Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO (12357) Nº 5033213-23.2019.4.03.0000

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

RECORRENTE: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO

Advogado do(a) RECORRENTE: TIAGO JOSE FIGUEIREDO SILVA - BA19387-A

RECORRIDO: ALLAN CHRISTIAN KRUGER, MAISA KRUGER

Advogado do(a) RECORRIDO: CARLOS FERNANDO DE SOUZA - MS2118-A
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OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO (12357) Nº 5033213-23.2019.4.03.0000

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

RECORRENTE: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO

Advogado do(a) RECORRENTE: TIAGO JOSE FIGUEIREDO SILVA - BA19387-A

RECORRIDO: ALLAN CHRISTIAN KRUGER, MAISA KRUGER

Advogado do(a) RECORRIDO: CARLOS FERNANDO DE SOUZA - MS2118-A
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R E L A T Ó R I O

 

 

 Trata-se de agravo interno interposto por FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI em face da r. decisão monocrática que indeferiu o pedido de efeito suspensivo ao recurso de apelação. 

A parte agravante alega, em síntese, a ausência dos requisitos previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil para a manutenção da tutela de urgência anteriormente deferida em relação à apelante, porquanto a Funai não tem responsabilidade pelos atos da Comunidade indígena, bem como a multa é desproporcional e ineficaz.

Com contraminuta.

O Ministério Público Federal opinou pela reconsideração da r. decisão monocrática de ID Num. 144093081 e, na hipótese de restar mantido o r. decisum, que o pedido da FUNAI seja recebido como Agravo Interno e, ao final, provido pela Colenda Primeira Turma deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, concedendo-se o efeito suspensivo à apelação interposta.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


 

VOTO

 O Desembargador Federal Hélio Nogueira: peço vênia ao e. Relator para divergir

Cuidam os autos de pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso de apelação interposto pela FUNAI nos autos da ação ordinária de interdito proibitório nº 5002154-87.2018.4.03.6002.

A sentença, ao julgar procedente o pedido, o Juízo a quo concedeu antecipação dos efeitos da tutela para determinar que a comunidade indígena ré “se abstenha de turbar ou esbulhar a posse dos autores sobre a propriedade descrita nas matrículas 15.621 e 15.622 do CRI de Caarapó/MS, denominada “Fazenda Santa Luzia”, sob pena de, incorrendo em descumprindo do mandado, pagar multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por ato ou ação ilícita e R$ 1.000,00 (mil reais) por dia, a título de astreintes, até que se restabeleça a ordem, nos termos do art. 297 c/c 537, ambos do CPC”.

E ainda condenou “a Fundação Nacional do Índio – FUNAI a responder solidariamente pelas multas fixadas, conforme previsão constante da Lei 6.001/1973 e fundamentos esposados nesta sentença.”

No presente incidente a FUNAI impugna a fixação de multa quando da concessão da tutela antecipada.

Aduz que não poderia sofrer a imposição de multa uma vez que não detém atribuição de controle sobre a comunidade indígena, não podendo sofrer imposição de multa caso esta descumpra a determinação judicial.

Alega, ainda, que a imposição de multa à comunidade não atende aos fins coercitivos da mesma, diante das peculiares e costumes da comunidade indígena.

O pleito foi indeferido pelo e. Relator, sendo interposto Agravo Interno, objeto deste julgamento.

O e. Relator apresenta voto pelo desprovimento do Agravo Interno.

Analisando as circunstâncias do caso concreto, peço vênia ao e. Relator para divergir e dar parcial provimento ao Agravo.

Ao conceder a antecipação de tutela na sentença o Juízo a quo fixou multa pelo eventual descumprimento pela comunidade indígena ré da determinação de abstenção de turbação ou esbulho em relação à posse sobre a propriedade dos autores.

Contudo, fixou a responsabilidade solidária da FUNAI.

Neste ponto, entendo que a fixação de multa para a autarquia mostra-se indevida.

Isso se deve ao fato de que a FUNAI não pode ser responsabilizada por eventuais atos ilícitos praticados pelos índios.

