Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001483-61.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: JOAO FERREIRA MARQUES, LILIANA APARECIDA POSLEDNIK MARQUES

Advogados do(a) APELADO: CELIO LUIS GALVAO NAVARRO - SP358683-A, CARLA SUELI DOS SANTOS - SP132545-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA SUELI DOS SANTOS - SP132545-A, CELIO LUIS GALVAO NAVARRO - SP358683-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001483-61.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: JOAO FERREIRA MARQUES, LILIANA APARECIDA POSLEDNIK MARQUES

Advogados do(a) APELADO: CELIO LUIS GALVAO NAVARRO - SP358683-A, CARLA SUELI DOS SANTOS - SP132545-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA SUELI DOS SANTOS - SP132545-A, CELIO LUIS GALVAO NAVARRO - SP358683-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL e REEXAME NECESSÁRIO contra sentença proferida em Mandado de Segurança impetrado por João Ferreira Marques e Liliana Aparecida Poslednik Marques objetivando o cancelamento da cobrança de laudêmio.

Deferida a liminar para determinar a suspensão da exigibilidade do laudêmio pela transferência do domínio útil do imóvel de propriedade da União registrado sob o RIP n. 7047.0002812-68 referentes ao período de apuração 14.09.2006. (Num. 159749792).

Em sentença proferida em 04 de fevereiro de 2021, o Juízo de Origem concedeu a segurança pleiteada na inicial, reconhecendo a existência de direito líquido e certo do impetrante, em ver assegurado o afastamento da cobrança dos respectivos laudêmios, haja vista inexigíveis nos termos do §1º do artigo 47 da Lei n. 9.636/1998 e determinando a extinção do feito nos termos do artigo 487 inciso I, do Código de Processo Civil.  (Num. 159749823).

A União apela sustentando, em síntese, que in casu, igualmente, que a exigibilidade do crédito tem como base a conclusão contida no Parecer 0088 – 5.9/2013/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU, da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, que firmou o entendimento da inaplicabilidade da inexigibilidade, nos moldes previstos no art. 47, I da Lei 9.639/98 à receita do laudêmio. (Num. 159749833).

Contrarrazões pelo impetrante (Num. 159749837).

Parecer do Ministério Público Federal suscitando não vislumbrar a relevância social necessária a justificar sua intervenção. (Num. 159874817).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001483-61.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: JOAO FERREIRA MARQUES, LILIANA APARECIDA POSLEDNIK MARQUES

Advogados do(a) APELADO: CELIO LUIS GALVAO NAVARRO - SP358683-A, CARLA SUELI DOS SANTOS - SP132545-A
Advogados do(a) APELADO: CARLA SUELI DOS SANTOS - SP132545-A, CELIO LUIS GALVAO NAVARRO - SP358683-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

Examinando os autos, entendo que assiste razão à União.   

Com efeito, o fato gerador (hipótese material de incidência) do laudêmio se dá com a cessão (ou cessões) ou com a escritura, pois a hipótese de incidência prevista na lei refere-se à expressão “transferência onerosa entre vivos” ou à “cessão de direito” do domínio útil de imóvel de propriedade da União. Portanto, é passível de sofrer a incidência do laudêmio toda e qualquer “transferência onerosa entre vivos”, atinente ao domínio útil de imóvel de propriedade da União, incluída aqui a mera cessão de direito.

O sistema brasileiro de registros está fundamentado no princípio da continuidade, de maneira que todas as transferências do domínio do imóvel devem constar na matrícula do bem imóvel, com o fim de se preservar o encadeamento das operações.

É o que se extrai no artigo 237, da Lei nº 6.015/73, verbis:

"Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro."                 

No âmbito da Secretaria do Patrimônio da União, que atua nos mesmos moldes dos Cartórios de Registros de Imóveis, mostra-se adequada e pertinente a exigência de observância da cadeia dominial.

Registre-se, ainda, que o fato gerador do tributo (hipótese material de incidência) se dá com a cessão (ou cessões) ou com a escritura.

