nº 4.870/65, verdadeira norma legal interposta, acarretando eventual ofensa meramente reflexa ou indireta ao texto constitucional. Portanto, na linha da reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inclusive em feito idêntico a este, o caso é de não conhecimento do incidente de arguição de inconstitucionalidade, devendo a questão ser solucionada, no âmbito da Oitava Turma desta Corte, com base na legislação infraconstitucional pertinente. Posto isso, NÃO CONHEÇO da presente arguição de inconstitucionalidade. É o voto.
INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL (216) Nº 0000663-18.2005.4.03.6122
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
ARGUINTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
ARGUIDO: UNIÃO FEDERAL, FLORALCO ACUCAR E ALCOOL LTDA EM RECUPERACAO JUDICIAL
Advogado do(a) ARGUIDO: JORGE HENRIQUE MATTAR - SP184114-A
OUTROS PARTICIPANTES:
VOTO VISTA
O DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:
Pedi vista dos autos para melhor me apropriar sobre a matéria debatida e, após detida análise, peço vênia para divergir do e. Relator para o efeito de conhecer da arguição de inconstitucionalidade.
Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal objetivando condenar a União Federal e a Destilaria Flórida Paulista - FLORALCO Ltda a promoverem, respectivamente, a) a efetiva fiscalização da aplicação dos recursos do PAS pela empresa e b) “a elaboração de Plano de Assistência Social (PAS) relativo à presente e futuras safras no setor sucroalcooleiro, apresentando-o ao Ministério da Agricultura, bem como à Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT, do Ministério do Trabalho e Emprego. Deve, ainda, ser compelida a efetivar e a aplicar as quantias devidas a título do PAS, na forma prevista na legislação, observando que as aplicações deverão recair em Assistência Médica e Hospitalar (preventiva, curativa e reabilitacional), Assistência Farmacêutica, Assistência Odontológica (preventiva, curativa e reabilitacional), Assistência Social, visando à erradicação do trabalho infantil na lavoura canavieira, Assistência Educativa, Assistência Educacional, Assistência Recreativa e Auxílios Complementares, mantendo contabilidade específica para os recursos do PAS, bem como contas bancárias exclusivas para este fim”.
Proferida sentença de improcedência, os autos aportaram neste tribunal por força da apelação atravessada pelo Parquet Federal.
Com a edição da Lei nº 12.865/2013, o Ministério Público arguiu a inconstitucionalidade do referido diploma, “que, em seu art. 38, extinguiu as obrigações fundadas no art. 36, "a" e "c", da Lei 4.870/1965, e, em seu art. 40 [leia-se art. 42], revogou expressamente o referido art. 36”.
Já a União Federal, com base nessa mesma legislação, postulou a extinção do feito sem resolução do mérito em razão da perda superveniente do objeto da demanda.
A Oitava Turma deste tribunal acolheu a arguição de inconstitucionalidade dos arts. 38 e 42, ambos da Lei nº 12.865/2013, proposta pelo Relator Desembargador Federal David Dantas, submetendo a questão a este c. Órgão Especial.
O Ministério Público Federal opinou pelo “pelo provimento da arguição, para se declarar a inconstitucionalidade. dos artigos 38 e 42, da Lei n° 12.865/2013, ao menos quanto às obrigações pretéritas”.
Este Órgão Especial não conheceu da arguição, acolhendo questão preliminar quanto à necessidade de a Turma “examinar, previamente, a questão da recepção ou não da lei revogada [Lei 4.870/65]”.
Retornando os autos à Oitava Turma, esta concluiu pela recepção da Lei nº 4.870/65 pela Constituição de 1988 e acolheu novamente a arguição de inconstitucionalidade dos arts. 38 e 42 da Lei nº 12.865/2013, nos termos do voto do Relator, submetendo a questão mais uma vez a este c. Órgão Especial.
Sobreveio notícia de falência da empresa demandada.
Em sessão de 26 de maio de 2021, o e. Relator Desembargador Federal Nino Toldo apresentou o seu voto no sentido de não conhecer da presente arguição de inconstitucionalidade, entendendo que “a inconstitucionalidade vislumbrada não é direta, mas reflexa, o que inviabiliza o seu exame por este Órgão Especial”.