Nesse sentido já decidiu este Colegiado:

(..) 4. A pretensão indenizatória deduzida nos autos deve ser apreciada com fulcro nas normas gerais que regem a responsabilidade civil do Estado, afastando-se quaisquer fundamentos que busquem atribuir responsabilização integral à FUNAI, por atos ilícitos praticados por índios, com supedâneo em um regime especial tutelar. 5. A Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio) institui um regime especial tutelar civil individual e coletivo aos índios. Tal vedação ao pleno exercício dos direitos civis pelos indígenas não deve subsistir, posto que não recepcionada pela ordem constitucional de 1988, tendo em vista a igualdade de direitos prevista pelo caput do art. 5º da Constituição da República, bem como pelo fato de que o texto constitucional, ao conferir capacidade processual e postulatória aos indígenas (art. 232), reconheceu, por conseguinte, sua capacidade jurídica plena. 6. O regime especial tutelar civil previsto pelo Estatuto do Índio é incompatível com a ordem jurídica vigente, de modo que a capacidade do índio para exercer direitos e contrair obrigações é plena, não se encontrando vinculada à tutela do Estado. Precedentes.(...)

(APELAÇÃO CÍVEL ..SIGLA_CLASSE: ApCiv 0001099-58.2010.4.03.6006 ..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, ..RELATORC:, TRF3 - 1ª Turma, Intimação via sistema DATA: 14/05/2021 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2: ..FONTE_PUBLICACAO3:.)

No mesmo sentido é o entendimento do STJ:

“(...) 6. Sem razão o particular quando defende o restabelecimento da condenação da FUNAI ao ressarcimento pelos danos decorrentes do abatimento de animais ocorrido nessa ocupação. Conforme bem lançado nas contrarrazões da FUNAI, a tutela de natureza orfanológica prevista no Estatuto do Índio não foi recepcionado pela atual ordem constitucional, por isso a fundação não possui ingerência sobre as atitudes dos indígenas que, como todo cidadão, possuem autodeterminação e livre arbítrio, sendo despida de fundamento jurídico a decisão judicial que impõe ao ente federal a responsabilidade objetiva pelos atos ilícitos praticados por aqueles. 7. Com razão a FUNAI quando defende o afastamento da multa diária que lhe foi imposta, em caso de nova invasão. Ora, se a recorrente não responde pelos danos materiais decorrentes da ocupação irregular ocorrida no caso concreto, logicamente não subsiste fundamento legal para que tenha que responder por multa diária em caso de nova invasão, que pressupõe descumprimento de obrigação de não fazer por parte da comunidade indígena.(...)

(RESP - RECURSO ESPECIAL - 1650730 2017.00.10862-1, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2019 ..DTPB:.)

Vale, ainda, destacar o quanto exposto pelo órgão ministerial no parecer Id 149899820:

Cabe, então, à FUNAI, agir conforme o disposto na lei de sua criação, naquilo que for compatível com o novo paradigma normativo constitucional da diferenciação social, sendo-lhe vedada a tutela orfanológica dos indígenas, aqui se incluindo a responsabilização pelos atos civis que estes vierem a praticar, o que torna, consequentemente, indevida a multa imposta na decisão recorrida.

Nessa linha de raciocínio, é importante relembrar que inexiste, igualmente, previsão no plano infraconstitucional que imponha essa responsabilidade para a FUNAI, uma vez que a responsabilidade solidária não pode ser presumida, posto que decorre de previsão legal expressa ou da vontade das partes, nos termos do art. 256, do Código Civil.

Desse modo, procede a alegação da FUNAI de que não pode ser responsabilizada pelos atos dos indígenas, o que demonstrada a probabilidade da sua pretensão.

O risco de dano, por seu turno, revela-se pela eventualidade de sofrer a imposição de multa na hipótese de descumprimento pela comunidade indígena da determinação judicial de não adotar atos atentatórios à posse dos autores.

Em relação à imposição de astreintes à comunidade indígena ré, entendo adequada a sua fixação, não prosperando a tese sustentada pela autarquia de que as peculiaridades e costumes indígenas desnaturam a sua finalidade coercitiva.

Em que pesem os costumes indígenas, certo é que, atualmente, essas comunidades possuem elevado grau de inserção social, não sendo alheias às obrigações sociais, dentre as quais, a observância de ordens judiciais.

Por esses motivos, dou parcial provimento ao agravo interno para conceder em parte o efeito suspensivo ao recurso de apelação para suspender os efeitos da sentença, no ponto em que fixou a responsabilidade solidária da FUNAI em relação à multa por descumprimento da ordem judicial antecipatória de tutela.

