APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0016972-68.2014.4.03.6100
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUICAO
Advogados do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977-A, DANIEL ADENSOHN DE SOUZA - SP200120-A, ANTONIO FERRO RICCI - SP67143-A
APELADO: JOSE FERREIRA DA SILVA CEREALISTA - ME, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Advogados do(a) APELADO: WALTERCIDES JOSE FERREIRA - GO29323, WAGNER JOSE DA SILVA - GO26128
Advogado do(a) APELADO: MELISSA AOYAMA - SP204646-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0016972-68.2014.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUICAO Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO GOMES DE MENDONCA PINHEIRO - SP273904-A APELADO: JOSE FERREIRA DA SILVA CEREALISTA - ME, INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL Advogado do(a) APELADO: MELISSA AOYAMA - SP204646-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta pela Companhia Brasileira de Distribuição, em face da sentença, aclarada por embargos de declaração, que determinou que o INPI passe a figurar como assistente do réu e julgou improcedente o pedido formulado em ação de nulidade de registro da marca “FEIJÃO EXTRA BOM”, condenando a autora a pagar aos réus honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor dado à causa, devendo os mesmos ser rateados proporcionalmente nos termos do art. 20 do Código de Processo Civil. Alega o apelante, preliminarmente, a necessidade do INPI integrar a lide como réu e não como assistente litisconsorcial. No mérito, aduz, em síntese, que demonstrou possuir registros de marca anteriores e validamente concedidos para proteger produtos da classe 29 (alimentos), mesma classe para a qual o Apelado (José Ferreira da Silva Cerelialista-ME) obteve registro para sua marca, além de ter comprovado que possui diversos registros de marca para o sinal “EXTRA”, concedidos pelo INPI (sem ressalvas quanto à exclusividade de uso do sinal). Afirma que o uso da palavra "EXTRA" na marca “FEIJÃO EXTRA BOM” não se dá em seu sentido semântico próprio, mas como marca de produtos, violando os incisos V e XIX e XXIII do art. 124, além do art. 125 e do art. 126, todos da Lei de Propriedade Industrial, além dos art. 6º bis e 10º bis da CUP, na medida em que a marca “FEIJÃO EXTRA BOM” é uma reprodução com acréscimo da sua marca “EXTRA”, que identifica produtos idênticos, semelhantes e afins (alimentos), destacando que comercializa esse mesmo produto de terceiros e também com a sua marca própria ‘”EXTRA”, havendo claro risco de confusão ou de associação indevida. Aponta o fato superveniente consubstanciado na decisão proferida pela 8° Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo, nos autos do processo n° 002443124.2014.4.03.6100, que determinou ao Apelado-INPI que retirasse o apostilamento do registro de marca no 814.817.882, que protege a marca mista “EXTRA” para as atividades da classe BR 40.15 (comércio varejista de mercadorias, supermercados, hipermercados. drogarias, farmácias, postos de combustíveis, e-commerce. etc.), fato relevante e apto a influenciar na formação do convencimento sobre a lide. Afirma que a marca “EXTRA” pode ser considerada, em razão das provas colacionadas aos autos, uma marca de alto renome e merecedora da especial proteção conferida pelo artigo 125 da LPI, matéria cognoscível, em caráter incidental, por qualquer juízo ou tribunal, independentemente do reconhecimento prévio pelo Apelado-INPI. Com contrarrazões do INPI, vieram os autos a esta E. Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0016972-68.2014.