AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012127-25.2021.4.03.0000
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO
AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL
AGRAVADO: A. F. S. D. S.
Advogado do(a) AGRAVADO: GRAZIELA COSTA LEITE - SP303190-N
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012127-25.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: A. F. S. D. S. Advogado do(a) AGRAVADO: GRAZIELA COSTA LEITE - SP303190-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União Federal, em face de decisão que, no bojo de ação ordinária (autos nº 5007714-02.2021.4.03.6100), concedeu antecipação dos efeitos de tutela provisória de urgência, determinando o fornecimento, às custas do Poder Público, do medicamento o Zolgensma (Onasemngene Abeparvovecxioi) em favor de Antonella Ferreira Salistiano da Silva para tratamento de Atrofia Muscular Espinhal tipo I. Invoca fundamentos atinentes à não demonstração dos requisitos necessários à concessão de tutela provisória de urgência na demanda principal, em especial quanto à imprescindibilidade do tratamento pleiteado. Requer seja deferida a atribuição de efeitos suspensivos ao presente agravo de instrumento, bem como a concessão da tutela recursal para determinar-se a suspensão dos efeitos da decisão recorrida. Sobreveio decisão monocrática deste Relator indeferindo, em liminar, a tutela recursal, ao que o ente público interpôs agravo interno. Com contraminuta, os autos vieram conclusos. O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012127-25.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: A. F. S. D. S. Advogado do(a) AGRAVADO: GRAZIELA COSTA LEITE - SP303190-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A questão posta nos autos diz respeito à concessão gratuita de medicamentos não incorporados em atos normativos do Sistema Única de Saúde – SUS. Não tendo havido alterações fáticas ou jurídicas relevantes desde a decisão de deferimento da medida liminar, reiteram-se seus fundamentos. A tutela provisória de urgência, em sua modalidade antecipada, objetiva adiantar a satisfação da medida pleiteada, garantindo a efetividade do direito material discutido. Para tanto, nos termos do art. 300 do atual Código de Processo Civil, exige-se, cumulativamente, a demonstração da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora). Depreende-se dos autos da ação principal haver inquestionável o perigo do dano, tendo em vista tratar-se de paciente acometido por doença de alta letalidade, com iminente imposição de paralisia irreversível e incapacitante (Atrofia Muscular Espinhal tipo 1). Igualmente, reputa-se comprovada a verossimilhança das alegações acerca do direito pretendido. Isto porque, ainda que no campo da definição de políticas públicas, seja possível priorizar a tutela das necessidades coletivas, não se pode, com esse raciocínio, deixar de promover a guarda dos direitos fundamentais, especialmente no que concerne ao chamado mínimo existencial, quando não houver, por parte do poder público, o devido suprimento às necessidades básicas do indivíduo. Não se cogita, igualmente, de indevida ingerência do Poder Judiciário na gestão de políticas públicas, visto que, em situações excepcionais, é cabível controle judicial para determinar que a Administração Pública cumpra determinada obrigação de fazer, cuja inadimplência possa comprometer a real eficácia dos direitos fundamentais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. Verifica-se, nesse sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. POSSIBILIDADE. FIXAÇÃO. MULTA DIÁRIA. DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente relevantes. 3. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 4. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra a União, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 5. Está devidamente comprovada a necessidade emergencial do uso do medicamento sob enfoque. A utilização desse remédio pela autora terá duração até o final da sua gestação, por se tratar de substância mais segura para o bebê. 6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite o bloqueio de verbas públicas e a fixação de multa diária para o descumprimento de determinação judicial, especialmente nas hipóteses de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde. 7. Recurso Especial não provido. (REsp 1488639/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 16/12/2014) Com efeito, no julgamento do REsp nº 1.657.156/RJ, pelo C. Superior Tribunal de Justiça, foi fixada a seguinte tese, acerca do fornecimento de medicamentos não distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde – SUS: "TESE FIXADA: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento , assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018." (EDcl no REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/09/2018, DJe 21/09/2018) No caso em comento, a insuficiência de recursos do demandante para arcar com o tratamento desejado foi demonstrada por documentos juntados à petição inicial (ID 160747408 – fl. 57). A este respeito, soma-se à baixa renda dos responsáveis pela postulante, o valor exorbitante da medicação em tela. Ademais, verifica-se, em consulta ao Portal da ANVISA (http://portal.anvisa.gov.br/consulta-produtos-registrados), que o medicamento Zolgensma (Onasemngene Abeparvovecxioi), encontra-se atualmente registrado pela Agência Reguladora, sob o número 100681174 (processo nº 25351.030622/2020-65), desde 17.08.2020. O relatório médico trazido aos autos (ID 160747408 – fl. 62/63), por sua vez, atesta o diagnóstico da paciente e confirmara a indispensabilidade do fármaco para a melhora da condição de saúde desta, uma vez que inexiste, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, tratamento de eficácia semelhante. Isto posto, em face das peculiaridades do caso, acrescentam-se as seguintes considerações. Ressalta-se, por ora, que a eficiência da terapêutica à base de Zolgensma (Onasemngene Abeparvovecxioi) exige sua ministração em pacientes de até 2 anos de idade, conforme recomendações de sua própria bula. Haja vista que a requerente é nascida em 11.08.2020, reputa-se suficientemente assegurada a adequação do tratamento pretendido, não cabendo qualquer outra divagação a respeito da idade da parte autora. Sobre outro aspecto, verifica-se também que o Governo Federal, através da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED, vem empreendendo esforços em estabelecer um valor máximo reduzido para a venda do Zolgensma (Onasemngene Abeparvovecxioi) no Brasil, o que pode representar uma das etapas de incorporação do medicamento aos atos normativos do Sistema Único de Saúde – SUS, e fortalece os argumentos no sentido de sua imprescindibilidade (https://epoca.globo.com/sociedade/anvisa-reduz-em-92-milhoes-preco-do-remedio-mais-caro-do-mundo-1-24789281; https://www.metropoles.com/colunas-blogs/janela-indiscreta/anvisa-reduz-em-r-92-milhoes-preco-do-remedio-mais-caro-do-mundo). Em arremate, observa-se o precedente desta E. Corte, que determinou o fornecimento de Zolgensma (Onasemngene Abeparvovecxioi) a paciente pediátrico. Verbis: ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. ZOLGENSMA. AGRAVANTE PORTADORA DE AME - AMIOTROFIA MUSCULAR ESPINHAL TIPO 1. IMPRESCINDIBILIDADE PARA A VIDA E SAÚDE DA POSTULANTE. EXPECTATIVA DE CURA DA PATOLOGIA. INEFICÁCIA DA TERAPIA FORNECIDA PELO SUS. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Os direitos fundamentais à vida e à saúde são de natureza subjetiva, inatos à pessoa humana, irrenunciáveis, indisponíveis e inalienáveis, constitucionalmente protegidos, cujo fundamento, em um Estado Democrático de Direito, erguido sobre o pilar da proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. 2. É assente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser obrigação inafastável do Estado assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, mormente as mais graves, bem como de haver responsabilidade solidária entre os entes federativos no exercício desse múnus constitucional. Precedentes. 3. A jurisprudência se assentou no sentido de que, havendo conflito entre o direito fundamental à vida (art. 5º, Constituição Federal) e à saúde (art. 6º, Constituição Federal) do cidadão hipossuficiente e eventual custo financeiro imposto ao Poder Público, deve ser dada prioridade àqueles, pois o Sistema Único de Saúde - SUS - deve prover os meios para se fornecer medicação e tratamentos que sejam necessários a preservação da vida, saúde e dignidade do paciente sem condições financeiras para custeio pessoal ou familiar, segundo prescrição médica. Precedentes. 4. O E. Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do REsp 1.657.156/RJ, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, estabeleceu os requisitos para a concessão judicial de medicamentos não previstos pelo SUS: (i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. A Corte Superior estabeleceu, ainda, que tais critérios somente seriam exigidos para os processos distribuídos a partir da conclusão do presente julgamento. 