RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000600-57.2019.4.03.6330
RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARIA APARECIDA PRADO DA SILVA
Advogados do(a) RECORRENTE: ELISETE DOS SANTOS SOUZA - SP127863-A, MARIA ROSEMEIRE GOUVEA DE ALMEIDA - SP168061-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000600-57.2019.4.03.6330 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: MARIA APARECIDA PRADO DA SILVA Advogados do(a) RECORRENTE: ELISETE DOS SANTOS SOUZA - SP127863-A, MARIA ROSEMEIRE GOUVEA DE ALMEIDA - SP168061-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso inominado interpostos pelo AUTOR ora Recorrente, em face da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial de prestação continuada ao idoso (LOAS). Nas razões recursais (52) a parte Autora sustenta que está demonstrado por documentos que não tem como prover seu próprio sustento. Por essa razão requer a reforma da sentença e a procedência do pedido. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000600-57.2019.4.03.6330 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: MARIA APARECIDA PRADO DA SILVA Advogados do(a) RECORRENTE: ELISETE DOS SANTOS SOUZA - SP127863-A, MARIA ROSEMEIRE GOUVEA DE ALMEIDA - SP168061-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O artigo 1.013 do Código de Processo Civil preconiza que o recurso devolve à instância recursal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas desde que relativas ao capítulo impugnado. Não foram arguidas preliminares de mérito e não há aquelas que devem ser conhecidas de ofício pelo julgador. Desde já é importante dizer que o benefício pleiteado é uma excepcionalidade criada pelo legislador com o objetivo de política social de inclusão. Não é benefício previdenciário, mas sim da Assistência Social. Não exige contribuições e por sua natureza deve ser prestado àqueles que além de não auferirem renda, seja por velhice, seja por deficiência ou impedimento de logo prazo, não tem nenhum membro da família que lhes possa prestar qualquer auxílio. É de se ressaltar, ainda, que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, fora de sua configuração constitucional, é fator que vem ajudando a comprometer a higidez do orçamento da Seguridade Social, com graves prejuízos a toda a sociedade. O benefício foi previsto como um mecanismo apto a retirar pessoas da miséria e não como instrumento apto a alçar à classe média ainda que baixa os menos favorecidos ou complementar renda. Conceito de grupo familiar. Considera-se como parte do mesmo grupo familiar “o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (art. 20 da Lei n.º 8.742/93,§ 1º). Deixo consignado que a Lei nº 12.435/11 alterou o conceito de família, dando nova redação ao artigo 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93, não mais remetendo ao artigo 16 da Lei nº 8.213/91 para identificação dos componentes do grupo familiar. É o que se depreende do dispositivo acima transcrito. Conceito de Deficiente e Idoso. A Constituição Federal, em seu art. 203, V, dispôs sobre “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”. Regulamentando a matéria, a Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis 9.720/98, 12.435/2011 e 13.146/2015, estipulou: “Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. § 1º. Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. § 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. (par. alterado pela lei nº 12.435, de 06/07/2011)” Portanto, o benefício assistencial pretendido pela parte autora requer dois pressupostos para a sua concessão: de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência ou idade avançada, e de outro lado, sob o aspecto objetivo, o estado de miserabilidade, caracterizado pela inexistência de meios de a pessoa portadora de deficiência ou do idoso prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Importante dizer que o conceito de deficiência, em sentido amplo, não abrange, portanto, somente os casos de incapacidade laboral. Para efeitos da concessão do benefício se considera deficiente o indivíduo que em razão do quadro clínico apresenta alguma faceta (ex. motora ou estigma visual) que o impeça de concorrer em condições de igualdade com demais pessoas que apresentam compleição íntegra. Dos critérios para aferição da miserabilidade. Pois bem. O benefício assistencial requer o preenchimento de dois requisitos cumulativos para a sua concessão: a) a existência de deficiência ou de idade mínima; e b) hipossuficiência econômica. Em relação à questão econômica, cabe observar que, a despeito da controvérsia quanto à adequação do valor fixado pelo legislador no § 3o., do art. 20, da Lei 8742/93, a fixação da renda familiar inferior a um quarto do salário mínimo per capita é critério seguro a indicar o cabimento do benefício. No entanto, a certeza absoluta do estado de miserabilidade das famílias cujos membros sobrevivam com menos um quarto de salário mínimo não faz inferir a negativa desse estado de carência em relação àqueles que sobrevivem com pouco mais. O E. Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Recurso Extraordinário 567.985-MT, julgado em 18.04.2013, nos termos do voto condutor, entendeu que “sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza, assistência aos desemparados. Em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais.” Aliás, a comprovação da insuficiência de recursos familiares não se limita à demonstração da renda per capita mensal inferior a ¼ do salário mínimo. “O STF esclareceu que ao longo dos últimos anos houve uma proliferação de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais (Lei n. 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; Lei n. 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Informação; e a Lei n. 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola) e apontou a utilização do valor de meio salário mínimo como valor padrão da renda familiar per capita para análise do preenchimento do requisito da hipossuficiência econômica que deve ser analisado em conjunto com as peculiaridades do caso concreto”. (PEDILEF 00009172220084036304, JUIZ FEDERAL BOAVENTURA JOÃO ANDRADE, TNU, DOU 09/10/2015 PÁGINAS 117/255.) Nesse sentido, a Súmula nº 21 (TRU 3ª Região): "Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderás ser infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo." Da exclusão de renda e do indivíduo que aufere proventos de aposentadoria ou benefício de prestação continuada no valor de até um salário mínimo e exclusão de valores obtidos com programa assistencial de Bolsa Família. O benefício previdenciário ou assistencial no valor de até 1 (um) salário mínimo pago a(o) qualquer um dos membros do grupo familiar da parte autora não pode ser considerado para o cálculo da renda familiar, por aplicação analógica do artigo 34 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), in verbis: “Artigo 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.” Nesse mesmo sentido a jurisprudência: “BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LEI Nº 8.742/93. PESSOA IDOSA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. BENEFÍCIO DEVIDO. 1. O benefício previdenciário em valor igual a um salário mínimo, recebido por qualquer membro da família, não se computa para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o art. 20 da Lei nº 8.742/93, diante do disposto no parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), cujo preceito é aplicável por analogia. 2. Preenchido o requisito idade, bem como comprovada a ausência de meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, é devida a concessão do benefício assistencial de que tratam o art. 203, inciso V, da Constituição Federal e a Lei nº 8.742/93. 3. Apelação do INSS improvida. (APELAÇÃO CIVEL - 825039, Rel. Desembargador GALVÃO MIRANDA, DÉCIMA TURMA, julgado em 19.12.2006, DJ 31.01.2007 p. 585)” Nesse passo, diante dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, evidencia-se razoável a adoção de interpretação mais ampla, por analogia ao disposto no parágrafo único do artigo 34 da Lei n.º 10.741/03, de modo a desconsiderar, no cômputo da renda per capita, não somente o benefício recebido por pessoa idosa maior de 65 anos como também o amparo social ao deficiente e os decorrentes de aposentadoria, de valor mínimo, percebido por integrante do grupo familiar. Nesse sentido é a jurisprudência do E. Tribunal Regional da 3ª Região: “ASSISTENCIAL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, DO CPC. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CF. RENDA FAMILIAR PER CAPITA. ART. 20, §3º, DA LEI N.º 8.742/93. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 34 DA LEI nº 10.741/2003. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. 1. Para a concessão do benefício de assistência social (LOAS) faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) ser pessoa portadora de deficiência ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (art. 34 do Estatuto do Idoso - Lei n.º 10.741 de 01.10.2003); 2) não possuir meios de subsistência próprios ou de tê-la provida por sua família, cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo (art. 203, V, da CF; art. 20, § 3º, e art. 38 da Lei n.º 8.742 de 07.12.1993). 2. Preenchidos os requisitos legais ensejadores à concessão do benefício. 3. O C. Supremo Tribunal Federal já decidiu não haver violação ao inciso V do art. 203 da Magna Carta ou à decisão proferida na ADIN nº 1.232-1-DF, a aplicação aos casos concretos do disposto supervenientemente pelo Estatuto do Idoso (art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003). 4. Por aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, não somente os valores referentes ao benefício assistencial ao idoso devem ser descontados do cálculo da renda familiar, mas também aqueles referentes ao amparo social ao deficiente e os decorrentes de aposentadoria no importe de um salário mínimo. 