Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004069-60.1998.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: GERALDA DE JESUS MANCINI

Advogado do(a) APELANTE: SIMONITA FELDMAN BLIKSTEIN - SP27244-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004069-60.1998.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: GERALDA DE JESUS MANCINI

Advogado do(a) APELANTE: SIMONITA FELDMAN BLIKSTEIN - SP27244-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso de apelação, interposto pela parte autora GERALDA DE JESUS MANCINI, em face da r. sentença que extinguiu o cumprimento de título judicial contra a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, de acordo com o entendimento de que o mero depósito dos valores devidos, apurados em fase de conhecimento, na conta vinculada ao FGTS de titularidade do falecido marido da autora, seria medida suficiente para o esgotamento da prestação jurisdicional, independentemente de autorização para o saque dos referidos valores.

A r. sentença ora recorrida (ID 173429923) consignou o seguinte entendimento, verbis:

“(...) Trata-se de Cumprimento de Sentença promovida por Geralda de Jesus Mancini em face da Caixa econômica Federal, visando a aplicação de taxa progressiva de juros nos depósitos de FGTS de conta vinculada de titularidade de seu falecido marido. Pela r.decisão de fls. 269, foi indeferido o pedido de liquidação por arbitramento, sob o fundamento de impossibilidade de responsabilização da CEF pela omissão dos antigos bancos depositários. Interposto o agravo de instrumento nº 0028824-56.2014.403.0000, o Tribunal Regional Federal da Terceira Região decidiu que, no caso de a CEF não ter possibilidade de apresentar os extratos requeridos,  a obrigação de fazer pode ser convertida em perdas e danos, mediante liquidação por arbitramento, às expensas da CEF. Às fls. 311, foi deferida a prova pericial. Laudo pericial anexado no ID 32527651. As partes concordaram com o Laudo Pericial. A parte autora no ID 36564346 e a CEF, no ID 36781727. Decido. Verifica-se que, durante a tramitação do feito, a parte exequente não providenciou medidas efetivas visando à execução do julgado. Considerando a informação do creditamento dos valores pela parte-executada, resultando na satisfação integral do direito buscado pela parte-exequente, impõe-se a extinção da presente execução. Assim, JULGO EXTINTA A EXECUÇÃO que se processa nestes autos, nos termos do art. 924, II, c/c art. 925, ambos do Código de Processo Civil. Quanto ao levantamento do valor creditado na conta fundiária, trata-se de procedimento administrativo previsto em lei, para ser cumprido pela Caixa Econômica Federal. O Alvará Judicial, caso seja necessário, é um procedimento de jurisdição voluntária, conforme disposto no art. 725, VII do CPC, que deve ser proposto pela requerente perante o juízo competente. Em princípio, mesmo que a CEF seja destinatária da ordem judicial, ainda assim cabe à Justiça Estadual o processamento de pleito relativo a feitos sucessórios. Neste sentido, o E.STJ editou a Súmula 161, segundo a qual “É da competência da Justiça Estadual autorizar o levantamento dos valores relativos ao PIS/PASEP e FGTS, em decorrência do falecimento do titular da conta”. Por fim, autorizo, nos termos do art. 906 do CPC, a transferência eletrônica do valor depositado a título de honorários periciais (...)” (grifos meus)

Em suas razões recursais (ID 173429941), aduz a parte autora que, não obstante ter sido devidamente habilitada nos autos como sucessora de seu falecido marido, tendo havido a retificação da autuação para que constasse seu nome como a autora da demanda, a CEF, ao tentar efetivar a ordem judicial emanada em sede de cumprimento do julgado, ao invés de depositar os valores devidos, apurados por perito judicial, em conta vinculada ao Juízo, para posterior levantamento pela exequente, realizou o depósito do montante da condenação na conta vinculada ao FGTS de titularidade do falecido marido da ora apelante. Aduz que compareceu à agência da CEF com cópias de seus documentos e da decisão judicial transitada em julgado, com o escopo de obter o levantamento dos valores depositados, porém foi informada pela funcionária da instituição financeira que o levantamento somente poderia ser feito por meio de ordem judicial. Narra que peticionou nos autos solicitando ao Juízo a ordem para que a CEF autorizasse o levantamento dos valores, e que em manifestação acerca do tema a CEF apresentou sua concordância com o pleito da autora. Em que pese a concordância da CEF, sobreveio a sentença de extinção, que deve ser anulada por se caracterizar como extra petita, de vez que o decisum, caso mantido, importa em pagamento do valor da condenação fora dos limites do pedido e da causa de pedir, por meio do depósito para pessoa diversa da autora da demanda (seu falecido marido), devidamente habilitada nos autos.