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUICAO Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO GOMES DE MENDONCA PINHEIRO - SP273904-A APELADO: JOSE FERREIRA DA SILVA CEREALISTA - ME, INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL Advogado do(a) APELADO: MELISSA AOYAMA - SP204646-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): A competência da Justiça Federal deriva da determinação contida no art. 175 da Lei 9.279/1996, segundo o qual o INPI (autarquia federal) deve intervir em ação judicial que busca nulidade de registro de marcas e patentes, o que afirma também a atribuição deste Foro para processar e julgar aspectos correlatos, inerentes e indivisíveis pertinentes à pretendida nulidade. Com base no art. 175 da Lei 9.279/1996 combinado com o art. 124 do CPC/2015, quando não for autor, a posição processual do INPI é de assistente litisconsorcial sui generis (ou atípico) em ação de nulidade de registro, por ser obrigatória e por influir na relação jurídica entre as partes, admitindo-se a “migração interpolar” da autarquia (litisconsórcio dinâmico) pois pode se abster de contestar o pedido ou atuar ao lado do autor, sempre em favor do interesse público. Somente em circunstâncias especiais o INPI pode figurar como réu (em litisconsórcio passivo necessário), notadamente se o vício for relacionado ao próprio registro ou a ato ou procedimento irregular praticado pela autarquia federal, o que não ocorre se o pedido anulatório for a desconstituição da própria marca, ou se houver defeito intrínseco do bem incorpóreo. A esse respeito, trago à colação os seguintes julgados do E.STJ: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. TRANSAÇÃO ENTRE AS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS LITIGANTES. DISCORDÂNCIA DO INPI, QUE INTEGRAVA O POLO PASSIVO DA LIDE. EXTINÇÃO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Consoante cediço nesta Corte, a atuação processual do INPI, na ação de nulidade de registro de marca, quando não figurar como autor ou corréu, terá a natureza de intervenção sui generis (ou atípica), por se dar de forma obrigatória, tendo em vista o interesse público preponderante de defesa da livre iniciativa, da livre concorrência e do consumidor, direitos constitucionais, essencialmente transindividuais, o que não apenas reclama o temperamento das regras processuais próprias das demandas individuais, como também autoriza a utilização de soluções profícuas previstas no microssistema de tutela coletiva. Precedentes. 2. Nessa perspectiva, admite-se a chamada "migração interpolar" do INPI (litisconsórcio dinâmico), a exemplo do que ocorre na ação popular e na ação de improbidade, nas quais a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, pode abster-se de contestar o pedido ou atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, nos termos dos artigos 6º, § 3º, da Lei 4.717/65 e 17, § 3º, da Lei 8.429/92. 3. Na espécie, a autarquia, após citada para integrar a relação processual, apresentou contestação, suscitando a sua ilegitimidade passiva ad causam, requerendo intervenção no feito na qualidade de assistente especial e aderindo à tese defendida pela autora. Posteriormente, insurgiu-se contra a transação extrajudicial celebrada entre as sociedades empresárias (autora e segunda ré), opondo-se à extinção da ação de nulidade de registro, ao argumento da existência de dano ao interesse público. 4. Nesse quadro, configurou-se o deslocamento do INPI da posição inicial de corréu para o polo ativo da demanda ? o que pode ser traduzido como um litisconsórcio ativo ulterior ?, ressoando inequívoco que a transação extrajudicial, celebrada entre a autora originária e a segunda ré, não tem o condão de ensejar a extinção do processo em que remanesce parte legitimamente interessada no reconhecimento da nulidade do registro da marca. 5. Nada obstante, cumpre ressalvar o direito da autora originária ? que, por óbvio, não pode ser obrigada a permanecer em juízo ? de pleitear desistência na instância de primeiro grau, em consonância com o acordo que não produz efeitos em relação ao INPI. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1817109/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 25/03/2021) RECURSO ESPECIAL. DIREITO MARCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PRETENSÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. ATUAÇÃO OBRIGATÓRIA DO INPI. ART. 175 DA LEI 9.279/96. POSIÇÃO PROCESSUAL. QUALIDADE DA INTERVENÇÃO. CAUSA DE PEDIR DA AÇÃO. LITISCONSORTE PASSIVO OU ASSISTENTE ESPECIAL (INTERVENÇÃO SUI GENERIS). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INDEVIDOS PELA ATUAÇÃO COMO ASSISTENTE ESPECIAL. 1. O art. 175 da Lei n. 9.279/96 prevê que, na ação de nulidade do registro de marca, o INPI, quando não for autor, intervirá obrigatoriamente no feito, sob pena de nulidade, sendo que a definição da qualidade dessa intervenção perpassa pela análise da causa de pedir da ação de nulidade. 2. O intuito da norma, ao prever a intervenção da autarquia, foi, para além do interesse dos particulares (em regra, patrimonial), o de preservar o interesse público, impessoal, representado pelo INPI na execução, fiscalização e regulação da propriedade industrial. 3. No momento em que é chamado a intervir no feito em razão de vício inerente ao próprio registro, a autarquia federal deve ser citada na condição de litisconsórcio passivo necessário. 4. Se a causa de pedir da anulatória for a desconstituição da própria marca, algum defeito intrínseco do bem incorpóreo, não havendo questionamento sobre o vício do processo administrativo de registro propriamente dito, o INPI intervirá como assistente especial, numa intervenção sui generis, em atuação muito similar ao amicus curiae, com presunção absoluta de interesse na causa. 5. No tocante aos honorários, não sendo autor nem litisconsorte passivo, mas atuando na condição da intervenção sui generis, não deverá o INPI responder pelos honorários advocatícios, assim como ocorre com o assistente simples. 6. Recurso especial provido. (REsp 1264644/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2016, DJe 09/08/2016) No caso dos autos, não há vício ou irregularidade imputada ao INPI, embora a parte-autora pleiteia a nulidade de registro de marca. Assentado esse ponto, prossigo na análise do feito. Assim como lançado nos embargos de declaração interpostos em face da sentença apelada (proferida pela e.magistrada da 26ª Vara Cível da Subseção Judiciária de Sã Paulo), não conheço dos argumentos quanto à ação nº 0024431-24.2014.403.6100 (que tramitou perante a 8ª Vara Cível da mesma Subseção e com outra apelação pendente neste E.TRF), tratada como fato superveniente pela ora apelante. Nessa ação ação nº 0024431-24.2014.403.6100 (movida no mesmo ano do ajuizamento da ação em face da qual pende esta apelação), a sentença foi publicada em 13/05/2015, muito tempo antes da prolação da sentença ora recorrida (em 01/12/2015). E ainda que assim não fosse, não vejo a alegada prejudicialidade para julgamento do presente feito, pelos motivos a seguir lançados. Nos termos do art. 122 e art. 123 da Lei nº 9.279/1996, pertinentes aos direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, a marca é o sinal ou símbolo utilizado para diferenciar o “ produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa”, de forma que a distintividade é uma das condições para validade de uma marca. Ou seja, a função imediata da marca é a distinção do produto assinalado dentre todos os dos concorrentes. A seu turno, o art. 124 da Lei nº 9.279/1996 elenca os sinais não registráveis como marca: Art. 124. Não são registráveis como marca: I - brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e monumento oficiais, públicos, nacionais, estrangeiros ou internacionais, bem como a respectiva designação, figura ou imitação; II - letra, algarismo e data, isoladamente, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva; III - expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou idéia e sentimento dignos de respeito e veneração; IV - designação ou sigla de entidade ou órgão público, quando não requerido o registro pela própria entidade ou órgão público; V - reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos; VI - sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva; VII - sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda; VIII - cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo; IX - indicação geográfica, sua imitação suscetível de causar confusão ou sinal que possa falsamente induzir indicação geográfica; X - sinal que induza a falsa indicação quanto à origem, procedência, natureza, qualidade ou utilidade do produto ou serviço a que a marca se destina; XI - reprodução ou imitação de cunho oficial, regularmente adotada para garantia de padrão de qualquer gênero ou natureza; XII - reprodução ou imitação de sinal que tenha sido registrado como marca coletiva ou de certificação por terceiro, observado o disposto no art. 154; XIII - nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento; XIV - reprodução ou imitação de título, apólice, moeda e cédula da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios, ou de país; XV - nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores; XVI - pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores; XVII - obra literária, artística ou científica, assim como os títulos que estejam protegidos pelo direito autoral e sejam suscetíveis de causar confusão ou associação, salvo com consentimento do autor ou titular; XVIII - termo técnico usado na indústria, na ciência e na arte, que tenha relação com o produto ou serviço a distinguir; XIX - reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia; XX - dualidade de marcas de um só titular para o mesmo produto ou serviço, salvo quando, no caso de marcas de mesma natureza, se revestirem de suficiente forma distintiva; XXI - a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico; XXII - objeto que estiver protegido por registro de desenho industrial de terceiro; e XXIII - sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado em território nacional ou em país com o qual o Brasil mantenha acordo ou que assegure reciprocidade de tratamento, se a marca se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia. – negritei. In casu, a empresa autora (integrante do Grupo Pão de Açúcar, cujos estabelecimentos comerciais são identificados pelas marcas e títulos de estabelecimento "EXTRA", "PÃO DE AÇÚCAR", "COMPREBEM”, “SENDAS”, dentre outros) ajuizou a presente ação em face do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI e José Ferreira da Silva Cerealista- ME, com pedido de tutela antecipada para que fosse suspenso os efeitos do registro n° 900.282.274 relativo à marca “FEIJÃO EXTRA BOM” e para que o réu José se abstivesse de utilizar o sinal “EXTRA”, isoladamente ou em conjunto com outras expressões ou marcas, para identificar produtos alimentícios, sob qualquer forma ou pretexto e, no mérito, pleiteou fosse declarada a nulidade do registro nº 900.282.274, relativo à marca “FEIJÃO EXTRA BOM”. Em sua argumentação, a ora apelante afirmou que o termo "EXTRA" é o elemento característico e identificador de seu estabelecimento, tendo surgido na década de 1980 e vem sendo utilizado desde então, ininterruptamente, na identificação das empresas do grupo Pão de Açúcar. Aduziu que a concessão dos registros e dos pedidos de registro da marca “'EXTRA BOM" da empresa ré constitui evidente violação dos seus direitos, uma vez que reproduz com acréscimo o título de estabelecimento e marca "EXTRA", fazendo incidir a proibição contida no art. 124, incisos V, XIX, XXIII, da LPI. Informou que o termo "EXTRA" é o elemento característico do título de estabelecimento de uma das maiores redes de hipermercados da autora e, desde 1989, vem identificando empresas do grupo em suas atividades comerciais. Destacou que o sucesso e prestígio da marca "EXTRA", decorrentes de aproximadamente 20 anos de investimentos e trabalho, tornaram a marca notoriamente conhecida, dentro do segmento mercadológico de supermercados, não podendo a empresa ré, ou qualquer outra empresa desse ramo alegar desconhecimento de sua marca. Expôs que em virtude dos investimentos realizados e do grau de conhecimento da marca “EXTRA” no mercado de consumo em geral, aliado ao fato de ser uma marca notoriamente conhecida, nos termos do art. 6 Bis da CUP e art. 126 da LPI, merece a