Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002847-16.2015.4.03.6115

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: ELIANETE DA CONCEICAO SANTOS

Advogados do(a) APELANTE: CARLOS RICARDO TONIOLO COSTA - SP346903-N, DIJALMA COSTA - SP108154-N

APELADO: RPS ENGENHARIA EIRELI, CAIXA ECONOMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: NATALIA ROMANO CORDEBELLO - SP300481, EDUARDO MATTOS ALONSO - SP136144-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002847-16.2015.4.03.6115

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: ELIANETE DA CONCEICAO SANTOS

Advogados do(a) APELANTE: CARLOS RICARDO TONIOLO COSTA - SP346903-N, DIJALMA COSTA - SP108154-N

APELADO: RPS ENGENHARIA EIRELI, CAIXA ECONOMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: NATALIA ROMANO CORDEBELLO - SP300481, EDUARDO MATTOS ALONSO - SP136144

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R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que julgou improcedentes os pedidos, condenando a parte autora em custas processuais, bem como honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, suspendendo a sua exigibilidade em razão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

A ação foi ajuizada por Elianete da Conceição Santos, em face Fundo de Arrendamento Residencial - FAR, representado pela Caixa Econômica Federal - CEF e da RPS Engenharia Eireli LTDA., por meio da qual pretende obter provimento judicial que condene as rés a pagarem indenização por danos materiais e morais decorrentes da ocupação indevida de imóvel alienado. Alegou que em 11/06/2011 foi contemplada em sorteio promovido pela PROHAB para aquisição de um imóvel na quadra 20, lote nº 19, situado na Rua Carolina Maria Teixeira Cotrim, nº 715, no Bairro Jardim Zavaglia e firmou com a ré CEF o contrato particular de compra e venda direta de imóvel residencial com parcelamento e alienação fiduciária no programa minha Casa Minha Vida - PMCMV com recursos do FAR. Diz a autora que quando feita a entrega do imóvel, sem ter sido feita vistoria prévia, constatou que a residência a si entregue havia sido invadida. Sustentou que foi obrigada a ingressar com ação de reintegração de posse, que tramitou perante a 4ª Vara Civil da Comarca de São Carlos sob nº 0012979-28.2012.8.26.0566 e, após dois anos da contemplação, ingressou na casa, encontrando o bem bastante danificado tendo que proceder a inúmeras reformas. Sustentou a responsabilidade das rés pela invasão ocorrida e requereu a condenação delas por dano material de R$ 6.440,30, referente aos gastos com a reforma do imóvel, somado a R$ 11.200,00 relativos aos aluguéis dispendidos enquanto não obteve a posse do bem. Por danos morais pleiteou obter quarenta salários-mínimos.

Nas razões recursais, a parte autora sustenta, em síntese, que recebeu as chaves do imóvel no dia 23 de dezembro de 2011, mesmo data em que foi constatado que o imóvel fora invadido. Aponta que só logrou tomar posse do imóvel dois anos após aquela data mediante o ajuizamento de reintegração de posse. Entende que resta incontroversa a responsabilidade da ré e a configuração dos danos materiais e morais.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte Regional.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002847-16.2015.4.03.6115

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: ELIANETE DA CONCEICAO SANTOS

Advogados do(a) APELANTE: CARLOS RICARDO TONIOLO COSTA - SP346903-N, DIJALMA COSTA - SP108154-N

APELADO: RPS ENGENHARIA EIRELI, CAIXA ECONOMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: NATALIA ROMANO CORDEBELLO - SP300481, EDUARDO MATTOS ALONSO - SP136144

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

O Programa de Arrendamento Residencial foi instituído para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra (artigo 1º e 6º da Lei 10.188/01).

Muito embora destinado à população de baixa renda, o desenho institucional do programa depende de contrapartida dos arrendatários, não sendo possível que estes desfrutem do imóvel objeto do contrato de forma gratuita.

Na hipótese de inadimplemento no arrendamento, o arrendatário será notificado pessoalmente a pagar os encargos atrasados, não havendo previsão legal que determine que a notificação seja feita por cartório de notas. Se o prazo transcorre sem a purgação da mora, fica configurado a posse injusta ou o esbulho possessório que autoriza o arrendador a propor a competente ação de reintegração de posse (artigo 9º da Lei 10.188/01), que independe de posse anterior por parte do arrendador.