Como se sabe, três grandes sistemas de aquisição de propriedade vigoram nos ordenamentos jurídicos do mundo ocidental: o primeiro, o sistema francês, considera como elemento de transmissão da propriedade o contrato (“solo consensu”), tendo o registro imobiliário efeito meramente publicitário, mas não constitutivo; o segundo, sistema alemão, em que se considera que a transmissão da propriedade apenas se constitui com o registro do título em cadastro de imóveis, com a característica de que, uma vez efetuado o registro, não se pode alegar qualquer vício no contrato de origem, prevalecendo o registro sobre qualquer questionamento de vício originário do título aquisitivo; já o sistema brasileiro, denominado misto ou eclético, prevalece desde o Código Civil de 1916, anotando FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO as seguintes particularidades:

“Para nós, o registro é constitutivo do direito real sobre coisa imóvel. É ele que converte o título, gerador de simples direito de crédito, em direito real, irradiando seus efeitos contra todos. Neste ponto, aproxima-se do sistema alemão. A diferença, porém, está no fato do registro em nosso sistema ter a natureza de ato jurídico causal, pois permanece vinculado ao título que deu origem. Invalidado o título, invalida-se o registro.” (CÓDIGO CIVIL COMENTADO, Coordenador MINISTRO CEZAR PELUSO, Ed. MANOLE, 14a. Ed., 2.020, pág. 1166).

Partindo-se dessa premissa, de que o título translativo de propriedade possa ser infirmado, não obstante o registro, é que o nosso sistema estatuiu diversos “princípios registrários”, tendentes a garantir, em última instância, a realidade da transmissão da propriedade imóvel, dentre eles o “princípio da inscrição”, o da “fé pública”, o da “publicidade” e, a corroborar e afirmar tais princípios, o “principio da continuidade”, por meio do qual se torna imperativo que o registro faça menção a toda a cadeia dominial ao longo do tempo, considerando-se como ato de transmissão individualizado, de sorte a permitir a aferição da fé pública, da publicidade e da legalidade, dado que dessa cadeia causal poderá resultar questionamentos acerca da validade de uma ou algumas dessas transmissões.

A Doutrina assim identifica e justifica a observância do princípio da continuidade:

“O princípio da continuidade, também chamado trato sucessivo e trato contínuo, está previsto nos arts. 195 e 237 da Lei 6.015/73. Expressa a regra que ninguém pode dispor de direitos que não tem, ou de direitos de qualidade e quantidade diversas dos quais é titular. Diz que, em relação a cada imóvel, deve haver uma cadeia de titularidade, à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular.  .... Funciona o registro imobiliário como os elos de uma corrente, um encadeado no outro, sem saltos nem soluções, de tal modo que toda titularidade sobre o imóvel apareça concatenada com a anterior e a sucessiva” (FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO, ob. Cit. Pág. 1214/1215).

Destarte, havendo notícia, na escritura, de um encadeamento de transmissões, cada qual se considera uma transação independente e submissa aos encargos daí decorrentes; registre-se que é precisamente a partir da escritura pública que a União toma conhecimento do encadeamento de transmissões, até então no recôndito das partes envolvidas.

E é precisamente a partir desse conhecimento que estará a UF autorizada a cobrar por todas as transações anteriores, em respeito à boa-fé e à continuidade do registro imobiliário, realizado nos moldes administrativos.

Com relação ao prazo decadencial, no entanto, só se inicia, para efeito de constituição, mediante lançamento, a partir do conhecimento pela UF (SPU) das transações então noticiadas na escritura.