proteção conferida às marcas de alto renome na forma do art. 125 da LPI. Salientou que o reconhecimento da notoriedade e do alto renome de uma marca não precisa ser, necessariamente, reconhecido na via administrativa, podendo o Judiciário fazê-lo de forma incidental. Aduziu que, com base nas provas trazidas aos autos e que apontam para o alto grau de conhecimento da marca “EXTRA” pelo consumidor, deve ser reconhecido, incidentalmente, o alto renome da marca aplicando-lhe a proteção prevista no art. 125 da LPI. Ressaltou que, não obstante 'EXTRA" poder ser considerada uma marca evocativa, sua distintividade, na forma nominativa ou mista ganhou força em função da notoriedade adquirida em seu segmento, fazendo incidir sobre a mesma o fenômeno do sentido secundário (secondary meaning). Sustentou que a empresa ré atua no mesmo ramo da sua e atividade (alimentos), sendo evidente a possibilidade de confusão ou associação por parte do público consumidor, podendo tal fato trazer reflexos negativos ao seu patrimônio, diluindo o poder distintivo, a integridade material e a reputação da marca. A tutela antecipada foi indeferida na decisão ID Num. 122745939 - Pág. 100/103. Citados, o INPI afirmou não ter interesse nem legitimidade para integrar a lide, requerendo sua integração no feito na qualidade de assistente litisconsorcial do réu. No mérito, requereu a improcedência da demanda, alegando, em síntese, que além de inexistir conflito entre as marcas “EXTRA” e “FEIJÃO EXTRA BOM” - eis que as mesmas possuem conjuntos suficientemente distintos, não havendo a possibilidade do risco de confusão ou associação indevida. Afirma inexistência em alto renome da primeira, uma vez que tal proteção especial somente pode ser pleiteada em processo administrativo, no âmbito do INPI, qualidade que não pode reconhecida pelo Judiciário. Aduziu que apesar do significativo número de marcas que a autora tem sob a sua propriedade, constituídas pelo termo "EXTRA", isolado e com acréscimos, a Autarquia em todos os casos negou a exclusividade do referido termo, sendo tal procedimento praticado desde o primeiro pedido da marca solicitado pela autora. José Ferreira da Silva Cerealista- ME, por sua vez, pleiteou a remessa dos autos para Justiça Federal do Rio de Janeiro, sede do INPI. No mérito, sustentou ser de uso comum e domínio público a expressão "EXTRA" existente em ambas as marcas, salientando que tanto aos olhos do homem médio quanto aos de um expert, fica claro que a sua marca possui uma identidade visual diferenciada, não sendo possível ao consumidor enganar-se quanto às suas procedências, invocando o Principio da Distinguibilidade das Marcas e Domínio Comum. Instadas a especificarem as provas que pretendiam produzir, as partes quedaram-se silentes, sobrevindo a sentença, ora impugnada. Pois bem. A tese defendida pelo recorrente é de que a anterioridade de seu registro marcário, bem como do uso da expressão “EXTRA” como título de estabelecimento, garante-lhe o direito de seu uso exclusivo para designar produtos insertos na classe em que registrada a marca do recorrido, sobretudo considerando a possibilidade de confusão e de associação indevida pelo público consumidor. A propriedade da marca é adquirida a partir da expedição válida de seu registro, pelo INPI, assegurando a seu titular o direito de uso exclusivo em todo o território nacional (art. 129, caput, da LPI). Na medida em que a marca é sinal distintivo que viabiliza a identificação de produtos ou serviços disponíveis no mercado, sua proteção beneficia tanto o titular (que tem seu produto ou serviço diferenciado dos demais concorrentes) quanto o público consumidor (pois certifica a origem do produto ou serviço adquirido, evitando equívocos acerca de sua procedência). In casu, a empresa apelante/autora alega ser detentora do título de estabelecimento “EXTRA” desde 1989 e que este fato impediria o registro da marca da empresa ré. Na oportunidade observo que, quando da análise de registrabilidade de um sinal à vista de