APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001239-36.2018.4.03.6132
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: BANCO DO BRASIL SA
Advogado do(a) APELANTE: JORGE LUIZ REIS FERNANDES - SP220917-A
APELADO: LUCIA HELENA LINHARES DA COSTA
Advogados do(a) APELADO: RODRIGO CESAR ENGEL - SP271842-A, ROSEMEIRE GUIDO ROCHA - SP293890-A
OUTROS PARTICIPANTES:
INTERESSADO: SOCIEDADE ADMINISTRADORA E GESTAO PATRIMONIAL LTDA., INSTITUICAO DE ENSINO SUPERIOR DE AVARE LTDA - EPP, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: FLAVIO FERNANDO FIGUEIREDO - SP235546-A
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: FLAVIO FERNANDO FIGUEIREDO - SP235546-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001239-36.2018.4.03.6132 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) APELANTE: JORGE LUIZ REIS FERNANDES - SP220917-A APELADO: LUCIA HELENA LINHARES DA COSTA Advogados do(a) APELADO: RODRIGO CESAR ENGEL - SP271842-A, ROSEMEIRE GUIDO ROCHA - SP293890-A R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de procedimento comum movida por LUCIA HELENA LINHARES DA COSTA em face de UNIÃO DAS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO (UNIESP), FACULDADE DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS E ADMINISTRATIVAS DE AVARÉ (FACCA), FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE) e BANCO DO BRASIL S.A., arguindo que, em 2012, ingressou no curso de administração fornecido pelas rés no âmbito do Programa “A UNIESP Paga”, pelo qual ela se comprometeu ao pagamento do financiamento estudantil (FIES) dos alunos nele inscritos. Afirmou que contratou o FIES com a promessa de que o curso seria gratuito, tendo assinado o contrato de garantia com a UNIESP apenas quando já estava cursando. Alegou que foi induzida a erro para contratar o FIES como devedora principal, sendo que, agora, a UNIESP se nega ao pagamento da garantia sob alegação de descumprimento do requisito de nota mínima no ENADE, o qual não lhe pode ser exigido, pois a média geral dos estudantes das rés foi baixa. Arguiu que foi vítima de propaganda enganosa e está pagando as parcelas do FIES, bem como que foi cobrada indevidamente pelos juros trimestrais de R$ 50,00 ao longo do curso. Portanto, requereu a tutela antecipada para determinar ao BB a abstenção das cobranças e da negativação de seu nome. No mérito, postulou: a) a declaração da nulidade do contrato e da inexigibilidade do débito do FIES; b) a repetição em dobro dos valores já pagos; e c) a condenação dos réus em indenização por danos morais (ID 145428490 – f. 1-39). Foi indeferida a tutela antecipada (ID 145428492 – f. 21-22). Após as contestações dos réus (f. 47-95 e IDs 145428500 e 145428516) e réplicas da autora (IDs 145428496 – f. 3-15, 145428514 e 145428522), foi proferida sentença nos seguintes termos: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES EM PARTE os pedidos da autora, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: a) Declarar a nulidade integral do contrato de financiamento estudantil (contrato n. 020.306.778), com a inexigibilidade de todas as obrigações firmadas pelas partes, cabendo às instituições de ensino superior corrés a devolução integral ao FNDE dos valores recebidos a título de financiamento estudantil, modalidade FIES, vinculados ao nome da autora, a serem apurados e liquidados em sede administrativa; b) Condenar o FNDE e o BANCO DO BRASIL S/A a formalizar o cancelamento contratual e o FNDE a restituir integralmente à autora, com correção monetária e juros de mora, estes a contar da citação, na razão de 1% (um por cento) ao mês, as parcelas eventualmente pagas por ela durante a execução do referido contrato, a serem apuradas em liquidação de sentença; c) Condenar as corrés INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DE AVARÉ e SOCIEDADE ADMINISTRADORA E GESTÃO PATRIMONIAL LTDA. (UNIESP) a, solidariamente, pagar a autora, a título de reparação por danos morais, o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigido a partir da presente sentença (Súmula 362 do STJ) e com juros de mora contados a partir da citação, na razão de 