É o voto.


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PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO (12357) Nº 5033213-23.2019.4.03.0000

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V O T O

 

 

De início, observa-se que o artigo 932, IV, do Código de Processo Civil, Lei 13.105/15, autoriza o relator, por mera decisão monocrática, a negar provimento a recurso que for contrário a: Súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal, acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Da mesma forma, o artigo 932, V, do Código de Processo Civil, Lei 13.105/15, prevê que o relator poderá dar provimento ao recurso nas mesmas hipóteses do incisivo IV, depois de facultada a apresentação de contrarrazões.

De maneira geral, quanto às alegações apontadas no presente agravo, a decisão está bem fundamentada ao afirmar que:

 

"Acerca do pedido de efeito suspensivo à apelação, dispõe o CPC, in verbis:

 

Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.

§ 1 Além de outras hipóteses previstas em lei, começa o a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:

I - homologa divisão ou demarcação de terras;

II - condena a pagar alimentos;

III - extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado;

IV - julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;

V - confirma, concede ou revoga tutela provisória; 

VI - decreta a interdição.

§ 2 Nos casos do § 1 , o apelado poderá promover o pedido de cumprimento provisório depois de publicada a sentença.

§ 3o O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do § 1º poderá ser formulado por requerimento dirigido ao:

I - tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la;

II - relator, se já distribuída a apelação.

§ 4o Nas hipóteses do § 1o, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação. (g.n.)

Assim, impende perquirir se presentes os requisitos para a concessão de efeito suspensivo ao recurso, mediante tutela de evidência (probabilidade de provimento ao recurso) ou tutela de urgência (relevante fundamentação e risco de dano grave ou de difícil reparação).

Nos termos do artigo 294 do CPC, “a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência”, sendo que, conforme preveem os artigos 300 e 311 do CPC:

 

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1 Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.  (g.n.)

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. (g.n.)

 

Inicialmente, depreende-se que o pleito não preenche os requisitos para concessão de tutela de evidência, visto que não se enquadra nas hipóteses descritas.

Em relação à tutela de urgência, mister se faz a demonstração, pela parte postulante, do fumus boni iuris e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

Cumpre destacar que a finalidade precípua de tal remédio processual é, em apertada síntese, assegurar que a parte que efetua o pedido potencialmente procedente não será prejudicada por eventual morosidade dos trâmites processuais, evitando, assim, que, neste ínterim, obtenha algum dano ou que haja prejuízo à tutela final.

De todo o exposto, conclui-se que a tutela antecipada em caráter de urgência se configura medida excepcional no sistema jurídico vigente, razão pela qual deve ser deferida somente em hipóteses restritas, nas quais restar demonstrada, de forma patente, o preenchimento dos requisitos retromencionados.

No caso dos autos, não se vislumbra que a espera pelo julgamento definitivo do feito possa ocasionar danos à apelante ou risco ao resultado útil do processo, em especial porque a parte requerente não se desincumbiu a contento do seu ônus de comprovar tal situação, mormente o fato de que a r. sentença determina a abstenção das rés em atos de turbação de posse reconhecida a favor da parte autora, de modo que os meios inibitórios eleitos apenas se materializam mediante descumprimento do comando judicial pelas próprias demandadas.

Com tais fundamentos, indefiro o efeito suspensivo."

 

E, ainda, na decisão que acolheu os embargos de declaração opostos pela apelante, assim esclareceu este relator:

 

"Inicialmente, depreende-se que o pleito não preenche os requisitos para concessão de tutela de evidência, visto que não se enquadra nas hipóteses descritas.

Em relação à tutela de urgência, mister se faz a demonstração, pela parte postulante, do fumus boni iuris e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

Cumpre destacar que a finalidade precípua de tal remédio processual é, em apertada síntese, assegurar que a parte que efetua o pedido potencialmente procedente não será prejudicada por eventual morosidade dos trâmites processuais, evitando, assim, que, neste ínterim, obtenha algum dano ou que haja prejuízo à tutela final.

De todo o exposto, conclui-se que a tutela antecipada em caráter de urgência se configura medida excepcional no sistema jurídico vigente, razão pela qual deve ser deferida somente em hipóteses restritas, nas quais restar demonstrada, de forma patente, o preenchimento dos requisitos retromencionados.

