Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003881-98.2016.4.03.6112

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: ANDREZA FERREIRA BRAGA DA CUNHA, ROSANA APARECIDA DOS SANTOS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

Advogado do(a) APELANTE: THIAGO BATISTA DOS SANTOS - SP292865-A
Advogado do(a) APELANTE: JOELCIO DE ALMEIDA - SP323045-N

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, ANDREZA FERREIRA BRAGA DA CUNHA, ROSANA APARECIDA DOS SANTOS

Advogado do(a) APELADO: THIAGO BATISTA DOS SANTOS - SP292865-A
Advogado do(a) APELADO: JOELCIO DE ALMEIDA - SP323045-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003881-98.2016.4.03.6112

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: ANDREZA FERREIRA BRAGA DA CUNHA, ROSANA APARECIDA DOS SANTOS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

Advogado do(a) APELANTE: THIAGO BATISTA DOS SANTOS - SP292865-A
Advogado do(a) APELANTE: JOELCIO DE ALMEIDA - SP323045-N

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, ANDREZA FERREIRA BRAGA DA CUNHA, ROSANA APARECIDA DOS SANTOS

Advogado do(a) APELADO: THIAGO BATISTA DOS SANTOS - SP292865-A
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R E L A T Ó R I O

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por ANDREZA FERREIRA DA SILVA e ROSANA APARECIDA DOS SANTOS em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP que condenou as rés às penas de 3 (três) anos e 5 (cinco) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 320 (trezentos e vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c.c. art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em: (i) prestação de serviços à comunidade em entidade que preste assistência social, e (ii) prestação pecuniária consistente na doação de cesta básica no valor de meio salário mínimo, tudo a ser especificado em fase de execução.

Narra a denúncia (ID 160903891, pp. 4/7), recebida em 27.09.2016 (ID 160903891, pp. 75/76):

1. No dia 04 de maio de 2016, por volta das 08h20min, durante fiscalização de rotina pela polícia militar, na Rodovia Raposo Tavares - SP 270, no km 642, no município de Caiuá, em ônibus empresa Andorinha que fazia o itinerário Corumbá/MS - São José dos Campos/SP, ANDREZA FERREIRA DA SILVA e ROSANA APARECIDA DOS SANTOS foram surpreendidas transportando 2.866 g (dois mil, oitocentos e sessenta e seis gramas) de substância entorpecente (cocaína), que adquiriram no Bolívia e introduziram em território nacional.

2. Segundo consta, a substância entorpecente estava oculta na estrutura das malas pertencentes às denunciadas e distribuída entre elas. ANDREZA e ROSANA estavam em poder das passagens e respectivos comprovantes de bagagem, cujos números conferiam com as etiquetas coladas nas malas. Nas malas de ANDREZA, foram encontradas 757 g (setecentos e cinquenta e sete gramas) de cocaína em mala identificada com o bilhete de nº 578210; e 662 g (seiscentos e sessenta e dois gramas) em mala com o bilhete de nº 578211. Já nas malas pertencentes a ROSANA, foram encontradas 661 g (seiscentos e sessenta e um grama) de cocaína na mala com o bilhete de nº 578212 e 786 g (setecentos e oitenta e seis gramas) na mala correspondente ao bilhete de número 578213.

A sentença (ID 160903893, pp. 76/88) foi publicada em 07.12.2018 e concedeu às rés o direito de apelar em liberdade.

Em seu recurso (ID 160903893, pp. 91/99 e ID 1609003894, pp. 1/4), o MPF requer: (i) a exasperação da pena-base em patamar não inferior a 6 (seis) anos de reclusão; (ii) a exclusão da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, ou subsidiariamente pela aplicação no patamar mínimo de 1/6 (um sexto); (iii) majoração da pena de prestação pecuniária

A defesa de ANDREZA, em suas razões de apelação (ID 1609003894, pp. 38/45), requer: a) a absolvição da ré pela incidência de coação moral irresistível e do estado de necessidade; b) a aplicação da atenuante da confissão espontânea; c) incidência da causa de diminuição do art. 33, §4º da Lei nº 11.343/2006 no patamar máximo; d) a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 41 da Lei nº 11.343/06; e e) o reconhecimento dos benefícios previstos nos artigos 13 ao 15 da Lei n 9.807/99, bem como previsto no art. 49 da Lei nº 11.343/2006.

