AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017674-17.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO: HUBBELL DO BRASIL, INDUSTRIA, COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO DE EQUIPAMENTOS ELETRICOS LTDA
Advogado do(a) AGRAVADO: VALERIA ZOTELLI - SP117183-A
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017674-17.2019.4.03.0000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL AGRAVADO: HUBBELL DO BRASIL, INDUSTRIA, COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO DE EQUIPAMENTOS ELETRICOS LTDA Advogado do(a) AGRAVADO: VALERIA ZOTELLI - SP117183-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento à concessão de tutela provisória de urgência, em procedimento cautelar antecedente, que garantiu ao contribuinte a “suspensão da exigibilidade dos créditos tributários de IRPJ e CSLL dos períodos de 2006 a 2008, objeto do processo administrativo n.º 10855-724.094/2011-70, devendo a autoridade impetrada se abster da prática de quaisquer atos tendentes à cobrança de tais valores, tais como, não inscrição do valor em Dívida Ativa da União, ajuizamento de execução fiscal, negativa de expedição de certidão de regularidade fiscal e inscrição do nome do autor no CADIN”. Alegou a União que: (1) ausente a probabilidade do direito, pois embora a relevância das alegações do contribuinte estejam calcadas exclusivamente em precedentes jurisprudenciais, existem outros tantos julgamentos contrários à sua pretensão; (2) o crédito tributário lançado foi objeto de discussão na esfera administrativa por mais de oito anos, tendo passado por todas as instâncias respectivas, inexistindo, portanto, probabilidade do direito ou possibilidade de dano; e (3) além de mero receio de cobrança não constituir perigo de dano a justificar medida antecipatória, o contribuinte está há quase uma década sob ameaça de imediata cobrança da dívida, não havendo urgência em impedir a exigência. Não houve concessão de antecipação de tutela recursal. Houve contraminuta. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017674-17.2019.4.03.0000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL AGRAVADO: HUBBELL DO BRASIL, INDUSTRIA, COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO DE EQUIPAMENTOS ELETRICOS LTDA Advogado do(a) AGRAVADO: VALERIA ZOTELLI - SP117183-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Senhores Desembargadores, no procedimento cautelar antecedente, HUBBELL DO BRASIL INDÚSTRIA, COMÉRCIO, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTOS ELÉTRICOS LTDA insurge-se contra exigência de IRPJ e CSL dos anos-calendários 2006 a 2008, decorrente da glosa de deduções de ágio pago na aquisição da participação societária de empresa, efetuada nos termos do artigo 385 e 386 do Decreto 3.000/1999 (reprodução dos artigos 7° e 8° da Lei 9.532/1997). Alegou o contribuinte que: (1) adquiriu em julho/2005 o total das quotas de participação da FÁBRICA DE PEÇAS ELÉTRICAS DELMAR LTDA (DELMAR), em operação com ágio registrado na contabilidade da adquirente e controladora (HUBBELL DO BRASIL); (2) nos termos do artigo 7°, III, da Lei 9.532/1997, estava autorizada a utilizar tal ágio como despesa para amortização de lucro real nos balanços posteriores, a razão de um 1/60 para cada mês do período de apuração; (3) em dezembro/2005, em operação denominada “incorporação reversa”, a DELMAR (controlada) incorporou a controladora HUBBELL DO BRASIL, transferindo-se o ágio registrado anteriormente na contabilidade da HUBBELL DO BRASIL para a contabilidade da DELMAR; (4) nos termos do artigo 7° da Lei 9.532/1997, a DELMAR utilizou o ágio, que foi adquirido da HUBBELL DO BRASIL, como despesa para amortizar lucro real nos anos-calendários de 2006, 2007 e 2008, com redução do IRPJ/CSL apurado nos períodos; (5) em 2011, a fiscalização glosou tais deduções do lucro real com o lançamento suplementar do IRPJ/CSL dos anos-calendários 2006, 2007 e 2008, por simulação na utilização do ágio como despesa, pois não caberia deduzir do lucro real ágio através do uso de “empresa veículo”, ocultando o real adquirente da incorporada, a matriz no exterior da HUBBELL DO BRASIL (HUBBELL Matriz); (6) impugnou o auto de infração, mantido pela Delegacia da Receita Federal do Brasil (DRJ), tendo o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) acolhido, por unanimidade, recurso voluntário para cancelar o débito; (7) porém, em recurso especial fazendário, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) restabeleceu parte do lançamento, por maioria, com voto de qualidade do presidente, considerando que a matriz utilizou-se de “empresa-veículo” (HUBBELL DO BRASIL) para incorporar a DELMAR sem existir, assim, confusão patrimonial entre verdadeira incorporante (HUBBELL Matriz) e incorporada (DELMAR) para autorizar a dedução do ágio; (8) a decisão devolveu ao CARF a análise dos demais tópicos do recurso voluntário, que haviam sido julgados prejudicados no julgamento anterior; (9) na análise respectiva, o CARF determinou o ajuste da base de cálculo do IRPJ/CSL dos anos calendários 2007 e 2008, com a manutenção da dedução do ágio na incorporação de outra empresa (“Comércio e Indústria de Produtos de Alta Tensão-CIPAT”), por não se tratar de questão discutida no auto de infração, afastando a multa isolada e a qualificação da multa de ofício (de 75% para 150%); (10) houve, então recurso especial fazendário apenas contra a qualificação da multa de ofício, sem discussão dos demais pontos, tendo o contribuinte interposto recurso especial para anular o auto de infração quanto ao ano calendário 2007, vez que o equívoco na glosa da dedução do ágio na aquisição da CIPAT da base de cálculo configurou prejuízo à liquidez do crédito, estando tais recursos pendentes de julgamento pela CSRF; (11) portanto, não há decisão fiscal definitiva em relação à impugnação do auto de infração relativo ao ano calendário 2007, dada a pendência de recurso administrativo; (12) há decisão definitiva no âmbito fiscal quanto: (i) ao afastamento da multa isolada; (ii) ajuste da base de cálculo dos anos calendários de 2007 e 2008 pela validade da dedução do ágio na incorporação da CIPAT (outra empresa); e (iii) à impossibilidade de utilização do ágio na incorporação da DELMAR na amortização do lucro real nos anos calendários de 2006 e 2008, por uso de “empresa veículo”; (13) por sua vez, pendem de exame na CSRF o restabelecimento da qualificação da multa de oficio e o cancelamento integral do auto de infração do ano calendário de 2007, por erro na apuração da base de cálculo do IRPJ/CSL no período respectivo, que comprometeu a liquidez do título; (14) em abril/2019, recebeu carta cobrança da RFB dos débitos do PA 10855.724.094/2011-70, relativos ao IRPJ/CSL dos anos calendários 2006, 2007 e 2008, em razão da glosa do ágio da incorporação da DELMAR, utilizado na redução da base de cálculo, objeto do auto de infração em exame administrativo; (15) infundada a cobrança, pois a decisão da CSRF, em que se proveu recurso especial fazendário com reforma do acórdão do CARF que havia anulado integralmente o auto de infração, decorreu de “voto de qualidade”, que corresponde a segundo voto (além do voto ordinário) proferido, em caso de empate, pelo presidente do órgão julgador, representante da autoridade fiscal, constituindo violação ao artigo 5°, LV, da CF/1988 e artigos 112, 142 e 204, CTN; (16) relativamente aos tributos dos anos calendários 2006 e 2008, o julgamento da CSRF reconheceu inexistente efetivo pagamento pela HUBBEL DO BRASIL dos valores com ágio aos proprietários da DELMAR para aquisição da totalidade de seu controle, sendo as partes contratantes independentes, o que permite concluir que não houve simulação; (17) a CSRF ressaltou que o único óbice ao aproveitamento do ágio para amortização do lucro real decorreu da utilização de “empresa veículo” (HUBBELL DO BRASIL) para aquisição e incorporação da DELMAR, com uso de recursos financeiros oriundos da HUBBELL Matriz, real adquirente, tendo sido a HUBBELL DO BRASIL extinta por incorporação pela controlada pouco tempo depois, assim revelando seu caráter de “empresa veículo”; (18) a HUBBELL DO BRASIL não constitui “empresa veículo”, pois foi criada porque as matrizes no exterior não possuíam subsidiárias ou representante no país, e a negociação e fechamento do negócio de forma direta trariam empecilhos operacionais e práticos, dificultando a conclusão; (19) não é vedado utilizar "empresa veículo" na aquisição de participação societária nem há norma prevendo tempo mínimo de existência, violando a decisão da CSRF os princípios da legalidade, da confiança e da segurança jurídica; e (20) a exigência imediata dos tributos do ano calendário 2007 é indevida, pois, devolvido pela CSRF o exame do recurso voluntário ao CARF de questões que haviam deixado se tratadas e aptas a ensejar integral cancelamento do lançamento fiscal, foi rejeitado o recurso do contribuinte com interposição de recurso especial, que obsta a cobrança a teor do artigo 151, III, CTN. A tutela provisória de urgência foi concedida, nos seguintes termos (Id 87232873, f. 163): “[...] No caso em apreço, a documentação carreada aos autos deixa claro que a empresa Hubbell do Brasil foi constituída para que se pudesse concretizar a transferência do controle societário da empresa Delmar para o grupo estrangeiro Hubbell, já que a empresa estrangeira não possuía subsidiária ou representante no Brasil o que tornou necessária a constituição de uma empresa no País. Posteriormente, houve a incorporação reversa, na qual a empresa investida Fábrica de Peças Elétricas Delmar Ltda. incorpora a investidora Hubbell do Brasil Sistemas de Energia Ltda, sendo que o art. 8º da Lei nº 9.532/1997 admite expressamente a possibilidade de amortização do ágio, ainda que a empresa incorporada seja aquela que detinha a propriedade da participação societária, ou seja, na situação de incorporação reversa. Notadamente, ao que se nota, as operações societárias realizadas em sequência foram indispensáveis para a conclusão do negócio, já que não há qualquer demonstração de ligação entre o grupo Delmar e a empresa estrangeira, sendo a Hubbell do Brasil controlada diretamente pelo grupo estrangeiro, sem que se verifique, neste momento, qualquer simulação no negócio. Desta feita, diante da aparente regularidade das operações societárias, tem-se pela legalidade da operação que originou o ágio, baseada em rentabilidade futura do investimento, o qual pode ser deduzido nos anos subsequentes para apuração do IRPJ e CSLL. Assim, princípio, entendo pela ilegalidade da glosa das despesas de amortização de ágio e, consequentemente, do lançamento tributário de IRPJ e CSLL, dos anos de 2006 a 2008, objetos do objetos do processo administrativo n.