No caso dos autos, não se vislumbra que a espera pelo julgamento definitivo do feito possa ocasionar danos à apelante ou risco ao resultado útil do processo, em especial porque a parte requerente não se desincumbiu a contento do seu ônus de comprovar tal situação, mormente o fato de que a r. sentença determina a abstenção das rés em atos de turbação de posse reconhecida a favor da parte autora, de modo que os meios inibitórios eleitos apenas se materializam mediante descumprimento do comando judicial pelas próprias demandadas.

Com tais fundamentos, indefiro o efeito suspensivo.

Determino o apensamento ao processo principal (5002154-87.2018.4.03.6002).

P.I.

[...].

Em relação à responsabilidade da Fundação Nacional do Índio – FUNAI quanto a atos perpretados por índios em bens particulares, essa E. Primeira Turma já decidiu que “o regime especial tutelar civil previsto pelo Estatuto do Índio é incompatível com a ordem jurídica vigente, de modo que a capacidade do índio para exercer direitos e contrair obrigações é plena, não se encontrando vinculada à tutela do Estado”.

 

E M E N T A

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. UNIÃO FEDERAL. FUNAI. DANOS DECORRENTES DE ATOS ILÍCITOS PERPETRADOS POR ÍNDIOS EM IMÓVEL RURAL. CAPACIDADE CIVIL E POSTULATÓRIA DOS ÍNDIOS. REGIME ESPECIAL TUTELAR CIVIL NÃO RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NÃO DEMONSTRADOS. RESPONSABILIZAÇÃO AFASTADA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDO.

1. A responsabilidade do Estado pelos danos causados a terceiros, por meio de seus agentes, na prestação de serviço público, prescinde da demonstração de dolo ou culpa, caracterizando-se, portanto, como responsabilidade objetiva, na modalidade da teoria do risco administrativo.

2. No que concerne à responsabilidade da Administração Pública por danos causados ao particular em decorrência de condutas omissivas, predomina, na doutrina, o entendimento de que a responsabilidade civil é subjetiva, regendo-se pela teoria da culpa administrativa (culpa anônima), razão pela qual se faz necessário comprovar a negligência na atuação estatal. Ademais, deverá restar demonstrado o dever de agir por parte do Estado, assim como a efetiva possibilidade de agir para evitar o dano.

3. O STF, em sentido oposto, admite a responsabilidade civil objetiva do Estado em qualquer hipótese, inclusive em se tratando de dano decorrente de conduta omissiva. Não se prescinde, no entanto, da demonstração de omissão, por parte da Administração Pública, em relação a uma obrigação legal específica de agir.

4. A pretensão indenizatória deduzida nos autos deve ser apreciada com fulcro nas normas gerais que regem a responsabilidade civil do Estado, afastando-se quaisquer fundamentos que busquem atribuir responsabilização integral à FUNAI, por atos ilícitos praticados por índios, com supedâneo em um regime especial tutelar.

5. A Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio) institui um regime especial tutelar civil individual e coletivo aos índios. Tal vedação ao pleno exercício dos direitos civis pelos indígenas não deve subsistir, posto que não recepcionada pela ordem constitucional de 1988, tendo em vista a igualdade de direitos prevista pelo caput do art. 5º da Constituição da República, bem como pelo fato de que o texto constitucional, ao conferir capacidade processual e postulatória aos indígenas (art. 232), reconheceu, por conseguinte, sua capacidade jurídica plena.

6. O regime especial tutelar civil previsto pelo Estatuto do Índio é incompatível com a ordem jurídica vigente, de modo que a capacidade do índio para exercer direitos e contrair obrigações é plena, não se encontrando vinculada à tutela do Estado. Precedentes.

7. Não se encontram presentes, no caso, elementos suficientes à caracterização de omissão ilícita por parte da Administração Pública Federal, de modo a acarretar a responsabilidade da FUNAI e da União Federal, posto que ausentes os pressupostos da responsabilidade civil do Estado por atos omissivos, mormente o nexo de causalidade e a culpa administrativa.

