APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004747-52.2019.4.03.6100
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: CRISS COMERCIAL LTDA
Advogados do(a) APELANTE: LUIZ GUSTAVO RODELLI SIMIONATO - SP223795-A, FREDERICO SANTIAGO LOUREIRO DE OLIVEIRA - SP182592-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004747-52.2019.4.03.6100 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: CRISS COMERCIAL LTDA Advogados do(a) APELANTE: LUIZ GUSTAVO RODELLI SIMIONATO - SP223795-A, FREDERICO SANTIAGO LOUREIRO DE OLIVEIRA - SP182592-A APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM SAO PAULO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de mandado de segurança impetrado por CRISS Comercial Ltda. em face de ato do Delegado da Receita Federal do Brasil em São Paulo, objetivando o reconhecimento do direito de não recolher o IPI nas operações de revenda de mercadorias importadas, bem como seja reconhecido o direito à compensação/restituição dos valores indevidamente recolhidos nos últimos 5 (cinco) anos, com atualização pela taxa SELIC. Narra a impetrante que atua no ramo de comércio de coifas, depuradores, motores elétricos e afins e que grande parte dos produtos revendidos no mercado nacional são importados de outros países. Aduz que por ocasião do desembaraço aduaneiro de tais mercadorias, todos os tributos incidentes sobre a importação são regularmente recolhidos, inclusive o IPI. Alega a equivocada a exigência do IPI na segunda etapa da operação, qual seja, quando a mercadoria já nacionalizada é oferecida a consumo no mercado interno, mesmo não tendo sofrido nenhum processo de industrialização (art. 4º do Decreto nº 7.212/2010 – RIPI, e art. 46, parágrafo único, do CTN). A medida liminar foi indeferida. Por meio de sentença, o MM Juízo a quo julgou improcedente a ação, denegando a segurança, com fulcro no art. 487. I do Código de Processo Civil. Sem condenação em honorários advocatícios (Id. 120506166). Apela a impetrante, requerendo a reforma da r. sentença, alegando que a incidência do IPI nas operações de simples revenda de produtos importados, já tributados pelo IPI no seu desembaraço aduaneiro, quando não realizado novo processo de industrialização sobre a mercadoria ou a mesma não for inserida em nova cadeia de industrialização na etapa posterior, é absolutamente ilegal (Id 120506173). Com contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte. O Ministério Público Federal, em seu parecer nesta instância, manifesta-se pelo prosseguimento do feito (Id 125972781). É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004747-52.2019.4.03.6100 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: CRISS COMERCIAL LTDA Advogados do(a) APELANTE: LUIZ GUSTAVO RODELLI SIMIONATO - SP223795-A, FREDERICO SANTIAGO LOUREIRO DE OLIVEIRA - SP182592-A APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM SAO PAULO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Trata-se de Recurso de Apelação, interposto contra a sentença que julgou improcedente a ação, denegando a segurança requerida, para que seja reconhecida a não incidência de IPI quando da saída dos produtos dos estabelecimentos do importador, sem que haja sofrido qualquer processo de industrialização, bem como o direito à compensação. Pois bem. O Código Tributário Nacional se encarregou de definir aquele que seria contribuinte para o imposto em questão, como visto em seu art. 51, inciso II, parágrafo único: Art. 51: Contribuinte do imposto é: (....) II – o industrial ou quem a lei a ele equiparar, (...) Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante. O Código Tributário Nacional CTN dispõe sobre a hipótese de incidência do IPI em seu art. 46, in verbis: Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo. Com o intuito de esclarecer a condição de estabelecimento industrial, foram editados o Decreto nº 7.212/2010 e a Lei nº 11.281/2006, que assim estabelecem: Decreto nº 7.212/2010 Art. 9º Equiparam-se a estabelecimento industrial: (...) IX - os estabelecimentos, atacadistas ou varejistas, que adquirirem produtos de procedência estrangeira, importados por encomenda ou por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora (Medida Provisória nº 2.158 -35, de 2001, art. 79, e Lei no 11.281, de 20 de fevereiro de 2006, art. 13 ); Lei nº 11.281/06 Art. 13. Equiparam-se a estabelecimento industrial os estabelecimentos atacadistas ou varejistas, que adquirem produtos de procedência estrangeira, importados por encomenda ou