5. No julgamento do mérito do RE 657.718, em 22/05/2019, Tema 500 da Repercussão Geral, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, no qual se discute a possibilidade, ou não, de se obrigar o Estado a fornecer medicamento não registrado na ANVISA, à luz dos arts. 1º, inc. II; 6º; 23, inc. II; 196; 198, II e § 2º; e 204 da Constituição Federal (publicação no DJe 232, divulgado em 24/10/2019), o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, fixou tese no sentido de que: “1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2006), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.” 6. Ainda, o Supremo Tribunal Federal, decidiu, por maioria, no âmbito do RE 566.471 relativo à obrigatoriedade do Estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para aquisição – Tema 6 da Repercussão Geral, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, em 11/03/2020, que o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo solicitados judicialmente, quando não estiverem previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional, do Sistema Único de Saúde (SUS), ressalvadas situações excepcionais, as quais serão definidas na formulação da tese. Entretanto, colhe-se, de Notícia veiculada no sítio eletrônico da Corte Superior, também em 11/03/2020, acerca do referido julgado, que a tese “vencedora entendeu que, nos casos de remédios de alto custo não disponíveis no sistema, o Estado pode ser obrigado a fornecê-los, desde que comprovadas a extrema necessidade do medicamento e a incapacidade financeira do paciente e de sua família para sua aquisição.” 7. Existindo requerimento de registro do ZOLGENSMA na ANVISA, conforme DOU de 17/08/2020, por meio da Resolução 3.061/2020, tendo sido o fármaco foi registrado na ANVISA, os elementos probatórios constantes dos autos são conclusivos ao atestarem que a agravante é portadora de AME – AME - AMIOTROFIA MUSCULAR ESPINHAL TIPO 1, doença grave, degenerativa e rara, sendo o medicamento por ela requerido, ZOLGENSMA, o único do mundo existente para o tratamento, com expectativa de cura da patologia. 8. Patente, portanto, a imprescindibilidade do fármaco para assegurar à agravante o cumprimento do direito fundamental à saúde (CF, art. 6º e 196) e, consequentemente, ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). 9. Agravo de instrumento provido. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO, 5012001-09.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal GISELLE DE AMARO E FRANCA, julgado em 08/09/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/09/2020) Pela mesma orientação, ressaltam-se os trechos da decisão proferida pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho (MS 026645/DF), na qual determinou-se, liminarmente, a concessão do fármaco em tela: 48. Com efeito, há neste confronto jurídico de teses, um aspecto complicador que pende ao mesmo tempo de maneira desfavorável e favorável à pretensão da impetrante: o tempo. Como se sabe, o tempo é uma constante inexorável, ou seja, ele não para, não espera e não pode ser voltado. 49. Assim, o tempo se apresenta extremamente desfavorável à pretensão da impetrante devido à constante perda funcional causada pela patologia que possui, a qual, causa a perda de neurônios, os quais não se regeneram, portanto, à primeira vista, objetiva-se a imediata paralisação desta perda funcional, que consequentemente tornará o quadro da impetrante estabilizado, para fins de tratamentos terapêutico outros, a fim de desenvolver as perdas sensoriais e motoras sofridas. 50. Não se pode ainda, olvidar que se está a tratar de um bebê, hoje com 14 meses de vida e, portanto, quanto antes de obter a paralisação da evolução da AME, melhor serão os resultados obtidos, para que esta infante possa desfrutar de uma sobrevida com dignidade, cumprindo, assim, o mandamento constitucional. 51. Ademais, a indicação do fabricante diz respeito à limitação de sua administração antes de o paciente completar dois anos de idade, que se dará em poucos meses, reforçando ainda mais a urgência da administração do medicamento à impetrante. 52. Ao contrário ainda, do que se vê na documentação acostada às informações da autoridade impetrante, tal limitação etária para a administração do medicamento não tem qualquer relação com o tipo da patologia, mas sim com o veículo que transporta o princípio ativo no organismo do paciente, que é chamado adenovírus, o qual, a partir de dois anos de idade, o paciente pode, com uma grande frequência, apresentar rejeição a esse veículo, fazendo com que a terapia gênica do Zolgensma® não cumpra o seu papel, que é o de fornecer ao organismo do paciente uma cópia saudável do gene faltante ou mutante, causador da AME. 53. Assim, além de o portador da AME estar a cada dia perdendo neurônios e, por conseguinte, capacidades sensoriais e motoras, a administração da terapia gênica ante do implemento dos dois anos de idade é imprescindível à viabilidade do sucesso do tratamento. 