eventuais anterioridades, faz-se necessário estabelecer, de início, o grau de originalidade dos mesmos, assim como as características que os envolvem. Conforme se verifica da documentação trazida aos autos, o termo “EXTRA” compõe marcas titularizadas por terceiros muito antes dos registros da marca “EXTRA” da Autora, inicialmente depositada no ano de 1989. São inúmeras as marcas contendo em sua composição o termo “EXTRA”, concedidas para produtos e serviços em diferentes segmentos de mercado, tanto antes como depois do depósito da autora, como por exemplo as abaixo discriminadas, retiradas de uma lista com mais de uma centena de registros (vide ID Num. 122745940 - Pág. 12/38): - EXTRABIL – data do depósito: 21/09/1937; - ESSO EXTRA - data do depósito: 29/08/1952; - CERVEJA ESTRELA ANTARCTICA MUNCHEN EXTRA - data do depósito: 26/03/1957; - EXTRA DE LUXO 51 PIRASSUNUNGA - data do depósito: 03/04/1961; - COQUETEL EXTRA - data do depósito: 10/05/1982; - EXTRAOVO - data do depósito: 29/01/1988; - BONNA EXTRA- data do depósito: 24/09/1990; - EXTRA COMFORT - data do depósito: 26/02/1992; - CAFÉ DO CENTRO EXTRA - - data do depósito: 02/08/1993; - EXTRAVITA- data do depósito:: 21/12/1994; - FUBÁ EXTRA KAXIAS - data do depósito: 03/04/1997; - EXTRA FARMA - data do depósito: 05/11/1997; - EXTRAÇUCAR - data do depósito: 06/10/1998; - EXTRA MULHER & SAÚDE – data do depósito: 10/07/2000; - MARIA BONITA EXTRA- – data do depósito:: 06/07/2001 - EXTRATOMATO- data do depósito: 07/08/2001; - EXTRAMILHO – data do depósito: 10/10/2003; -EXTRADUBO – data do depósito: 23/03/2006. De acordo com o “Manual de Procedimentos de Analise de Marcas”, de autoria do INPI, o inciso VI do art. 124 da LPI engloba duas situações, quais sejam: - 1ª. Situação/Condição: “sinal que tenha relação com o produto ou o serviço”. Para a aferição da incidência da proibição e se o sinal é genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, é indispensável levar em consideração se o mesmo guarda vínculo direto e imediato com os produtos ou serviços que visa distinguir. Se o vínculo for indireto e longínquo a condição não está presente e a proibição não se aplica, podendo se tratar de marca fantasiosa ou de marcas evocativas ou sugestivas, que são, em princípio, tecnicamente registráveis. Considera-se: a) SINAL DE CARÁTER GENÉRICO: o termo ou expressão nominativa ou a sua representação gráfica que (sem ser de caráter necessário em relação ao produto ou serviço, ou indicativo de natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação de serviço) designa a categoria, a espécie ou o gênero ao qual pertence um determinado produto ou serviço, não podendo individualizá-lo, sob pena de atentar contra o direito dos concorrentes. Exemplo: VESTUÁRIO (irregistrável para assinalar roupas). b) SINAL DE CARÁTER NECESSÁRIO: o termo ou expressão nominativa ou o elemento figurativo indispensável para designar ou representar o produto ou o serviço, ou, ainda, seus insumos. Exemplo: AZEITE – para assinalar azeites (irregistrável). - 2ª. Situação/Condição: “Sinal empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviços”. Para aferição da incidência da proibição, deve ser constatado se o sinal efetivamente designa uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou prestação de serviços". In casu, o termo "EXTRA" é utilizado como forma abreviada da palavra “'extraordinário”, o qual por sua vez tem por significado próprio, dentre outros, "excepcional “fenomenal”, “excelente”, “grandioso”, etc., denotando atributos positivos em relação a outros da mesma natureza. Da leitura do artigo 124, VI da LPI, transcrito em epígrafe, tal expressão não poderia ser registrada com exclusividade, na medida em que expressões de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, não podem servir individualmente como marca, sob pena de que se exclua o uso de sinal franqueado a todos, o que constituiria abuso. Tanto é que o INPI informou, em sua contestação, que negou a exclusividade do termo “EXTRA” desde o primeiro