Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5017966-35.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: SIND ARTISTAS E TECNICOS EM ESPETACULOS DIVERS NO E S P, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: BRUNO MARTINGHI SPINOLA - SP390511-A, DARISON SARAIVA VIANA - SP84000-A, SILVIO SARAIVA DE SOUZA - SP356845-A

APELADO: SIND ARTISTAS E TECNICOS EM ESPETACULOS DIVERS NO E S P, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, UNIÃO FEDERAL, WIGGLE PRODUCAO DE EVENTOS SPE EIRELI

Advogados do(a) APELADO: BRUNO MARTINGHI SPINOLA - SP390511-A, SILVIO SARAIVA DE SOUZA - SP356845-A
Advogado do(a) APELADO: PAULO FERNANDO RODRIGUES - SP160413-A

OUTROS PARTICIPANTES:

INTERESSADO: ORDEM DOS MUSICOS DO BRASIL CONS REG DO EST DE SAO PAUL
 

ADVOGADO do(a) INTERESSADO: KELI GRAZIELI NAVARRO - SP234682-A

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5017966-35.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: SIND ARTISTAS E TECNICOS EM ESPETACULOS DIVERS NO E S P, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: BRUNO MARTINGHI SPINOLA - SP390511-A, DARISON SARAIVA VIANA - SP84000-A, SILVIO SARAIVA DE SOUZA - SP356845-A

APELADO: SIND ARTISTAS E TECNICOS EM ESPETACULOS DIVERS NO E S P, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, UNIÃO FEDERAL, WIGGLE PRODUCAO DE EVENTOS SPE EIRELI

Advogados do(a) APELADO: BRUNO MARTINGHI SPINOLA - SP390511-A, SILVIO SARAIVA DE SOUZA - SP356845-A
Advogado do(a) APELADO: PAULO FERNANDO RODRIGUES - SP160413-A

 

 

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de agravos internos interpostos pelo SINDICATO DOS ARTISTAS E TÉCNICOS EM ESPETÁCULOS DE DIVERSÕES DO ESTADO DE SÃO PAULO e pelos PRESIDENTE DA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL - CONSELHO REGIONAL DE SÃO PAULO, ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL - CONSELHO REGIONAL DE SÃO PAULO, PRESIDENTE DO SINDICATO DOS MÚSICOS PROFISSIONAIS DE SÃO PAULO e SINDICATO DOS MÚSICOS NO ESTADO DE SÃO PAULO, contra a decisão monocrática prolatada nos seguintes termos:

 

"Trata-se de apelações e remessa necessária em mandado de segurança impetrado por WIGGLE PRODUÇÃO DE EVENTOS SPE EIRELI, em face do PRESIDENTE DA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL, do PRESIDENTE DO SINDICATO DOS MÚSICOS NO ESTADO DE SÃOPAULO, do PRESIDENTE DO SINDICATO DOS ARTISTAS E TÉCNICOS EM ESPETÁCULOS DE DIVERSÕES DO ESTADO DE SÃO PAULO, e da PROCURADORA REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL, objetivando a inexigibilidade das taxas previstas no art. 53 da Lei nº 3.857/60, art. 25 da Leinº 6.533/78, e no §2º do art. 5º da Portaria 656/18, bem como autorização do  registro do instrumento contratual a ser firmado com o grupo musical “Hillsong United” junto à Coordenadoria Geral de Imigração do Ministério do Trabalho (id. 136405711).

 

Em primeira instância, o Órgão Ministerial manifestou-se pelo regular prosseguimento do feito (id. 136406321).

 

A sentença julgou procedente o pedido contido na inicial, concedendo a segurança (id. 136406335).

 

Irresignados, interpuseram recursos de apelação a UNIÃO FEDERAL (id. 136406346), o SATED/SP (id. 136406356) e a FAZENDA NACIONAL (id. 136406360).

 

Sustentam os apelantes, em suma, haver previsão legal para a cobrança das precitadas taxas dos artistas estrangeiros, tendo que a Portaria nº 656/2018, não conflita com o teor do art. 53, da Lei nº 3.857/1960, que regula o exercício da profissão de músico, tampouco com o teor do art. 25, da Lei nº 6.533/1978, que regula as profissões de artista e de técnico em espetáculos de diversões.

 

Contrarrazões (Id. 136406349 e 136406361).