Em suas razões de apelação (ID 1609003894, pp. 49/54), a defesa de ROSANA requer: (i) preliminarmente, o reconhecimento da competência da Justiça Estadual para o processo e julgamento do feito, com a consequente exclusão da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06; (ii) a absolvição da ré pela incidência de coação moral irresistível e do estado de necessidade; (iii) o afastamento da causa de aumento prevista no art. 40, inciso V, da Lei de Drogas; (iv) a aplicação da atenuante da confissão espontânea; e (v) aplicação da causa de diminuição do art. 33, 4º da Lei de Drogas no patamar máximo.

Foram apresentadas contrarrazões (ID 1609003894, pp. 23/31, ID 1609003894, pp. 32/37 e ID 1609003894, pp. 56/65).

A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento dos recursos interpostos pelas defesas de ANDREZA e ROSANA e pelo parcial provimento do recurso de apelação interposto pela acusação, “com: (a) majoração da pena-base das rés, devendo ser aumentada em no mínimo um ano (fixada a partir de 6 anos destarte); (b) aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4" da Lei nº 11.343/06 em seu patamar mínimo (1/6); (e) majoração da pena de prestação pecuniária”. (ID 160903894, pp. 68/97).

É o relatório.

À revisão.

 

 


 
 
 
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V O T O

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF), por ANDREZA FERREIRA DA SILVA e ROSANA APARECIDA DOS SANTOS em face da sentença que condenou as rés pelo crime de tráfico transnacional de drogas.

Questão preliminar: incompetência da Justiça Federal. A defesa de ROSANA alega que não está comprovada a transnacionalidade do tráfico, daí a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. Sem razão. A transnacionalidade foi comprovada, tendo o juízo a quo assim fundamento na sentença:

Com efeito, por ocasião do flagrante as acusadas declararam que estiveram em território boliviano. Em Juízo, claramente ciente agora do agravamento pela internacionalidade, negam que tenham adquirido e recebido a droga na Bolívia, para transportá-la até São Paulo, afirmando que teriam recebido o entorpecente em território brasileiro, especificamente em Corumbá/MS.

Entretanto, não há necessidade de que o próprio agente tenha introduzido a droga no país, bastando que participe em alguma etapa dessa internação, mesmo que apenas no território nacional. A natureza, a procedência e as circunstâncias determinam a internacionalidade, conforme o inc. I do art. 40 ("a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito").

(...)

As rés confirmaram em juízo, portanto, que foram contratadas para o transporte dos entorpecentes, tendo a acusada Andreza inclusive afirmado ter recebido as malas de duas pessoas que não falavam sua língua, tratando-se, portanto, de fornecedores estrangeiros. Admitiu, ainda, ter ido a uma feira, não sabendo dizer se ficava em Corumbá ou em território boliviano. Além disso, as rés se hospedaram no Hotel Vini, ao que tudo indica situado na Bolívia.

Sobre o tema, menciono os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e deste Tribunal:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL E JUSTIÇA FEDERAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. INDÍCIOS ACERCA DA ORIGEM ESTRANGEIRA DO ENTORPECENTE. TRANSNACIONALIDADE DA CONDUTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRECEDENTES.

1. É competência da Justiça Federal processar e julgar os crimes previstos nos artigos 33 a 37 da Lei n. 11.343/2006, se caracterizada a transnacionalidade do delito.

2. Na espécie, evidencia-se a transnacionalidade do delito de tráfico de drogas, em face das circunstâncias do evento, do local da prisão do acusado, do relato dos policiais responsáveis pelo flagrante delito e do depoimento do acusado às autoridades policiais.

3. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO FEDERAL DA VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PONTA PORÃ - SJ/MS, ora suscitado.

(CC 132.133/MS, Terceira Seção, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 28.05.2014; DJe 02.06.2014)

PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. TRANSNACIONALIDADE COMPROVADA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO.

1. Para a configuração da transnacionalidade do delito, não é necessário que o agente ou o entorpecente ultrapasse as fronteiras do País. O delito, com essa causa de aumento, pode ocorrer no território nacional, desde que haja elementos indicativos de que o fato se relacione com o estrangeiro.

2. Recurso em sentido estrito provido.

(TRF3, RSE 0003287-61.2014.4.03.6110, Quinta Turma, Rel. Des. Federal André Nekatschalow, j. 23.02.2015, e-DJF 3 Judicial 1 03.03.2015)

Portanto, rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal.

Quanto ao mérito das imputações, a materialidade está devidamente comprovada pelo auto de apresentação e apreensão (ID 160903889, pp. 15/17), pelo laudo de constatação preliminar (ID 160903889, pp. 31/33) e pelo laudo de perícia criminal federal (ID 160903890, pp. 7/10), que atestam ser cocaína a substância apreendida com as acusadas.

A autoria por sua vez, está devidamente demonstrada pela certeza visual do crime, decorrente da prisão em flagrante das acusadas, corroborada por suas confissões e pela prova oral produzida em contraditório judicial.

As defesas pedem a absolvição das rés ao argumento de que somente praticaram a conduta em razão de coação moral irresistível. Em seus interrogatórios (ID 160903901 e ID 160903902), a corré Andreza disse que a segurança de sua filha menor estava ameaçada pelo seu contratante, enquanto a corré Rosana disse que tinha dívida pelo consumo de drogas, a qual só poderia ser paga mediante o cometimento do delito.

Tais versões, porém, não excluem a tipicidade, tampouco a culpabilidade. Para que suas afirmações pudessem ser admitidas como excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, deveriam ter sido comprovadas e o ônus dessa prova era da defesa (CPP, art. 156), não bastando a mera alegação.

As defesas não provaram que as rés sofreram grave ameaça para que praticassem o crime, sob pena de sofrerem mal injusto e irreparável (CP, art. 22). Ao contrário, o que está demonstrado nos autos é que ambas agiram por livre e consciente vontade.

Também afasto a alegação de estado de necessidade. A argumentação de que as apelantes apenas aceitaram praticar a conduta em razão de estarem em dificuldades financeiras não exclui a ilicitude ou a culpabilidade.

O art. 24 do Código Penal dispõe que se considera "em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se". No caso, as acusadas, por suas defesas técnicas, não demonstraram que teriam praticado a conduta em razão de se encontrarem em situação de perigo atual, decorrente de suas dificuldades financeiras. Por outro lado, também não foi provado que a conduta, ao ser praticado o delito, era inevitável para igual fim.

O estado de necessidade exculpante ou a inexigibilidade de conduta diversa não tem previsão expressa na legislação brasileira, sendo considerado causa extralegal (ou supralegal) de exclusão da culpabilidade, que ocorre quando é inexigível conduta diversa do agente, que sacrifica um valor em função de outro (v. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed., S. Paulo: Saraiva, 1994, pp. 176/181). Quando presente a causa, afasta-se a culpabilidade do agente, embora a conduta permaneça típica e antijurídica, mas se exige proporcionalidade entre o valor salvo e o valor sacrificado. Isso, porém, não ocorreu no caso dos autos.

Dificuldades financeiras são bastante comuns na sociedade contemporânea, mas isso não justifica que alguém cometa qualquer crime para superá-las, ainda mais o tráfico (transnacional ou não) de drogas, conduta com altíssimo grau de reprovação social.

Aceitar o cometimento de crime como justificativa para satisfação de necessidades individuais (superar dificuldades financeiras, por exemplo) significaria abrir mão do mínimo sentido de civilidade e de organização social, na medida em que cada ser humano passaria a satisfazer suas próprias necessidades a qualquer custo, o que levaria a evidente caos social.