5. Agravo Legal a que se nega provimento. (APELREEX 00084908020094036109, DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/09/2013)” Excluída a renda de até um salário mínimo, de rigor excluir o beneficiário do cálculo da renda per capita. É de se observar que, uma vez excluídos os rendimentos de até um salário mínimo, pago ao idoso ou deficiente físico, para efeito de apuração da renda per capita do núcleo familiar, também é de ser excluído aquele que recebe tais rendimentos, e tal sistemática atende ao disposto no parágrafo único, art. 34 do Estatuto do Idoso. Veja que constitui equívoco a exclusão da referida renda se também não excluído aquele que a recebe, para efeito de apuração da renda per capita do núcleo familiar em exame. Com efeito, embora a lei não explicite a exclusão do idoso ou deficiente que já recebe benefício assistencial ou previdenciário no valor de um salário mínimo, ditando, apenas, que referida renda deve ser excluída, tal se mostra decorrência lógica do ditame legal, pois o indivíduo em questão já está devidamente socorrido pela seguridade social, e, portanto, deve ser excluído do núcleo familiar para efeito de apuração da renda per capita, de modo a restar sem efeito, nessa apuração, o valor em questão. É evidente o escopo da lei em preservar a "neutralidade", para efeito de apuração da renda per capita, dos valores pagos a título de benefício assistencial, neutralidade esta que inexistiria se retirada essa renda, em obediência ao ditame legal, mas mantido aquele que a recebe, como se fosse membro do núcleo familiar sob análise, e, por isso, ainda carente dos recursos financeiros totais obtidos pelo referido grupo. Esse equívoco, o de excluir os rendimentos pagos a idosos ou deficientes, a título de benefício assistencial ou previdenciário no valor de um salário mínimo, porém, com a manutenção do componente em questão para efeito de apuração da renda per capita, resultaria em apuração de renda per capita artificialmente diminuída, na medida em que incluiria membro que, em verdade, não afeta os rendimentos do núcleo familiar, pois, como ressaltado, já tem suas necessidades básicas atendidas por meio de seus rendimentos próprios, de modo que extirpar esses vencimentos, mas manter dito componente, implica em renda per capita equivocadamente apurada, na medida em que leva em consideração indivíduo que não depende economicamente do núcleo familiar sob exame. Insta salientar que é falsa a conclusão de que “excluir o componente do grupo e sua renda resulta no mesmo que não excluir ambos”, o que, evidentemente, não tenderia ao disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do idoso. Basta analisar cada um dos casos concretos, e apurar a renda per capita com a exclusão do componente devidamente assistido pelo benefício de um salário mínimo, mas excluído do núcleo familiar, e comparar o resultado matemático considerando sua inclusão mais seus rendimentos (nesta última hipótese simulação contrária à lei), e se constatará diferença comprobatória de que não há equivalência entre "excluir o componente do grupo e sua renda e manter ambos", última hipótese, repita-se, contrária ao dispositivo legal examinado, com o que tenho que a correta aplicação do disposto no art. 34 do Estatuto do Idoso tem como vetor a desconsideração de qualquer efeito financeiro decorrente do cômputo dos rendimentos de um salário mínimo pago ao idoso ou deficiente a título de benefício assistencial ou previdenciário, com fim de que tal seja indiferente à apuração da renda per capita, neutralidade esta obtida desde que haja, também, a desconsideração daquele assistido por esse recurso financeiro, uma vez que, pontuasse, não depende economicamente do núcleo familiar em questão, porque já supridas suas necessidades básicas por meio de seus rendimentos próprios. Quanto ao bolsa-família, consigno que o próprio regulamento do benefício assistencial ora almejado (Decreto 6.214/2007) prevê a desconsideração, do cálculo da renda mensal, dos valores oriundos de programas sociais de transferência de renda: “Art. 4º Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se: (...) VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19. § 2o Para fins do disposto no inciso VI do caput, não serão computados como renda mensal bruta familiar: (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011) I - benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária; (Incluído pelo Decreto nº 7.617, de 2011) II - valores oriundos de programas sociais de transferência de renda;(...)” O Bolsa Família é, por dicção legal, um programa social de transferência de renda, vide o caput do art. 1º da Lei 10.836/04: “Art. 1º Fica criado, no âmbito da Presidência da República, o Programa Bolsa Família, destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades.” Assim, verifica-se que segundo o próprio entendimento da Administração Previdenciária, o valor oriundo do Bolsa Família deve ser desconsiderado para fins de concessão do LOAS. Quanto à capacidade financeira da família em prover o sustento de seu ente idoso ou deficiente. Mesmo que já apurada a renda per capita, é necessária também a aferição da capacidade financeira da família da parte autora (aqui entendida de forma ampla) em prover o seu sustento, visto que a assistência estatal é subsidiária à assistência que deve ser provida pelos entes familiares (parte final do art.203, V, da CF88). Ou seja, apenas na impossibilidade da família sustentar seus idosos ou deficientes é que deve a sociedade arcar com este custo. Ressalto que, diferentemente do cálculo da renda per capita utilizado para aferição do estado de miserabilidade, entendo que, neste requisito, toda e qualquer renda deve ser considerada, de forma a verificar, de fato, se a família é capaz de adimplir ao dever de alimentar. Tal entendimento está pautado na principiologia constitucional (Princípio da Solidariedade, art. 3º, I, da CF88), transpassando o direito de família (Princípio da Solidariedade Familiar, art. 1.694 do Código Civil) e é excludente legal do direito de concessão do benefício assistencial (art. 203, V, da CF88), a ver (grifo nosso): Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. Art. 203, V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. É preciso levar em consideração para a correta interpretação dos requisitos necessários para a obtenção do benefício assistencial pretendido o disposto nos arts. 229 e 230, caput, da Constituição Federal, verbis: Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Art. 230. A família, a sociedade, e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. Assim, ainda que o interessado em obter o benefício assistencial não resida com seus pais ou filhos maiores sob o mesmo teto, a responsabilidade destes não pode ser desprezada para efeito de avaliação do requisito da miserabilidade, porque é aos familiares, em primeiro lugar, que a Constituição Federal atribui o dever de prestar alimentos. Esse dever é repetido e detalhado no Código Civil, especialmente nos arts. 1.695 a 1.697, que reproduzo abaixo por questão de clareza: Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais. Em outras palavras, diante do dever dos pais e dos filhos maiores e, na falta destes, dos irmãos, a responsabilidade do Estado pelo sustento do idoso é tão somente subsidiária. Ressalto que o conceito de família expresso no art. 203, V, da CF88, é amplo e não se relaciona à restrição contida no §1º do artigo 20 da lei 8742/93, este o qual possui caráter evidentemente operacional e deve ser utilizado exclusivamente para cálculo da renda per capita. Entendo que a análise da capacidade financeira da família para o sustento de seu ente em estado de necessidade deve ser efetuada de forma objetiva, a partir da verificação de qual percentual da renda dos familiares corresponde a um salário mínimo (valor do benefício a ser concedido). Em suma, caso um pequeno percentual da renda da família seja equivalente ao valor a ser pago pelo benefício assistencial, salvo prova em contrário, entendo que se presume a capacidade dos parentes em prover o sustento do seu ente necessitado, afastando assim, a necessidade da tutela assistencial. Das reais condições de moradia e da possível ocultação de renda. O critério de renda per capita é apenas um dos elementos do estado de miserabilidade e constitui presunção relativa de vulnerabilidade social se abaixo de ½ salário mínimo. Porém, outros elementos, tais como as condições de moradia incoerentes com a renda declarada, podem indiciar a existência de ocultação de renda, sobretudo, nos casos em que o membro da unidade familiar não possui vínculo de emprego com renda demonstrada nos autos (cópia da CTPS, CNIS ou holerites) ou não consta histórico das contribuições individuais no CNIS. Há que se ter em conta, ainda, que a miserabilidade não pode ser presumida, muito menos de forma absoluta utilizando-se apenas como critério o valor da renda per capita, conforme recente decisão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) que abaixo transcrevo: É de conhecimento notório que a economia brasileira é marcada por alto percentual de informalidade, não sendo raros os casos de famílias que, a despeito de não registrarem renda formal, ostentam qualidade de vida satisfatória, de acordo com padrões internacionalmente aceitos. Ademais, a adoção da presunção de miserabilidade baseada exclusivamente na renda formal, retira do juiz o livre convencimento motivado com base na prova dos autos ( CPC – artigos 131 e 436) que é um dos cânones do direito processual pátrio. Processo 5009459- 52.2011.4.04.7001, Relator JUIZ FEDERAL PAULO ERNANE MOREIRA BARROS. No mérito. A sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando todas as questões suscitadas pelas partes, revelando-se desnecessárias meras repetições de sua fundamentação. Vejamos seu conteúdo quanto a análise do mérito pertinente ao objeto do recurso: “(...) No caso dos autos, verifica-se que a interessada MARIA APARECIDA PRADO DA SILVA é idosa, nascida em 02/04/1946, cumprindo, assim, o primeiro requisito legal. Quanto à alegada vulnerabilidade, o estudo social realizado em 15/05/2019 constatou que MARIA APARECIDA reside com seu esposo (José Geraldo, 73 anos), em um imóvel próprio ( o marido da autora é um dos herdeiros), localizado no Município de Taubaté/SP. O imóvel e composto por 5 cômodos (sala, 2 quartos, cozinha e banheiro) cobertos com telhado e laje, rebocados, com pintura conservada