 

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento dos recursos de apelação.

 

É o relatório. 

 

Decido.

 

De início, cumpre explicitar que o art. 932, IV e V do CPC de 2015 confere poderes ao Relator para, monocraticamente, negar e dar provimento a recursos.

Ademais, é importante clarificar que, apesar de as alíneas dos referidos dispositivos elencarem hipóteses em que o Relator pode exercer esse poder, o entendimento da melhor doutrina é no sentido de que o mencionado rol é meramente exemplificativo.

Manifestando esse entendimento, asseveram Marinoni, Arenhart e Mitidiero:

Assim como em outras passagens, o art. 932 do Código revela um equívoco de orientação em que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes. O que autoriza o julgamento monocrático do relator não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em “súmulas” e “julgamento de casos repetitivos” (leia -se, incidente de resolução de demandas repetitivas, arts. 976 e ss., e recursos repetitivos, arts. 1.036 e ss.) ou em incidente de “assunção de competência”. É o fato de se encontrar fundamentado em precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência capaz de revelar razões adequadas e suficientes para solução do caso concreto. O que os preceitos mencionados autorizam, portanto, é o julgamento monocrático no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas.
(“Curso de Processo Civil”, 3ª e., v. 2, São Paulo, RT, 2017)

Os mesmos autores, em outra obra, explicam ainda que "a alusão do legislador a súmulas ou a casos repetitivos constitui apenas um indício - não necessário e não suficiente - a respeito da existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para incidência do art. 932, IV, a e b, CPC, é que exista precedente sobre a matéria - que pode ou não estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos" (“Novo Código de Processo Civil comentado”, 3ª e., São Paulo, RT, 2017, p. 1014, grifos nossos).

Também Hermes Zaneti Jr. posiciona-se pela não taxatividade do elenco do art. 932, incisos IV e V (Poderes do Relator e Precedentes no CPC/2015: perfil analítico do art. 932, IV e V, in “A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim”, Dierle José Coelho Nunes, São Paulo, RT, 2017, pp. 525-544).

Nessa linha, o STJ, antes mesmo da entrada em vigor do CPC/2015, aprovou a Súmula 568 com o seguinte teor: “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”. Veja-se que a expressão entendimento dominante aponta para a não taxatividade do rol em comento.

Além disso, uma vez que a decisão singular do relator é recorrível por meio de agravo interno (art. 1.021, caput, CPC/15), não fica prejudicado o princípio da colegialidade, pois a Turma pode ser provocada a se manifestar por meio do referido recurso. Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, DO CPC). APOSENTADORIA ESPECIAL. APLICAÇÃO DO ART. 932 DO CPC PERMITIDA. TERMO INICIAL FIXADO NA DATA DA CITAÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA COM LAUDO JUDICIAL. INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO SINGULAR DO RELATOR. CABIMENTO. - O denominado agravo interno (artigo Art. 1.021 do CPC/15) tem o propósito de impugnar especificadamente os fundamentos da decisão agravada e, em caso de não retratação, possa ter assegurado o direito de ampla defesa, com submissão das suas impugnações ao órgão colegiado, o qual, cumprindo o princípio da colegialidade, fará o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida, não se prestando, afora essas circunstâncias, à rediscussão, em si, de matéria já decidida, mediante reiterações de manifestações anteriores ou à mingua de impugnação específica e fundamentada da totalidade ou da parte da decisão agravada, objeto de impugnação. - O termo inicial do benefício foi fixado na data da citação, tendo em vista que a especialidade da atividade foi comprovada através do laudo técnico judicial, não havendo razão para a insurgência da Autarquia Federal. - Na hipótese, a decisão agravada não padece de qualquer ilegalidade ou abuso de poder, estando seus fundamentos em consonância com a jurisprudência pertinente à matéria devolvida a este E. Tribunal. - Agravo improvido.
(ApReeNec 00248207820164039999, DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN, TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/10/2017)

 

Assim, passo a proferir decisão monocrática, com fulcro no artigo 932, IV e V do Código de Processo Civil de 2015.

 

A questão dos autos cinge-se sobre eventual legalidade da cobrança de taxas para contratação de músicos internacionais para a realização de apresentações artísticas em território nacional.