Existem inúmeras alternativas para superar eventuais dificuldades financeiras, todas passando muito longe da seara criminal, com total preservação de importantes valores como a paz social e a saúde pública.

Assim, a alegada dificuldade financeira das acusadas - que seria superada pelo transporte da droga - não justifica, de modo algum, o sacrifício de qualquer valor social, especialmente a saúde e a segurança públicas, bem como a paz social, considerando-se o alto poder viciante da droga traficada, que tanto mal faz a quem a utiliza, assim como aos efeitos deletérios que produz nas famílias dos viciados e em suas relações sociais.

Observo, ainda, que dificuldade financeira é argumento recorrente nos casos de tráfico transnacional de drogas, como no caso em exame. Contudo, esse tipo de alegação vem sendo rejeitada por este Tribunal, como se verifica, a título exemplificativo, na seguinte ementa:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ESTADO DE NECESSIDADE E COAÇÃO MORAL IRRESTÍVEL. INOCORRÊNCIA. DOSIMETRIA DA PENA.1. Dificuldades financeiras são bastante comuns na sociedade contemporânea, mas isso não justifica que alguém cometa qualquer crime para superá-las, ainda mais o tráfico (transnacional ou não) de drogas, conduta com altíssimo grau de reprovação social. Aceitar o cometimento de crime como justificativa para satisfação de necessidades individuais (superar dificuldades financeiras, p. ex.) significaria abrir mão do mínimo sentido de civilidade e de organização social, na medida em que cada ser humano passaria a satisfazer suas próprias necessidades a qualquer custo, o que levaria a evidente caos social.2. As alegadas dificuldades do réu - que seriam superadas pelo transporte e entrega da droga - não justificam, de modo algum, o sacrifício de qualquer valor social, especialmente a saúde e a segurança públicas, bem como a paz social, considerando-se o alto poder viciante da droga traficada, que tanto mal faz a quem a utiliza, assim como aos efeitos deletérios que produz nas famílias dos viciados e em suas relações sociais.3. Não há nenhuma dúvida de que o acusado, ao aceitar transportar significativa quantidade de cocaína, tinha clara e inequívoca consciência da sua conduta ilícita (tráfico transnacional de drogas), que possui elevado grau de reprovabilidade social e, por isso, era plenamente evitável.[...]15. Apelações da acusação e da defesa parcialmente providas.(ACR 0009191-64.2016.4.03.6119, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 06.02.2018, e-DJF3 Judicial 1 21.02.2018).

No mesmo sentido: ACR 0001015-04.2013.4.03.6119, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 29.07.2014, e-DJF3 Judicial 1 05.08.2014; ACR 0004802-70.2015.4.03.6119, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal Cecilia Mello, j. 08.08.2017, e-DJF3 Judicial 1 18.08.2017; ACR 0001831-71.2017.4.03.6110, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, j. 22.01.2018, e-DJF3 Judicial 1 31.01.2018.

Não há nenhuma dúvida de que as acusadas, ao aceitarem transportar cocaína, tinham clara e inequívoca consciência da conduta ilícita, que possui elevado grau de reprovabilidade social e, por isso, era plenamente evitável. Assim, rejeito a alegação de estado de necessidade justificante ou exculpante, este como causa excludente da culpabilidade ou de diminuição de pena (CP, art. 24, § 2º), ou, ainda, como atenuante (CP, art. 65, III, "a").

Portanto, mantenho as condenações de ANDREZA FERREIRA DA SILVA e de ROSANA APARECIDA DOS SANTOS pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, conforme narrado na denúncia.

Passo ao reexame da dosimetria das penas.

Procedo à análise simultânea das penas por serem comuns as circunstâncias. Se necessário, farei o destaque de situações específicas, em observância ao princípio da individualização da pena.