Colhem-se os seguintes fundamentos do voto do ilustre Relator:
“Com efeito, são reconhecidas na doutrina e na jurisprudência duas espécies de ofensa ao texto constitucional: a direta (ou frontal) e a indireta (ou reflexa), sendo que apenas a primeira pode levar à admissibilidade de recurso extraordinário, na via do controle difuso de constitucionalidade.
A ofensa direta ou frontal à Constituição Federal é aquela em que a lei ou ato normativo impugnado viola de forma imediata o texto constitucional, sem que, para a sua verificação, se faça necessário proceder à análise de qualquer legislação infraconstitucional. De outro lado, a ofensa indireta ou reflexa necessita dessa análise e, por isso, não enseja o próprio controle difuso, dependendo do exame, em cada caso concreto, de normas infraconstitucionais interpostas.
O Supremo Tribunal Federal não admite recursos extraordinários nos quais se pretenda discutir a denominada ofensa reflexa ou indireta. Esse entendimento está consubstanciado na Súmula nº 636 da sua jurisprudência:
Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida.
Além disso, ao examinar o Tema nº 660, que tinha por objeto a violação dos princípios do contraditório, da ampla defesa e dos limites da coisa julgada e do devido processo legal, nos autos do ARE nº 748.371/MT, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a repercussão geral do tema quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais (Plenário virtual, 17.5 a 06.6.2013, Publicação 01.08.2013).
Seguindo esse entendimento:
...
Especificamente quanto à alegação de violação ao direito adquirido, são inúmeros os precedentes, dos quais menciono, a título exemplificativo:
...
De modo ainda mais específico, há decisão monocrática em caso idêntico a este, que havia sido julgado pela Décima Turma deste Tribunal (AC nº 0002562-66.2010.4.03.6125), tratando da alegação de inconstitucionalidade da Lei nº 12.865/2013, que, nos seus artigos 38 e 42, revogou o art. 36 da nº Lei 4.870/65:
...
Assim, conclui-se do quanto até aqui exposto que a arguição de inconstitucionalidade de que ora se trata envolve a alegação de violação indireta ou reflexa ao texto constitucional, pois, para determinar se os artigos 38 e 42 da Lei nº 12.865/2013 violaram ou não os princípios da segurança jurídica (direito adquirido), da vedação ao retrocesso social e da igualdade, é preciso, antes de mais nada, examinar, no caso concreto, a incidência dos citados artigos à luz da Lei nº 4.870/65, que se caracteriza, assim, como legislação interposta.
Em outras palavras, a Lei nº 12.865/2013 não ofende, imediata e diretamente, os dispositivos constitucionais que consagram as garantias do direito adquirido, da vedação ao retrocesso social e da igualdade.
Eventual violação a esses dispositivos passa, antes, pelo exame da repercussão da Lei nº 12.865/2013 sobre a Lei interposta (Lei nº 4.870/65), o que configuraria ofensa reflexa ou indireta.
Com efeito, se em determinado processo ficar evidenciado que o Plano de Assistência Social foi adequadamente implementado pela empresa produtora de cana, açúcar e álcool, observadas as determinações da Lei nº 4.870/65, não se poderá falar que a Lei nº 12.865/2013 violou as garantias constitucionais do direito adquirido, da vedação ao retrocesso social e da igualdade.
Dessa forma, o exame sobre se a Lei nº 12.865/2013 violou a Constituição Federal passa, obrigatoriamente, pela análise das disposições da Lei nº 4.870/65, verdadeira norma legal interposta, acarretando eventual ofensa meramente reflexa ou indireta ao texto constitucional.
Portanto, na linha da reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inclusive em feito idêntico a este, o caso é de não conhecimento do incidente de arguição de inconstitucionalidade, devendo a questão ser solucionada, no âmbito da Oitava Turma desta Corte, com base na legislação infraconstitucional pertinente.
Posto isso, NÃO CONHEÇO da presente arguição de inconstitucionalidade.
É o voto.” (grifei)
Com todas as vênias ao e. Relator, entendo que a presente arguição de inconstitucionalidade merece ser conhecida por este c. Órgão Especial.
Inicialmente, mister atentar para que o objeto de julgamento perante este c. Órgão não diz com a discussão sobre a recepção da Lei nº 4.870/65 pela Constituição Federal. Esse ponto foi enfrentado pela Turma, que entendeu ter o referido diploma sido recepcionado pela ordem constitucional de 1988. Portanto, superado o tema.