 

A exigência para recolhimento da taxa de 10% (dez por cento) sobre todo contrato equivale, notadamente, a obrigatoriedade para que os músicos sejam inscritos e recolham o valor correspondente à anuidade, prevista no artigo 16 da Lei nº 3.857/60, dispõe que:

 

"Os músicos só poderão exercer a profissão depois de regularmente registrados no órgão competente do Ministério de Educação e Cultura e no Conselho Regional  dos músicos "

 

Cumpre observar que a exigência do pagamento da taxa mencionada extrapola a norma constitucional, daí a dizer que esta lei não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, pelo menos nesta parte, porquanto a norma infraconstitucional não pode ser incompatível com a lei maior.
O artigo 5º, inciso IX da CF, estabelece que:

 

"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente  de censura ou licença;"

 

Esta garantia constitucional resguarda a qualquer pessoa o direito de se manifestar a arte. Do mesmo modo, o inciso XIII, estabelece que:

 

"É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

 

No entanto, a lei não pode indiscriminadamente regulamentar atividade sem observância dos princípios básicos da razoabilidade e da proporcionalidade, ou seja, ela tem que atender os objetivos de cunho essencial, sem violar direitos e liberdade em confronto com a norma constitucional.
A existência das entidades corporativistas, como os conselhos profissionais se justifica na medida em que o ramo de atividade representa algum potencial lesivo à sociedade como um todo, porquanto, tem como objetivo resguardar interesses públicos, no que se refere à saúde, segurança, patrimônio, bem estar e outras similaridades, o que não é o caso dos músicos, cuja profissão, não importa risco à sociedade, sendo a mais livre expressão da arte.

 

Também, recentemente o C.  Supremo Tribunal Federal já se posicionou , no julgamento da ADPF nº 183, pela desnecessidade da fiscalização da profissão de músico por parte do conselho, não se sujeitando ao pagamento de taxas, tendo em vista tratar-se de atividade que não gera riscos a terceiros, raciocínio aplicável também à profissão de artista. Confira-se a ementa do julgado:

 

“CONSTITUCIONAL. LEI FEDERAL 3.857/1960. INSTITUI A ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL CONFERINDO PODER DE POLÍCIA SOBRE A PROFISSÃO DE MÚSICO. LIBERDADES DE PROFISSÃO E MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA (ARTS. 5º, IX E XIII, DA CF). INCOMPATIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO ESTATAL NESSE TIPO DE ATIVIDADE.

1. O art. 5º, XIII, parte final, da CF admite a limitação do exercício dos trabalhos, ofícios ou profissões, desde que materialmente compatível com os demais preceitos do texto constitucional, em especial o valor social do trabalho (arts. 1º, IV; 6º, caput e inciso XXXII; 170, caput e inciso VIII; 186, III, 191 e 193 da CF) e a liberdade de manifestação artística (art. 5º, IX, da CF). 2. As limitações ao livre
exercício das profissões serão legítimas apenas quando o inadequado exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a critérios de adequação e razoabilidade, o que não ocorre em relação ao exercício da profissão de músico, ausente qualquer interesse público na sua restrição.

3. A existência de um conselho profissional com competências para selecionar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de músico (art. 1º), para proceder a registros profissionais obrigatórios, para expedir carteiras profissionais obrigatórias (arts. 16 e 17) e para exercer poder de polícia,aplicando penalidades pelo exercício ilegal da profissão (arts. 18, 19, 54 e 55), afronta as garantias da liberdade de profissão e de expressão artística.

4. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada procedente.”(STF ADPF nº 183, Rel. Min. Alexandre de Morais – TP, DJe: 18/11/2019)

(g.n.)

Nesse sentido:

 

RE 1246804 / PR - PARANÁ

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator(a): Min. GILMAR MENDES

Julgamento: 06/04/2020

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO DJe-088 DIVULG 13/04/2020 PUBLIC 14/04/2020