54. Ora, do que adianta ficar discutindo nos autos, matérias prejudiciais à vida digna de paciente de tenra idade que precisa de imediata administração de terapia inovadora, a qual se concedida apenas ao final, não terá nenhuma valia? 55. Porque deveria a impetrante aguardar a realização de prova pericial técnica ou qualquer outro estudo, se a cada dia que passa, seus neurônios diminuem e hoje existe a possibilidade de lhe ser proporcionada uma sobrevida digna? 56. Qual o aspecto que deverá balizar a conduta do julgador? A urgência na preservação da saúde e da vida, ou ao menos de uma sobrevida mais digna ou o apego formal às filigranas estritas e demoradas que, neste caso esvaziarão, por completo, qualquer possibilidade de êxito no tratamento da pequena impetrante. 57. Esses aspectos aqui traçados são necessários, especialmente diante da pressão emocional exercida sobre os Julgadores a partir do quadro fático que se emoldura e se apresenta nos autos, isto é, tanto se deve considerar a urgência e a angústia das famílias, por um lado, assim como se deve reputar a viabilidade do sistema universal de saúde brasileiro, por outro. 58. Quanto tempo seria necessário, no presente caso, à realização de uma perícia médica em tempos de pandemia? Quais serão os próximos entraves burocráticos que surgirão para atrapalhar a parte impetrante? Ante o exposto, julgou prejudicado o agravo interno e nego provimento ao agravo de instrumento. É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO. HIPOSSUFICIÊNCIA DO REQUERENTE. REGISTRO NA ANVISA. IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
1. A questão posta nos autos diz respeito à concessão gratuita de medicamentos não incorporados em atos normativos do Sistema Única de Saúde – SUS.
2. A tutela provisória de urgência, em sua modalidade antecipada, objetiva adiantar a satisfação da medida pleiteada, garantindo a efetividade do direito material discutido. Para tanto, nos termos do art. 300 do atual Código de Processo Civil, exige-se, cumulativamente, a demonstração da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
3. Ainda que no campo da definição de políticas públicas, seja possível priorizar a tutela das necessidades coletivas, não se pode, com esse raciocínio, deixar de promover a guarda dos direitos fundamentais, especialmente no que concerne ao chamado mínimo existencial, quando não houver, por parte do poder público, o devido suprimento às necessidades básicas do indivíduo.
5. Não se cogita, igualmente, de indevida ingerência do Poder Judiciário na gestão de políticas públicas, visto que, em situações excepcionais, é cabível controle judicial para determinar que a Administração Pública cumpra determinada obrigação de fazer, cuja inadimplência possa comprometer a real eficácia dos direitos fundamentais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes.
6. No julgamento do REsp nº 1.657.156/RJ, pelo C. Superior Tribunal de Justiça, foi fixada a seguinte tese, acerca do fornecimento de medicamentos não distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde – SUS: a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento , assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.
7. No caso em comento, a insuficiência de recursos do demandante para arcar com o tratamento desejado foi demonstrada por documentos juntados à petição inicial (ID 160747408 – fl. 57). A este respeito, soma-se à baixa renda dos responsáveis pela postulante, o valor exorbitante da medicação em tela.
8. Verifica-se, em consulta ao Portal da ANVISA (http://portal.anvisa.gov.br/consulta-produtos-registrados), que o medicamento Zolgensma (Onasemngene Abeparvovecxioi), encontra-se atualmente registrado pela Agência Reguladora, sob o número 100681174 (processo nº 25351.030622/2020-65), desde 17.08.2020. O relatório médico trazido aos autos (ID 160747408 – fl. 62/63), por sua vez, atesta o diagnóstico da paciente e confirmara a indispensabilidade do fármaco para a melhora da condição de saúde desta, uma vez que inexiste, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, tratamento de eficácia semelhante.
9. Ressalta-se que a eficiência da terapêutica à base de Zolgensma (Onasemngene Abeparvovecxioi) exige sua ministração em pacientes de até 2 anos de idade, conforme recomendações de sua própria bula. Haja vista que a requerente é nascida em 11.08.2020, reputa-se suficientemente assegurada a adequação do tratamento pretendido, não cabendo qualquer outra divagação a respeito da idade da parte autora.
10. Agravo interno prejudicado. Agravo de instrumento desprovido.