O que se coloca aqui é saber se a Lei nº 12.865/2013, ao revogar o sistema de obrigações tendentes à prestação de proteção social aos trabalhadores do setor sucroalcooleiro, afrontou a Constituição Federal.
Lanço divergência de entendimento em relação à posição adotada pelo e. Relator.
Uma primeira observação que faço, com a devida vênia, é que o e. Relator não abordou em nenhum momento de seu voto o tema da (ir)retroatividade da lei nova. Vale dizer: não foi resvalada a celeuma sobre se a Lei nº 12.865/2013, ao revogar de forma retroativa um sistema de benefícios criado anteriormente à Constituição Federal de 1988 – mas por ela recepcionado -, feriu a nova Carta de Direitos.
Esse é o ponto fulcral da defesa que o Ministério Público empreende sobre a inconstitucionalidade da Lei nº 12.865/2013. No entanto, os precedentes trazidos pelo nobre Relator para embasar o seu decreto de não conhecimento desta arguição não tocam com o tema da violação ao princípio da irretroatividade, não se prestando, a meu ver, com todas as vênias, para justificar o não enfrentamento do mérito deste incidente.
Essa é uma primeira colocação que lanço no sentido da existência de um tema de fundo incipiente que reclama apreciação e que não me parece afastado pela jurisprudência trazida pelo e. Relator para justificar o não conhecimento desta arguição.
Feita tal ressalva, tenho que a análise da presente arguição não passa “pelo exame da repercussão da Lei nº 12.865/2013 sobre a Lei interposta (Lei nº 4.870/65), o que configuraria ofensa reflexa ou indireta”.
Explico-me: é claro que não é possível analisar a (in)constitucionalidade da Lei nº 12.865/2013 (arts. 38 e 42) sem sequer mencionar a Lei nº 4.870/65, uma vez que se discute exatamente a revogação, pela legislação superveniente, das obrigações impostas, pelo diploma anterior à CF/88, às empresas produtoras de cana, açúcar e álcool quanto à manutenção de um sistema de apoio e assistência social aos trabalhadores daquele setor econômico.
Contudo, o que aqui se debate é se a própria lei superveniente, vale dizer, a Lei nº 12.865/2013, ao empreender tal revogação, ofendeu a Carta Magna de 88. Não por outra razão é que o Parquet Federal, ao suscitar a inconstitucionalidade da norma superveniente, defende, verbis:
“Embora a Lei 12.865/2013 seja de aplicação imediata e seu art. 38 contenha cláusula expressa de retroatividade, não pode ser admitida a desconstituição retroativa do PAS. Este plano manifesta a incidência dos direitos fundamentais concernentes (especialmente os "direitos sociais" à saúde e à assistência social) às relações entre os particulares (no caso, os empreendedores e os trabalhadores do setor sucro-alcooleiro).
Com efeito, o PAS diz respeito à assistência médica e hospitalar, à assistência social (com vistas à erradicação do trabalho infantil na lavoura canavieira), à assistência educacional, à assistência recreativa e à percepção de auxílios complementares. Está, pois, em consonância com a concepção constitucional de seguridade social (que compreende "um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade", nos termos do art. 194 da Lei Maior) e apresenta-se como corolário da dignidade da pessoa humana, existindo para que os beneficiários possam garantir minimamente o livre desenvolvimento de sua personalidade, no contexto de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 1, II e III, e art. 3°, I e IV, da Constituição da República).
Consolidou-se, no patrimônio jurídico dos beneficiários - os trabalhadores na cultura e no processamento da cana-de-açúcar, notoriamente expostos a condições precárias e insalubres - o direito às respectivas prestações sociais. Sendo assim, a revogação retroativa do PAS desconsidera o direito adquirido dos trabalhadores a tais prestações, em afronta ao art. 5º, XXXVI, da Constituição da República.
Ainda no campo do perfil jurídico dos direitos fundamentais, precisa ser lembrada a característica da proibição de retrocesso, segundo a qual estes, a partir do momento em que são minimamente implantados e no grau em que o forem, não podem sofrer eliminação nem amesquinhamento. Uma vez reconhecidos, os direitos fundamentais incorporam-se ao patrimônio jurídico de seus titulares de maneira perene e insuscetível de amesquinhamento. Essa característica deve ser observada por todos, principalmente pelos legisladores ordinários, que se veem, em virtude dela, impedidos de simplesmente revogar normas nas quais estejam previstos direitos fundamentais. Eis o ensinamento de CANOTILHO:
...