9. A parte autora limitou-se a expor considerações relativas ao regime especial tutelar indígena, não demonstrando, porém, os elementos caracterizadores da responsabilidade civil do Estado no caso concreto, quais sejam, a inoperância do serviço público prestado pela FUNAI e pela União Federal, no âmbito das suas atribuições legalmente estabelecidas, e a existência de nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo Recorrente e qualquer omissão específica por parte das Requeridas.

10. A atribuição de responsabilidade civil ao Estado, com fundamento em um regime especial tutelar civil atribuído ao órgão indigenista federal, dissociada da verificação de culpa administrativa ou de qualquer omissão específica por parte das Rés, consubstanciaria hipótese de responsabilidade integral da FUNAI e União Federal por quaisquer ilícitos perpetrados por indígenas. Tal pretensão não possui respaldo no ordenamento jurídico.

11. Em observância ao princípio da causalidade, impõe-se à parte autora o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, aos quais se acresce 1% (um por cento) sobre o percentual fixado pela sentença recorrida, nos termos do § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil.

12. Negado provimento ao recurso de apelação.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0001099-58.2010.4.03.6006, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 13/05/2021, Intimação via sistema DATA: 14/05/2021)

Todavia, não significa concluir que a embargante esteja isenta de cumprir suas obrigações legais, mormente em relação a terras ocupadas pelos povos indígenas.

Nesse sentido:                                                                                   

AGRAVO DE INSTRUMENTO - INTERDITO PROIBITÓRIO - INDÍGENAS - LIMINAR - PRESENÇA DOS REQUISITOS - IMPOSIÇÃO DE MULTA À FUNAI EM CASO DE DESCUMPRIMENTO - POSSIBILIDADE - RECURSO DESPROVIDO.

I - Não há como acolher a alegação de impossibilidade jurídica do pedido, pois, em que pese o artigo 19, §2 º, da Lei nº 6.001/73 vedar a utilização do interdito possessório como forma de impugnar demarcação administrativa das terras originariamente ocupadas pelos indígenas, in casu, o procedimento demarcatório ainda não foi concluído.

II - Consta dos autos a prova da posse dos autores, bem como demonstrado o justo receio de esbulho ou molestação à posse dos agravados, tendo sido, inclusive, juntada cópia do boletim de ocorrência lavrado pela Delegacia de Policia de Caarapó, relatando situação de ameaça pelos indígenas na Fazenda Rancho Novilho.

III - Desse modo, nada legitimamente autorizando afastar a manutenção da posse dos recorridos, não sendo permitido ao Judiciário convalidar invasões de terras de particulares por indígenas ao simples argumento de se tratar de supostas terras tradicionalmente ocupadas por eles.

IV - Como se percebe, não havendo uma demarcação definitiva, a estabelecer que a propriedade rural esteja inserida na Reserva Indígena, não há que se amparar eventual turbação e/ou esbulho, pelos índios, da propriedade rural dos autores, devidamente registrada.

V - Não há como acolher a tese de se afastar a responsabilidade da FUNAI, pois a ela incumbe "exercer o poder de polícia em defesa e proteção dos povos indígenas", nos termos do artigo 2º, IX, do seu estatuto, tendo o poder-dever de diligenciar, em termos de prestar aos índios os esclarecimentos pertinentes e lhes oferecer os meios necessários para que se abstenham de turbar a posse dos autores sobre o imóvel descrito na inicial.

VI- A penalidade pecuniária é aplicada como medida de coerção para que seja cumprida a obrigação de fazer, não havendo não havendo perigo de dano ou risco irreparável, o que torna desnecessária maiores digressões a respeito, pois, além de ser passível de revisão do quantum já fixado, somente será permitido o levantamento após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.

VII - Agravo de instrumento desprovido. Agravo interno prejudicado.

(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 594986 - 0001216-78.2017.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, julgado em 10/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/10/2017 )

                                                                                   

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO POSSESSÓRIA. INDÍGENAS. FUNAI. DECISÃO JUDICIAL. IMPOSIÇÃO DE MULTA À AUTARQUIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO. POSSIBILIDADE.

1. Reiterados os fundamentos expendidos por ocasião da prolação da decisão monocrática que indeferiu o efeito suspensivo ao recurso.

