RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001120-86.2020.4.03.6328
RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: LUIZA PANULO
Advogado do(a) RECORRENTE: LAIS CARLA DE MELLO PEREIRA - SP196490-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001120-86.2020.4.03.6328 RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: LUIZA PANULO Advogado do(a) RECORRENTE: LAIS CARLA DE MELLO PEREIRA - SP196490-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido de concessão de benefício de prestação continuada à pessoa portadora de deficiência, pois o magistrado considerou não haver motivos para discordar das conclusões do perito médico e, portanto, não ficou comprovada a situação de deficiência nos termos legais, indispensável à concessão do benefício. Nas razões recursais, a parte autora argumenta que o magistrado incorreu em equivoco quando desconsiderou o contexto fático no qual se inserem os portadores de deficiência congênita, como é o caso da autora, descaracterizando sua condição de deficiente, em razão de não ficar demonstrada a incapacidade por longo prazo. Argumenta que é acometida por enfermidade congênita em varo de tornozelo direito, por sequela de nascimento que a torna incapaz para suas atividades laborativas, impedindo-a de obter trabalho, aliado ao fato da pandemia, com a redução de empregos informais, que poderiam lhe garantir o sustento como diarista. Alega que foram emitidos inúmeros atestados e documentos pelos médicos, especialista em clínica médica e ortopedia, não estando o magistrado adstrito ao laudo pericial, podendo formar a convicção com outros elementos de prova dos autos. Acrescenta que devem ser analisadas as condições pessoais e sociais, pois possui a enfermidade desde seu nascimento, portanto a enfermidade é de longo prazo e, considerando sua idade, vem apresentando fortes dores, pelas fissuras no plantar do pé. Afirma que, a partir da edição da Súmula nº 48 da TNU, a incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada. Por estas razões, requer a reforma da r. sentença ora recorrida. Sem contrarrazões. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001120-86.2020.4.03.6328 RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: LUIZA PANULO Advogado do(a) RECORRENTE: LAIS CARLA DE MELLO PEREIRA - SP196490-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Constituição Federal, em seu art. 203, V, dispôs sobre “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”. Regulamentando a matéria, a Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis 9.720/98, 12.435/2011 e 13.146/2015, estipulou: “Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. § 1º. Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. § 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas; (par. alterado pela lei nº 12.435, de 06/07/2011) II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (par. alterado pela lei nº 12.435, de 06/07/2011) § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. (par. alterado pela lei nº 12.435, de 06/07/2011) (...) § 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011) (...) Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.” Portanto, o benefício assistencial pretendido pela parte autora requer dois pressupostos para a sua concessão: de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência ou idade avançada, e de outro lado, sob o aspecto objetivo, o estado de miserabilidade, caracterizado pela inexistência de meios de a pessoa portadora de deficiência ou do idoso prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Do Requisito Subjetivo: Deficiência: No caso concreto, o conjunto probatório demonstrou não ter a parte autora preenchido o requisito subjetivo para a concessão do benefício, ou seja, não comprovou a sua deficiência para fins do recebimento do benefício assistencial. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Neste ponto, a r. sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando todas as questões suscitadas pelas partes, revelando-se desnecessárias meras repetições de sua fundamentação. Vejamos: “(...) Requisito da deficiência No caso dos autos, o Perito Médico Judicial informou em laudo emitido nos autos que a parte autora é portadora de deformidade em varo de tornozelo direito congênito, apresentando fissuras em região plantar em cicatrização. Declarou o expert que a incapacidade é total e temporária por 90 dias, consignando em conclusão: “Analisando todos os laudos médicos emitidos, de interesse para o caso e correlacionando-os com a história clínica atual, e antecedente profissiográficos, concluo que a Periciada se encontra na atual perícia incapacitada total e temporariamente para o exercício de atividades laborativas devido o quadro de fissuras em região plantar constatadas no exame físico realizado no ato pericial. Periciada comprova também quadro patológico de deformidade em varo congênito de pé direito, não limitante ao labor ou atividades de vida diária. Sugiro afastamento de atividades laborativas por 90 dias para complementação de seu tratamento de fissuras em região plantar.”. Desta forma, o estado atual de saúde da parte autora não permite a caracterização da deficiência, nos termos exigidos pela lei, isto é, a incapacidade para os atos da vida independente por prazo mínimo de dois anos (art. 20, §10 da Lei 8.742/93), haja vista que a incapacidade temporária é de 90 dias. Ademais, o expert registrou no documento pericial que a deformidade em varo congênito de pé direito da autora não é, por si só, limitante a todo e qualquer labor, o que também afasta o requisito do impedimento a longo prazo. Não vislumbro motivo para discordar das conclusões do Perito, profissional qualificado e que goza da confiança deste Juízo, pois fundou suas conclusões nos documentos médicos constantes nos autos, bem como no exame clínico realizado. Também não verifico contradições entre as informações constantes do laudo aptas a ensejar dúvida em relação a este, o que afasta qualquer nulidade. Pelas razões acima expostas, também não devem ser acolhidas eventuais alegações de cerceamento de defesa, embasadas em impugnações ao laudo, sob o argumento de que houve discordância e/ou contradição com os demais elementos trazidos aos autos. Todos os elementos presentes no feito foram vistos, mas nenhum tem aptidão