º 10855-724.094/2011-70.” Inicialmente, não se vislumbra ofensa ao artigo 5°, LV, da CF/1988 e artigos 112, 142 e 204, CTN no “voto de qualidade” previsto em caso de empate nos julgamentos da Câmara Superior de Recursos Fiscais. De fato, dispõe o artigo 25, § 9°, do Decreto 70.235/1972, que “os cargos de Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais serão ocupados por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que, em caso de empate, terão o voto de qualidade, e os cargos de Vice-Presidente, por representantes dos contribuintes”. Tal norma, recepcionada pela Constituição Federal como legislação ordinária, expressamente previu que em caso de empate o julgamento é definido pelo voto do representante fazendário, o que não implica, contudo, presunção de que o julgamento é parcial e ofensivo aos princípios da legalidade, imparcialidade, moralidade, devido processo legal e demais normas que estabelecem o Estado Democrático de Direito, até porque a coisa julgada administrativa não afasta o exame judicial da controvérsia, e o artigo 112, CTN, por sua vez, refere-se apenas a penalidades, que não se confundem para tal efeito com os tributos em si. Cabe notar que a existência de previsão legal de “voto de qualidade”, a possibilidade de abalo à ordem pública pela alteração na forma de funcionamento do órgão julgador e o risco do efeito multiplicador de causas diante da existência de inúmeros outros contribuintes veiculando mesma discussão, justificaram a concessão de decisão monocrática no Supremo Tribunal Federal pelo Ministro LUIZ FUX (MCSS 5.282, proferida em 25/03/2019). No mesmo sentido, vislumbrando inexistência de ofensa à Constituição Federal e à legislação, os seguintes precedentes desta Corte: AC 5000298-59.2017.4.03.6120, Rel. Des. Fed. CECILIA MARCONDES, DJe de 03/03/2020: “CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. VOTO DE QUALIDADE. ARTIGO 25, INCISO II, § 9º, DO DECRETO Nº 70.235/1972 E ARTIGO 54 DO REGIMENTO INTERNO DO CARF - CONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 149, § 2º, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - HIPÓTESE DE IMUNIDADE QUE ABRANGE APENAS AS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS E DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. CONTRIBUIÇÃO AO SENAR - NATUREZA JURÍDICA DE CONTRIBUIÇÃO DE INTERESSE DE CATEGORIA PROFISSIONAL - INCIDÊNCIA SOBRE AS RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÕES. HIGIDEZ E EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO FISCAL. 1. Mandado de segurança impetrado com o intuito de obter provimento jurisdicional que: a) determine a anulação dos créditos tributários constituídos nos processos administrativos nºs. 18088.720142/2012-81 e 18088.720141/2012-37, em razão da suscitada inconstitucionalidade do voto de qualidade utilizado para o desempate do julgamento proferido no CARF; b) declare a inexistência de relação jurídica que obrigue a impetrante ao recolhimento de contribuição ao Senar sobre as receitas decorrentes de exportação (exigida nos processos administrativos em apreço), tendo em vista a imunidade prevista no artigo 149, § 2º, I, da Constituição Federal. 2. As Turmas de Julgamento do CARF são compostas por 08 (oito) conselheiros, dentre eles 04 (quatro) representantes da Fazenda Nacional e 04 (quatro) representantes dos contribuintes. As deliberações são tomadas por maioria simples e, no caso de empate, caberá ao presidente o desempate (voto de qualidade). 3. De acordo com o artigo 25, inciso II, § 9,º do Decreto nº 70.235/1972, o voto de qualidade é aquele a ser proferido por conselheiro representante da Fazenda Nacional nos casos em que há empate nas decisões colegiadas do CARF. Em tais situações, este conselheiro, que já proferira o voto ordinário, votará pela segunda vez no mesmo julgamento. 4. Em ambos os processos administrativos impugnados, o mérito dos julgamentos, realizados pela 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do CARF, foi decidido mediante apresentação do voto de qualidade. 5. A norma que dá suporte jurídico ao voto de qualidade no âmbito do CARF (o Decreto nº 70.235/1972, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal) foi recepcionada pela ordem jurídica vigente com status de lei ordinária (transcrição de trecho de decisão monocrática proferida na Suspensão de Segurança nº 5.282 e excerto doutrinário). Procedimento de desempate que tem suporte em previsão normativa de nível legal. 6. Os conselheiros do CARF possuem liberdade na formação e na exteriorização de seu convencimento. O fato de o desempate ser realizado por representante fazendário não implica violação à isonomia ou a qualquer outro princípio constitucional, já que o entendimento a ser manifestado pelos conselheiros não está vinculado à sua origem (se representante fazendário ou dos contribuintes), mas à legalidade, à imparcialidade e, sobretudo, ao interesse público que deve nortear toda a atividade administrativa. 7. Não há que se supor que o voto de qualidade será sempre desfavorável ao contribuinte, tampouco que haverá parcialidade no desempate a ser realizado pelo conselheiro fazendário. 8. A tese, defendida pela impetrante e acolhida pela Magistrada, de prevalência do voto mais favorável ao contribuinte no caso de empate nas deliberações da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, é objeto do Projeto de Lei nº 6064/2016, em trâmite perante a Câmara dos Deputados. 9. Referido projeto de lei propõe alteração da redação do § 9º do inciso II do artigo 25 do Decreto nº 70.235/1972, bem como o acréscimo do § 4º ao artigo 37, de forma a extinguir o voto de minerva do conselheiro fazendário e estabelecer a prevalência da interpretação mais favorável ao contribuinte no caso de empate, reservando-se à PFN a possibilidade de ingressar com ação judicial após decisão administrativa definitiva. 10. Mera proposta legislativa, que obviamente não pode prevalecer perante a vigente redação do artigo 25, inciso II, § 9º, do Decreto nº 70.235/1972. 11. Diante da existência de disposição legal expressa e específica para a resolução dos empates nos julgamentos do CARF, não há que se falar em incidência do artigo 112 do CTN, que prevê hipótese de interpretação mais favorável ao acusado em caso de dúvida na interpretação de lei tributária que define infrações (ou lhe comina penalidades). 12. Precedentes do TRF3 (3ª, 4ª e 6ª Turmas) e TRF4. [...]” AI 5008674-27.2018.4.03.0000, Rel. Des. Fed. DIVA MALERBI, DJe de 26/09/2019: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA. TUTELA DE URGÊNCIA. SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE. CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARF. VOTO DE QUALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. 1. O artigo 54 do Regimento Interno do CARF (Portaria MF nº 343, de 09 de junho de 2015) estabelece que as turmas só deliberarão quando presente a maioria de seus membros, e suas deliberações serão tomadas por maioria simples, cabendo ao Presidente, além do voto ordinário, o de qualidade. 2. In casu, verifica-se do voto proferido pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, no Processo 16643.720008/2013-93, que, por voto de qualidade, negaram provimento o recurso especial do contribuinte, e por maioria de votos, negaram provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional. 3. O voto de qualidade adotado no CARF não viola o benefício da dúvida dada ao contribuinte por meio do artigo 112 do CTN. 4. Não há ilegalidade na previsão de voto de qualidade, que cabe ao Presidente do órgão julgador, na hipótese de empate em julgamento do CARF, nos termos do art. 54 do Regimento Interno do CARF. O membro do CARF , seja ele representante da Fazenda Nacional ou dos contribuintes, tem como função o julgamento do processo de exigência de tributos ou contribuições administrados pela Receita Federal com base no princípio da legalidade e da imparcialidade, ou seja, devem estar vinculados ao interesse público. 5. A jurisprudência desta E. Corte já decidiu no sentido de que, "ainda que não se desconheça o teor do art. 112 do Código Tributário Nacional, segundo o qual nos casos indicados em seus incisos deve haver interpretação da legislação tributária mais favorável ao contribuinte, tal previsão evidentemente não conduz a que o voto de qualidade do presidente da turma do CARF lhe seja sempre favorável, de sorte que igualmente não se vislumbra a princípio violação ao devido processo administrativo por conta de o voto de qualidade lhe ter sido desfavorável." (in, AI 0005472-98.2016.4.03.0000, Desembargador Federal NELTON DOS SANTOS, Terceira Turma, DJe 04/09/2017) 6. Agravo de instrumento desprovido. Agravo interno prejudicado.” Nem se alegue retroatividade do artigo 19-E da Lei 10.522/2002, inserido pela Lei 13.988/2020, no que previu hipóteses de afastamento do voto de qualidade. Em sentido contrário já decidiu, inclusive a Turma, a exemplo do seguinte precedente, dentre outros: ApCiv 5028207-05.2018.4.03.6100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJe 02/12/2020: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CARF. VOTO DE QUALIDADE. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA NA FORMA DO ARTIGO 112 DO CTN. ARTIGO 19-E DA LEI 10.522/2002. IRRETROATIVIDADE. LEI 9.430/1996. IN SRF 243/2002. PREÇO DE TRANSFERÊNCIA. MÉTODO DE PREÇO DE REVENDA MENOS LUCRO - PRL 60 e PRL 20. BLISTERIZAÇÃO E EMBALAGEM DE MEDICAMENTOS. AGREGAÇÃO DE VALOR. CRITÉRIO DEFINIDOR DA MARGEM DE LUCRO APLICÁVEL. LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE INOVAÇÃO NORMATIVA. RESPALDO EM ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO À ÉPOCA. INOCORRÊNCIA. MULTA DE OFÍCIO. DEPÓSITO PARCIAL POSTERIOR AO INÍCIO DA APURAÇÃO FISCAL. SELIC. 1. Como decidiu esta Turma em julgamento recente (ApCiv 5002663-15.2018.4.03.6100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, sessão de 04/11/2020, acórdão ainda não publicado), o artigo 19-E da Lei 10.522/2002 não comporta retroação. Com efeito, para além de que a retroação admitida pelo CTN é exclusivamente para reversão de penalidades (artigo 106), o comando legal em questão não veicula regra material (dado que o voto de qualidade não possui conteúdo material intrínseco, pois pode ser prolatado em favor de qualquer das partes), tampouco interpretativa (senão do artigo 25 do Decreto 70.235/1972, que estabeleceu originalmente a regra do voto de qualidade), sendo puramente processual, de modo que a aplicação respectiva deve ser imediata e, exclusivamente, ex nunc (artigo 14 do CPC). 2. De maneira conexa, o manejo do artigo 112 do CTN não induz entendimento diverso. Primeiro porque o dispositivo não embasa qualquer possibilidade de retroação do artigo 19-E da Lei 10.522/2002 (porque, além de igualmente tratar apenas de penalidades, não é norma de aplicação intertemporal de direito novo). Depois, porque não há que se confundir dúvida na aplicação da lei com resultado de julgamento colegiado. Como salientado no precedente da Turma referido: "(...) não há que se confundir técnica de votação com a análise, pelo intérprete, da legislação sobre o caso. O artigo 112 do CTN incide na aplicação da norma pelo intérprete, que o deve considerar ao apresentar seu entendimento sobre os fatos: no caso, na prolação de cada voto por cada conselheiro, e não na apuração do resultado do julgamento, pela Turma. Ainda que como decisão colegiada não se tenha resultado unânime ou mesmo majoritário em qualquer sentido, dada a divergência entre os votantes, que se presumem convictos de seus votos, disto não resulta configurada a situação de "dúvida" do órgão julgador no sentido legal e para o efeito preconizado (...) [é] certo que pode ser estabelecido que, em caso de empate de votação, o julgamento deve ser definido a favor do indivíduo. Sucede que isto não ocorre, a rigor, porque haja dúvida do colegiado sobre os fatos em julgamento, mas apenas porque, em votação, não há maioria convicta (como critério objetivo de proclamação de resultado) da conduta infracional. A técnica de votação (que poderia até mesmo impor maioria absoluta ou qualificada) em si não é, ou de qualquer forma representa, pronunciamento de mérito". (...) 10. Apelação desprovida." Sobre a questão de fundo, o procedimento cautelar antecedente pleiteou medida antecipatória para: “(i) no tocante ao ano de 2007, reconhecer e determinar a suspensão da exigibilidade do crédito tributário objeto do ano de 2007, uma vez que se encontra pendente de julgamento o recurso especial interposto pela Autora nos autos do Processo nº 10855-724.094/2011-70, na forma do art. 151, III, do CTN; (ii) com relação aos anos de 2006 e 2008, determinar a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários até o julgamento definitivo do presente feito, na forma do art. 151, V, do CTN, obstando-se, consequentemente, o prosseguimento dos atos administrativos tendentes à sua cobrança, tais como, mas não exclusivamente, a inscrição em Dívida Ativa da União, o ajuizamento de execução fiscal, a negativa de expedição de certidões de regularidade fiscal ou a sua inscrição no CADIN”. No caso, a HUBBELL DO BRASIL foi constituída em 09/05/2005, tendo como sócias as empresas sediadas no exterior HUBBEL MANAGEMENT INC e HUBBELL CANADA LP. Em 07/07/2005, adquiriu o total da participação social na DELMAR, pagando aos antigos sócios-proprietários o preço de R$ 32.560.000,00 (trinta e dois milhões, quinhentos e sessenta mil reais), e declarando em contabilidade que, em tal aquisição, houve ágio (diferença entre o valor de avaliação da empresa e o preço efetivamente pago) de R$ 22.810.069,60 (vinte e dois milhões oitocentos e dez mil e sessenta e nove reais e sessenta centavos), por “previsão dos resultados nos exercícios futuros” da adquirida. Tendo apurado ágio na aquisição da participação societária total na DELMAR, a HUBBELL DO BRASIL passou a deter valores passíveis de dedução no lucro real como despesa operacional, nos termos do artigo 385 e 386 do Decreto 3.000/1999 (reprodução dos artigos 7° e 8° da Lei 9.532/1997): “Art. 385. O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em: I - valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo seguinte; e II - ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor de que trata o inciso anterior. § 1º O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio serão registrados em subcontas distintas do custo de aquisição do investimento. § 2º O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes, seu fundamento econômico: I - valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade; II - valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros; III - fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas. § 3º O lançamento com os fundamentos de que tratam os incisos I e II do parágrafo anterior deverá ser baseado em demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante da escrituração. Art. 386. A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no artigo anterior: I - deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata o inciso I do § 2º do artigo anterior, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa; II - deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata o inciso III do § 2º do artigo anterior, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização; III - poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração; IV - deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que trata o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apuração do lucro real, levantados durante os cinco anos-calendário subseqüentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no mínimo, para cada mês do período de apuração. § 1º O valor registrado na forma do inciso I integrará o custo do bem ou direito para efeito de apuração de ganho ou perda de capital e de depreciação, amortização ou exaustão. § 2º Se o bem que deu causa ao ágio ou deságio não houver sido transferido, na hipótese de cisão, para o patrimônio da sucessora, esta deverá registrar: I - o ágio em conta de ativo diferido, para amortização na forma prevista no inciso III; II - o deságio em conta de receita diferida, para amortização na forma prevista no inciso IV. § 3º O valor registrado na forma do inciso II: I - será considerado custo de aquisição, para efeito de apuração de ganho ou perda de capital na alienação do direito que lhe deu causa ou na sua transferência para sócio ou acionista, na hipótese de devolução de capital; II - poderá ser deduzido como perda, no encerramento das atividades da empresa, se comprovada, nessa data, a inexistência do fundo de comércio ou do intangível que lhe deu causa. § 4º Na hipótese do inciso II do parágrafo anterior, a posterior utilização econômica do fundo de comércio ou intangível sujeitará a pessoa física ou jurídica usuária ao pagamento dos tributos ou contribuições que deixaram de ser pagos, acrescidos de juros de mora e multa, calculados de conformidade com a legislação vigente. § 5º O valor que servir de base de cálculo dos tributos e contribuições a que se refere o parágrafo anterior poderá ser registrado em conta do ativo, como custo do direito. § 6º O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, quando: I - o investimento não for, obrigatoriamente, avaliado pelo valor do patrimônio líquido; II - a empresa incorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha a propriedade da participação societária. § 7º Sem prejuízo do disposto nos incisos III e IV, a pessoa jurídica sucessora poderá classificar, no patrimônio líquido, alternativamente ao disposto no § 2º deste artigo, a conta que registrar o ágio ou deságio nele mencionado.” Ocorre que, em 31/12/2005, a controladora HUBBELL DO BRASIL foi incorporada pela controlada DELMAR, em operação de “incorporação reversa", deixando aquela de existir. Conforme artigo 386, §6°, do Decreto 3.000/1999, tal incorporação permitiu à DELMAR adquirir o ágio detido pela HUBBELL DO BRASIL, passando assim a titularizar direito à dedução dos valores no lucro real, como “outras despesas operacionais”, o que efetivamente ocorreu nos três anos-calendários seguintes (2006, 2007 e 2008), no montante de R$ 4.562.013,96, R$ 3.391.218,44 e R$ 5.086.828,76, respectivamente, acarretando redução da base de cálculo do IRPJ/CSL. Contudo, a fiscalização glosou tais amortizações, por “simulação com o propósito, no todo ou em parte, de evitar a ocorrência do fato gerador do IRPJ e, por consequência, da CSLL”, através de “incorporação às avessas com economia de tributos na controlada, utilização de empresa veículo para transferência de ágio, manutenção da mesma estrutura do grupo econômico após as operações, prática de atos sequenciais encadeados em curto espaço de tempo.” (Id 87232875, f. 184). O contribuinte impugnou a autuação, mantida pela DRJ por não ter sido comprovado, por laudo contemporâneo à aquisição da participação societária, o valor da expectativa de lucros futuros na empresa adquirida para motivar a inclusão de suposto ágio no preço do negócio (Id. 87232877, f. 264): “IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA - IRPJ Ano-calendário: 2006, 2007, 2008 AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. LANÇAMENTO. DECADÊNCIA. O prazo de decadência do direito de constituir o crédito tributário conta-se a partir do momento da amortização do ágio e não da data em que o ágio é registrado contabilmente. AQUISIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. ÁGIO. EXPECTATIVA DE RENTABILIDADE. LAUDO TÉCNICO. O laudo técnico que atesta a expectativa de rentabilidade como fundamento econômico do ágio pago na aquisição de participação societária deve ser elaborado ao tempo da negociação, de forma a refletir as condições e os fatores econômicos existentes no momento. MULTA QUALIFICADA. ÁGIO NÃO COMPROVADO. DOLO. CARACTERIZAÇÃO. O registro contábil e a subsequente amortização de ágio cuja existência não tenha sido comprovada caracteriza conduta dolosa, autorizando a aplicação de multa qualificada. MULTA ISOLADA. MULTA VINCULADA AO TRIBUTO. CUMULAÇÃO. VALIDADE. É válida a cumulação da multa isolada com a multa vinculada ao tributo, porquanto cada uma delas corresponde a uma infração distinta e autônoma. MULTA. VEDAÇÃO AO CONFISCO. EXAME NA ESFERA ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE. É vedado ao órgão administrativo o exame da constitucionalidade da lei e de eventuais ofensas pela norma legal a princípios constitucionais, inclusive aquele que veda tributo confiscatório. JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA SOBRE A MULTA. FATO NÃO OCORRIDO. CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. A cobrança de juros de mora sobre a multa de ofício só é passível de impugnação a partir do momento em que o fato se materializar, sendo defeso ao órgão julgador conhecer da impugnação para apreciar a matéria preventivamente. ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL Ano-calendário: 2006, 2007, 2008 CSLL E IRPJ. LANÇAMENTO. IDENTIDADE DE MATÉRIA FÁTICA. DECISÃO MESMOS FUNDAMENTOS. Aplicam-se ao lançamento da CSLL as mesmas razões de decidir aplicáveis ao lançamento do IRPJ, quando ambos recaírem sobre a mesma base fática.” Houve recurso voluntário, acolhido no CARF para anular o lançamento porque o demonstrativo de ágio deveria ter sido rebatido pela fiscalização tributária em momento próprio, inexistindo impedimento ao uso de ágio efetivamente pago, em negócio jurídico envolvendo partes independentes, transferido ao contribuinte em razão de incorporação reversa (Id 87237333, f. 222): “ÁGIO. AMORTIZAÇÃO. INCORPORAÇÃO REVERSA. DEDUTIBILIDADE. Após a incorporação da investidora pela investida (incorporação reversa), é dedutível a amortização de ágio decorrente da anterior aquisição de participação societária em negócio firmado entre partes independentes, em condições de mercado, baseado em expectativa de rentabilidade futura da investida e efetivamente pago à alienante do investimento. A incorporação da investidora pela investida (incorporação reversa) é operação prevista em lei, bem assim seus efeitos tributários. Se, no momento do lançamento, o Fisco teve acesso ao demonstrativo que fundamentava o ágio e deixou de questioná-lo, descabe fazê-lo em momento processual posterior. MULTA ISOLADA. FALTA DE RECOLHIMENTO DE ESTIMATIVAS. Afastada a glosa de despesas, desaparece de igual modo a insuficiência no recolhimento de estimativas, que dava causa ao lançamento de multas exigidas isoladamente. Essas multas devem, pois, ser também afastadas.” Contra tal acórdão, a Fazenda Nacional interpôs recurso especial, acolhido em parte pela CSRF, que considerou que o pagamento de ágio por meio de recursos financeiros repassados pelo verdadeiro adquirente à “empresa veículo” não atende aos requisitos dos artigos 385 e 386 do Decreto 3.000/1999 para dedução de ágio no lucro real. Determinou, assim, o retorno dos autos ao CARF para análise dos demais pontos do recurso voluntário não analisados anteriormente (Id 87237347, f. 74): “ÁGIO ORIUNDO DE AQUISIÇÃO COM USO DE RECURSOS FINANCEIROS DE OUTREM. AMORTIZAÇÃO. INDEDUTIBILIDADE. A hipótese de incidência tributária da possibilidade de dedução das despesas de amortização do ágio, prevista no art. 386 do RIR/1999, requer que participe da "confusão patrimonial" a pessoa jurídica investidora real, ou seja, aquela que efetivamente acreditou na "mais valia" do investimento, fez os estudos de rentabilidade futura e desembolsou os recursos para a aquisição. Não é possível o aproveitamento tributário do ágio se a investidora real transferiu recursos a uma "empresa veículo" com a específica finalidade de sua aplicação na aquisição de participação societária em outra empresa e se a "confusão patrimonial" advinda do processo de incorporação não envolve a pessoa jurídica que efetivamente desembolsou os valores que propiciaram o surgimento do ágio, ainda que a operação que o originou tenha sido celebrada entre terceiros independentes e com efetivo pagamento do preço. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL MATÉRIAS NÃO EXAMINADAS NA FASE DE RECURSO VOLUNTÁRIO. DEVOLUÇÃO À TURMA A QUO. Uma vez restabelecidas as autuações fiscais relativas às glosas das despesas de amortização de ágio, fazse necessário o retorno dos autos à Turma a quo para análise dos pontos específicos suscitados no recurso voluntário que deixaram de ser apreciados no acórdão recorrido.” Com o retorno dos autos, o CARF acolheu em parte o recurso voluntário do contribuinte quanto às questões remanescentes para afastar a multa isolada, a qualificação da multa de ofício e a glosa das deduções de ágio relacionadas a aquisição de outra empresa ("CIPAT"), não tratada no auto de infração, cancelando os débitos fiscais respectivos (Id 87237347, f. 135): “DECADÊNCIA ÁGIO PRAZO QUE SE INICIA DO FATO GERADOR E NÃO DOS ATOS QUE CONTRIBUIRAM PARA A SUA OCORRÊNCIA A jurisprudência deste Conselho é uníssona a afirmar que a decadência ocorre quanto ao fatosigno presuntivo de riqueza, ensejador da obrigação tributária, e não dos atos/fatos pretéritos, de efeitos prospectivos, que apenas contribuem para a materialização da hipótese de incidência. EXCESSO DE EXAÇÃO GLOSA DE DESPESAS ESTRANHAS AO OBJETO DO LANÇAMENTO Comprovada a glosa de despesas não questionadas pelos autos de infração, há que se reconhecer a necessidade de se adequar o lançamento a fim de excluir, da predita glosa, tais despesas. MULTA QUALIFICADA INOCORRÊNCIA DE ATOS FRAUDULENTOS, NA FORMA DOS ARTS. 71 E 71 DA LEI 4.502/64 OU SIMULADOS, TAL QUAL DEFINIDOS PELO CÓDIGO CIVIL O erro de interpretação, pelo contribuinte, das disposições legais de regência, não pode ser tomado como ato doloso tendente à ocultação do fato gerador das exações também não se pode conceber a ocorrência de simulação para os fins do art. 44 da Lei 9.430/96 a prática de atos com efeitos concretos às partes contratantes, ainda que o ágio observado nestas operações não possa ser deduzido da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. MULTA ISOLADA APURAÇÃO ACUMULADA E COMPUTADA APENAS NO MÊS DEZEMBRO DE CADA ANO NULIDADE RECONHECIDA DE OFÍCIO. Ao calcular e cumular a multa isolada no mês de dezembro de cada ano, sem a individualização desta por mês e de acordo com o valor de cada estimativa não paga ou insuficientemente recolhida, a fiscalização, além de tornar ilíquido o crédito, cerceia o direito de defesa do contribuinte, impondo-se, nesta parte, a anulação do auto de infração nos termos do art. 59, II, do Decreto 70.235/72. JUROS SOBRE MULTA DE OFÍCIO. É legal a exigência de juros moratórios calculados pela taxa Selic, inclusive sobre os valores das multas não pagas no vencimento. ÁGIO LANÇAMENTO REFLEXO CSLL PREVISÃO LEGAL EXPRESSA DEVIDAMENTE DECLINADA NOS AUTOS DE INFRAÇÃO A extensão das conclusões alcançadas pela fiscalização quanto a glosa de despesas com amortização de ágio concernentes ao IRPJ se estendem, por força de expressa previsão legal à CSLL, não havendo nulidade se tais comandos legais foram correta e escorreitamente declinados pela autoridade lançadora nos autos de infração.” Contra tal acórdão houve recurso especial tanto da Fazenda Nacional (Id 87237347, f. 159) como do contribuinte (Id 17029566, f. 22), este pleiteando a nulidade do auto de infração em relação ao ano-calendário 2007, pois a indevida glosa da amortização de ágio na aquisição da "CIPAT", que não foi tratada no auto de infração, torna ilíquido o lançamento. Frente ao constatado nos autos, cabe analisar a alegação de pendência, junto à CSRF, de recurso especial do contribuinte, relativamente aos tributos do ano-calendário 2007, de modo a impedir imediata exigência, nos termos do artigo 151, III, CTN. Constata-se, por consulta ao site do CARF, do qual faz parte a própria CSRF (https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarInformacoesProcessuais/consultarInformacoesProcessuais.jsf), que, no processo administrativo fiscal 10855.724094/2011-70, o recurso especial fazendário e do contribuinte já foram ambos objeto de decisão, em relação à qual foi interposto agravo ao presidente da CSRF, também já decidido. Dispõe o artigo 71 do Regimento Interno do CARF que “cabe agravo do despacho que negar seguimento, total ou parcial, ao recurso especial”, sendo que, de acordo com o seu §5°, “o Presidente da CSRF, em despacho fundamentado, acolherá ou rejeitará, total ou parcialmente, o agravo”. Por fim, o respectivo § 6° ressalta que “será definitivo o despacho do Presidente da CSRF que negar ou der seguimento ao recurso especial, não sendo cabível pedido de reconsideração ou qualquer outro recurso”. Tendo sido, pois, negado seguimento aos recursos