Essa é a orientação firmada em ambas as Turmas que compõem a 1ª Seção desta Corte regional, quando do julgamento da Apelação/Remessa Necessária nº 5014444-68.2017.4.03.6100 pela sistemática do artigo 942 do CPC:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE ATIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. ALIENANTE. ADQUIRENTE. FATO GERADOR. LAUDÊMIO. CESSÃO OU REGISTRO. PRAZO DECADENCIAL. CONHECIMENTO DA UNIÃO. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDOS. 1. Considerado que os valores devidos em razão do domínio útil podem ser exigidos tanto do alienante quanto do adquirente, por se tratar de obrigação propter rem, a impetrante deve ser considerada parte legítima para figurar no polo ativo da ação mandamental. 2. O sistema brasileiro de registros está fundamentado no princípio da continuidade, de maneira que todas as transferências do domínio do imóvel devem constar na matrícula do bem imóvel, com o fim de se preservar o encadeamento das operações. Dicção do artigo 237 da Lei nº 6.015/73. 3. No âmbito da Secretaria do Patrimônio da União, que atua nos mesmos moldes dos Cartórios de Registros de Imóveis, mostra-se adequada e pertinente a exigência de observância da cadeia dominial. 4. O fato gerador do tributo (hipótese material de incidência) se dá com a cessão (ou cessões) ou com a escritura. 5. O prazo decadencial só se inicia, para efeito de constituição, mediante lançamento, a partir do conhecimento, pela UF (SPU), das transações então noticiadas na escritura. 6. A partir desse conhecimento, está a UF autorizada a cobrar por todas as transações anteriores, em respeito à boa-fé e à continuidade do registro imobiliário, realizado nos moldes administrativos. 7. No caso concreto configura-se tal hipótese, vez que somente a partir da transcrição do respectivo título na matrícula do imóvel pode a União ter ciência não somente da alienação do imóvel retratada na matrícula, como também da cessão de direito que lhe antecedeu. 8. Remessa necessária e apelação da União providos para reformar a sentença e denegar a segurança, sem condenação em honorários advocatícios. Custas "ex lege".”   (TRF 3ª Região, 1ª Turma,  ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5014444-68.2017.4.03.6100. Relator: Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA. Relator para o acórdão: Desembargador Federal WILSON ZAUHY. Julgado em 28/04/2020. Intimação via sistema DATA: 29/04/2020)

Por fim, saliente-se que o fato gerador (hipótese material de incidência) se dá com a cessão (ou cessões) ou com a escritura, pois a hipótese de incidência prevista na lei refere-se à expressão “transferência onerosa entre vivos” ou à “cessão de direito” do domínio útil de imóvel de propriedade da União, conforme se verifica do artigo 3º “caput”, e seu §2º, I, “a”, do Decreto-Lei nº 2.398/1987, com a redação conferida pelo artigo 33 da Lei nº 9.636/98:

“Art. 3º A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1° As transferências parciais de aforamento ficarão sujeitas a novo foro para a parte desmembrada.

§ 2º Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio: (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)

I - sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União - SPU que declare: (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)

a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos; (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)

(...)

§ 4° Concluída a transmissão, o adquirente deverá requerer ao órgão local da SPU, no prazo máximo de sessenta dias, que providencie a transferência dos registros cadastrais para o seu nome, observando-se, no caso de imóvel aforado, o disposto no art. 116 do Decreto-Lei no 9.760, de 1946. (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)” (grifos nossos).

Ainda no mesmo sentido encontra-se a Lei nº 9.636/98, cujo §3º do artigo 24 dispõe:

“Art. 24. A venda de bens imóveis da União será feita mediante concorrência ou leilão público, observadas as seguintes condições:

§ 3º Poderá adquirir o imóvel, em condições de igualdade com o vencedor da licitação, o cessionário de direito real ou pessoal, o locatário ou arrendatário que esteja em dia com suas obrigações junto à SPU, bem como o expropriado. (grifos nossos)

Portanto, é passível de sofrer a incidência do laudêmio toda e qualquer “transferência onerosa entre vivos”, atinente ao domínio útil de imóvel de propriedade da União, incluída aqui a mera cessão de direito, cujo pagamento somente não será exigido nas hipóteses expressamente previstas em lei, tal como a disposta nos incisos IV e VI do artigo 19 da Lei nº 9.636/98:

“Art. 19. O ato autorizativo da cessão de que trata o artigo anterior poderá:

(...)