e chão de piso frio. O estado de conservação do imóvel, assim como suas condições de organização e higiene, foram considerados bons. O relatório fotográfico anexado melhor evidencia as condições de habitação da requerente (evento 21). A subsistência da família é suprida pela renda da aposentaria do esposo (José) no valor de um salário mínimo. A família não se encontra abaixo da linha da pobreza. O casal recebe alguns medicamentos através da rede pública de saúde, tem desconto da tarifa social de energia e carteirinha de transporte gratuito. Quando necessitam, têm ajuda dos filhos (Adilson e Carlos) na compra de alguns medicamentos, consultas médicas e exames ( em caso de demora de atendimento pelo SUS). Apurou-se que o casal tem 3 (três) filhos, todos economicamente ativos, sendo um deles solteiro, residente na cidade do Rio de Janeiro (Carlos Alberto). Este filho, segundo comprovado pelo INSS (evento 37) e em consulta realizada ao CNIS nesta data (anexa), tem renda mensal superior a R$ 14.000,00 (quatorze mil reais). Diante da situação descortinada, ainda que não computada a renda do benefício de aposentadoria do esposo da autora na renda per capita da família, por aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, forçoso concluir que MARIA APARECIDA não preenche o requisito da hipossuficiência econômica. Isto porque a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) , ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". Tal decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/02/ 2017, em Brasília (autos nº0517397-48.2012.4.05.8300). Esta ideia harmoniza-se com o disposto nos artigos 229 e 230 da Constituição Federal, que dispõem: Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. E ao que se colhe das informações constantes do estudo social realizado, a família da requerente consegue suprir as suas necessidades fundamentais, notadamente com relação à alimentação e moradia. Ademais, não há prova da ocorrência de situação superveniente de despesas excepcionais a exigir de sua família gastos elevados com tratamentos e/ou medicamentos não fornecidos pela rede pública de saúde. Rememore-se que a responsabilidade do Estado, quanto à subsistência das pessoas idosas, é apenas subsidiária, devendo amparar financeiramente somente naqueles casos em que a atuação se mostra imprescindível, sob pena dos recursos finitos do Estado não serem suficientes para o cumprimento de todas as suas obrigações. Não por outro motivo, em que pese o ideal indicado pelo princípio da seguridade social de universalidade de cobertura e atendimento, o legislador elabora normas aplicando o princípio da seletividade e distributividade na prestação de benefícios e serviços, os quais limitam, respectivamente, a cobertura e o atendimento. E no caso do benefício em comento, o critério imposto pelo legislador resta claro no art. 20, caput, da Lei 8.742/93, no sentido de que os assistidos serão aqueles que “...comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família”. Em suma, o ônus quanto à manutenção e cuidado das pessoas idosas não deve recair exclusivamente sobre o Estado, notadamente quando comprovada a capacidade financeira da família, como ocorre no caso dos autos. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, extinguindo o processo, com apreciação do mérito, com fulcro no inciso I do art. 487 do Código de Processo Civil. (...)” Desta feita, o artigo 46 combinadamente com o § 5º do art. 82, ambos da Lei nº 9099/95, facultam à Turma Recursal dos Juizados especiais a remissão aos fundamentos adotados na sentença. Ademais a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a adoção dos fundamentos contidos na sentença pela Turma Recursal não contraria o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, vejamos, por exemplo, o seguinte julgado: EMENTA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. O artigo 46 da Lei nº 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93, IX ,da Constituição do Brasil. Agravo Regimental a que se nega provimento. ( AI 726.283-7-AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe nº 227, Publicação 28/11/2008). O parágrafo 5º do artigo 82 da Lei nº 9.099/95, dispõe “se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.” O dispositivo legal prevê, expressamente, a possibilidade de o órgão revisor adotar como razão de decidir os fundamentos do ato impugnado, o que não implica violação do artigo 93, IX, da Constituição Federal. Assim, considerando que a sentença recorrida bem decidiu a questão, deve ser mantida nos termos do artigo 46 da Lei nº 9.099/95. Posto isso, nego provimento ao recurso. Condeno a recorrente Autora vencida ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10% sobre o valor da causa nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95. Para o beneficiário da gratuidade de justiça, o pagamento da verba honorária se sujeita ao disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil. É como voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. LOAS IDOSO. SENTENÇA IMPROCEDENTE. NÃO MISERABILIDADE. RECURSO AUTOR. NEGA PROVIMENTO.