São regulares as cláusulas que estabelecem a resolução contratual na hipótese de transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato de arrendamento residencial no âmbito do PAR sem a anuência do arrendador. A ocupação do imóvel por terceiros seguida da sua não devolução, também configura esbulho possessório que justifica a interposição da ação de reintegração de posse para a retomada do bem.

Neste sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça e este Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSIBILIDADE.

1. É cabível a ação de reintegração de posse proposta pela instituição financeira em face de inadimplemento contratual de contrato de arrendamento residencial (Lei n. 10.188/01). Precedentes.

2. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça intervir em matéria de competência do STF, sob pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Carta Magna.

3. Agravo regimental desprovido.

(STJ, AGARESP 201501338143, AGARESP - Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial - 723323, Terceira Turma, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJE DATA:25/09/2015, DJE DATA:25/09/2015)

RECURSO ESPECIAL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL- PAR. LEI Nº 10.188/2001. REINTEGRAÇÃO DE POSSE E RESCISÃO DO CONTRATO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ. CLÁUSULA RESOLUTÓRIA. CESSÃO OU TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DECORRENTES DO CONTRATO. VALIDADE.

1. Cuida-se de ação de reintegração de posse ajuizada pela Caixa Econômica Federal-CEF objetivando a retomada de imóvel arrendado pelas regras do Programa de Arrendamento Residencial - PAR em virtude da alienação do imóvel a terceiros.

2. Cinge-se a controvérsia a examinar a validade da cláusula que determina a rescisão do contrato de arrendamento residencial no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial - PAR na hipótese de cessão ou transferência de direitos decorrentes da pactuação.

3. São legais as cláusulas que estabelecem a resolução contratual na hipótese de transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato de arrendamento residencial no âmbito do PAR, pois encontram amparo na legislação específica que regula a matéria (Lei nº 10.188/2001), bem como se alinham aos princípios e à finalidade que dela se extraem.

4. Recurso especial não provido.

(STJ, RESP 201301464950, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1385292, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJE DATA:28/10/2014)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL VINCULADO AO PAR - PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. INADIMPLEMENTO DO ARRENDATÁRIO. NOTIFICAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSIBILIDADE.

1.- No contrato de arrendamento residencial disciplinado pela Lei 10.188/01, a instituição financeira arrendante poderá, após notificação ou interpelação do arrendatário inadimplente, propor ação de reintegração de posse para reaver o bem, independentemente de posse anterior.

2.- Recurso Especial improvido

(STJ, RESP 201201218229, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1353892, Terceira Turma, Relator Ministro Sidnei Beneti, DJE DATA:25/06/2014)

APELAÇÃO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INADIMPLEMENTO. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. O fato do Programa de arrendamento residencial possuir conotação social não corresponde à possibilidade de livre inadimplência pelo seu beneficiário. Compulsando os autos, verifica-se ser fato incontroverso o inadimplemento contratual por parte do réu, o que configura a hipótese de esbulho, legitimando a pretensão de desocupação do imóvel.

2. Apelação não provida.

(TRF3, Ap 00093190820114036104, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1861542, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/10/2017)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL.INADIMPLEMENTO. LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. AGRAVO PROVIDO.

1. Por se tratar de contrato de arrendamento residencial, celebrado no âmbito do Programa de arrendamento residencial , a ação tem procedimento específico, regulado pela Lei n. 10.188/2001, cujo art. 9º autoriza a credora o direito à propositura de ação de reintegração na posse na hipótese de inadimplemento do arrendatário quanto às obrigações contratuais, findo o prazo da notificação ou interpelação, sem pagamento dos encargos em atraso.

2. A presunção legal de caracterização de esbulho prevista no art. 9º da Lei nº 10.188/2001 não viola princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, função social da posse e direito à moradia.

3. Agravo de instrumento provido.

(TRF3, AI 00012340220174030000, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 594172, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/08/2017)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. CESSÃO DE DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE. OCUPAÇÃO IRREGULAR. RECUSA NA DESOCUPAÇÃO. ESBULHO CARACTERIZADO. HONORÁRIOS RECURSAIS: NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO.

1, A intimação do defensor dativo do autor deu-se em 14/02/2012. Por sua vez, o protocolo da peça recursal é de 28/02/2012, dentro do prazo de quinze dias outorgado pelo artigo 508 do Código de Processo Civil de 1973.

2. O contrato de arrendamento residencial é regulado pelas normas da Lei nº 10.188/2001, que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial - PAR para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra.

3. A transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato dá ensejo à rescisão contratual, independentemente de aviso ou interpelação.