pedido de marca solicitado pela Autora, em 30/03/1988. Sendo termo genérico, a mera inclusão do termo “EXTRA” como prefixo ou sufixo não pode ser fator determinante para configuração de conflito. E importante destacar que empresas que utilizam sinais deste gênero, seja na composição do seu nome comercial ou de sua marca, acarretam para si a possibilidade de arcar com a convivência com outros sinais assemelhados, como no caso em tela. Marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade e sem suficiente forma distintiva, atraem a mitigação da regra de exclusividade do registro e podem conviver com outras semelhantes. Precedentes do STJ". (Aglnt no REsp 13388341SF, ReL Ministro LUIS FELIFE SALOMAO, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 23/02/2017) Analisando a composição da marca impugnada, verifico que tanto a palavra “EXTRA”, como as palavras “FEIJÃO” e “BOM” não são registráveis, pois mantém relação direta com os produtos que assinalam, esbarrando na proibição do já acima mencionado inciso VI do artigo 124 da LPI. Dessa forma, na marca “FEIJÃO EXTRA BOM", objeto do registro n° 900282274, depositado pela Ré em 18/04/2007 e concedido, sem oposição, em 06/10/2009, a palavra “EXTRA”, que autora busca excluir do registro, vem acompanhada das palavras “FEIJÃO” e “BOM” e sem elas não é veiculada pela empresa apelada, não havendo qualquer identificação entre as marcas ora em discussão, exceto o elemento comum mencionado. E ainda que as empresas autora e ré participem do mesmo ramo de produtos alimentícios, a logotipia da marca é totalmente distinta e não enseja qualquer risco de associação ou confusão entre elas pelo consumidor. Ou seja, ainda que a marca em conflito seja composta por termos de uso comum, está acompanhada de palavra que o especifica e com insígnia distinta, de forma que a análise do conjunto afasta qualquer possibilidade confusão entre as marcas ou assimilação que sejam do mesmo grupo, pelo consumidor, por serem distinguíveis entre si. Tanto é que se vê no ID Num. 122745940 - Pág. 12/38, mais de uma centena de registros de marcas com o mesmo elemento comum, que igualmente não geram prejuízo algum para a recorrente, o que comprova que a coexistência das marcas, com logotipia e utilização distintas no segmento mercadológico de alimentos, é fator suficiente a afastar a alegada confusão ao consumidor. Acrescente-se que o autor somente faz uso da sua marca própria nos seus próprios estabelecimentos comerciais, o que acaba por mitigar o risco de qualquer associação indevida entre as marcas ora em debate. Assim, verifico que os registros marcários da empresa apelada foram concedido dentro dos parâmetros legais, não havendo efetivamente risco de prejuízo ou possibilidade de erro, confusão ou associação entre as marcas em questão, contendo, ainda, o apostilamento feito pelo INPI no sentido de “sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos.” Nesse sentido: PROPRIEDADE INDUSTRIAL. REGISTRO DA MARCA "PORTAPRONTA ". PRETENDIDA EXCLUSIVIDADE.IMPOSSIBILIDADE. USO DE TERMOS COMUNS E SIMPLESMENTE DESCRITIVOS DO PRODUTO QUE VISAM A DISTINGUIR. LEI 9.279/96. ART 124, VI. 1.- Para a composição da marca "PortaPronia" a Recorrente não criou palavra nova, mas valeu-se de palavras comuns, que, isolada ou conjuntamente, não podem ser apropriadas com exclusividade por ninguém, já que são de uso corriqueiro e desprovidas de originalidade. 2.- Adequado o registro realizado pelo INPI, com a observação de que "concedida sem exclusividade de uso dos elementos normativos". 3.- Recurso Especial improvido. (STJ, REsp n" 1.039.011/RJ, Rel, Mm. Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe: 17/06/2011) No mais, O STJ já decidiu que “Na linha dos precedentes desta Corte, cabe ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI e não ao Poder Judiciário examinar se determinada marca atende aos requisitos para se qualificar como “marca de alto renome" (AgRg no REsp 1165653/RJ, ReL Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,julgado em 17/09/2013, DJe 02/10/2013). Ainda segundo o E. STJ “O conceito de marca notoriamente conhecida não se confunde com marca de alto renome. A primeira - notoriamente conhecida - é exceção à territorialidade e goza de proteção especial independente de registro no Brasil em seu respectivo ramo de atividade. A segunda - marca de alto renome - cuida de exceção à especificidade e tem proteção especial em todos os ramos de atividade, desde que previamente registrada no Brasil e declarada pelo INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial". (REsp 1114745/Ri, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 21/09/2010). Por todo o acima exposto, nego provimento à apelação. Com fundamento no art. 85, §11, do CPC, majoro em 20% o percentual da verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. INPI. ASSISTENTE LITISCONSORCIAL ATÍPICO. MARCA. EXPRESSÃO "EXTRA". CARÁTER GENÉRICO. IMPOSSIBILIDADE DE REGISTRO COM EXCLUSIVIDADE. MARCA DE ALTO RENOME. APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. MARCA DE NOTORIAMENTE CONHECIDA. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
- Com base no art. 175 da Lei 9.279/1996 combinado com o art. 124 do CPC/2015, quando não for autor, a posição processual do INPI é de assistente litisconsorcial sui generis (ou atípico) em ação de nulidade de registro, por ser obrigatória e por influir na relação jurídica entre as partes, admitindo-se a “migração interpolar” da autarquia (litisconsórcio dinâmico) pois pode se abster de contestar o pedido ou atuar ao lado do autor, sempre em favor do interesse público. Somente em circunstâncias especiais o INPI pode figurar como réu (em litisconsórcio passivo necessário), notadamente se o vício for relacionado ao próprio registro ou a ato ou procedimento irregular praticado pela autarquia federal, o que não ocorre se o pedido anulatório for a desconstituição da própria marca, ou se houver defeito intrínseco do bem incorpóreo. No caso dos autos, não há vício ou irregularidade imputada ao INPI, embora a parte-autora pleiteia a nulidade de registro de marca. Assentado esse ponto, prossigo na análise do feito.
- O art. 124, VI, da LPI diz respeito a duas situações que impediriam o registro de uma marca: “sinal que tenha relação com o produto ou o serviço” e “sinal empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviços”.
- O termo "EXTRA” não pode ser registrado com exclusividade, na medida em que expressões de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, não podem servir individualmente como marca, sob pena de que se exclua o uso de sinal franqueado a todos, o que constituiria abuso.
- Sendo termo genérico, a mera inclusão do termo “EXTRA” como prefixo ou sufixo não pode ser fator determinante para configuração de conflito. Empresas que utilizam palavras com esse conteúdo, seja na composição do seu nome comercial ou de sua marca, devem contar com a possibilidade de convivência com outros sinais assemelhados, como no caso em tela, na qual a apelada utiliza a marca “FEIJÃO EXTRA BOM” para produto alimentício, e muitos outros.
- Ainda que a marca em conflito seja composta por termos de uso comum, está acompanhada de palavra que o especifica e com insígnia distinta, de forma que a análise do conjunto afasta qualquer possibilidade confusão entre as marcas ou assimilação que sejam do mesmo grupo, pelo consumidor, por serem distinguíveis entre si.
- Cabe ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI e não ao Poder Judiciário examinar se determinada marca atende aos requisitos para se qualificar como “marca de alto renome". E o conceito de marca notoriamente conhecida (exceção à territorialidade e que goza de proteção especial independente de registro no Brasil em seu respectivo ramo de atividade) não se confunde com marca de alto renome (exceção à especificidade e dotada de proteção especial em todos os ramos de atividade, desde que previamente registrada no Brasil e declarada pelo INPI. Precedentes do E.STJ.
- Apelo não provido.