Na primeira fase, o juízo fixou a pena-base para cada ré em 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa, acima do mínimo legal, por não considerar negativa nenhuma circunstância judicial do art. 59 do Código Penal, levando em consideração apenas a quantidade e a natureza da droga apreendida com cada uma delas, de modo individuado (1.419 g de cocaína com ANDREZA e 1.447 g de cocaína com ROSANA).

O MPF requer a majoração da pena-base.

Tem razão a acusação. Ocorre que o juízo de origem entendeu não estar comprovado nos autos que as rés estivessem agindo em concurso de vontades. Todavia, extrai-se dos autos que as rés atuaram juntas na empreitada criminosa, conforme se verifica do depoimento da testemunha Celso Eduardo, assim mencionado na sentença:

Segundo o depoimento prestado pelo policial, ambas disseram ter ido para Corumbá e depois ter passado para o lado boliviano, na cidade de Porto Quijaro, onde permaneceram hospedadas no Hotel Vini, alegando uma que foi ver a tia e não a encontrou e permaneceu no passeio, e outra que tinha interesse em montar padaria em Corumbá. A testemunha afirmou ainda que apuraram pelas passagens apreendidas que as acusadas tinham ido juntas dois dias antes, pela empresa Cruzenha, e estavam voltando juntas pela empresa Andorinha, bem como que as etiquetas são sequenciais pela empresa Andorinha, assim como as etiquetas das malas.

Assim, dadas as circunstâncias fáticas e específicas do caso concreto, a quantidade de droga transportada deve ser considerada em sua totalidade (2.866 gramas ou 2,866 quilos) para ambas as rés, o que autoriza a exasperação da pena-base, conforme pede o MPF, tendo em vista a jurisprudência das Turmas que compõem a Quarta Seção deste Tribunal Regional Federal em casos análogos.

Por isso, acolho o recurso da acusação nesse ponto e fixo a pena-base para cada ré em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.

Na segunda fase, o juízo não reconheceu circunstâncias atenuantes nem agravantes para nenhuma das rés. Quanto à confissão, considerou não incidir no caso porque as rés negaram a prática de tráfico internacional, apenas admitindo que praticaram o delito dentro do território nacional.

Ambas as defesas pedem o reconhecimento dessa circunstância atenuante. Com razão.

As acusadas confessaram a prática delitiva e, como orienta a Súmula nº 545 do STJ, a confissão do agente, ainda que parcial e qualificada, caso utilizada para fundamentar o decreto condenatório, enseja a incidência da referida atenuante, como no caso.

Por isso, reconheço essa atenuante, na fração de 1/6 (um sexto). Todavia, tendo em vista a orientação da Súmula nº 231 do STJ, a pena intermediária fica em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa para cada ré.

Na terceira fase, o juízo aplicou a causa de aumento prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, na fração de 1/6 (um sexto), o que confirmo.

A defesa de ROSANA pede o afastamento da causa de aumento de pena do art. 40, V, da Lei 11.343/2006. Contudo, observo que, apesar de no dispositivo da sentença constar que as rés foram condenadas como incursas no art. 33, caput, c.c. art. 40, I e V, da Lei nº 11.343/2006, na realidade o juízo aplicou apenas a causa de aumento prevista no inciso I do art. 40 dessa lei, reconhecendo a transnacionalidade do delito, de sorte que não há o que ser considerado a respeito. Assim, mantida a majorante e considerando que a fração aplicada foi a mínima prevista, a pena passa para 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.

O juízo também aplicou a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, na fração de 1/2 (metade). O MPF, contudo, pede a sua exclusão, enquanto a defesa pede a sua fixação na fração máxima permitida (2/3).

Pois bem.

De acordo com essa norma, as penas do tráfico de drogas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa, devendo esses quatro requisitos concorrer cumulativamente para que a minorante seja aplicada.

No caso, as rés são primárias, não registram maus antecedentes e não há prova de que se dediquem a atividades criminosas, não sendo possível afirmar que integrem, ainda que circunstancialmente, organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas. Trata-se, portanto, de situação de "mula" do tráfico.