Regularmente intimada, a CEF deixou de apresentar contrarrazões ao apelo. Vieram os autos a este E. Tribunal Regional Federal.

É o relatório.

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004069-60.1998.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: GERALDA DE JESUS MANCINI

Advogado do(a) APELANTE: SIMONITA FELDMAN BLIKSTEIN - SP27244-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

Assiste razão à apelante, conforme será demonstrado.

Esmiuçando, por necessário, as circunstâncias do caso concreto, anoto que a ação de cobrança referente aos juros progressivos incidentes sobre valores depositados em conta de FGTS foi ajuizada por GERALDA DE JESUS MANCINI no longínquo ano de 1998, na qualidade de representante legal do espólio de seu marido DINO MANCINI, falecido em 1985.

À fl. 35 dos autos originais (ID 173429431 – fl. 50) foi proferido o seguinte despacho, verbis:

“(...) Providencie o espólio de DINO MANCINI a habilitação de seus dependentes, nos termos do art. 20, inciso IV, da Lei 8.036/90, no prazo de 10 dias, sob pena de indeferimento da petição inicial. (...)” (grifos meus)

Em cumprimento ao despacho, a autora juntou aos autos cópia da declaração de dependentes apresentada ao antigo INPS, da qual constava como dependente do falecido a Sra. Geralda, sua esposa.

Com a apresentação do documento, sobreveio a seguinte decisão (ID 173429431 – fl. 56):

“(...) Declaro habilitada GERALDA DE JESUS MANCINI, sucessora de Dino Mancini, conforme documento de fl. 38, nos termos do artigo 20 da Lei n° 8.036/90. A presente habilitação se dá independentemente de sentença, conforme disposto no inciso I do artigo 1060 do Código de Processo Civil. Oportunamente ao SUDI para retificação do pólo ativo. Int.” (grifos meus)

Retificada a autuação, conforme ordem da magistrada em primeiro grau, no ano de 2002 foi proferida a sentença que julgou procedente a ação de conhecimento, e da qual constou expressamente:

Geralda de Jesus Mancini, qualificada na inicial, viúva e sucessora de DINO MANCINI, propôs ação, sob o rito ordinário, contra a Caixa Econômica Federal, objetivando a aplicação de taxa de juros progressiva ao saldo da conta de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — FGTS do "de cujus", nos termos do art.4°, § 1°, "b", da Lei n° 5.107/66 (fls.03/08). (...) Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido, pelo que CONDENO a ré a proceder à capitalização dos juros da conta do FGTS em nome do marido da autora, nos termos do art.2°, da Lei n° 5.705/71, observada a prescrição trintenária, acrescida de correção monetária, nos termos do Provimento n° 26/01, da Corregedoria Geral da Justiça Federal da Terceira Região. (...)” (grifos meus)

Foi interposta apelação pela CEF, provida por este Tribunal sob o argumento de carência de ação; o acórdão foi posteriormente reformado no âmbito do C. STJ, em sede de recurso especial interposto pela autora. Com o retorno dos autos, ante a determinação do Tribunal Superior para que esta Corte Regional apreciasse o mérito, foi negado provimento ao apelo da CEF e mantida na íntegra a sentença de procedência prolatada em primeiro grau.

Com o trânsito em julgado do v. acórdão, iniciou-se em 2013 a fase de cumprimento de sentença.