1% (um por cento) ao mês. A correção monetária dos apontados valores deverá se dar na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal (ações condenatórias em geral), devidamente aprovado pelo Conselho da Justiça Federal. Sucumbindo a demandante em parte mínima do pedido e levando em conta o princípio da causalidade, condeno as corrés INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR DE AVARÉ e UNIESP ao pagamento solidário das despesas processuais havidas e de honorários advocatícios, estes na razão de 15% (quinze por cento) do montante da condenação, em atenção ao art. 85, § 2º, c.c. art. 86, parágrafo único, ambos do CPC. Nos termos da fundamentação, DEFIRO O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, com o fim de suspender, de imediato, a execução do aludido contrato de financiamento estudantil em nome da autora (contrato n. 020.306.778), abstendo-se os corréus de lançar o nome da autora em quaisquer cadastros restritivos de crédito, no que respeita ao referido contrato.” (ID 145428534). O Banco do Brasil apelou da sentença (ID 145428543), reiterando a alegação de ilegitimidade passiva. No mérito, arguiu que a autora aderiu ao FIES por sua exclusiva vontade, sem influência da instituição financeira, o qual vincula obrigatoriamente as partes que o compõem e deve ser cumprido. Aduziu que não pode ser responsabilizado pela conduta da UNIESP e que as cobranças realizadas são mero exercício de seu direito como credor, inexistindo valores a ressarcir. Ao final, postulou a reforma da sentença para acolher as preliminares e, no mérito, rejeitar a pretensão inicial. Contrarrazões da autora (ID 145428565). A autora interpôs recurso adesivo (ID 145428567), arguindo, em suma, que faz jus ao benefício da justiça gratuita, uma vez que comprovou sua incapacidade financeira para arcar com as custas processuais e honorários advocatícios. Portanto, postulou a reforma da sentença para afastar a revogação do benefício. Contrarrazões dos réus BB e FNDE (IDs 145428572 e 145428575). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001239-36.2018.4.03.6132 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) APELANTE: JORGE LUIZ REIS FERNANDES - SP220917-A APELADO: LUCIA HELENA LINHARES DA COSTA Advogados do(a) APELADO: RODRIGO CESAR ENGEL - SP271842-A, ROSEMEIRE GUIDO ROCHA - SP293890-A V O T O 1. Apelação do Banco do Brasil 1.1 Preliminar – Ilegitimidade passiva do agente financeiro Sustenta o apelante que é parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que não é responsável pelo contrato nem causou quaisquer dos prejuízos alegados pela apelada. Arguiu que apenas presta serviços ao FNDE, operacionalizando os contratos do FIES, sendo o fundo e a instituição de ensino que devem responder pelos fatos narrados. Sem delongas, deve ser mantida a rejeição da preliminar. Além do fundamento adotado na sentença, qual seja, o fato de que “o agente operador [do FIES] possui obrigações próprias e autônomas, devendo responder pelos fatos a ele atribuídos” nos termos da Lei n. 10.260/2001 (ID 145428534), da leitura dos autos, depreende-se que a autora atribui ao Banco do Brasil cobranças indevidas (de juros e parcelas do FIES) cujo ressarcimento pretende, em dobro. Considerando que a presença das condições da ação – interesse e legitimidade – deve ser aferida à luz dos fatos narrados na inicial, nos termos da teoria da asserção adotada pelo ordenamento processual civil pátrio, a instituição financeira deve permanecer no polo passivo do processo, devendo eventual regularidade das cobranças ou ausência de responsabilidade pelos prejuízos sofridos ser averiguada no mérito. Portanto, rejeita-se a preliminar. Quanto ao pedido de revogação da justiça gratuita em favor da apelada, deixo de conhecê-lo, uma vez que o benefício foi revogado na sentença. O pedido de revogação da tutela antecipada, por sua vez, será apreciado ao final. 