para sobrepor-se à análise clínica realizada pelo Expert Judicial. Logo, dentro do princípio da persuasão racional, não comprovada a situação de deficiência nos termos legais, indispensável à concessão do benefício rogado, a pretensão deduzida não merece acolhimento. (...)” – destaques no original Em complemento, cabe tecer apenas breves considerações, tendo em vista o pormenorizado exame da controvérsia em sentença. A autora, nascida em 28/02/1966, é portadora de deformidade em varo de tornozelo direito congênito, apresentando fissuras em região plantar em cicatrização, motivo pelo qual o perito médico sugeriu o afastamento de atividades laborativas por 90 dias para complementação de seu tratamento. No que tange à alegação da Recorrente quanto ao contexto fático dos portadores de deficiência congênita em confronto com a incapacidade por longo prazo, cumpre salientar que, em relação às condições pessoais da parte Recorrente, este ponto já foi pacificado pela Turma Nacional de Uniformização, conforme o enunciado da Súmula nº 77 que: “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual. ” Quanto aos documentos e atestados juntados pela autora, saliento que o laudo pericial médico é legítimo e foi confeccionado regularmente. A discordância da parte quanto ao conteúdo não é suficiente para afastar as conclusões apresentadas pelo perito, cujo entendimento deve ser privilegiado, pois elaborado por perito de confiança do Juízo e imparcial aos interesses das partes. Convém esclarecer alguns aspectos acerca do Enunciado da Súmula nº 48 da TNU: A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada. Com trânsito em julgado em 06/03/2020, a Turma Nacional de Uniformização submeteu a julgamento a seguinte controvérsia: Saber se a deficiência decorrente de incapacidade temporária - mesmo quando o prognóstico de recuperação seja inferior ao prazo de 2 (dois) anos - pode ou não ser considerada como impedimento de longo prazo para fins de concessão do benefício de prestação continuada (Súmula n. 48/TNU e art. 20, §§ 2º e 10º da Lei n. 8.742/1993 - LOAS, com redação dada pelas Leis n. 12.435/2011, 13.146/2015 e 12.470/2011). Sob o Tema nº 173, foi firmada a seguinte tese: “Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação (tese alterada em sede de embargos de declaração).” Neste mesmo sentido converge a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. A LOAS, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL, NÃO FEZ DISTINÇÃO QUANTO À NATUREZA DA INCAPACIDADE, SE PERMANENTE OU TEMPORÁRIA, TOTAL OU PARCIAL. ASSIM NÃO É POSSÍVEL AO INTÉRPRETE ACRESCER REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O STJ tem entendimento consolidado de que a errônea valoração da prova permite a esta Corte Superior a revaloração dos critérios jurídicos utilizados pelo Tribunal de origem na apreciação dos fatos incontroversos. 2. A Constituição Federal/1988 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 3. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2o., em sua redação original dispunha que a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. 4. Em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5. Verifica-se que em nenhuma de suas edições a Lei impôs como requisito ao benefício assistencial a incapacidade absoluta. 6. Não cabe ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício. 7. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento. (AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 1263382 2018.00.60293-2, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:19/12/2018 RSTP VOL.:00357 PG:00148) Desta forma, segundo o conjunto probatório colhido nos autos, não verifico a presença de incapacidade para os atos da vida independente e para o trabalho que autorize o acolhimento do pedido da parte autora, ficando, assim, descaracterizada a deficiência física ou mental de longa duração, conforme alude o artigo 20, caput, da Lei n.º 8.742/1993. Concluindo, ausente o primeiro e fundamental requisito (critério subjetivo: deficiência de longa duração) para a concessão do benefício assistencial, é de se rejeitar a pretensão deduzida nesta demanda, sendo desnecessária a análise do requisito atinente à hipossuficiência econômica (critério objetivo: miserabilidade), visto que para a concessão do benefício, deve-se comprovar, alternativamente, o requisito etário ou a condição de pessoa com deficiência e, cumulativamente, a miserabilidade. É importante salientar, ainda, que os aspectos socioeconômicos, no caso, são analisados por ocasião da análise do requisito objetivo (da miserabilidade), quando da confecção do laudo socioeconômico por assistente social do juízo. No entanto, tais circunstâncias somente são analisadas em segundo plano, ou seja, no caso de se preencher o requisito subjetivo (idade avançada ou deficiência), o que não é o caso dos autos. Por fim, sendo o BPC-LOAS um benefício assistencial de caráter transitório, poderá ser novamente requerido, caso a situação fática dos autos se altere no decorrer do tempo (tanto o requisito da deficiência/idade, quanto o da miserabilidade), estando implícita a cláusula rebus sic stantibus. Assim, considerando que a r. sentença recorrida bem decidiu a questão, deve ser mantida nos termos do artigo 46 da Lei nº 9.099/95. Diante do exposto, nego provimento ao recurso da parte autora. Condeno o Recorrente vencido ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 55, caput, da Lei 9.099/95 c/c art. 85, § 3º, do CPC – Lei nº 13.105/15. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98, do CPC – Lei nº 13.105/15. É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. LAUDO PERICIAL MÉDICO. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. AFASTAMENTO DAS ATIVIDADES POR 90 DIAS. PRECEDENTES DA TNU (TEMA 173 E SÚMULA 48). NÃO PREENCHIMENTO DE AMBOS OS REQUISITOS LEGAIS. CONFIRMAÇÃO PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ART 46, LEI Nº9099/95).
1. Trata-se de recurso interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou improcedente o pedido, acolhendo a conclusão do perito no sentido de incapacidade total e temporária.
2. Na linha de precedentes da TNU, para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de dois anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.
3. Recurso da parte autora que se nega provimento.