Diante da falta de apresentação, pela CEF, dos extratos da conta vinculada do de cujus, a autora requereu a liquidação por arbitramento, o que foi indeferido pelo magistrado a quo, razão pela qual a exequente interpôs agravo de instrumento no qual foi proferida a seguinte decisão:

“(...) Trata-se de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto por Geralda de Jesus Mancini contra a decisão que, nos autos de ação ordinária em que se pleiteia a aplicação de juros progressivos em conta vinculada ao FGTS, em fase de execução, indeferiu a liquidação por arbitramento requerida pela autora e determinou a remessa dos autos ao arquivo. Alega a agravante, em síntese, que seria da CEF a responsabilidade pela juntada dos extratos fundiários em fase de execução. Sustenta a possibilidade de se proceder à liquidação por arbitramento, diante da impossibilidade material de juntada dos referidos documentos. É o relatório. Fundamento e decido. (...) O caso comporta decisão na forma do artigo 557 do CPC. Quanto aos extratos da conta vinculada do FGTS, a Primeira Seção deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região já consolidou entendimento de que estes não constituem documentos indispensáveis à propositura de ações como a originária, editando a Súmula nº 15: (...) E o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a apresentação dos extratos em juízo é de responsabilidade da Caixa Econômica Federal: (...) Por fim, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 514, em 18/08/2014: Súmula 514: A CEF é responsável pelo fornecimento dos extratos das contas individualizadas vinculadas ao FGTS dos Trabalhadores participantes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, inclusive para fins de exibição em juízo, independentemente do período em discussão. Pacificado entendimento no sentido de que os extratos das contas vinculadas são documentos prescindíveis ao ajuizamento de ações como a originária, sendo de responsabilidade da CEF a sua apresentação apenas na eventual execução do julgado, não há que se impor à parte autora outro ônus além de provar a opção pelo regime do FGTS. Não podendo se impor à parte autora o ônus de provar que os bancos depositários não observaram a progressão da taxa de juros - prova que demanda a apresentação dos extratos - conclui-se que, se a ré não comprovar, na fase de conhecimento, que o fundista já obteve a progressão pretendida, tal verificação só terá lugar posteriormente, quando da liquidação da sentença condenatória, ocasião em que sempre se fará necessária a apresentação daqueles extratos fundiários. Assim, caso a CEF esteja materialmente impossibilitada de apresentar os extratos requeridos pelo MM. Juízo a quo, a obrigação de fazer pode ser convertida em perdas e danos, mediante liquidação por arbitramento, às expensas da CEF. Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça e a Primeira Turma deste Tribunal Regional Federal da Terceira Região: (...) Ante o exposto, com fundamento no artigo 557, §1º-A, do Código de Processo Civil, dou provimento ao agravo de instrumento, para determinar à CEF que junte os extratos fundiários ainda não apresentados, procedendo-se à conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, por arbitramento, às expensas da CEF, na impossibilidade material de juntar os referidos documentos. Intimem-se. Comunique-se. Decorrido o prazo recursal, baixem os autos ao Juízo de origem, observadas as formalidades legais. (...)” (grifos meus)

Diante do trânsito em julgado da decisão proferida no agravo, com a baixa dos autos à origem e mediante requerimento da parte autora nesse sentido, após manifestação da CEF de que não logrou êxito na derradeira tentativa de localização dos extratos da conta fundiária do falecido, foi nomeada perita judicial para prosseguimento da liquidação por arbitramento, com a expressa conversão da obrigação de fazer em perdas e danos.

Elaborado o laudo pericial (ID 173429900), a exequente peticionou manifestando concordância com seu teor, assim como a CEF. Ato contínuo, a exequente protocolou a seguinte manifestação:

“(...) Em razão da manifestação expressa da CEF (ID 36781727), de concordância com o valor apurado em favor da autora no laudo pericial e de comprovação de depósito das diferenças apuradas em favor desta, na conta vinculada de FGTS de seu falecido marido, a signatária, mandatária judicial da autora, copiou os documentos juntados pela CEF à manifestação e entregou-os à autora, para que esta diligenciasse o recebimento do valor decorrente do cumprimento da R. Sentença transitada em julgado. De posse dessa documentação, a autora dirigiu-se à agência 0347 da empresa ré, portando seus documentos pessoais, a certidão de dependência fornecida pelo INSS por ocasião do óbito de seu marido, pelo original constante de fls. 54 do primeiro volume dos autos (ID 13166155), com firma reconhecida do funcionário público que assinou a certidão, bem como a Carteira Profissional de seu falecido marido, objetivando levantar o valor depositado. Entretanto, a funcionária encarregada de dar andamento ao pedido de levantamento dos depósitos recusou a documentação sob o pretexto de que a certidão de dependência fornecida pelo INSS apresentada pela autora era de 1985 e não servia ao objetivo pretendido !!! Aduziu ainda a referida funcionária que a autora deveria providenciar a obtenção de um Alvará Judicial designando os beneficiários do saque. Ocorre que a autora, como consta dos documentos juntados à inicial – ID 13166155 ajuizou a presente ação em fevereiro de 1998, já como viúva, posto que seu marido falecera em 09 de outubro de 1985, e, alvitrados no processo os documentos comprobatórios necessários, forneceu-os a este Juízo, razão pela qual sobreveio nos autos o R. Despacho de fls. 56 do ID V, mercê do qual a autora foi declarada habilitada como sucessora de DINO MANCINI, assumindo o pólo ativo da presente. (...) Além disso, a atitude da CEF é descabida, porquanto, reitera-se, o processo foi ajuizado pela autora em 1998, quando já estava viúva do titular da conta vinculada desde o ano de 1985 e, comprovada em Juízo sua qualidade de dependente do marido, bem como de inventariante dos bens deixados por este, obteve a declaração de dependente habilitada a assumir o pólo ativo desta ação. Então, decretada a procedência da ação e fixada a condenação pelo valor apurado pela Sra. Perita judicial no ID 32527651, com a manifestação de concordância da CEF, o depósito da condenação deveria ter sido efetuado em conta judicial à disposição da autora e não na conta vinculada de seu falecido marido. 2. Pois bem, a autora está atualmente com 81 anos de idade e, face à atual pandemia que assola o mundo, vem encontrando sérias dificuldades financeiras para arcar com suas despesas pessoais, razão pela qual tem a presente a finalidade de requerer se digne V. Ex.ª de mandar expedir ALVARÁ JUDICIAL em favor de GERALDA DE JESUS MANCINI, determinando à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL que pague à mesma o valor depositado na conta vinculada de DINO MANCINI em 10 de agosto de 2020, como consta do documento ID 36781730, decorrente das diferenças apuradas no presente feito, relativas ao contrato de trabalho que o referido Sr. DINO MANCINI manteve com a empresa WHEATON DO BRASIL Ind. e Com. Ltda., no período de 05 de abril de 1967 a 29 de setembro de 1982 (documento ID 13166155 – fls. 25). (...)” (grifos meus)

Instada a se manifestar, a CEF consignou o quanto segue em sua petição ID 173429918:

“(...) A CAIXA, por sua advogada, considerando a petição da parte autora de ID 38390203, bem assim como as peculiaridades narradas pela patrona que subscreve a referida petição, sugere a Vossa Excelência, excepcionalmente (na medida em que não foi essa a pretensão deduzida nestes autos), a emissão de ALVARÁ JUDICIAL para que a exequente possa realizar o levantamento das quantias que foram depositadas na conta vinculada do falecido DINO MANCINI (extrato anexado). Essa seria a medida mais célere (e menos custosa) para solucionar o problema. Alternativamente, também poderá ser realizada a transferência dos valores da conta vinculada (extrato anexado) para uma conta de depósito judicial à ordem desse r. Juízo (o que - da mesma maneira - não se coaduna com a pretensão deduzida nesta demanda) e também não dispensaria a emissão de uma ORDEM JUDICIAL nesse sentido, sem o que restaria inviabilizada a transferência em questão. Essa é a medida mais demorada e CUSTOSA, pois envolveria  o "retrabalho"  de muitas pessoas. (...)” (grifos meus)

Diante de tais manifestações, sobreveio a r. sentença ora recorrida, que extinguiu a fase de cumprimento de sentença com base nos seguintes argumentos:

“(...) Verifica-se que, durante a tramitação do feito, a parte exequente não providenciou medidas efetivas visando à execução do julgado. Considerando a informação do creditamento dos valores pela parte-executada, resultando na satisfação integral do direito buscado pela parte-exequente, impõe-se a extinção da presente execução. Assim, JULGO EXTINTA A EXECUÇÃO que se processa nestes autos, nos termos do art. 924, II, c/c art. 925, ambos do Código de Processo Civil. Quanto ao levantamento do valor creditado na conta fundiária, trata-se de procedimento administrativo previsto em lei, para ser cumprido pela Caixa Econômica Federal. O Alvará Judicial, caso seja necessário, é um procedimento de jurisdição voluntária, conforme disposto no art. 725, VII do CPC, que deve ser proposto pela requerente perante o juízo competente. Em princípio, mesmo que a CEF seja destinatária da ordem judicial, ainda assim cabe à Justiça Estadual o processamento de pleito relativo a feitos sucessórios. (...)” (grifos meus) 

Pois bem.