Partes

RECTE.(S) : UNIÃO ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL RECDO.(A/S) : SUPERINTENDENTE DA SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO TRABALHO E EMPREGO NO PARANÁ - SRTE/PR, DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO - MTE E OUTRO(A/S) ADV.(A/S) : LUIZ CARLOS RECDO.(A/S) : LIVE NATION BRASIL ENTRETENIMENTO LTDA. ADV.(A/S) : WAGNER WELLINGTON RIPPER RECDO.(A/S) : PRESIDENTE DA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL, CONSELHO REGIONAL DO ESTADO DO PARANÁ ¿ OMB/PR, RECDO.(A/S) : PRESIDENTE DO SINDICATO DOS ARTISTAS E TÉCNICOS EM ESPETÁCULOS DE DIVERSÕES DO ESTADO DO PARANÁ - SATED/PR RECDO.(A/S) : PRESIDENTE DO SINDICATO DOS MÚSICOS PROFISSIONAIS DO ESTADO DO PARANÁ - SINDMUSI

Decisão: Trata-se de recurso extraordinário em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ementado nos seguintes termos: “TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL. TAXA. LEI 3.857/60 E LEI 6.533/78. 1. É inexigível a taxa de fiscalização prevista no art. 53 da Lei 3.857/60, incidente sobre o valor do contrato, no caso de o músico ser estrangeiro. 2. A taxa de contribuição de 10%, prevista no art. 25 da Lei 6.533/78, não pode ser exigida do contratante de artista estrangeiro domiciliado no exterior”. (eDOC 1, p. 88) No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, aponta-se violação aos artigos 97 e 149 do texto constitucional, bem como à Súmula Vinculante 10 do STF. Nas razões recursais, alega-se que o tribunal de origem, ao afastar a aplicação do art. 53 da Lei 3.857/60 e do art. 25 da Lei 6.533/1978 na hipótese, teria violado a cláusula da reserva de plenário. Sustenta-se que a previsão contida nos referidos dispositivos cuidam de contribuições de intervenção no domínio econômico, cuja validade encontra fundamento no art. 149 da Constituição Federal. Para tanto, argumenta-se que podem assumir caráter extrafiscal, com o objetivo de garantir a defesa e valorizar o patrimônio cultural brasileiro. A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela negativa de provimento do recurso (eDOC 119). É o relatório. Decido. A irresignação não merece prosperar. Inicialmente, registro que esta Corte, no julgamento da ADPF 183, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe 18.11.19, julgou procedente a ação, para declarar que não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988 diverso dispositivos da Lei 3.857/1960. Confira-se a ementa desse julgado: "CONSTITUCIONAL. LEI  FEDERAL 3.857/1960. INSTITUI A ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL CONFERINDO PODER DE POLÍCIA SOBRE A PROFISSÃO DE MÚSICO. LIBERDADES DE PROFISSÃO E MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA (ARTS. 5º, IX E XIII, DA CF). INCOMPATIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO ESTATAL NESSE TIPO DE ATIVIDADE. 1. O art. 5º, XIII, parte final, da CF admite a limitação do exercício dos trabalhos, ofícios ou profissões, desde que materialmente compatível com os demais preceitos do texto constitucional, em especial o valor social do trabalho (arts. 1º, IV; 6º, caput e inciso XXXII; 170, caput e inciso VIII; 186, III, 191 e 193 da CF) e a liberdade de manifestação artística (art. 5º, IX, da CF). 2. As limitações ao livre exercício das profissões serão legítimas apenas quando o inadequado exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a critérios de adequação e razoabilidade, o que não ocorre em relação ao exercício da profissão de músico, ausente qualquer interesse público na sua restrição. 3. A existência de um conselho profissional com competências para selecionar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de músico (art. 1º), para proceder a registros profissionais obrigatórios, para expedir carteiras profissionais obrigatórias (arts. 16 e 17) e para exercer poder de polícia, aplicando penalidades pelo exercício ilegal da profissão (arts. 18, 19, 54 e 55), afronta as garantias da liberdade de profissão e de expressão artística. 4. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada procedente”. Na ocasião desse julgamento, o Pleno desta Corte sedimentou o entendimento de que a existência de um conselho profissional que regule a profissão de músico afronta as garantias da liberdade de profissão e expressão artística. Nesse contexto, assentou que limitações ao livre exercício das profissões serão legítimas apenas quando o inadequado exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a critérios de adequação e razoabilidade, o que não ocorre em relação ao exercício da profissão de músico, ausente qualquer interesse público na sua restrição. Assim, não se afigura legítima a cobrança da taxa de fiscalização (art. 53 da Lei n. 3.857/1960) pela Ordem dos Músicos do Brasil, tendo em vista a ausência do fato gerador da taxa, a saber, o exercício do poder de polícia ou a utilização de serviço público específico e divisível. Do mesmo modo, não procede a cobrança de contribuição em favor da categoria profissional (art. 25 da Lei n. 6.533/1978), em razão da inexistência de contrapartida da atuação do sindicato na área. Nesses termos, ponho-me de acordo com o seguinte trecho do parecer da Procuradoria-Geral da