1.2 Mérito recursal No mérito, cinge-se a controvérsia essencialmente acerca da validade do contrato do FIES celebrado entre a autora e o FNDE/BB e a exigibilidade do débito em relação a ela, que alega tê-lo assinado por indução a erro da instituição de ensino, que a levou a crer que o curso seria custeado integralmente por ela no âmbito do Programa “A UNIESP Paga”. De início, é de se registrar que a matéria relativa à responsabilidade da UNIESP não foi objeto de devolução a esta Corte Regional. Portanto, o resultado do presente julgamento não alterará as conclusões alcançadas pelo juiz de primeiro grau no sentido de que, efetivamente, houve publicidade enganosa por parte das instituições rés a fim de que a aluna contratasse a prestação de serviços educacionais com a FACCA/UNIESP e, subsequentemente, financiamento estudantil com o FNDE/BB. Conforme se depreende da sentença (ID 145428534), o juízo a quo entendeu que a autora aderiu ao FIES com vício de consentimento, em razão de uma falsa noção de realidade dos fatos advinda da “omissão deliberada da instituição de ensino ao promover a publicidade de seu curso sem todos os esclarecimentos pertinentes quanto à prometida cobertura do financiamento estudantil, o que era da substância do negócio (art. 147 do Código Civil)”. Por isso, concluiu que o contrato do FIES é nulo de pleno direito, com fulcro nas disposições do Código de Defesa do Consumidor. Veja-se trecho da decisão: No contexto do Código de Defesa do Consumidor, aqui aplicado, o aludido contrato de financiamento estudantil é nulo de pleno direito, em face da violação à boa-fé objetiva pela instituição de ensino (art. 51, IV, da Lei 8.078/90; art. 422 do Código Civil), que agiu com o dolo manifesto de transferir os seus encargos contratuais, na forma das tratativas preliminares, à aluna contratante dos serviços educacionais. Em face da nulidade contratual, as partes devem ser restituídas ao estado jurídico inicial, com o cancelamento total do contrato de financiamento estudantil em questão (contrato n. 020.306.778), cabendo às instituições de ensino superior (IES) corrés, em sede administrativa, a devolução integral ao FNDE dos valores recebidos a título de financiamento estudantil, modalidade FIES, vinculados ao nome da autora. Incumbe ao FNDE e ao Banco do Brasil S/A formalizar o cancelamento contratual e ao FNDE restituir integralmente à autora, com correção monetária e juros de mora, estes a contar da citação, as parcelas eventualmente pagas por ela durante a execução do referido contrato. Apesar do vício de consentimento reconhecido, considerando que foi a instituição de ensino quem lhe deu causa, tenho que não cabe a declaração de nulidade ou anulação do contrato de financiamento estudantil celebrado exclusivamente entre a aluna e o FNDE/BB (ID 145428491 – f. 11-18). Isso porque não há, nos autos, sequer alegação de que foram os réus efetivamente participantes do FIES que induziram a autora à erro na contratação, mas sim terceiro – UNIESP – que dela se beneficiou. Nos termo do art. 148 do Código Civil, a ocorrência de dolo de terceiro nos negócios jurídicos somente implicará a anulação do negócio se a parte contrária (no caso, o FNDE/BB) tiver – ou devesse ter – conhecimento do vício. Veja-se: Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou. Na espécie, não há evidência – nem mesmo alegação – de que o FNDE e o Banco do Brasil tinham ou deveriam ter ciência da omissão deliberada de informações essenciais sobre a contratação da parte da instituição de ensino. Portanto, tenho que o dolo por ela praticado é inapto a anular o financiamento estudantil. Ademais, não seria o caso de se declarar a nulidade do negócio com base no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que os contratos no âmbito do FIES não se submetem às normas consumeristas. Tal entendimento foi pacificado pelo C. Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, cuja ementa transcrevo a seguir: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL (FIES). PRESTAÇÃO DE GARANTIA. EXIGÊNCIA DE FIADOR. LEGALIDADE. ART. 5º, VI, DA LEI 10.260/2001. INAPLICABILIDADE DO CDC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. VEDAÇÃO. PRECEDENTES DESTA CORTE. (...) Recurso especial de Eliziana de Paiva Lopes: 1. Caso em que se pugna a incidência do Código de Defesa do Consumidor, a declaração de ilegalidade da cobrança de juros capitalizados e, por conseguinte, a repetição simples do valor pago a maior e a inversão dos ônus sucumbenciais. 