Cumpre salientar, de início, que da leitura atenta dos autos, não se verifica, em momento algum, e ao contrário do quanto afirmado pela r. sentença, inércia ou omissão da parte exequente quanto às providências necessárias ao cumprimento do julgado, tendo sido a patrona da exequente bastante diligente no sentido de levar a efeito o cumprimento do comando exequendo.

Além disso, também diferentemente do que afirmam a CEF e a sentença ora recorrida, o depósito dos valores devidos em conta vinculada de titularidade do marido da autora não constitui cumprimento da sentença prolatada na fase de conhecimento.

Isso porque, como consta expressamente da decisão, transitada em julgado, proferida nos autos do agravo de instrumento 0028824-56.2014.403.0000, no caso presente, em que os extratos fundiários não foram encontrados pela CEF e devidamente acostados aos autos, a obrigação de fazer – depósito das diferenças de juros na conta fundiária – tornou-se uma obrigação de pagar quantia certa, diante de sua conversão em perdas e danos e liquidação por arbitramento.

Portanto, a CEF equivocou-se ao proceder ao depósito do valor da condenação - saliente-se, valor este devido à autora, devidamente habilitada nos autos, nos termos da lei de regência do FGTS, e titular por sucessão do montante aqui arbitrado -  em conta vinculada de titularidade de seu marido, falecido desde 1985, não havendo justificativa plausível para que a autora seja penalizada com mais demora e/ou com a imposição para que tome novas e despiciendas providências judiciais, em virtude de erro cometido exclusivamente pela instituição financeira.

Nesse ponto, devem ser expendidas algumas pertinentes considerações acerca do escopo das normas processuais.

Consabido que o processo tem como finalidade precípua a solução da crise jurídica trazida à apreciação do Poder Judiciário, devendo todos os sujeitos que dele participam orientarem suas ações na busca desse objetivo, que deve ser atingido do modo mais célere e efetivo possível.

Sobreleva notar, por oportuno, que é princípio positivado no Código de Processo Civil o da primazia da decisão de mérito, bem como os princípios da cooperação e da eficiência na prestação jurisdicional, todos norteadores do processo civil brasileiro de acordo com o CPC de 2015.  Confira-se:

“Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.” (grifos meus)

A primazia da decisão de mérito abrange, como não poderia deixar de ser, a fase satisfativa do julgado. Aliás, o fim último do processo, nas hipóteses em que se busca provimento de caráter condenatório, é justamente a efetivação do direito, a obtenção do bem da vida pleiteado, por meio das medidas coercitivas que somente o Poder Judiciário tem a competência para determinar.

Diante desse quadro, e analisando as circunstâncias do caso em análise, tenho que consubstancia verdadeira negativa de prestação jurisdicional, vedada pela Constituição Federal, considerar ultimada a fase executiva de um processo, com provimento condenatório transitado em julgado, sem que a parte autora tenha obtido o bem da vida requerido, por erro imputável exclusivamente à CEF.

Constitui absurda inversão dos valores essenciais do ordenamento processual obrigar a exequente a ajuizar nova demanda, perante a Justiça Estadual, para obter um alvará que a autorize a levantar valores depositados erroneamente pela CEF em conta de pessoa falecida há vários anos, quando o montante da condenação deveria ter sido disponibilizado à sucessora do de cujus, autora da demanda e titular por sucessão do valor referente à condenação proferida na fase de conhecimento, conforme habilitação devidamente realizada nestes autos.

Friso que as normas processuais devem servir de meio para a consecução do objetivo principal da atuação do Poder Judiciário, que é solucionar o conflito de interesses que lhe é trazido; o rigor formal não pode jamais se sobrepor a esse escopo. Regras procedimentais existem para que haja a necessária segurança jurídica, bem como para que as partes tenham assegurado seu direito constitucional à mais ampla defesa e ao contraditório substancial; porém, não podem e não devem ser utilizadas a fim de criar obstáculos desnecessários à efetivação do direito da parte, mormente quando se cuida, como na hipótese, de direito reconhecido por meio de decisão com trânsito em julgado.  