República: “Daí que não comporta reparo a decisão impugnada, sendo de rigor a conclusão de que não se afigura legítima a cobrança da taxa de fiscalização pela Ordem dos Músicos do Brasil (art. 53 da Lei  n. 3.857/1960), pois ausente o fato gerador da taxa, qual seja, o exercício do poder de polícia ou a utilização de serviço público específico e divisível (art. 77 do CTN); também ilegítima é a cobrança de contribuição em favor da categoria profissional (art. 25 da Lei n. 6.533/1978), já que ausente a contrapartida da atuação do sindicato na área de interesse da categoria (art. 149, caput, da CRFB/1988), considerando-se que seria pressuposto da sua cobrança a prévia filiação dos artistas, o que não se pode presumir quanto à contratação de estrangeiro, já que a filiação a associação sindical não pode ser suposta ou imposta por norma infraconstitucional (art. 8º, caput e inciso V, da Constituição Federal)”. (eDOC 119, p. 20-21) Cabe ressaltar ainda, no tocante ao art. 53 da Lei 3.857/60, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 795.467-RG/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, reconheceu existente a repercussão geral da matéria constitucional semelhante ao caso dos autos. Nessa oportunidade, esta Corte reafirmou sua jurisprudência, no sentido da incompatibilidade com a Constituição Federal de 1988 da exigência de inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil, bem como de pagamento de anuidade, para o exercício de tal profissão. Eis a ementa desse julgado: “ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL (OMB). PAGAMENTO DE ANUIDADES. NÃO-OBRIGATORIEDADE. OFENSA À GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO (ART. 5º, IX, DA CF). REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 414.426, rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 10-10-2011, firmou o entendimento de que a atividade de músico é manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão, sendo, por isso, incompatível com a Constituição Federal de 1988 a exigência de inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil, bem como de pagamento de anuidade, para o exercício de tal profissão. 2. Recurso extraordinário provido, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria. (RE 795467 RG, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe 24.06.14) Nesses termos, entendo que o acórdão impugnado não diverge da jurisprudência desta Suprema Corte. Por fim, a parte recorrente argumenta ainda afronta à Súmula Vinculante 10, na medida em que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região teria afastado a aplicação do art. 53 da Lei 3.857/60 e do art. 25 da Lei 6.533/1978, sem declarar a inconstitucionalidade desses dispositivos. Transcrevo o seguinte trecho da decisão impugnada: “A Lei 3.857/60, que criou a Ordem dos Músicos do Brasil, também disciplina o trabalho dos músicos estrangeiros, prevendo que os contratos com estes celebrados somente serão registrados depois do pagamento de uma taxa de 10% sobre o valor do contrato: (…) Se não há necessidade de inscrição do músico brasileiro - o que dispensa a fiscalização da profissão pela Ordem dos Músicos - também não se afigura legítima a cobrança de uma taxa de fiscalização, incidente sobre o valor do contrato, no caso de o músico ser estrangeiro. Além disso, por se tratar de taxa decorrente do exercício do poder de polícia, não poderia tomar como base de cálculo o valor do contrato, que é o preço do show e serve de base de cálculo do ISS (item 12.16 da LC 116/03)(art. 145, §2º, da CF), também não se justificando que metade dos recursos sejam direcionados à entidade privada (sindicato), uma vez que isto desvirtua a finalidade constitucional da taxa, enquanto tributo vinculado à atuação estatal. (…) 2.2 Contribuição da Lei 6.533/76. A Lei 6.533/78 regula o exercício das profissões de artistas e de técnico em espetáculo de diversões. Os preceitos da lei são aplicados às pessoas físicas ou jurídicas que tiverem a seu serviço os profissionais antes mencionados (art. 3º). Na hipótese de contratação de estrangeiro domiciliado no exterior, é exigido o pagamento de 10% do valor do ajuste à entidade sindical da categoria profissional, nos termos do que dispõe o art. 25: Art . 25 - Para contratação de estrangeiro domiciliado no exterior, exigir-se-á prévio recolhimento de importância equivalente a 10% (dez por cento) do valor total do ajuste à Caixa Econômica Federal em nome da entidade sindical da categoria profissional. A natureza jurídica da importância equivalente a 10% do valor total do ajuste é de tributo, uma vez que se trata de uma prestação pecuniária compulsória instituída por lei e que não decorre de ato ilícito (art. 3º do CTN). Sendo tributo, taxa de polícia não é porque a entidade sindical, além de possuir personalidade jurídica de direito privado, não tem poder de fiscalização sobre os contratos firmados com artistas estrangeiros. Tudo indica, portanto, que o valor compulsório exigido do contratante é uma contribuição sindical disfarçada, nos termos do art. 149, caput, da Constituição Federal. Porém, não encontra amparo no art. 578 da CLT e não pode ser exigida de um terceiro que não integra a categoria profissional, como é o caso daquele que contrata artista estrangeiro domiciliado no exterior”. (eDOC 87, p. 2-5) Depreende-se do excerto acima que o tribunal de origem interpretou os dispositivos da Lei 3.857/60 e da Lei 6.533/1978, bem como a Consolidação das Leis Trabalhistas, para assentar que referida legislação não seria aplicável ao caso, tendo em vista a natureza jurídica das exações nela previstas. Com efeito, deixou de aplicar as mencionadas normas jurídicas, em razão da impossibilidade de subsunção dos fatos delineados ao citado comando normativo. Nesses termos, observo que o tribunal a quo não declarou a inconstitucionalidade de dispositivos das referidas leis, nem afastou a sua aplicação por julgá-los inconstitucionais, mas, apenas, no exercício da atividade jurisdicional, interpretou as citadas normas legais. Com efeito, a jurisprudência do STF é firme no sentido de que é necessário que a decisão de órgão fracionário fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal e o texto constitucional  para caracterizar violação à cláusula de reserva de plenário, o que não se verificou no caso concreto. Confiram-se, a propósito, os seguintes julgados de ambas as turmas desta Corte: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO EM 13.12.2018. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. REGULAMENTO VIGENTE À ÉPOCA DA ADMISSÃO DO EMPREGADO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO. INAPLICABILIDADE DA NOVA ORIENTAÇÃO DA SÚMULA 288 DO TST. ALEGADA AFRONTA AO ART. 202 DA CF. OFENSA REFLEXA. TEMAS 181 E 662. INAPLICABILIDADE DO TEMA 606 DA RG. SUPOSTA OFENSA AO ART. 97 DA CF E À SÚMULA VINCULANTE 10. IMPROCEDÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Esta Corte, ao apreciar o RE-RG 598.365, de relatoria do Ministro Ayres Britto, DJe 26.03.2010 (tema 181), entendeu pela ausência de repercussão geral da questão suscitada quanto aos pressupostos de admissibilidade de recursos de competência de outros Tribunais, dado que as ofensas à Carta Magna, caso existentes, ocorreriam de modo indireto ou reflexo, o que inviabiliza o processamento do recurso. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do ARE-RG 742.083, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 1º.07.2013 (Tema 662), entendeu que não há repercussão geral quando se discute direito adquirido ao recebimento de complementação de aposentadoria, calculada de acordo com as normas vigentes à época da adesão a contrato de previdência privada. 3. Ao contrário do alegado pela parte Agravante não é aplicável, ao caso, o Tema 606 da RG, cujo paradigma é o RE-RG 655.283, de relatoria do Min. Marco Aurélio, DJe 02.05.2013, porquanto, na hipótese em análise, não se discute controvérsia relativa à reintegração de empregados públicos dispensados em decorrência da concessão de aposentadoria espontânea e à consequente possibilidade de acumulação de proventos com vencimentos. 4. O Tribunal de origem não ofendeu ao art. 97 da Constituição, tampouco, à Súmula Vinculante 10, uma vez que não há que se exigir reserva de plenário para a mera interpretação e aplicação das normas jurídicas que emergem do próprio exercício da jurisdição, sendo necessária para a caracterização da violação à cláusula de reserva de plenário que a decisão de órgão fracionário fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal e o Texto Constitucional, o que não se verificou no caso concreto. 5. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, tendo em vista que não houve prévia fixação de honorários na origem”. (ARE 1.173.344 AgR, Rel. Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe 29.11.2019 – grifou-se) “DIREITO ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. IPTU. CLASSIFICAÇÃO DO IMÓVEL. LOJAS DE SHOPPING CENTER E LOJAS DE RUA. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO DE LEGISLAÇÃO LOCAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 280/STF. ART. 97 DA LEI MAIOR. RESERVA DE PLENÁRIO. VIOLAÇÃO INOCORRENTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015. 1. Imprescindível, à caracterização da afronta à cláusula da reserva de plenário, que a decisão esteja fundamentada na incompatibilidade entre a norma legal e a Constituição Federal, o que não se verifica in casu. 2. As razões do agravo interno não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, principalmente no que se refere ao óbice da Súmula nº 280 do STF, a inviabilizar o trânsito do recurso extraordinário. A suposta afronta aos postulados constitucionais invocados no apelo extremo somente poderia ser constatada a partir da análise da legislação infraconstitucional local, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. 3. Agravo interno conhecido e não provido”. (ARE 981.443 ED-ED-AgR, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe 30.3.2020 – grifou-se) Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (artigo 932, VIII, do CPC, c/c art. 21, §1º, do RISTF) e, tendo em vista tratar-se de mandado de segurança na origem, deixo de aplicar o disposto no § 11 do art. 85 do CPC, em virtude do art. 25 da Lei 12.016/2009. Publique-se. Brasília, 6 de abril de 2020. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente

 

Destarte, ilegítima a cobrança das taxas previstas no art. 53 da L ei nº 3.857/1960 e no art. 25, da Le i n º 6.533/1978.

 

Ante o exposto, nego provimento às apelações e à remessa oficial, na forma da fundamentação supra.

 

Publique-se e intimem-se.

 

Decorrido o prazo legal para recurso, observadas as formalidades legais, baixem os autos à Vara de origem."

 

 

Com contrarrazões ao recurso.

 

É o relatório do essencial.

 

 

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5017966-35.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: SIND ARTISTAS E TECNICOS EM ESPETACULOS DIVERS NO E S P, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: BRUNO MARTINGHI SPINOLA - SP390511-A, DARISON SARAIVA VIANA - SP84000-A, SILVIO SARAIVA DE SOUZA - SP356845-A

APELADO: SIND ARTISTAS E TECNICOS EM ESPETACULOS DIVERS NO E S P, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, UNIÃO FEDERAL, WIGGLE PRODUCAO DE EVENTOS SPE EIRELI

Advogados do(a) APELADO: BRUNO MARTINGHI SPINOLA - SP390511-A, SILVIO SARAIVA DE SOUZA - SP356845-A
Advogado do(a) APELADO: PAULO FERNANDO RODRIGUES - SP160413-A

 

 

 VOTO

 

Mantenho a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos.

 

Ressalto que a vedação insculpida no art. 1.021, §3º do CPC/15 contrapõe-se ao dever processual estabelecido no §1º do mesmo dispositivo, que determina:

 

 Art. 1.021. (...) § 1o Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada.  

 

Assim, se as partes agravantes apenas reiteram os argumentos ofertados na peça anterior, sem atacar com objetividade e clareza os pontos trazidos na decisão que ora se objurga, com fundamentos novos e capazes de infirmar a conclusão ali manifestada, decerto não há que se falar em dever do julgador de trazer novéis razões para rebater alegações genéricas ou repetidas, que já foram amplamente discutidas.

 

Diante do exposto, voto por negar provimento aos agravos internos.

 

É como voto.

 



EMENTA

 

AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. ART. 1.021, § 3º DO NCPC. REITERAÇÃO. RECURSOS DESPROVIDOS.

- A vedação insculpida no art. 1.021, §3º do CPC/15 contrapõe-se ao dever processual estabelecido no §1º do mesmo dispositivo.

- Se as partes agravantes apenas reiteram os argumentos ofertados na peça anterior, sem atacar com objetividade e clareza os pontos trazidos na decisão que ora se objurga, com fundamentos novos e capazes de infirmar a conclusão ali manifestada, decerto não há que se falar em dever do julgador de trazer novéis razões para rebater alegações genéricas ou repetidas, que já foram amplamente discutidas.

- Agravos internos desprovidos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento aos agravos internos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.