especiais, assim como ao agravo interposto contra tal decisão, houve julgamento definitivo na esfera administrativa, afastando, assim, a hipótese de suspensão da exigibilidade com fundamento no artigo 151, III, CTN, inexistindo recurso administrativo pendente de julgamento a tornar indevida a cobrança. Com relação aos demais questionamentos, cabe ressaltar que HUBBELL CANADA LP (WEPAWAUG CANADA CORP) e HUBBELL MANAGEMENT INC. (HUBBELL LUXEMBOURG S.A.R.L.), sediadas no exterior, constituíram no Brasil a HUBBEL DO BRASIL e, após dois meses, aquela sócia, HUBBELL CANADA LP (à época denominada WEPAUAG CANADA CORP) remeteu ao país US$ 14.063.058,09 (quatorze milhões, sessenta e três mil e cinquenta e oito dólares e nove centavos), equivalentes, pelo câmbio da época, a R$ 32.999.001,00 (trinta e dois milhões, novecentos e noventa e nove mil e um reais), integralizando-os no capital da HUBBELL DO BRASIL. Após menos de uma semana, HUBBELL DO BRASIL adquiriu integralmente a participação societária da DELMAR, por R$ 32.560.000,00 (trinta e dois milhões, quinhentos e sessenta mil reais), declarando em contabilidade que, em tal aquisição, houve ágio (diferença entre o valor de avaliação da empresa e o preço efetivamente pago) de R$ 22.810.069,60 (vinte e dois milhões oitocentos e dez mil e sessenta e nove reais e sessenta centavos), por "previsão dos resultados nos exercícios futuros” da adquirida. Posteriormente, a controladora HUBBELL DO BRASIL foi incorporada pela controlada DELMAR, em operação denominada “incorporação reversa”, que permitiu a esta a aquisição do ágio dedutível detido pela incorporada. De fato, inexistiria, em princípio, vedação ao uso de “empresa veículo” para adquirir participação societária por empresa estrangeira. Contudo, cabe analisar se o procedimento atende à previsão legal para utilização e transferência de ágio na amortização do lucro real. O contribuinte não discute – aliás, reconhece -, que: (1) HUBBELL DO BRASIL teve existência de apenas seis meses; (2) não realizou nenhuma operação empresarial além do aumento de capital, aquisição total da DELMAR e incorporação daquela por esta; e (3) foi criada exclusivamente para servir de meio para aquisição da DELMAR pela HUBBELL CANADA LP (WEPAWAUG CANADA CORP) e HUBBELL MANAGEMENT INC. (HUBBELL LUXEMBOURG S.A.R.L.). Porém, o fato mais relevante é o reconhecimento de que os recursos utilizados na aquisição total da DELMAR pela HUBBELL DO BRASIL não foram gerados em operações mercantis por esta, mas transferidos da HUBBELL CANADA LP (WEPAWAUG CANADA CORP) menos de uma semana antes, sob justificativa de aumento de capital. De fato, o artigo 7° da Lei 9.532/1997 (e artigo 386 do Decreto 3.000/1999), ao tratar do uso de ágio para amortizar lucro real, previu, como exigências, que a pessoa jurídica incorporadora seja a efetiva adquirente da participação societária que gerou ágio (“A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio”), e que exista, ainda, confusão patrimonial (“absorver patrimônio de outra [...] na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio”). Tais requisitos (incorporação pela própria adquirente detentora de recursos financeiros utilizados e confusão patrimonial) relacionam-se com a própria finalidade e justificativa da previsão de amortização no lucro real do ágio no preço de aquisição, pago com fundamento em expectativa de lucro futuro. O fundamento negocial que se extrai da operação é a percepção de rentabilidade, pela investidora, das atividades desempenhadas pela investida para assim justificar o aporte de recursos para integrar o corpo societário daquela e fruir dos direitos de tal posição. Essa “mais valia” em relação ao que seria o valor justo do investimento é tributada como ganho de capital na investida, e integra o custo de aquisição do investimento na investidora. Em momento futuro, verificado lucro esperado na investida (fundamento do ágio), tal acréscimo patrimonial deve ser tributado, também e exclusivamente, na investida. De fato, pelo método de equivalência patrimonial (MEP), a variação do patrimônio líquido da investida é utilizada para atualizar o investimento na investidora, porém a diferença a maior ou a menor não reflete no resultado e tributação desta, sob pena de bis in idem. Ocorre que, com a confusão patrimonial entre investidora e investida deflagrada pela incorporação desta por aquela (ou vice-versa), reúnem-se, na mesma universalidade, tributação do lucro e despesa incorrida na expectativa de tal lucro. O desempenho positivo é alcançado pelo mesmo sujeito de direito que investiu sobrepreço na esperança de tal resultado. Daí o permissivo para que tal despesa seja amortizada, paulatinamente, na escrituração contábil. Sucede que, no caso dos autos, a percepção de rentabilidade futura da investida e a despesa incorrida para participar de tais resultados foi divisada pela HUBBELL CANADA LP (WEPAWAUG CANADA CORP), que desembolsou os valores investidos, não pela HUBBELL DO BRASIL, que apenas e admitidamente serviu de instrumento para concretização do investimento na DELMAR. Tanto assim que a controladora, posteriormente incorporada, nunca realizou qualquer operação mercantil e jamais possuiu lastro econômico próprio para efetivar o investimento. Logo, não se verifica subsunção do fato à norma de autorização de amortização de ágio, pois não há confusão patrimonial entre investida (responsável pelo resultado positivo) e investidora de fato (que suportou despesa para concretização de tal lucro). Neste sentido, cabe destacar trecho do voto proferido no julgamento da CSRF: “Percebe-se claramente, no caso, que o suporte fático delineado pela norma predica, de fato, que investidora e investida tenham que integrar uma mesma universalidade: A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio. [...] Ao se apreciar o aspecto pessoal, merecem relevo as palavras da doutrina, ao determinar que se trata da qualidade que determina os sujeitos da obrigação tributária. E a norma em análise se dirige à pessoa jurídica investidora originária, aquela que efetivamente acreditou na mais valia do investimento, fez os estudos de rentabilidade futura e desembolsou os recursos para a aquisição, e à pessoa jurídica investida. [...] Da mesma maneira, encontram-se situações no qual a pessoa jurídica A realiza aportes financeiros na pessoa jurídica C e, de plano, a pessoa jurídica C adquire participação societária da pessoa jurídica B com ágio. Em seguida, a pessoa jurídica C absorve patrimônio da pessoa jurídica B, ou vice versa, a passa a fazer a amortização do ágio. Mais uma vez, não é o que prevê o aspecto pessoal da hipótese de incidência da norma em questão. A pessoa jurídica que adquiriu o investimento, que acreditou na mais valia e que desembolsou os recursos para a aquisição foi, de fato, a pessoa jurídica A (investidora). No outro pólo da relação, a pessoa jurídica adquirida com ágio foi a pessoa jurídica B. Ou seja, o aspecto pessoal da hipótese de incidência, no caso, autoriza o aproveitamento do ágio a partir do momento em que a pessoa jurídica A (investidora) e a pessoa jurídica B (investida) passem a integrar a mesma universalidade. São as situações mais elementares. Contudo, há reorganizações envolvendo inúmeras empresas (pessoa jurídica D, E, F, G, H e assim por diante). Vale registrar que goza a pessoa jurídica de liberdade negocial, podendo dispor de suas operações buscando otimizar seu funcionamento, com desdobramentos econômicos, sociais e tributários. Contudo, não necessariamente todos os fatos são recepcionados pela norma tributária. [...] A partir do momento em que, em razão das reorganizações societárias, passam a ser utilizadas novas pessoas jurídicas (C, D, E, F, G, e assim sucessivamente), pessoas jurídicas distintas da investidora originária (pessoa jurídica A) e da investida (pessoa jurídica B), e o evento de absorção não envolve mais a pessoa jurídica A e a pessoa jurídica B, mas sim pessoa jurídica distinta (como, por exemplo, pessoa jurídica F e pessoa jurídica B), a subsunção ao art. 386 do RIR/99 torna-se impossível, vez que o fato imponível (suporte fático, situado no plano concreto) deixa de ser amoldar à hipótese de incidência da norma (plano abstrato), por incompatibilidade do aspecto pessoal. Em relação ao aspecto material, há que se consumar a confusão de patrimônio entre investidora e investida, a que faz alusão o caput do art. 386 do RIR (A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio...).Com a confusão patrimonial, aperfeiçoa-se o encontro de contas entre investidor e investida, e a amortização do ágio passa a ser autorizada, com repercussão direta na base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Na realidade, o requisito expresso de que investidor e investida passam a compor o mesmo patrimônio, mediante evento de transformação societária, no qual a investidora absorve a investida, ou vice versa, encontra fundamento no fato de que, com a confusão de patrimônios, o lucro auferido pela investida passa a integrar a mesma universalidade da investidora. SCHOUERI, com muita clareza, discorre que, antes da absorção, investidor e investida são entidades autônomas. O lucro auferido pela investida (que foi a motivação para que a investidora adquirisse a investida com o sobrepreço), é tributado pela própria investida. E, por meio do MEP, eventual acréscimo no patrimônio líquido da investida seria refletido na investidora, sem, contudo, haver tributação na investidora. A lógica do sistema mostra-se clara, na medida em que não caberia uma dupla tributação dos lucros auferidos pela investida. Por sua vez, a partir do momento em que se consuma a confusão patrimonial, os lucros auferidos pela então investida passam a integrar a mesma universalidade da investidora. Reside, precisamente nesse ponto, o permissivo para que o ágio, pago pela investidora