4. A ocupação do imóvel por terceiros, estranhos à relação contratual, seguida da sua não devolução, converte o arrendamento em esbulho, o que enseja o manejo da ação de reintegração de posse para a retomada do bem.

5. No caso em exame, foi realizada a notificação pessoal do apelante, visando à desocupação do imóvel por conta da ocupação irregular.

6. O instrumento particular firmado entre o apelante e os arrendatários não é apto a produzir efeitos no mundo jurídico, na medida em que opera a alienação de imóvel de propriedade alheia. A manutenção da posse pelo apelante, por sua vez, contraria cláusula contratual expressa, não podendo ser admitida.

7. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.

8. Apelação não provida.

(TRF3, Ap 00109807920084036119, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1861434, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/04/2017)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL.NORMAS DO CDC: INAPLICABILIDADE. NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO ARRENDATÁRIO. ESBULHO CARACTERIZADO. HONORÁRIOS RECURSAIS: NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. O contrato de arrendamento residencial é regulado pelas normas da Lei nº 10.188/2001, que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial - PAR para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra.

2. Tratando-se de um programa de governo destinado a ampliar o acesso das populações mais carentes à moradia, impossível a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos vinculados ao PAR, na medida em que referidos contratos não caracterizam relação de consumo nem tampouco apresentam conotação de serviço bancário, mas sim consubstanciam-se em programa habitacional custeado com recursos públicos. 3. O escopo da notificação é possibilitar ao arrendatário purgar a mora, sendo que, à falta do pagamento, converter-se-á o arrendamento em esbulho.

4. Não havendo a quitação das prestações contratuais e, mesmo após a notificação extrajudicial, permanecendo inerte o arrendatário, configura-se a posse injusta, surgindo o direito à propositura da reintegração de posse para a retomada do bem. Precedente.

5. No caso em exame, foi realizada a notificação pessoal da arrendatária. De fato, a lei não exige a notificação por meio de Cartório de Notas, sendo suficiente a notificação pessoal para a constituição do devedor em mora. A apelante não nega o inadimplemento da obrigação, caracterizando o esbulho e a amparando o direito da CEF à reintegração da posse do bem.

6. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.

7. Apelação não provida.

(TRF3, AC 00031602520124036133, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1962980, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/05/2017)

Como se pode verificar, na vigência do contrato de arrendamento residencial, a inadimplência ou a ocupação do imóvel por terceiros são fundamentos para rescisão do contrato por serem considerados esbulho possessório, já que a propriedade do imóvel só se transfere para o arrendatário após o pagamento de todas as prestações avençadas e após o exercício da opção de compra.

Nestas condições, impor apenas ao arrendatário o ônus de arcar com as danos no imóvel decorrentes de esbulho possessório por terceiros quando aquele não teve qualquer participação no esbulho representaria verdadeiro desequilíbrio contratual entre as partes.

Da mesma forma, no âmbito dos financiamentos imobiliários concedidos por meio da alienação fiduciária em garantia, a instituição financeira preserva a propriedade resolúvel e a posse indireta do imóvel, e também está na posição de recusar a assunção de dívida por terceiros, razão pela qual o esbulho cometido na vigência do contrato também pode atingir seu patrimônio, sendo de seu interesse garantir que o devedor logre obter a imissão na posse do imóvel logo após a assinatura do contrato.

No caso em tela, restou comprovado que a parte autora recebeu o imóvel em situação de esbulho por terceiros.

A testemunha Fernanda Ribeiro de Camargo, também beneficiária do Programa de Arrendamento Residencial - PAR, relatou que foi sorteada e recebeu as chaves no mesmo dia da autora e, após três dias da imissão da posse em seu imóvel, se dirigiu à casa sorteada à autora e encontrou outras pessoas residindo no imóvel. Narrou, ainda, que a autora lhe confirmou que o imóvel havia sido invadido. Por fim, alegou que a autora demorou entre um e dois anos para retomar a posse do imóvel.

Com relação ao Termo de Vistoria assinado pela autora, a testemunha expôs que a assinatura dos documentos necessários e a entrega das chaves se deu antes dos beneficiários tomarem conhecimento do estado de suas residências.

Assim, o depoimento apresentado pela testemunha corrobora a versão dos fatos apresentada pela autora.

Nessa esteira, verifica-se que a responsabilidade pelos danos sofridos no imóvel decorrentes do esbulho possessório por terceiros é das corrés, uma vez que o imóvel não foi recebido pela autora em plenas condições de habitação.