IV - isentar o cessionário do pagamento de foro, enquanto o domínio útil do terreno fizer parte do seu patrimônio, e de laudêmios, nas transferências de domínio útil de que trata este artigo;

(...)”

VI - permitir a cessão gratuita de direitos enfitêuticos relativos a frações de terrenos cedidos quando se tratar de regularização fundiária ou provisão habitacional para famílias carentes ou de baixa renda. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) (grifos nossos)

É pacífica a jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o pagamento de laudêmio também é devido nas cessões, e não apenas no registro das operações no cartório de Imóveis:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TERRENO DE MARINHA. REGIME DE MERA OCUPAÇÃO. TRANSFERÊNCIA ONEROSA. COBRANÇA DE LAUDÊMIO. LEGALIDADE. PRECEDENTES DAS TURMAS DA PRIMEIRA SEÇÃO. 1. A Primeira Turma desta Corte decidiu que "[...] a transferência onerosa de quaisquer poderes inerentes ao domínio de imóvel da União condiciona-se ao prévio recolhimento de laudêmio. Isto porque, não obstante o instituto do laudêmio estivesse intimamente vinculado ao domínio útil, a novel lei ampliou-o para alcançar, também, a transferência onerosa de qualquer direito sobre benfeitorias construídas em imóvel da União, bem como a cessão de direitos a ele relativos (REsp 1143801/SC, Rel. Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux, DJe 13/09/2010)". No mesmo sentido, confiram-se: REsp 1232803/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 31/05/2011; EDcl no REsp 1128194/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 25/02/2011; REsp 1128333/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/09/2010. 2. Agravo regimental não provido” (AgRg no AREsp 166.778/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 24/08/2015)

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL. RESSALVA. FINALIZADO ANTES DO JULGAMENTO DA MEDIDA CAUTELAR NA ADI 4.264/PE. TAXA DE OCUPAÇÃO. VALOR. MAJORAÇÃO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PRÉVIO. DESNECESSIDADE. LAUDÊMIO. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. RECURSO IMPROVIDO. (...) 6. A jurisprudência do STJ é no sentido de que, consoante previsão do art. 3º do Decreto-Lei 2.398/1987, é legítima a cobrança de laudêmio não apenas sobre a transferência onerosa do domínio útil, mas também de qualquer direito sobre benfeitorias construídas em imóvel da União, bem como a cessão de direitos a ele relativos. (...) Recurso especial improvido.” (REsp 1329644/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 13/04/2015)

O laudêmio tem natureza de receita administrativa patrimonial originária da União, decorrente da relação contratual, sem qualquer correlação com o poder de tributar que os entes federativos gozam, de forma que não é considerado um tributo, de modo que não se submete às disposições do Código Tributário Nacional.

Com relação à decadência e prescrição, os créditos anteriores à Lei 9.821/99 não se sujeitavam à decadência, mas, tão-somente, ao prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 1º, do Decreto 20.910/32; com a edição da Lei 9.636/98 foi instituída a prescrição quinquenal em seu art. 47, sendo que o referido artigo foi modificado pela Lei 9.821/99, que passou a vigorar a partir do dia 24 de agosto de 1999, instituindo prazo decadência de cinco anos para constituição do crédito, mediante lançamento, mantendo-se, todavia, o prazo prescricional de cinco anos para a sua exigência; por fim, com a edição da Lei 10.852/2004, publicada em 30 de março de 2004, houve nova alteração do art. 47 da Lei 9.636/98, sendo estendido o prazo decadencial para dez anos, mantendo-se, novamente, o prazo prescricional quinquenal, a contar do lançamento.

Cumpre, portanto, verificar a data em que a administração tomou conhecimento da cessão.

Há de se ressaltar que a data da celebração do contrato entre os particulares não necessariamente corresponde ao momento em que a União toma conhecimento da alienação do direito de ocupação ou de foro, para fins de contagem do prazo prescricional/decadencial.