por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora. Observa-se que não há qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída de produtos (operação de revenda) de procedência estrangeira do estabelecimento do importador visto que em consonância com a legislação vigente. O equiparado a industrial foi eleito contribuinte do IPI pelo art. 51, II, do CTN e pelo art. 35, I, “a”, da Lei nº 4.502/64. Desse modo, as pessoas equiparadas devem cumprir todas as obrigações, principal e acessória atribuídas a um industrial. A legalidade da incidência do IPI na operação de revenda destaca-se na ocorrência de fatos geradores distintos, quais sejam, o desembaraço aduaneiro, proveniente da operação de compra do produto industrializado do exterior e a saída do produto industrializado do estabelecimento importador, que se equipara ao estabelecimento industrial, de modo que não há que se falar em dupla tributação. Sobre a constitucionalidade da cobrança, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 946.648, de repercussão geral, cujo acórdão foi publicado em 16/11/2020 e embargos de declaração em 15/01/2021, decidiu que o Código Tributário Nacional ao definir o fato gerador e o sujeito passivo da obrigação tributária, em relação ao IPI, o fez nos exatos limites traçados na Constituição Federal; não se vislumbrando qualquer ferimento ao princípio da isonomia na equiparação do importador ao industrial para fins de incidência do IPI. Para maior clareza sobre a referida decisão, transcrevo excertos do voto e. Ministro Alexandre de Moraes, redator do acórdão: “(...) as políticas de mercado visando à isonomia, em favor da circulação dos produtos nacionais, sem prejuízo dos produtos estrangeiros, devem ser privilegiadas. Se não houvesse a incidência do IPI na segunda etapa, os produtos importados teriam uma vantagem de preço na competitividade com o produto nacional. Por isso, a legislação brasileira buscou estender tratamento equânime ao produto industrializado importado e ao similar nacional, resguardado, assim, o princípio da igualdade, da livre concorrência, e da isonomia tributária. Não se pode olvidar, ainda, que o IPI tem função eminentemente extrafiscal, e visa, dentre outros objetivos, ser instrumento indutor da atividade econômica e industrial do País. Em assim sendo, não caberia estender tratamento mais favorecido ao produto industrializado no exterior, tornando a carga tributária incidente sobre o bem importado inferior àquela que grava o bem nacional. Seria um contrassenso defender que o IPI deva incidir sobre a matéria-prima importada submetida a processo industrial no País, e não quando há revenda da mercadoria importada pronta e acabada, sem a necessidade de qualquer beneficiamento. (...)o Código Tributário Nacional, como norma geral, está autorizado constitucionalmente a definir o fato gerador e o sujeito passivo da obrigação tributária, e, com relação ao IPI, o fez nos exatos limites traçados na Constituição Federal; ou, pelo fato de não se vislumbrar qualquer ferimento ao princípio da isonomia na equiparação do importador ao industrial para fins de incidência do IPI, em dois momentos, mesmo não havendo beneficiamento do produto importado, entendo que não assiste ao recorrente, razão pela qual deve ser mantido o acórdão recorrido.” Ainda, no referido julgamento, foi firmada a seguinte tese: “É constitucional a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI no desembaraço aduaneiro de bem industrializado e na saída do estabelecimento importador para comercialização no mercado interno”. Por fim, deve-se registrar que o C. Superior Tribunal de Justiça também firmou posicionamento no sentido do cabimento da dupla incidência, porquanto a lei elenca dois fatos geradores distintos: o desembaraço aduaneiro, proveniente da operação de compra do produto do exterior, e a saída do produto industrializado do estabelecimento importador equiparado a estabelecimento produtor, conforme julgamento em sede de recurso repetitivo do EREsp 1.403.532/SC. Confira-se: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA SOBRE OS IMPORTADORES NA REVENDA DE PRODUTOS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. FATO GERADOR AUTORIZADO PELO ART. 46, II, C/C 51, PARÁGRAFO ÚNICO DO CTN. SUJEIÇÃO PASSIVA AUTORIZADA PELO ART. 51, II, DO CTN, C/C ART. 4º, I, DA LEI N. 4.502/64. PREVISÃO NOS ARTS. 9, I E 35, II, DO RIPI/2010 (DECRETO N. 7.212/2010). 