Com razão a apelante quando aduz que o pagamento do valor da condenação foi feito para pessoa falecida que sequer é parte neste processo, conforme exaustivamente exposto.

Em conclusão, impõe-se a anulação da sentença ora recorrida, com o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, a fim de que seja retomada a execução do julgado, com a consequente liberação, pela CEF, dos valores, equivocadamente depositados em conta vinculada do Sr. Dino Mancini, em favor da autora/exequente, Sra. Geralda de Jesus Mancini, com a máxima urgência, tendo em vista que a ora apelante é idosa nascida em 1939 e conta, portanto, com 82 anos de idade.

Dispositivo

Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação da autora, para anular a sentença, determinar a retomada da execução do julgado e a disponibilização, pela CEF, com a máxima urgência, dos valores depositados em conta vinculada do Sr. Dino Mancini para a autora da ação, Sra. Geralda de Jesus Mancini, nos termos da fundamentação supra.

É como voto.



E M E N T A

CIVIL E PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. CONVERSÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER EM OBRIGAÇÃO DE DAR. MONTANTE DA CONDENAÇÃO DEPOSITADO ERRONEAMENTE EM CONTA VINCULADA AO FGTS DE TITULARIDADE DO FALECIDO MARIDO DA AUTORA. SENTENÇA ANULADA. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. PRIMAZIA DA DECISÃO DE MÉRITO QUE INCLUIU A ATIVIDADE SATISFATIVA. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA ANULADA.

1. Esmiuçando, por necessário, as circunstâncias do caso concreto, anoto que a ação de cobrança referente aos juros progressivos incidentes sobre valores depositados em conta de FGTS foi ajuizada por GERALDA DE JESUS MANCINI no longínquo ano de 1998, na qualidade de representante legal do espólio de seu marido DINO MANCINI, falecido em 1985. Retificada a autuação para constar como habilitada por sucessão a autora, conforme ordem da magistrada em primeiro grau, no ano de 2002 foi proferida a sentença que julgou procedente a ação de conhecimento. Foi interposta apelação pela CEF, provida por este Tribunal sob o argumento de carência de ação; o acórdão foi posteriormente reformado no âmbito do C. STJ, em sede de recurso especial interposto pela autora. Com o retorno dos autos, ante a determinação do Tribunal Superior para que esta Corte Regional apreciasse o mérito, foi negado provimento ao apelo da CEF e mantida na íntegra a sentença de procedência prolatada em primeiro grau.

2. Com o trânsito em julgado do v. acórdão, iniciou-se em 2013 a fase de cumprimento de sentença. Diante da falta de apresentação, pela CEF, dos extratos da conta vinculada do de cujus, a autora requereu a liquidação por arbitramento, o que foi indeferido pelo magistrado a quo, razão pela qual a exequente interpôs agravo de instrumento, provido por este Tribunal para para determinar à CEF que juntasse os extratos fundiários ainda não apresentados, procedendo-se à conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, por arbitramento, às expensas da CEF, na impossibilidade material de juntar os referidos documentos.

3. Diante do trânsito em julgado da decisão proferida no agravo, com a baixa dos autos à origem e mediante requerimento da parte autora nesse sentido, após manifestação da CEF de que não logrou êxito na derradeira tentativa de localização dos extratos da conta fundiária do falecido, foi nomeada perita judicial para prosseguimento da liquidação por arbitramento, com a expressa conversão da obrigação de fazer em perdas e danos.

4. Elaborado o laudo pericial, a exequente peticionou manifestando concordância com seu teor, assim como a CEF. Ato contínuo, a exequente protocolou manifestação informando a negativa da agência da CEF em liberar os valores que foram depositados na conta vinculada de titularidade de seu falecido marido. Sobreveio a sentença de extinção da execução.

5. Da leitura atenta dos autos, não se verifica, em momento algum, e ao contrário do quanto afirmado pela r. sentença, inércia ou omissão da parte exequente quanto às providências necessárias ao cumprimento do julgado, tendo sido a patrona da exequente bastante diligente no sentido de levar a efeito o cumprimento do comando exequendo.