2. A hodierna jurisprudência desta Corte está assentada no sentido de que os contratos firmados no âmbito do Programa de Financiamento Estudantil - Fies não se subsumem às regras encartadas no Código de Defesa do Consumidor. Precedentes: REsp 1.031.694/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 19/6/2009; REsp 831.837/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 17/6/2009; REsp 793.977/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 30/4/2007. 3. A jurisprudência desta Corte mantém-se firme no sentido de que, em se tratando de crédito educativo, não se admite sejam os juros capitalizados, haja vista a ausência de autorização expressa por norma específica. Aplicação do disposto na Súmula n. 121/STF. Precedentes: REsp 1.058.334/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 30/6/2008; REsp 880.360/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 5/5/2008; REsp 1.011.048/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 4/6/2008; REsp n. 630.404/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 26/2/2007; REsp n. 638.130/PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 28/3/2005. 4. Por conseguinte, havendo pagamento de valores indevidos, o que será apurado em sede de liquidação, é perfeitamente viável a repetição simples ou a compensação desse montante em contratos de financiamento estudantil. 5. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ. 6. Ônus sucumbenciais invertidos. 7. Recurso especial provido, nos termos da fundamentação supra. (REsp 1.155.684/RN, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, 1ª Seção, j. 12/05/2010, DJe 18/05/2010) Sendo válido o contrato celebrado entre a autora e o FNDE/BB, ele produz todos os seus efeitos em relação aos respectivos contratantes, obrigando-os por suas cláusulas. Considerando que a instituição financeira concedeu o financiamento de 100% dos encargos educacionais do curso superior (cláusula quarta) em favor da autora, que se comprometeu a pagá-lo “nas épocas próprias e nas condições fixadas neste instrumento” (cláusula nona, parágrafo primeiro), é dever da estudante – e exclusivamente dela – a devolução dos valores, nos termos expressos previstos no contrato. Caso não o faça, é lícito ao credor o exercício dos atos de cobrança legalmente admitidos e necessários à satisfação da obrigação, inclusive a inclusão de seu nome em cadastros de proteção ao crédito. Desse modo, deve ser reformada a sentença para rejeitar a pretensão declaratória (de nulidade e inexigibilidade do débito do FIES) e de repetição dos valores dos juros e parcelas já pagos pela autora, visto que devidos. Com isso, impõe-se a revogação da tutela antecipada concedida (suspensão de cobranças e negativação). Ademais, subsistindo o contrato, deve ser afastada a obrigação da FACCA/UNIESP de devolver os valores recebidos do FIES ao FNDE/BB. Contudo, tendo sido reconhecido que elas agiram dolosamente para induzir a autora a aderir ao financiamento estudantil, nos termos da parte final do art. 148 do Código Civil, devem ressarci-la pelas perdas e danos advindos de tal negócio, ou seja, os valores necessários para a quitação integral do FIES, corrigidos na forma do contrato. 2. Recurso adesivo da autora Pretende a apelante a reforma da sentença que acolheu a impugnação à concessão da justiça gratuita e revogou o benefício com base nos seguintes fundamentos (ID 145428534): Nos termos do Novo Código de Processo Civil, art. 99, parágrafo 3º., cabe à parte interessada pleitear a gratuidade de justiça, presumindo-se verdadeira a alegação de insuficiência econômica deduzida por pessoa natural, in verbis: “Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresse de terceiro no processo ou em recurso. ..... §3º - Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.” Não obstante, a autora não formulou, quer na petição inicial, quer em documento avulso, o pedido de gratuidade, tampouco juntou qualquer declaração de estado de pobreza que pudesse justificar a benesse, razão pela qual acolho a preliminar para revogar os benefícios da justiça gratuita, cabendo à autora o oportuno recolhimento das custas e despesas processuais pendentes, nos termos do art. 102 do CPC. Pois bem. De fato, a autora não formulou pedido de justiça gratuita nem juntou a declaração de hipossuficiência econômica para os fins do art. 99, § 3º, do CPC na petição inicial (IDs 145428490 a 145428492 – f. 1-20), tendo o juízo estadual, que primeiro conheceu do feito, concedido-a de ofício (ID 145428492 – f. 21), o que não é admitido pela jurisprudência pátria. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. AÇÃO REVOCATÓRIA. PREPARO. DESERÇÃO. ART. 208 DO DECRETO-LEI Nº 7.661/45. NÃO INCIDÊNCIA. JUSTIÇA GRATUITA. CONCESSÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS. IMPRESCINDIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÔMICA. 1. "O recurso especial interposto em ação revocatória falencial não dispensa o pagamento de preparo, sem o qual há de ser reputado deserto" (REsp 550.238/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 22/08/2006, DJ 05/02/2007). 2. É vedada a concessão ex officio do benefício de assistência judiciária gratuita pelo magistrado, caso não haja pedido expresso da parte. Precedentes. 3. A concessão da gratuidade da justiça à pessoa jurídica demanda, necessariamente, a demonstração da impossibilidade de arcar com as despesas do processo, não havendo se falar em presunção de impossibilidade decorrente tão-somente de sua dissolução. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg nos EDcl no AREsp n. 167.623/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, j. 05/02/2013, DJe 25/02/2013) Apesar disso, tenho que a manifestação da autora em réplica (ID 145428496 – f. 5), insurgindo-se contra a impugnação à concessão do benefício formulada pela ré e arguindo que comprovou os requisitos para tanto, evidencia sua pretensão de obtê-lo, convalidando o pronunciamento judicial anteriormente praticado. Vale lembrar, neste ponto, que o requerimento de gratuidade da justiça pode ser formulado pela parte a qualquer tempo, por petição simples, nos termos do art. 99, § 1º, do CPC, in verbis: “Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso.” Portanto, havendo pedido da parte interessada nos autos e a correspondente comprovação de renda mensal inferior a R$ 2.000,00 (dois mil reais), compatível com a situação de incapacidade econômica alegada (f. 43 do ID 145428490), tenho que a autora faz jus ao benefício, devendo a sentença ser reformada para restabelecer a justiça gratuita anteriormente concedida. 3. Dispositivo Ante todo o exposto, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO à apelação para reformar a sentença de primeiro grau e REJEITAR os pedidos de declaração de nulidade do contrato e de inexigibilidade do débito do FIES, bem como de repetição dos juros e parcelas já pagas em relação ao FNDE e ao Banco do Brasil. Subsistindo o contrato, afasta-se a obrigação da FACCA e da UNIESP de restituir os repasses do FIES ao FNDE. Contudo, elas ficam condenadas a ressarcir à autora os valores necessários para a quitação integral do financiamento estudantil, corrigidos na forma do contrato, nos termos da fundamentação. No mais, REVOGO a tutela antecipada concedida na sentença. Por fim, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO ao recurso adesivo para restabelecer o benefício da justiça gratuita em favor da autora, com todos os seus efeitos legais. Com o provimento da apelação, altera-se a sucumbência distribuída na sentença, uma vez que a pretensão da autora foi acolhida em relação às rés UNIESP/FACCA e rejeitada quanto ao FNDE e BB. Portanto, à luz do art. 86 do CPC, ela deve responder por 50% das despesas processuais e honorários advocatícios lá fixados (10%), e as instituições de ensino rés pelos 50% restantes. O percentual que cabe a autora deverá ser pago aos patronos do FNDE e do BB, e o percentual que cabe à UNIESP/FACCA aos patronos da autora. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majoro em 1% (um por cento) o percentual devido tanto pela autora quanto pelas rés, considerando que ambos os recursos interpostos foram acolhidos. As verbas de responsabilidade da demandante, contudo, têm sua exigibilidade condicionada à hipótese do art. 98, § 3º, do CPC. É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. NULIDADE CONTRATUAL, INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. FIES. PROGRAMA A UNIESP PAGA. SENTENÇA QUE RECONHECEU O DOLO DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO E DECLAROU NULO O CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. RECURSO DO BANCO DO BRASIL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO AGENTE FINANCEIRO. VALIDADE DO FIES. AUSÊNCIA DE PROVA DE CONHECIMENTO DO DOLO DE TERCEIRO PELA PARTE CONTRÁRIA. COBRANÇA DEVIDA. RESSARCIMENTO DA ESTUDANTE PELA UNIESP. APELAÇÃO PROVIDA. RECURSO ADESIVO DA AUTORA. RESTABELECIMENTO DA JUSTIÇA GRATUITA. PRETENSÃO MANIFESTADA EM RÉPLICA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. RECURSO PROVIDO. 1. Apelação do BB em que pretende a reforma da sentença para reconhecer sua ilegitimidade passiva ou para rejeitar a pretensão formulada na inicial. 2. A autora atribuiu ao agente financeiro cobranças de juros e parcelas do FIES cujo ressarcimento pretende. Considerando que a presença das condições da ação deve ser aferida à luz dos fatos narrados na inicial, nos termos da teoria da asserção adotada pelo ordenamento processual civil pátrio, a instituição financeira deve permanecer no polo passivo do processo, devendo eventual regularidade das cobranças ou ausência de responsabilidade ser averiguada no mérito. 3. No mérito, cinge-se a controvérsia acerca da validade do contrato do FIES celebrado entre a autora e o FNDE/BB. O juízo a quo entendeu que ela aderiu ao FIES com vício de consentimento causado por publicidade enganosa da UNIESP, que omitiu informações sobre o Programa “UNIESP Paga”, declarando o contrato nulo de pleno direito. 4. Apesar do vício de consentimento reconhecido, considerando que foi a instituição de ensino quem lhe deu causa, não cabe a declaração de nulidade ou anulação do contrato celebrado exclusivamente entre a aluna e o FNDE/BB. 5. Nos termo do art. 148 do Código Civil, o dolo de terceiro nos negócios jurídicos somente implica a anulação do negócio se a parte contrária tiver – ou devesse ter – conhecimento do vício, o que não restou demonstrado nos autos. 6. Sendo válido o contrato celebrado entre a autora e o FNDE/BB, ele produz todos os seus efeitos em relação aos respectivos contratantes, obrigando-os por suas cláusulas. Portanto, é dever da estudante – e exclusivamente dela – a devolução dos valores financiados pela instituição bancária na forma pactuada. Caso não o faça, é lícito ao credor o exercício dos atos de cobrança legalmente admitidos e necessários à satisfação da obrigação, inclusive a inclusão de seu nome em cadastros de proteção ao crédito. 7. Subsistindo o contrato, deve ser afastada a obrigação da FACCA/UNIESP de devolver os valores recebidos do FIES ao FNDE/BB. Contudo, tendo sido reconhecido que elas agiram dolosamente para induzir a autora a aderir ao financiamento estudantil, nos termos da parte final do art. 148 do Código Civil, devem ressarci-la pelos valores necessários para a quitação integral do FIES, corrigidos na forma do contrato. 8. Recurso adesivo em que a autora pretende a reforma da sentença que revogou o benefício da justiça gratuita. 9. Embora ela não tenha formulado pedido de justiça gratuita na inicial ou apresentado declaração para os fins do art. 99, § 3º, do CPC, a manifestação na réplica no sentido de que comprovou os requisitos para concessão do benefício evidencia a pretensão de obtê-lo. O requerimento de gratuidade da justiça pode ser formulado a qualquer tempo, por petição simples, nos termos do art. 99, § 1º, do CPC. 10. Havendo pedido da parte interessada e a correspondente comprovação de renda mensal compatível com a situação de incapacidade econômica alegada, ela faz jus ao benefício, devendo a sentença ser reformada para restabelecer a justiça gratuita anteriormente concedida. 11. Apelação provida. Recurso adesivo provido.