exatamente em razão dos lucros a serem auferidos pela investida, possa ser aproveitado, vez que passam a se comunicar, diretamente, a despesa de amortização do ágio e as receitas auferidas pela investida. Ou seja, compartilhando o mesmo patrimônio investidora e investida, consolida-se cenário no qual a mesma pessoa jurídica que adquiriu o investimento com mais valia (ágio) baseado na expectativa de rentabilidade futura, passa a ser tributada pelos lucros percebidos nesse investimento. Verifica-se, mais uma vez, que a norma em debate, ao predicar, expressamente, que para se consumar o aproveitamento da despesa de amortização do ágio, os sujeitos da relação jurídica seriam a pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, ou seja, investidor e investida, não o fez por acaso. Trata-se precisamente do encontro de contas da investidora originária, que incorreu na despesa e adquiriu o investimento, e a investida, potencial geradora dos lucros que motivou o esforço incorrido.” Portanto, o pagamento de ágio com recursos da própria investidora e a confusão patrimonial constituem requisitos que devem ser cumulativamente observados para tornar possível a amortização da “mais valia” nos resultados futuros da investida, por constituir o próprio fundamento legal e a “mens legis” do instituto. Todavia, no caso, como visto, não pertencendo os recursos para aquisição da DELMAR à HUBBELL DO BRASIL, mas às respectivas empresas sócias, na qualidade de verdadeiras investidoras sediadas no exterior, e ainda não se verificando confusão patrimonial entre real investidor (que efetuou despesa) e investida (que percebeu resultado), não se autoriza, segundo a legislação, a amortização do ágio pago na aquisição de posição societária. Além da inexistência de subsunção dos fatos concretos à norma tributária, exsurgem relevantes dúvidas sobre a efetiva expectativa de lucros no montante do ágio pago pela HUBBELL DO BRASIL à DELMAR, pois relativo a 280% da soma dos lucros líquidos auferidos pela DELMAR nos últimos sete anos anteriores à aquisição (Id 87232877, f. 271). Tal procedimento - consistente em interposição de “empresa veículo” como meio para aquisição de participação total em sociedades deficitárias, aplicação de ágio artificial no preço e posterior incorporação da investidora pela investida para possibilitar a esta o uso de despesas na amortização da base de cálculo do IRPJ/CSL - tem sido largamente difundido no meio empresarial e amplamente combatido pelas autoridades tributárias. Neste sentido, constou do voto da CSRF (Id 87237347, f. 96): “[...] O que se pode observar é que o único requisito a ser cumprido, como perda de capital, é que o acervo líquido vertido em razão da incorporação, fusão ou cisão estivesse avaliado a preços de mercado. Contudo, para que se consumasse a perda de capital prevista no inciso I, o valor contábil deveria ser maior do que o acervo líquido avaliado a preços de mercado, e tal situação se mostraria viável, especialmente, quando, imediatamente após à aquisição do investimento com ágio, ocorresse a operação de incorporação, fusão ou cisão. Ocorre que tal previsão se consumou em operações um tanto quanto questionáveis por vários contribuintes, mediante aquisição de empresas deficitárias pagando-se ágio, para, logo em seguida, promover a incorporação da investidora pela investida. As operações ocorriam quase simultaneamente.” A realização de operações, utilizando "empresa-veículo” para afastar incidência de tributos em empresas adquiridas por investidoras sediadas no estrangeiro, foi objeto de preocupação externada na redação do artigo 8° da MP 1.602/1997, convertida na Lei 9.532/1997, conforme constou expressamente da respectiva exposição de motivos (http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/dados/Lists/Pedido/Attachments/536978/RESPOSTA_ PEDIDO_RESP_00077_000091_2017-46_09-02-2017%20-%20CC%20-%20EXM%20MP%201 602_1997(1).pdf): “[...] O art. 8° estabelece o tratamento tributário do ágio ou deságio decorrente da aquisição, por uma pessoa jurídica, de participação societária no capital de outra, avaliada pelo método de equivalência patrimonial. Atualmente, pela inexistência de regulamentação legal relativa a esse assunto, diversas empresas, utilizando dos já referidos ‘planejamentos tributários’, vem utilizando o expediente de adquirir empresas deficitárias, pagando ágio pela participação, com a finalidade única de gerar ganhos de natureza tributária mediante o expediente, nada ortodoxo, de incorporação de empresa lucrativa pela deficitária. Com as normas previstas no Projeto, esses procedimentos não deixarão de acontecer, mas, com certeza, ficarão restritos às hipóteses de casos reais, tendo em vista o desaparecimento de toda vantagem de natureza fiscal que possa incentivar a sua adoção exclusivamente por esse motivo.” Neste sentido, cabe citar o seguinte precedente da Corte: AC 0017237-12.2010.4.03.6100, Rel. Juiz Fed. RUBENS CALIXTO, DJe de 12/09/2014: “PROCESSUAL E TRIBUTÁRIO. SENTENÇA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. JULGAMENTO DENTRO DOS LIMITES DO PEDIDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA AUTORIDADE IMPETRADA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO COM O ATO IMPUGNADO. INCORPORAÇÃO DE EMPRESA COLIGADA E DE ÁGIO FUNDADO NA EXPECTATIVA DE RENTABILIDADE FUTURA ("GOODWILL"). INCORPORAÇÃO COM INDÍCIOS DE FRAUDE COM A FINALIDADE DE GERAÇÃO ARTIFICIAL DO ÁGIO, VISANDO FUTURAS AMORTIZAÇÕES E REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E CSL. AUTUAÇÃO FISCAL. LEGITIMIDADE. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. [...] 9. É inegável que, do ponto de vista contábil, a impetrante respeitou os art. 7º e 8º da Lei 9.532/97 (assim como os art. 385 e 385 do RIR/99), inclusive porque não havia impedimento, à época, para o aproveitamento de ágio entre empresas coligadas, controladas ou integrantes do mesmo grupo econômico, vedação que somente passou a existir com a Lei 11.638/07. 10. No entanto, a questão trazida aos autos vai além do formalismo contábil, em função do princípio contábil da primazia da essência sobre a forma. 11. Sendo certo que a contabilização do ágio não exige, necessariamente, desencaixe de recursos financeiros, não é menos certo que deve existir efetiva contribuição do investidor em qualquer espécie de bem suscetível de avaliação em dinheiro, de modo a conferir "fundamento econômico" ao ágio. 12. É indispensável que a integralização tenha ocorrido com base no valor real de mercado, o que não ocorre quando o "valor do negócio" é artificialmente estabelecido dentro do mesmo grupo econômico. 13. A entidade empresarial somente terá o direito de se apropriar de um ágio, para fins de amortização, quando isso verdadeiramente tiver representado um custo financeiro ou econômico para ela, segundo a sua interação com os agentes do mercado. 14. A autuação se afigura correta, pois tudo indica uma triangulação societária com a finalidade de criação artificial de ágio, para posterior amortização e de redução do IRPJ e da CSL, envolvendo empresas que tinham os mesmos controladores. 15. A fiscalização verificou que a operação contábil jamais implicou em qualquer desembolso ou investimento pela LTSA, tendo havido somente uma reavaliação de seus ativos, baseado em informações da própria interessada, com o único intuito de gerar despesas com a amortização do ágio, reduzindo ou eliminando o pagamento de IRPJ e CSL durante o período de amortizações mensais. 16. A elisão tributária somente tem lugar quando os benefícios legais são pautados em fatos reais. 17. Faltando esta veracidade, a elisão se convola em evasão fiscal, insuscetível de convalidação judicial. 18. Rejeitadas as alegações preliminares. 19. Apelação improvida.” Tampouco cabe cogitar da validade da justificativa de uso de “empresa veículo” em virtude de dificuldades operacionais em investimento e aquisição por companhia sediada no exterior, não havendo, ao contrário, qualquer vedação legal a que sociedades estrangeiras efetuem investimento direto em empresas brasileiras, nos termos do Código Civil (artigo 1.134 e seguintes). Ademais, se houvesse dificuldades operacionais em estabelecer-se no país, seria possível contratar assessorias jurídicas e financeiras, o que se revela plenamente justificável em se tratando de hipótese de investimento de tal grandeza. Percebe-se, porém, que o conhecimento da vedação de amortização de investimento diretamente efetuado na aquisição de empresa no país é que tem levado à adoção de "engenharia tributária" para possibilitar a fruição do benefício fiscal e, assim, afastar a incidência de tributos, porém em claro detrimento da legislação. Foi o que se observou em voto proferido junto à CSRF (Id 87237347, f. 105): “[...] A investidora estrangeira provavelmente sabia que, se realizasse os investimentos diretamente na aquisição das quotas da contribuinte, sem a participação de empresa sediada em território brasileiro, não poderia posteriormente pleitear o aproveitamento tributário do ágio oriundo da operação. Por se tratar de pessoa jurídica sediada no exterior, a investidora não se submete à legislação tributária brasileira. A incorporação de uma controlada brasileira provavelmente não provocaria os mesmos efeitos tributários para a matriz da empresa em seu país de origem. Assim optou a empresa estrangeira por adotar um procedimento de engenharia societária que permitisse, ao final, a reunião do ágio e do investimento que lhe deu causa em uma mesma pessoa jurídica, situação semelhante à requerida pela legislação para permitir o uso tributário do ágio, mas não o suficiente para emular-lhe os efeitos. Observa-se, pela conjugação dos indícios e das características das operações societárias que se sucederam, que a participação da HUBBELL DO BRASIL foi antecipada e artificialmente concebida como forma de