6. Além disso, também diferentemente do que afirmam a CEF e a sentença ora recorrida, o depósito dos valores devidos em conta vinculada de titularidade do marido da autora não constitui cumprimento da sentença prolatada na fase de conhecimento. Isso porque, como consta expressamente da decisão, transitada em julgado, proferida nos autos do agravo de instrumento 0028824-56.2014.403.0000, na hipótese dos autos, em que os extratos fundiários não foram encontrados pela CEF e devidamente acostados aos autos, a obrigação de fazer – depósito das diferenças de juros na conta fundiária – tornou-se uma obrigação de pagar quantia certa, diante de sua conversão em perdas e danos e liquidação por arbitramento.

7. Portanto, a CEF equivocou-se ao proceder ao depósito do valor da condenação - saliente-se, valor este devido à autora, devidamente habilitada nos autos, nos termos da lei de regência do FGTS, e titular por sucessão do montante aqui arbitrado -  em conta vinculada de titularidade de seu marido, falecido desde 1985, não havendo justificativa plausível para que a autora seja penalizada com mais demora e/ou com a imposição para que tome novas e despiciendas providências judiciais, em virtude de erro cometido exclusivamente pela instituição financeira.

8. Consabido que o processo tem como finalidade precípua a solução da crise jurídica trazida à apreciação do Poder Judiciário, devendo todos os sujeitos que dele participam orientarem suas ações na busca desse objetivo, que deve ser atingido do modo mais célere e efetivo possível.

9. Sobreleva notar, por oportuno, que é princípio positivado no Código de Processo Civil o da primazia da decisão de mérito, bem como os princípios da cooperação e da eficiência na prestação jurisdicional, todos norteadores do processo civil brasileiro de acordo com o CPC de 2015.

10. A primazia da decisão de mérito abrange, como não poderia deixar de ser, a fase satisfativa do julgado. Aliás, o fim último do processo, nas hipóteses em que se busca provimento de caráter condenatório, é justamente a efetivação do direito, a obtenção do bem da vida pleiteado, por meio das medidas coercitivas que somente o Poder Judiciário tem a competência para determinar.

11. Diante desse quadro, e analisando as circunstâncias do caso em análise, tenho que consubstancia verdadeira negativa de prestação jurisdicional, vedada pela Constituição Federal, considerar ultimada a fase executiva de um processo, com provimento condenatório transitado em julgado, sem que a parte autora tenha obtido o bem da vida requerido, por erro imputável exclusivamente à CEF.

12. Constitui absurda inversão dos valores essenciais do ordenamento processual obrigar a exequente a ajuizar nova demanda, perante a Justiça Estadual, para obter um alvará que a autorize a levantar valores depositados erroneamente pela CEF em conta de pessoa falecida há vários anos, quando o montante da condenação deveria ter sido disponibilizado à sucessora do de cujus, autora da demanda e titular por sucessão do valor referente à condenação proferida na fase de conhecimento, conforme habilitação devidamente realizada nestes autos.

13. Friso que as normas processuais devem servir de meio para a consecução do objetivo principal da atuação do Poder Judiciário, que é solucionar o conflito de interesses que lhe é trazido; o rigor formal não pode jamais se sobrepor a esse escopo. Regras procedimentais existem para que haja a necessária segurança jurídica, bem como para que as partes tenham assegurado seu direito constitucional à mais ampla defesa e ao contraditório substancial; porém, não podem e não devem ser utilizadas a fim de criar obstáculos desnecessários à efetivação do direito da parte, mormente quando se cuida, como na hipótese, de direito reconhecido por meio de decisão com trânsito em julgado. Com razão a apelante quando aduz que o pagamento do valor da condenação foi feito para pessoa falecida que sequer é parte neste processo, conforme exaustivamente exposto.

14. Em conclusão, impõe-se a anulação da sentença ora recorrida, com o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, a fim de que seja retomada a execução do julgado, com a consequente liberação, pela CEF, dos valores, equivocadamente depositados em conta vinculada do falecido marido da autora em seu favor, com a máxima urgência, tendo em vista que a ora apelante é idosa nascida em 1939 e conta, portanto, com 82 anos de idade.

15. Apelação provida. Sentença anulada.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso de apelação da autora, para anular a sentença, determinar a retomada da execução do julgado e a disponibilização, pela CEF, com a máxima urgência, dos valores depositados em conta vinculada do Sr. Dino Mancini para a autora da ação, Sra. Geralda de Jesus Mancini, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.