No intuito de regulamentar o lançamento e a cobrança de créditos originados de receitas patrimoniais, a SPU editou a Instrução Normativa nº 01/2007. O artigo 20 dispõe sobre a inexigibilidade dos créditos, nos seguintes termos:

“Art. 20º - É inexigível o crédito não constituído originado em receita patrimonial cujo fato gerador anteceda cinco anos ou mais da data do conhecimento das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da respectiva receita, considerando-se como fato gerador: (...)

III - para o crédito de laudêmio sobre cessão, a data da transação, se estiver definida, ou à míngua de definição da data, a data do instrumento que a mencione.”

A partir de 18.08.2017, com fundamento no Memorando nº 10.040/2017 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, órgão central da autoridade impetrada, esta passou a adotar o entendimento de que a regra de inexigibilidade, prevista no artigo 47, parágrafo 1º, da Lei nº 9.636/98, não se aplicaria ao laudêmio, porque voltada para receitas periódicas (taxa de ocupação e foro), ao passo em que o laudêmio se constituiria receita esporádica.

Importante destacar que, no que tange à inexigibilidade prevista no art. 20 da IN 01/07, o fato de a SPU ter mudado de entendimento, tomando como base o Memorando nº 10.040/2017 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, não impede a sua exigência posteriormente, tendo em vista o poder de autotutela da Administração Pública, conforme dispõe a Súmula n. 473 do STF.

Sendo assim, considera-se como termo inicial do prazo decadencial a data do conhecimento do fato gerador pela União.

Na hipótese, o Ministério do Planejamento, desenvolvimento e Gestão comprova que o “ato administrativo referente à averbação de transferência do domínio útil do imóvel em tela se formalizou nos autos do processo administrativo nº 04977.011044/2017-35 que recepcionou, em 24/10/2017, o requerimento de averbação de transferência do domínio útil do imóvel, certificando a transmissão onerosa ocorrida entre JDC ALPHA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA EPP e CAELBRU ADMINIST LOCAÇÃO E PARTICIP, com cessão de direito a Sérgio Carastan, havida em 10/02/2004, e a João Ferreira Marques e Liliana Aparecida Poslednik Marques, havida em 14/09/2006”. (Num. 159749791 - Pág. 3)

Depreende-se, ainda, da escritura pública datada de 15/10/2009 (Num. 159749775) que os impetrantes cederam seus direitos de compromissários compradores à empresa Caelbru Administração, Locação e Participações Limitada, por força do instrumento particular firmado aos 14/09/2006, não levado à registro na matrícula do imóvel.

Assim, embora não haja nos autos a data exata do lançamento do laudêmio, verifica-se que a emissão da DARF se deu em 05/12/2017, com data de vencimento para 04/01/2018 (Num. 159749777 - Pág. 1).

Não há que se falar, portanto, em decadência nos termos do disposto no artigo 47, I, da Lei 9.696/98, na redação conferida pela lei 10.852/2004, e tampouco há que se cogitar ser o caso de prescrição que, segundo o inciso II, somente deve ocorrer cinco anos contados do lançamento.

Desta forma, deve ser reformada a sentença, para denegar a segurança e julgar improcedente a demanda, uma vez que não se configurou a decadência e nem a prescrição, devendo ser mantida a cobrança do laudêmio.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da União e ao reexame necessário para denegar a segurança, sem condenação em honorários, na forma do art. 25 da Lei n° 12.016/2009.

Custas ex lege.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. LAUDÊMIO. PRAZO DECADENCIAL. INÍCIO. CIÊNCIA, PELA UNIÃO, DA ALIENAÇÃO. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. EXIGIBILIDADE MANTIDA. APELO PROVIDO. DENEGADA A SEGURANÇA.

1. O fato gerador (hipótese material de incidência) do laudêmio se dá com a cessão (ou cessões) ou com a escritura, pois a hipótese de incidência prevista na lei refere-se à expressão “transferência onerosa entre vivos” ou à “cessão de direito” do domínio útil de imóvel de propriedade da União. Portanto, é passível de sofrer a incidência do laudêmio toda e qualquer “transferência onerosa entre vivos”, atinente ao domínio útil de imóvel de propriedade da União, incluída aqui a mera cessão de direito.