As "mulas" são pessoas contratadas para o transporte da droga e caracterizam-se por não ter nenhum poder de ingerência sobre como realizarão esse transporte, nem onde e de quem receberão a droga, cabendo-lhes obedecer a ordens e seguir roteiro previamente estabelecido.

É inegável que o papel das "mulas" é imprescindível na cadeia delitiva de uma organização criminosa. Contudo, não se pode dizer que toda "mula" integra tal organização, devendo haver análise caso a caso. A propósito, é de se destacar o seguinte trecho do voto-vista do Min. Gilmar Mendes, no julgamento do HC nº 101.265/SP:

Ipso facto, nessa linha de raciocínio, "mula", de fato, integra a organização criminosa, "na medida em que seu trabalho é uma condição sine qua non para a narcotraficância internacional". Pressupondo, assim, que toda organização criminosa estrutura-se a partir de uma divisão de tarefas que objetiva um fim comum, é inegável que esta tarefa - de transporte - está inserida nesse contexto como essencial.

E, em princípio, diferentemente da referência à "atividade criminosa" em que o legislador exigiu "dedicação", ou seja habitualidade, reiteração de condutas, tal condição não é essencial no caso de "integrar organização criminosa". Aliás, se assim fosse, desnecessário o próprio requisito, pois já contido na "atividade criminosa".

Além disso, não me parece verdadeiro pressupor que o legislador intencionou com a regra dispensar tratamento menos rigoroso ao "traficante mula" ou, ainda, aos outros com "participação de menor importância" e não diretamente ligados ao núcleo da organização. Se essa fosse a intenção, certamente, consubstanciaria uma elementar do tipo. Teríamos, então, um tipo penal derivado.

Todavia, na mesma linha de pensamento do eminente relator, não consigo fixar aprioristicamente que, ao se rotular o indivíduo como "mula" sempre se estará diante do óbice de "integrar" organização criminosa. Penso que a diferenciação deve ser feita caso a caso, a partir de dados objetivos do processo.

Tudo indica que o envolvimento das rés com o narcotráfico tenha sido pontual, sendo esse o único episódio criminoso registrado em seus nomes, de modo que fazem jus à minorante, porém abaixo do patamar fixado na sentença, pois suas condutas foram inequivocamente relevantes, tendo se disposto a levar a droga oculta na estrutura metálica de suas malas, objetivando, desse modo, burlar a fiscalização.

Conforme a jurisprudência do STJ, a gravidade concreta do delito e suas circunstâncias autorizam a aplicação dessa causa de diminuição em patamar diverso do máximo (AgRg no HC 326.510/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 19.05.2016, DJe 08.06.2016). No mesmo sentido, nesta Turma: ApCrim nº 000.1036-09.2015.4.03.6119/SP, Rel. Des. José Lunardelli, j. 10.11.2015.

Por isso, mantenho a minorante, porém reduzo sua fração para o mínimo legal, ou seja, um sexto (1/6).

A defesa de ANDREZA requer a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 41 da Lei nº 11.343/2006. Contudo, não procede tal pretensão, pois, como fundamentou o juízo:

Não incide a causa de diminuição da pena prevista no artigo 41 da Lei nº 11.343/2006, visto que não houve identificação de coautores ou partícipes, com dados concretos, que pudessem acarretar a persecução penal com relação a esses agentes.

Assim, a pena definitiva para cada ré fica estabelecida em 4 (anos) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, mantido o valor do dia-multa no mínimo legal.

Em razão da pena aplicada, o juízo havia fixado o regime inicial aberto para cada ré, substituindo suas penas privativas de liberdade por duas penas restritivas de direitos cada uma.

No entanto, com o aumento da pena decorrente do provimento parcial do recurso do MPF, fixo o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade de cada ré (CP, art. 33, § 2º, "b"), não sendo possível a substituição dessas penas por restritivas de direitos, por falta de requisito objetivo (CP, art. 44, I).