o grupo econômico recémformado poder posteriormente clamar pelo direito ao aproveitamento tributário do ágio previsto no art. 386 do RIR/1999. A empresa foi constituída pouco tempo antes da aquisição das quotas da recorrida e não possuía patrimônio relevante. Sendo assim, salta aos olhos sua utilização como "empresa veículo", concebida especificamente para receber valores da real investidora estrangeira, aplicá-los na aquisição de quotas da recorrida e ser em seguida por esta incorporado. Verifica-se que a HUBBELL DO BRASIL teve duração efêmera e deixou como único legado a possibilidade de utilização indevida de um benefício fiscal, como é característico das "empresas veículos".” Assim, a análise mais detida da controvérsia, ainda que em juízo próprio à fase processual em exame, revela que não concorrem os requisitos legais da probabilidade do direito e perigo de dano ou ao resultado útil do processo para concessão da tutela de urgência, até porque não se trata, como afirmado, de cobrança claramente indevida e, por outro lado, a condição de regularidade fiscal para participar de pregão eletrônico pode ser alcançada sem comprometer, como se pretende, o exercício do direito da União de inscrever e cobrar dívida ativa. Ao contrário do preconizado pelo contribuinte, relevam os fundamentos jurídico do pedido de reforma da decisão agravada, associados, ainda, à apuração de periculum in mora reverso, considerando que se trata de tributação relativa a IRPJ/CSL dos anos calendários de 2006 a 2008, que tiveram longa tramitação administrativa e que, decorridos mais de uma década desde os fatos geradores, ainda sequer puderam ser objeto de cobrança judicial, postergando de forma longa e severa a satisfação de crédito tributário com substancial efeito e impacto no orçamento federal em momento excepcional de exigência de investimento público no custeio de despesas emergenciais com saúde dada a pandemia em curso. Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento. É como voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017674-17.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO: HUBBELL DO BRASIL, INDUSTRIA, COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO DE EQUIPAMENTOS ELETRICOS LTDA
Advogado do(a) AGRAVADO: VALERIA ZOTELLI - SP117183-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União em face de decisão que deferiu pedido de tutela provisória de Hubbell do Brasil, Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Equipamentos Elétricos Ltda. em procedimento cautelar antecedente, para que se suspendesse a exigibilidade de créditos tributários de IRPJ e CSLL correspondentes ao processo administrativo nº 10855-724.094/2011-70 e decorrentes de glosa de amortização de ágio na aquisição do capital social de Fábrica de Peças Elétricas Delmar Ltda.
Em sessão de julgamento, o eminente relator (Excelentíssimo Desembargador Federal Carlos Muta) deu provimento ao agravo de instrumento para restabelecer a exigibilidade dos créditos tributários pelas seguintes razões de decidir: em primeiro lugar, considerou compatível com a legislação o voto de qualidade proferido pelo Presidente da Câmara Superior de Recursos Fiscais que desempatou julgamento colegiado, revertendo decisão anterior do CARF que havia dado provimento ao recurso voluntário do contribuinte.
E, em segundo lugar, reputou válida a glosa da dedução de ágio na aquisição do capital social de DEMAR, seja porque a adquirente (HUBBELL) serviu apenas de empresa-veículo, sem que tenha verificado a rentabilidade futura justificadora do sobrepreço e desembolsado o respectivo valor – quem o fez foi sua controladora sediada no exterior, através de repasse de recursos -, seja porque o ágio pago vem destituído de fundamento econômico, como se depreende da comparação entre o montante do sobrepreço (R$ 22.810.069,60) e a soma dos lucros da empresa adquirida nos últimos sete exercícios financeiros (R$ 5.997.351,78).
Pedi vista dos autos para melhor análise da controvérsia.
Ouso divergir do profundo voto do relator em relação à admissibilidade do voto de qualidade nos julgamentos do CARF.
Verifica-se do acórdão da Câmara Superior de Recursos Fiscais que o recurso especial da União somente foi provido em função do voto de qualidade do Presidente do órgão colegiado, com a reforma de decisão anterior do CARF que havia dado provimento ao recurso voluntário de HUBBELL para invalidar o lançamento tributário.
O desempate, porém, por quem já votou na forma ordinária apresenta nulidade.
Inicialmente, pode-se cogitar de violação de lei ordinária pelo julgamento da Câmara Superior de Recursos Fiscais, processado na forma do Regimento Interno do CARF, uma vez que o artigo 25, §9º, do Decreto nº 70.235/1972, ao estabelecer o voto de qualidade, não prevê anterior voto ordinário pelo Presidente. Simplesmente menciona voto de desempate, o que, aliado a todos os fundamentos expostos na sequência e a outros precedentes da legislação, como o artigo 615, §1º, do Código de Processo Penal, somente pode significar voto único do Presidente para resolver o litígio administrativo, sem possibilidade de cumulação.
A conclusão leva que a previsão de voto cumulativo no regimento interno do CARF e nos julgamentos do órgão colegiado tenha extravasado os limites do poder regulamentar, contendo vício de ilegalidade.
De qualquer forma, ainda a lei e o regulamento convirjam na cumulação de votos, ela não pode subsistir.
Em primeiro lugar, a própria organização do CARF segue o critério da paridade, no sentido de que os representantes do Fisco e dos contribuintes compõem na mesma proporção o órgão colegiado, sem o predomínio de qualquer representação (artigo 25, II, do Decreto nº 70.235/1972).
Ora, a atribuição do poder de desempate ao Presidente, na condição de representante da Fazenda Nacional, gera desequilíbrio no julgamento, com a prevalência do conselheiro indicado pelo Estado. Embora a indicação não signifique necessariamente alinhamento aos interesses fiscais, a concessão de voto de qualidade ao Presidente do órgão colegiado dá preferência abstrata ao representante do Fisco, em prejuízo da composição paritária.
Em segundo lugar, o princípio da colegialidade, inerente à participação de vários julgadores, resta violado (artigo 25, II, do Decreto nº 70.235/1972). A partir do momento em que o conselheiro que já votou promove o desempate, a configuração de maioria é questionada pela própria duplicidade de votação. A maioria somente existe, quando o Presidente do órgão colegiado promove exclusivamente o voto de minerva, como ocorre nos julgamentos do Poder Judiciário (artigo 615, §1º, do Código de Processo Penal), dando uma contribuição única para a resolução da controvérsia.
O voto de qualidade para quem já votou não traz rigorosamente maioria, como se o Presidente pudesse votar de forma diferente, na condição de protagonista, após toda a discussão da causa – afinal, se votar diferente, ele mesmo mudará o voto já dado, formando a maioria necessária para a conclusão do julgamento. O empate, na verdade, permanece, sem que o Fisco possa tirar qualquer vantagem da situação.
E, em terceiro lugar, o voto de qualidade contraria toda a principiologia do direito tributário, especificamente o artigo 112 do CTN, que, em caso de dúvida sobre infração ou penalidade, prevê uma interpretação favorável ao contribuinte.
Em função do princípio da estrita legalidade tributária e das ramificações cabíveis – reserva legal e tipicidade -, a tributação somente pode ser exercida nos limites literais da lei, com a predominância abstrata do direito de propriedade, nos mesmos moldes do direito de liberdade no processo penal.
Se a tributação não assume maior clareza, como se depreende do empate no julgamento de processos administrativos fiscais, o resultado deve favorecer o contribuinte, por força da necessidade de lei tributária precisa e minudente e da prevalência abstrata do direito de propriedade.
O CTN prevê especificamente interpretação mais favorável ao contribuinte em caso de dúvida sobre infração ou penalidade. Trata-se de parâmetro, todavia, que deve se disseminar por todo o direito tributário, em razão da vinculação natural com a principiologia constitucional – legalidade tributária e direito de propriedade.
Embora o artigo 25, §9º, do Decreto nº 70.235/1972, que estabelecia o voto de qualidade nos processos de determinação e exigência de créditos tributários sob jurisdição do CARF, tenha sido revogado apenas em abril de 2020, posteriormente ao julgamento aqui examinado (artigo 28 da Lei nº 13.988/2020), não se pode deixar de verificar um sinal eloquente na revogação, no sentido de que o empate na votação deve favorecer o contribuinte e não ser decidido por representante do Fisco, em função de princípios constitucionais tributários e de regra de interpretação do CTN.
Portanto, o resultado do julgamento na Câmara Superior de Recursos Fiscais deveria ter sido favorável a HUBBELL, com o desprovimento do recurso especial da União e a consequente invalidação do lançamento tributário, nos termos de decisão anterior do CARF que dera provimento ao recurso voluntário do contribuinte.
Caso seja vencido, porém, no fundamento correspondente ao voto de qualidade, acompanho o relator nas matérias remanescentes.
O ágio pago na aquisição do capital social de DEMAR deve ser imputado ao adquirente real, àquele que visualizou rentabilidade futura na empresa adquirida e desembolsou o sobrepreço respectivo. Como se extrai da duração efêmera e da ausência de propósito negocial próprio de HUBBELL, a pessoa jurídica não pode assumir a condição de entidade investidora, sendo apenas empresa-veículo, destinada a instrumentalizar o investimento direto de organizações estrangeiras controladoras (Hubbell Luxembourg Sarl e Wepawaug Canadá Corp.) e a gerar o ágio decorrente de aquisição de empresa brasileira.