Em verdade, apenas após o ingresso de ação de reintegração de posse a autora pode se imitir na posse do imóvel a que tinha direito. 

Portanto, as corrés deverão ser condenadas, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos materiais ocorridos no imóvel durante a ocupação irregular por terceiros, no valor de R$ R$ 6.440,30 (seis mil, quatrocentos e quarenta reais e trinta centavos), além dos gastos referentes ao aluguel dispendido pela autora enquanto aguardava a reintegração de posse de sua residência, no montante de R$ 11.200,00 (onze mil e duzentos reais).

No que tange ao pedido de indenização por danos morais, mister se faz tecer as seguintes considerações.

Dano moral, de acordo com a melhor doutrina e com o entendimento sedimentado nas cortes superiores, é a lesão a direito da personalidade. Em outros termos, corresponde a toda violação ao patrimônio imaterial da pessoa no âmbito das suas relações de direito privado. Não se confunde, no entanto, e nem poderia, sob pena de banalização do instituto, com acontecimentos cotidianos que, apesar de incomodarem, não têm aptidão para atingir, de forma efetiva, direitos da personalidade. Tais acontecimentos têm sido tratados, com acerto, pela jurisprudência, como "meros aborrecimentos", inafastáveis na sociedade contemporânea, devendo ser suportados por seus integrantes, ou punidos administrativamente, para que o instituto do dano moral não perca seu real sentido, sua verdadeira função: compensar o lesado pela violação à sua personalidade.

Com efeito, danos morais são os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando aspectos mais íntimos da personalidade (intimidade e consideração pessoal) ou da própria valoração pessoal no meio em que vive e atua (reputação e consideração social).

Não se pode dar guarida a suscetibilidades exageradas e interpretar os aborrecimentos cotidianos como causadores de abalos psíquicos ou à personalidade. Sérgio Cavalieri nos ensina que:

"(...) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo a normalidade, interfira intensamente ao comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral" (Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 76)

No mesmo sentido, Antônio Jeová Santos assevera:

"O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subsequente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu o dano moral passível de ressarcimento. Para evitar abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá indenização. O reconhecimento do dano moral exige determinada envergadura. Necessário, também, que o dano se prolongue durante algum tempo e que seja a justa medida do ultraje às afeições sentimentais. As sensações desagradáveis, por si sós, que não trazem em seu bojo lesividade a algum direito personalíssimo, não merecerão ser indenizadas. Existe um piso de inconvenientes que o ser humano tem de tolerar sem exitar o autêntico dano moral" (Dano moral indenizável, 4ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 113).

No presente caso, verifica-se que o dano moral sofrido pela autora consiste na privação de seu direito à moradia em razão da entrega de imóvel esbulhado.

Tal ato foi suficiente para causar dor e aflição à autora por período superior a 1 (um) ano, o que configura a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por danos morais a título de reparação.

Assim sendo, em face do abalo e da angústia sofridos pela autora, arbitro a indenização por danos morais no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por entender que tal valor é suficiente para proporcionar alguma reparação ao dano perpetrado pelas corrés.

Por fim, condeno as corrés ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

Isto posto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, para condenar as corrés ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, nos termos da fundamentação.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. FUNDO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. ESBULHO POSSESSÓRIO. INVASÃO DO IMÓVEL POR TERCEIROS ANTES DA ENTREGA DAS CHAVES. DANOS SOFRIDOS NA UNIDADE RESIDENCIAL. RESPONSABILIDADE DAS CORRÉS. DANO MORAL CONFIGURADO.

I. O Programa de Arrendamento Residencial foi instituído para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra (artigo 1º e 6º da Lei 10.188/01). Muito embora destinado à população de baixa renda, o desenho institucional do programa depende de contrapartida dos arrendatários, não sendo possível que estes desfrutem do imóvel objeto do contrato de forma gratuita.

II. Na hipótese de inadimplemento no arrendamento, o arrendatário será notificado pessoalmente a pagar os encargos atrasados, não havendo previsão legal que determine que a notificação seja feita por cartório de notas. Se o prazo transcorre sem a purgação da mora, fica configurado a posse injusta ou o esbulho possessório que autoriza o arrendador a propor a competente ação de reintegração de posse (artigo 9º da Lei 10.188/01), que independe de posse anterior por parte do arrendador.