2. O sistema brasileiro de registros está fundamentado no princípio da continuidade, de maneira que todas as transferências do domínio do imóvel devem constar na matrícula do bem imóvel, com o fim de se preservar o encadeamento das operações.

3. No âmbito da Secretaria do Patrimônio da União, que atua nos mesmos moldes dos Cartórios de Registros de Imóveis, mostra-se adequada e pertinente a exigência de observância da cadeia dominial. Registre-se, ainda, que o fato gerador do tributo (hipótese material de incidência) se dá com a cessão (ou cessões) ou com a escritura.

4. Três grandes sistemas de aquisição de propriedade vigoram nos ordenamentos jurídicos do mundo ocidental: o primeiro, o sistema francês, considera como elemento de transmissão da propriedade o contrato (“solo consensu”), tendo o registro imobiliário efeito meramente publicitário, mas não constitutivo; o segundo, sistema alemão, em que se considera que a transmissão da propriedade apenas se constitui com o registro do título em cadastro de imóveis, com a característica de que, uma vez efetuado o registro, não se pode alegar qualquer vício no contrato de origem, prevalecendo o registro sobre qualquer questionamento de vício originário do título aquisitivo; já o sistema brasileiro, denominado misto ou eclético, prevalece desde o Código Civil de 1916.

5. Partindo-se dessa premissa, de que o título translativo de propriedade possa ser infirmado, não obstante o registro, é que o nosso sistema estatuiu diversos “princípios registrários”, tendentes a garantir, em última instância, a realidade da transmissão da propriedade imóvel, dentre eles o “princípio da inscrição”, o da “fé pública”, o da “publicidade” e, a corroborar e afirmar tais princípios, o “principio da continuidade”, por meio do qual se torna imperativo que o registro faça menção a toda a cadeia dominial ao longo do tempo, considerando-se como ato de transmissão individualizado, de sorte a permitir a aferição da fé pública, da publicidade e da legalidade, dado que dessa cadeia causal poderá resultar questionamentos acerca da validade de uma ou algumas dessas transmissões.

6. Havendo notícia, na escritura, de um encadeamento de transmissões, cada qual se considera uma transação independente e submissa aos encargos daí decorrentes; registre-se que é precisamente a partir da escritura pública que a União toma conhecimento do encadeamento de transmissões, até então no recôndito das partes envolvidas. E é precisamente a partir desse conhecimento que estará a UF autorizada a cobrar por todas as transações anteriores, em respeito à boa-fé e à continuidade do registro imobiliário, realizado nos moldes administrativos.

7. Com relação ao prazo decadencial, no entanto, só se inicia, para efeito de constituição, mediante lançamento, a partir do conhecimento pela UF (SPU) das transações então noticiadas na escritura.

8. Por fim, saliente-se que o fato gerador (hipótese material de incidência) se dá com a cessão (ou cessões) ou com a escritura, pois a hipótese de incidência prevista na lei refere-se à expressão “transferência onerosa entre vivos” ou à “cessão de direito” do domínio útil de imóvel de propriedade da União, conforme se verifica do artigo 3º “caput”, e seu §2º, I, “a”, do Decreto-Lei nº 2.398/1987, com a redação conferida pelo artigo 33 da Lei nº 9.636/98.

9. Portanto, é passível de sofrer a incidência do laudêmio toda e qualquer “transferência onerosa entre vivos”, atinente ao domínio útil de imóvel de propriedade da União, incluída aqui a mera cessão de direito, cujo pagamento somente não será exigido nas hipóteses expressamente previstas em lei, tal como a disposta nos incisos IV e VI do artigo 19 da Lei nº 9.636/98.

10. É pacífica a jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o pagamento de laudêmio também é devido nas cessões, e não apenas no registro das operações no cartório de Imóveis.

11. O laudêmio tem natureza de receita administrativa patrimonial originária da União, decorrente da relação contratual, sem qualquer correlação com o poder de tributar que os entes federativos gozam, de forma que não é considerado um tributo, de modo que não se submete às disposições do Código Tributário Nacional.