Devido à inaplicabilidade da legislação brasileira a empresas sediadas no exterior, observa-se que a aquisição de DEMAR por entidade coligada ou controlada no Brasil objetivou somente criar ágio a ser posteriormente amortizado, mediante dedução de base de cálculo do IRPJ e CSLL. O investimento direto de Hubbell Luxembourg Sarl e de Wepawaug Canadá Corp. era possível, sem que, porém, houvesse possibilidade de aproveitamento fiscal de sobrepreço, na ausência de informações sobre amortização no país de domicílio.
Conclui-se que o ágio foi artificial, sem que tivesse respaldo em expectativa de rentabilidade futura e custeio da própria empresa que figurou como adquirente do capital social de DEMAR (HUBBELL).
Também não se pode negligenciar o fato de que o fundamento econômico do ágio não se apresenta com nitidez, como exige a legislação fiscal (artigo 385, §2º, do Decreto nº 3.000/1999, vigente na época dos fatos). O laudo em que se baseou a mais-valia é bem anterior à aquisição da participação societária, com risco de defasagem das projeções, e o sobrepreço de R$ 22.810.069,60 diverge, a princípio, da soma dos lucros da empresa adquirida nos últimos sete exercícios financeiros, que chega a R$ 5.997.351,78.
Trata-se de diferença significativa, que aconselhava maiores informações sobre a rentabilidade futura no laudo apresentado, o que se mostrou inviável diante da própria relatividade temporal do trabalho do perito.
Nessas circunstâncias, a amortização do ágio, mediante dedução da base de cálculo de IRPJ e CSLL, feriu a legislação, tanto no sentido da participação de sociedade investidora, quanto no do fundamento econômico.
Ante o exposto, com a vênia do relator, nego provimento ao recurso da União no fundamento correspondente ao voto de qualidade, acompanhando-o, porém, na fundamentação restante.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO TRIBUTÁRIO. IRPJ/CSL. JULGAMENTO DE RECURSO ESPECIAL NA CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS. VOTO DE QUALIDADE. LEGALIDADE. ÁGIO NA AQUISIÇÃO TOTAL DE EMPRESA. AMORTIZAÇÃO DO LUCRO REAL DA INVESTIDA NOS EXERCÍCIOS POSTERIORES. ARTIGO 385 E 386 DO DECRETO 3.000/1999. AQUISIÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA PELO EFETIVO INVESTIDOR. CONFUSÃO PATRIMONIAL. REQUISITOS NECESSÁRIOS. FINALIDADE DO BENEFÍCIO FISCAL. IMPEDIMENTO À DUPLA TRIBUTAÇÃO. “INCORPORAÇÃO REVERSA”. TRANSFERÊNCIA DO ÁGIO À INVESTIDA. INTERPOSIÇÃO DE “EMPRESA VEÍCULO”. MEDIDAS PARA POSSIBILITAR A FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL PELAS VERDADEIRAS ADQUIRENTES. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
1. O artigo 25, § 9°, do Decreto 70.235/1972, recepcionada pela Constituição Federal como legislação ordinária, previu expressamente que em caso de empate o julgamento é definido pelo voto do representante fazendário, o que não implica, porém, presunção de julgamento parcial ou ofensivo aos princípios da legalidade, imparcialidade, moralidade, devido processo legal e demais normas que estabelecem o Estado Democrático de Direito. A alteração da legislação, nos termos do artigo 19-E da Lei 10.522/2002, inserido pela Lei 13.988/2020, não autoriza a retroação de seus efeitos, segundo orientação firmada na Corte.
2. Constatada inexistência de recurso especial do contribuinte pendente de julgamento no âmbito da CSRF, relativamente aos tributos do ano-calendário 2007, não se reconhece a suspensão da respectiva exigibilidade fundada no artigo 151, III, CTN.
3. Não há vedação o uso de “empresa veículo” para aquisição de participação societária por empresa estrangeira, porém deve ser analisado se tal procedimento atende à previsão legal para utilização e transferência de ágio na amortização do lucro real.
4. O artigo 7° da Lei 9.532/1997 (e artigo 386 do Decreto 3.000/1999), ao tratar do uso de ágio na amortização do lucro real, previu, como exigências, que a empresa incorporadora seja a efetiva adquirente da participação societária que gerou ágio, e que se verifique, ainda, confusão patrimonial, sendo tais exigências relacionadas à própria finalidade e justificativa da previsão de amortização no lucro real do ágio no preço de aquisição, pago com fundamento em expectativa de lucro futuro. O fundamento negocial que se extrai da operação é a percepção de rentabilidade, pela investidora, das atividades desempenhadas pela investida, justificando o aporte de recursos para integrar o corpo societário daquela e fruir dos direitos de tal posição.
5. Essa “mais valia” em relação ao que seria o valor justo do investimento é tributada como ganho de capital na investida, e integra o custo de aquisição do investimento na investidora. Em momento futuro, verificado o lucro esperado na investida (fundamento do ágio), tal acréscimo patrimonial deve ser tributado, também e exclusivamente, na investida. De fato, pelo método de equivalência patrimonial (MEP), a variação do patrimônio líquido da investida é utilizada para atualizar o investimento na investidora, porém a diferença a maior ou a menor não reflete no resultado e tributação desta, sob pena de bis in idem.
6. Ocorre que, com a confusão patrimonial entre investidora e investida deflagrada pela incorporação desta por aquela (ou vice-versa), reúnem-se, na mesma universalidade, tributação do lucro e despesa incorrida na expectativa de tal lucro. O desempenho positivo é alcançado pelo mesmo sujeito de direito que investiu sobrepreço na esperança de tal resultado. Daí o permissivo para que tal despesa seja amortizada, paulatinamente, na escrituração contábil. Sucede que, no caso dos autos, a percepção de rentabilidade futura da investida e a despesa incorrida para participar de tais resultados foi divisada pela HUBBELL CANADA LP (WEPAWAUG CANADA CORP), que desembolsou os valores investidos, não pela HUBBELL DO BRASIL, que apenas e admitidamente serviu de instrumento para concretização do investimento na DELMAR. Tanto assim que a controladora posteriormente incorporada nunca realizou qualquer operação mercantil e jamais possuiu lastro econômico próprio para efetivar o investimento.
7. Não sendo os recursos para aquisição da DELMAR pertencentes à HUBBELL DO BRASIL, mas às empresas sócias desta, enquanto verdadeiras investidoras sediadas no exterior, e não havendo confusão patrimonial entre real investidor (que efetuou despesa) e investida (que percebeu resultado), não se autoriza, segundo a legislação, a amortização do ágio pago na aquisição de posição societária.
8. Ademais, exsurgem relevantes as dúvidas sobre a efetiva expectativa de lucros no montante do ágio pago pela HUBBELL DO BRASIL à DELMAR, pois relativo a 280% da soma dos lucros líquidos auferidos pela DELMAR nos últimos sete anos anteriores à aquisição.
9. Tal procedimento - consistente em interposição de “empresa veículo” como meio para aquisição de participação total em empresas deficitárias, aplicação de ágio artificial no preço e posterior incorporação da investidora pela investida para possibilitar a esta a utilização das despesas na amortização da base de cálculo do IRPJ/CSL - tem sido largamente difundido no meio empresarial e amplamente combatido pelas autoridades tributárias.
10. Tampouco cabe cogitar da validade da justificativa de uso de “empresa veículo” em virtude de dificuldades operacionais em investimento e aquisição por companhia sediada no exterior, não havendo, ao contrário, vedação legal a que sociedades estrangeiras efetuem investimento direto em empresas brasileiras, nos termos do Código Civil (artigo 1.134 e seguintes). Ademais, se houvesse dificuldades operacionais em estabelecer-se no país, seria possível a contratação de assessorias jurídicas e financeiras, o que se revela plenamente justificável em se tratando de hipótese de investimento de tal grandeza. O que se percebe, porém, é que o conhecimento da vedação de amortização de investimento diretamente efetuado na aquisição de empresa no país tem levado à adoção de "engenharia tributária" para possibilitar a fruição do benefício fiscal e, assim, afastar a incidência de tributos, porém em claro detrimento da legislação.
11. A análise mais detida da controvérsia, ainda que em juízo próprio à fase processual em exame, revela que não concorrem os requisitos legais da probabilidade do direito e perigo de dano ou ao resultado útil do processo para concessão da tutela de urgência, até porque não se trata, como afirmado, de cobrança claramente indevida e, por outro lado, a condição de regularidade fiscal para participar de pregão eletrônico pode ser alcançada sem comprometer, como se pretende, o exercício do direito da União de inscrever e cobrar dívida ativa. Ao contrário do preconizado pelo contribuinte, relevam os fundamentos jurídico do pedido de reforma da decisão agravada, associados, ainda, à apuração de periculum in mora reverso, considerando que se trata de tributação relativa a IRPJ/CSL dos anos calendários de 2006 a 2008, que tiveram longa tramitação administrativa e que, decorridos mais de uma década desde os fatos geradores, ainda sequer puderam ser objeto de cobrança judicial, postergando de forma longa e severa a satisfação de crédito tributário com substancial efeito e impacto no orçamento federal em momento excepcional de exigência de investimento público no custeio de despesas emergenciais com saúde dada a pandemia em curso.
12. Agravo de instrumento provido.