Conquanto não haja garantia de imutabilidade em relação aos regimes jurídicos legalmente instituídos e seja possível a alteração do PAS, o que quer que se ponha no lugar dele haverá de oferecer aos trabalhadores do setor sucro-alcooleiro prestações sociais ao menos equivalentes.
O desmonte dos mínimos sociais sem compensação fere portanto o princípio da segurança jurídica, fundamental no Estado democrático de direito. É fato notório que a exigência do PAS, a despeito de existir juridicamente desde a edição da Lei 4.870/1 965, não é cumprida pelas Usinas e pela União Federal, de modo que os direitos sociais dos trabalhadores ficam à mercê das reiteradas decisões judiciais que têm, valorosamente, reconhecido a recepção da lei pela Constituição de 1988 e determinado sua aplicação.” (ID 113745735, p. 129/130) (grifei)
Como se vê, o que se discute é se a Lei nº 12.865/2013 poderia ter revogado o denominado PAS sem que com isso restasse ferida a Constituição de 88. Em palavra última: o que se debate é a própria compatibilidade do novo diploma normativo à luz da ordem constitucional inaugurada em 1988, em especial a conformidade com os primados e direitos fundamentais nela insculpidos.
Portanto, tenho que de ofensa indireta não se trata. Pelo contrário, a eventual violação – se declarada por este c. Órgão Especial – seria direta e não reflexa.
Outro argumento que tenho a destacar em favor do conhecimento desta arguição pelo c. Órgão Especial é o de que a tese de ofensa reflexa à Constituição, ainda que admitida, é óbice posto somente ao exame de recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, aquele Sodalício entende que, quando o reconhecimento da inconstitucionalidade alegada depender da análise de normas infraconstitucionais, tem-se apenas a ofensa indireta ou reflexa à Constituição, o que não autoriza o manejo, e portanto o provimento, do recurso extraordinário.
Exemplo disso é o enunciado 636 daquela e. Corte, no sentido de que “Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”.
Também na mesma direção o quanto sedimentado no Tema nº 660 de Repercussão Geral, em que a Corte Suprema assentou: “A questão da ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e dos limites à coisa julgada, tem natureza infraconstitucional, e a ela se atribuem os efeitos da ausência de repercussão geral, nos termos do precedente fixado no RE n. 584.608, rel. a Ministra Ellen Gracie, DJe 13/03/2009”.
É bem verdade que se colhem críticas doutrinárias a respeito da exatidão técnica da expressão “ofensa reflexa ou indireta à Constituição” e sua aplicação no julgamento dos recursos extraordinários dirigidos ao Supremo Tribunal, tida muitas vezes como construída no bojo do que se denominou cunhar como “jurisprudência defensiva”.
No entanto, tal discussão escapa aos limites da presente arguição e, ainda mais, à própria alçada deste tribunal.
Mas o que é inegável e que aproveita à solução aqui proposta é que a cognição empreendida pela Corte Suprema é de viés vincado, estritamente voltado à verificação da existência de uma questão constitucional a ser solvida. Assim, eventual tangenciamento oblíquo, por meio de discussão sobre a interpretação dada à legislação infraconstitucional, é vetada pelo Supremo Tribunal Federal, por escapar à competência constitucional que lhe foi atribuída (art. 102, CF).
Diferente é a jurisdição dos tribunais, que têm ampla competência para (re)examinar toda a matéria fática e jurídica, podendo, a depender dos limites recursais, rever provas e o próprio Direito aplicado pelo magistrado de primeira instância, bem como declarar de ofício, quanto à matéria de ordem pública, nulidades antes não alegadas.
Diverso, também, é o múnus constitucional atribuído a tribunais estaduais e federais, aos quais compete, quando provocados a tanto e se entenderem cabível, a “declaração, pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial, da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público” (art. 97, CF).
Os tribunais podem declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no âmbito do controle difuso, sempre que a solução do conflito trazido ao Judiciário reclame, como premissa lógica, o exame da questão constitucional, tida como prejudicial na espécie, o que entendo corresponder ao contexto que se apresenta nestes autos. Nessa hipótese, a cognição se faz de modo abrangente e verticalizado, sem que se possa cogitar de ofensa indireta ou reflexa à Constituição como óbice à prolação de juízo de valor pelo tribunal. Vale dizer: a Corte regional/estadual, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, analisa amplamente a legislação suscitada e a confronta com a Constituição para a partir daí concluir pela compatibilidade ou não da norma com a Carta Magna.