Quanto à detração de que trata o art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal, tendo em vista que as acusadas foram presas em flagrante em 04.05.2016 e foi concedida liberdade provisória para ANDREZA em 31.05.2016 (ID 160903890, p. 15) e, para ROSANA, em 08.11.2016 (ID 160903892, p.p 28/30), o tempo de prisão descontado não lhes daria direito a início do cumprimento da pena privativa de liberdade em regime menos gravoso do que o fixado.

Posto isso, DOU PARCIAL PROVIMENTO às apelações das defesas, para reconhecer a atenuante da confissão espontânea, e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da acusação, para majorar a pena-base e reduzir a fração da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 para o mínimo legal, ficando a pena definitiva para cada ré fixada em 4 (anos) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.



E M E N T A

 

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL. ESTADO DE NECESSIDADE. DOSIMETRIA DA PENA.

1. A transnacionalidade do tráfico de drogas foi comprovada, sendo competente a Justiça Federal para processar e julgar o feito.

2. Coação moral irresistível não comprovada. Para que as afirmações das rés pudessem ser admitidas como excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, deveriam ter sido comprovadas e o ônus dessa prova era da defesa (CPP, art. 156), não bastando a mera alegação.

3. Dificuldades financeiras são bastante comuns na sociedade contemporânea, mas isso não justifica que alguém cometa qualquer crime para superá-las, ainda mais o tráfico (transnacional ou não) de drogas, conduta com altíssimo grau de reprovação social. Aceitar o cometimento de crime como justificativa para satisfação de necessidades individuais (superar dificuldades financeiras, por exemplo) significaria abrir mão do mínimo sentido de civilidade e de organização social, na medida em que cada ser humano passaria a satisfazer suas próprias necessidades a qualquer custo, o que levaria a evidente caos social. Existem inúmeras alternativas para superar eventuais dificuldades financeiras, todas passando muito longe da seara criminal, com total preservação de importantes valores como a paz social e a saúde pública.

4. Dosimetria da pena. Extrai-se dos autos que as rés atuaram juntas na empreitada criminosa. Assim, dadas as circunstâncias fáticas e específicas do caso concreto, a quantidade de droga transportada deve ser considerada em sua totalidade (2.866 gramas ou 2,866 quilos) para ambas as rés, o que autoriza a exasperação da pena-base, conforme pede o MPF, tendo em vista a jurisprudência das Turmas que compõem a Quarta Seção deste Tribunal Regional Federal em casos análogos.

5. As acusadas confessaram a prática delitiva e, como orienta a Súmula nº 545 do STJ, a confissão do agente, ainda que parcial e qualificada, caso utilizada para fundamentar o decreto condenatório, enseja a incidência da referida atenuante, como no caso. Todavia, tendo em vista a orientação da Súmula nº 231 do STJ, a pena intermediária fica limitada ao mínimo legal.

6. No caso, as rés são primárias, não registram maus antecedentes e não há prova de que se dediquem a atividades criminosas, não sendo possível afirmar que integrem, ainda que circunstancialmente, organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas. Trata-se, portanto, de situação de "mula" do tráfico. Tudo indica que o envolvimento das rés com o narcotráfico tenha sido pontual, sendo esse o único episódio criminoso registrado em seus nomes, de modo que fazem jus à minorante do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, porém abaixo do patamar fixado na sentença, pois suas condutas foram inequivocamente relevantes, tendo se disposto a levar a droga oculta na estrutura metálica de suas malas, objetivando, desse modo, burlar a fiscalização. Mantida a aplicação da causa de diminuição, porém na fração mínima de 1/6 (um sexto).

7. Fixado o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, "b"), não sendo possível a sua substituição por penas restritivas de direitos (CP, art. 44, I).

8. Apelações parcialmente providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO às apelações das defesas, para reconhecer a atenuante da confissão espontânea, e DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da acusação, para majorar a pena-base e reduzir a fração da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 para o mínimo legal, ficando a pena definitiva para cada ré fixada em 4 (anos) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.