III. São regulares as cláusulas que estabelecem a resolução contratual na hipótese de transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato de arrendamento residencial no âmbito do PAR sem a anuência do arrendador. A ocupação do imóvel por terceiros seguida da sua não devolução, também configura esbulho possessório que justifica a interposição da ação de reintegração de posse para a retomada do bem.

IV. Como se pode verificar, na vigência do contrato de arrendamento residencial, a inadimplência ou a ocupação do imóvel por terceiros são fundamentos para rescisão do contrato por serem considerados esbulho possessório, já que a propriedade do imóvel só se transfere para o arrendatário após o pagamento de todas as prestações avençadas e após o exercício da opção de compra. Nestas condições, impor apenas ao arrendatário o ônus de arcar com as danos no imóvel decorrentes de esbulho possessório por terceiros quando aquele não teve qualquer participação no esbulho representaria verdadeiro desequilíbrio contratual entre as partes.

V. Da mesma forma, no âmbito dos financiamentos imobiliários concedidos por meio da alienação fiduciária em garantia, a instituição financeira preserva a propriedade resolúvel e a posse indireta do imóvel, e também está na posição de recusar a assunção de dívida por terceiros, razão pela qual o esbulho cometido na vigência do contrato também pode atingir seu patrimônio, sendo de seu interesse garantir que o devedor logre obter a imissão na posse do imóvel logo após a assinatura do contrato.

VI. No caso em tela, a testemunha Fernanda Ribeiro de Camargo, também beneficiária do Programa de Arrendamento Residencial - PAR, relatou que foi sorteada e recebeu as chaves no mesmo dia da autora e, após três dias da imissão da posse em seu imóvel, se dirigiu à casa sorteada à autora e encontrou outras pessoas residindo no imóvel. Narrou, ainda, que a autora lhe confirmou que o imóvel havia sido invadido. Por fim, alegou que a autora demorou entre um e dois anos para retomar a posse do imóvel.

VII. Com relação ao Termo de Vistoria assinado pela autora, a testemunha expôs que a assinatura dos documentos necessários e a entrega das chaves se deu antes dos beneficiários tomarem conhecimento do estado de suas residências.

VIII. Nessa esteira, verifica-se que a responsabilidade pelos danos sofridos no imóvel decorrentes do esbulho possessório por terceiros é das corrés, uma vez que o imóvel não foi recebido pela autora em plenas condições de habitação.

IX. Em verdade, apenas após o ingresso de ação de reintegração de posse a autora pode se imitir na posse do imóvel a que tinha direito. 

X. Portanto, as corrés deverão ser condenadas, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos materiais ocorridos no imóvel durante a ocupação irregular por terceiros, no valor de R$ R$ 6.440,30 (seis mil, quatrocentos e quarenta reais e trinta centavos), além dos gastos referentes ao aluguel dispendido pela autora enquanto aguardava a reintegração de posse de sua residência, no montante de R$ 11.200,00 (onze mil e duzentos reais).

XI. Dano moral, de acordo com a melhor doutrina e com o entendimento sedimentado nas cortes superiores, é a lesão a direito da personalidade. Em outros termos, corresponde a toda violação ao patrimônio imaterial da pessoa no âmbito das suas relações de direito privado. Não se confunde, no entanto, e nem poderia, sob pena de banalização do instituto, com acontecimentos cotidianos que, apesar de incomodarem, não têm aptidão para atingir, de forma efetiva, direitos da personalidade. Tais acontecimentos têm sido tratados, com acerto, pela jurisprudência, como "meros aborrecimentos", inafastáveis na sociedade contemporânea, devendo ser suportados por seus integrantes, ou punidos administrativamente, para que o instituto do dano moral não perca seu real sentido, sua verdadeira função: compensar o lesado pela violação à sua personalidade.

XII. Com efeito, danos morais são os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando aspectos mais íntimos da personalidade (intimidade e consideração pessoal) ou da própria valoração pessoal no meio em que vive e atua (reputação e consideração social).

XIII. No presente caso, verifica-se que o dano moral sofrido pela autora consiste na privação de seu direito à moradia em razão da entrega de imóvel esbulhado.

XIV. Tal ato foi suficiente para causar dor e aflição à autora por período superior a 1 (um) ano, o que configura a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por danos morais a título de reparação.

XV. Assim sendo, em face do abalo e da angústia sofridos pela autora, arbitro a indenização por danos morais no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por entender que tal valor é suficiente para proporcionar alguma reparação ao dano perpetrado pelas corrés.

XVI. Apelação a que se dá parcial provimento.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação da parte autora, para condenar as corrés ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, bem como ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.