Aliás, esse é ponto fulcral que se coloca no presente momento: uma vez suscitada a inconstitucionalidade da Lei nº 12.865/2013, a Turma se viu premida por mandamento constitucional e regimental a encaminhar a este Órgão Especial a análise da respectiva arguição.
Por expressa vedação, não poderia a Turma, ainda que empreendesse um juízo de valor sobre a matéria, declarar a inconstitucionalidade da legislação. Esse, aliás, o entendimento sumulado pelo e. Supremo Tribunal Federal no verbete vinculante nº 10, verbis:
“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
Evidente o entroncamento diante do qual se encontra a Oitava Turma deste Tribunal. A presente ação civil pública discute o dever de fiscalização, pela União, e a obrigação de implementação, pela empresa demandada, do denominado PAS – Plano de Assistência Social, previsto na Lei nº 4.870/65. Legislação superveniente (Lei nº 12.865/2013) revogou a referida obrigação de prestação de assistência social, inclusive com efeitos retroativos, sem prejuízo da preservação das parcelas já adimplidas. O Ministério Público Federal arguiu a inconstitucionalidade da nova norma, entendendo que ela colide com direitos e princípios postos pela Carta de 88.
Ora, se este c. Órgão Especial, a quem compete dizer da (in)constitucionalidade da norma cogitada, simplesmente “não conhecer” da arguição, que solução deverá a Turma adotar? Porque, sim, inegável que ficará o órgão fracionário diante de uma encruzilhada técnica: se não pode se debruçar sobre a constitucionalidade da norma, como solucionará o conflito de interesses trazido a seu julgamento? Porque, ou a Lei nº 12.865/2013 é inconstitucional e aí se prosseguirá no julgamento da matéria de fundo (que são as obrigações impostas pela Lei nº 4.870/65 quanto ao PAS) ou a Lei nº 12.865/2013 é constitucional e então o objeto da demanda se esvazia completamente, porque aí já não mais se pode perseguir a condenação pleiteada pelo Parquet nestes autos.
Contudo, o juízo de valor sobre a (in)constitucionalidade da norma superveniente (Lei nº 12.865/2013) não pode ser ultimado pelo órgão fracionário. Como a Turma resolverá então o impasse? Terá de solucioná-lo, com certeza, sob pena de violação ao princípio que assegura a inafastabilidade do Poder Judiciário. No entanto, ao assim proceder com o fito de entregar a prestação jurisdicional postulada, ferirá o princípio de reserva de plenário (art. 97, CF e Súmula Vinculante STF nº 10), já que para tanto terá obrigatoriamente que enfrentar o tema da (in)constitucionalidade da Lei nº 12.865/2013.
Por todas as razões aqui lançadas, entendo que deve o Órgão Especial incursionar sobre o mérito da presente arguição de inconstitucionalidade, nenhum óbice se colhendo para tanto, antes consistindo em dever constitucional a apreciação desta arguição.
Face ao exposto, voto por conhecer da arguição de inconstitucionalidade, que deve ser enfrentada em seu mérito.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (LEI Nº 4.870/65). LEI Nº 12.865/2013. DIREITO ADQUIRIDO. VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL. IGUALDADE. OFENSA REFLEXA. NÃO CONHECIMENTO.
1. Ação civil pública tendo como objeto a condenação da União a promover a efetiva fiscalização da aplicação dos recursos do Plano de Assistência Social (PAS) e o reconhecimento da obrigação de fazer no sentido de elaborar e executar o PAS em benefício dos trabalhadores rurais e urbanos da agroindústria canavieira, na forma estabelecida pela Lei nº 4.870/65.
2. Arguição de inconstitucionalidade quanto à incidência dos arts. 38 e 42 da Lei 12.865/2013, que teriam violado os princípios constitucionais da segurança jurídica (direito adquirido), da vedação ao retrocesso em matéria de direitos sociais e da igualdade.
3. O exame se a Lei nº 12.865/2013 violou a Constituição Federal passa, obrigatoriamente, pela análise das disposições da Lei nº 4.870/65, que se caracteriza como norma legal interposta. Eventual ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional.
4. Arguição de inconstitucionalidade não conhecida.