1. Seja pela combinação dos artigos 46, II e 51, parágrafo único do CTN - que compõem o fato gerador, seja pela combinação do art. 51, II, do CTN, art. 4º, I, da Lei n. 4.502/64, art. 79, da Medida Provisória n. 2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006 - que definem a sujeição passiva, nenhum deles até então afastados por inconstitucionalidade, os produtos importados estão sujeitos a uma nova incidência do IPI quando de sua saída do estabelecimento importador na operação de revenda, mesmo que não tenham sofrido industrialização no Brasil. 2. Não há qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída dos produtos de procedência estrangeira do estabelecimento do importador, já que equiparado a industrial pelo art. 4º, I, da Lei n. 4.502/64, com a permissão dada pelo art. 51, II, do CTN. 3. Interpretação que não ocasiona a ocorrência de bis in idem, dupla tributação ou bitributação, porque a lei elenca dois fatos geradores distintos, o desembaraço aduaneiro proveniente da operação de compra de produto industrializado do exterior e a saída do produto industrializado do estabelecimento importador equiparado a estabelecimento produtor, isto é, a primeira tributação recai sobre o preço de compra onde embutida a margem de lucro da empresa estrangeira e a segunda tributação recai sobre o preço da venda, onde já embutida a margem de lucro da empresa brasileira importadora. Além disso, não onera a cadeia além do razoável, pois o importador na primeira operação apenas acumula a condição de contribuinte de fato e de direito em razão da territorialidade, já que o estabelecimento industrial produtor estrangeiro não pode ser eleito pela lei nacional brasileira como contribuinte de direito do IPI (os limites da soberania tributária o impedem), sendo que a empresa importadora nacional brasileira acumula o crédito do imposto pago no desembaraço aduaneiro para ser utilizado como abatimento do imposto a ser pago na saída do produto como contribuinte de direito (não-cumulatividade), mantendo-se a tributação apenas sobre o valor agregado. 4. Precedentes: REsp. n. 1.386.686 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17.09.2013; e REsp. n. 1.385.952 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 03.09.2013. Superado o entendimento contrário veiculado nos EREsp. nº 1.411749-PR, Primeira Seção, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. p/acórdão Min. Ari Pargendler, julgado em 11.06.2014; e no REsp. n. 841.269 - BA, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 28.11.2006. 5. Tese julgada para efeito do art. 543-C, do CPC: "os produtos importados estão sujeitos a uma nova incidência do IPI quando de sua saída do estabelecimento importador na operação de revenda, mesmo que não tenham sofrido industrialização no Brasil". 6. Embargos de divergência em Recurso especial não providos. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008. (EREsp 1403532/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 18/12/2015) Desse modo, diante do reconhecimento da legitimidade da cobrança em comento, a manutenção da r. sentença é medida que se impõe. Ante o exposto, nego provimento ao apelo. Sem condenação em honorários advocatícios a teor do art. 25 da Lei nº 12.016/2009. É como voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. IPI. IMPORTADOR COMERCIANTE. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA SOBRE OS IMPORTADORES NA REVENDA DE PRODUTOS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. CONSTITUCIONALIDADE. RE 946.648. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 906.
1. Não há qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída de produtos (operação de revenda) de procedência estrangeira do estabelecimento do importador visto que em consonância com a legislação vigente.
2. A legalidade da incidência do IPI na operação de revenda destaca-se na ocorrência de fatos geradores distintos, quais sejam, o desembaraço aduaneiro, proveniente da operação de compra do produto industrializado do exterior e a saída do produto industrializado do estabelecimento importador, que se equipara ao estabelecimento industrial.
3. Se a incidência do IPI não envolve a industrialização, não há óbice para que ocorra a incidência fiscal em momento posterior ao desembaraço aduaneiro de produto importado, qual seja, a saída de produto do estabelecimento do importador mesmo que não sofra qualquer alteração, visto que se equipara a industrial.
4. O E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 946.648, de repercussão geral, decidiu que cobrança do IPI na revenda de produtos importados é constitucional.
5. Apelo desprovido.