12. Com relação à decadência e prescrição, os créditos anteriores à Lei 9.821/99 não se sujeitavam à decadência, mas, tão-somente, ao prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 1º, do Decreto 20.910/32; com a edição da Lei 9.636/98 foi instituída a prescrição quinquenal em seu art. 47, sendo que o referido artigo foi modificado pela Lei 9.821/99, que passou a vigorar a partir do dia 24 de agosto de 1999, instituindo prazo decadência de cinco anos para constituição do crédito, mediante lançamento, mantendo-se, todavia, o prazo prescricional de cinco anos para a sua exigência; por fim, com a edição da Lei 10.852/2004, publicada em 30 de março de 2004, houve nova alteração do art. 47 da Lei 9.636/98, sendo estendido o prazo decadencial para dez anos, mantendo-se, novamente, o prazo prescricional quinquenal, a contar do lançamento.

13. Cumpre, portanto, verificar a data em que a administração tomou conhecimento da cessão.

14. Há de se ressaltar que a data da celebração do contrato entre os particulares não necessariamente corresponde ao momento em que a União toma conhecimento da alienação do direito de ocupação ou de foro, para fins de contagem do prazo prescricional/decadencial.

15. No intuito de regulamentar o lançamento e a cobrança de créditos originados de receitas patrimoniais, a SPU editou a Instrução Normativa nº 01/2007. O artigo 20 dispõe sobre a inexigibilidade dos créditos.

16. A partir de 18.08.2017, com fundamento no Memorando nº 10.040/2017 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, órgão central da autoridade impetrada, esta passou a adotar o entendimento de que a regra de inexigibilidade, prevista no artigo 47, parágrafo 1º, da Lei nº 9.636/98, não se aplicaria ao laudêmio, porque voltada para receitas periódicas (taxa de ocupação e foro), ao passo em que o laudêmio se constituiria receita esporádica.

17. Importante destacar que, no que tange à inexigibilidade prevista no art. 20 da IN 01/07, o fato de a SPU ter mudado de entendimento, tomando como base o Memorando nº 10.040/2017 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, não impede a sua exigência posteriormente, tendo em vista o poder de autotutela da Administração Pública, conforme dispõe a Súmula n. 473 do STF. Sendo assim, considera-se como termo inicial do prazo decadencial a data do conhecimento do fato gerador pela União.

18. No caso concreto, o Ministério do Planejamento, desenvolvimento e Gestão comprova que o ato administrativo referente à averbação de transferência do domínio útil do imóvel em tela se formalizou nos autos do processo administrativo nº 04977.011044/2017-35 que recepcionou, em 24/10/2017, o requerimento de averbação de transferência do domínio útil do imóvel, certificando a transmissão onerosa ocorrida entre JDC ALPHA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA EPP e CAELBRU ADMINIST LOCAÇÃO E PARTICIP, com cessão de direito também aos impetrantes em 14/09/2006.

19. Embora não haja nos autos a data exata do lançamento do laudêmio, verifica-se que a emissão da DARF se deu em 05/12/2017, com data de vencimento para 04/01/2018.

20. Não há que se falar, portanto, em decadência nos termos do disposto no artigo 47, I, da Lei 9.696/98, na redação conferida pela lei 10.852/2004, e tampouco há que se cogitar ser o caso de prescrição que, segundo o inciso II, somente deve ocorrer cinco anos contados do lançamento.

21. Deve ser reformada a sentença, para denegar a segurança e julgar improcedente a demanda, uma vez que não se configurou a decadência e nem a prescrição, devendo ser mantida a cobrança do laudêmio.

22. Recurso de apelação a que se dá provimento, para denegar a segurança, sem condenação em honorários, na forma do art. 25 da Lei n° 12.016/2009.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação da União e ao reexame necessário para denegar a segurança, sem condenação em honorários, na forma do art. 25 da Lei n° 12.016/2009. Custas ex lege, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.