1.1. A decisão de primeira instância está lastreada na análise do conjunto probatório carreado aos autos principais, estando devidamente fundamentada. Diante disso, e tendo em vista que a ora agravante não logrou demonstrar com provas concretas o desacerto dessa decisão, mantenho seus fundamentos.

1.2. Como se sabe, no caso dos autos, a FUNAI é parte legítima para responder a presente ação, porquanto legitimamente integra o pólo passivo da presente ação e é representante dos índios, cabendo-lhe, a teor dos artigos 19, 35 e 37 da Lei n.º 6.001/1973 (Estatuto do Índio), a guarda e proteção dos direitos indígenas.

1.3. A responsabilidade da FUNAI pelos fatos referidos no feito exsurge da demarcação de terras por ela efetivada, cabendo reconhecer a sua culpa in vigilando pelas invasões promovidas pela população indígena, inclusive porque, sendo ela representante dos índios, tem sobre a atitude deles grande influência, a despeito da autodeterminação e livre arbítrio dos indígenas.

1.4. Que a aplicação da multa sirva como mola propulsora para que a FUNAI (assim como a Comunidade Indígena) haja de maneira efetiva para inibir e coibir práticas desordenadas e que não raras vezes colocam em xeque a ordem pública, a saúde, a segurança e mesmo a soberania estatal. Precedentes do E. TRF-4.

2. Reafirma-se, outrossim, o argumento de que o art. 35 da Lei 6.001/73 confere à FUNAI responsabilidade sobre atos de indígenas, e faz da autarquia parte legítima em ações possessórias envolvendo silvícolas. Como entidade estatal destinada à tutela e proteção dos índios, pode a FUNAI ser a destinatária de medidas judiciais que visem a obrigar, com caráter coercitivo, o cumprimento de decisões judiciais desfavoráveis aos indígenas. Precedentes do E. TRF-4.

3. Diante da prolação desta decisão, necessário julgar prejudicado o pedido de reconsideração formulado pela FUNAI às fls. 60/63.

4. Agravo de instrumento conhecido a que se nega provimento e pedido de reconsideração de fls. 60/63 julgado prejudicado.

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 508414 - 0015910-91.2013.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 12/08/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/08/2014 )

 

Assim, considerando que a multa arbitrada com intuito inibitório não faz coisa julgada, e foi cominada igualmente em face da Comunidade Indígena ré, é possível a reanálise posterior no tocante à legitimidade de incidência, a ser considerada conjuntamente ao desfecho da lide.

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, mantendo a decisão agravada, e determinando o processamento do agravo interno interposto."

 

No presente feito, a matéria em síntese mereceu nova apreciação deste MM. Órgão Judiciário, em face da permissão contida no artigo 371, do Código de Processo Civil, que consagra o princípio do livre convencimento ou da persuasão racional, e que impõe ao julgador o poder-dever. O poder no que concerne à liberdade de que dispõe para valorar a prova e o dever de fundamentar a sua decisão, ou seja, a razão de seu conhecimento.

Sob outro aspecto, o juiz não está adstrito a examinar todas as normas legais trazidas pelas partes, bastando que, in casu, decline os fundamentos suficientes para lastrear sua decisão.

Das alegações trazidas no presente, salta evidente que não almeja a Agravante suprir vícios no julgado, buscando, em verdade, externar seu inconformismo com a solução adotada, que lhe foi desfavorável, pretendendo vê-la alterada.

Quanto à hipótese contida no § 3º, do artigo 1.021, do CPC de 2015, entendo que a vedação só se justifica na hipótese de o agravo interno interposto não se limitar à mera reiteração das razões de apelação, o que não é o caso do presente agravo, como se observa do relatório.

Conclui-se, das linhas antes destacadas, que a decisão monocrática observou os limites objetivamente definidos no referido dispositivo processual.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

AGRAVO INTERNO. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO DE APELAÇÃO. REQUISITOS. DEMONSTRADOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1 – Agravo Interno em face de decisão que indeferiu pedido de efeito suspensivo a recurso de apelação.

2 – Ao conceder a antecipação de tutela na sentença o Juízo a quo fixou multa pelo eventual descumprimento pela comunidade indígena ré da determinação de abstenção de turbação ou esbulho em relação à posse sobre a propriedade dos autores. Contudo, fixou a responsabilidade solidária da FUNAI.

3 – Probabilidade do direito. A FUNAI não pode ser responsabilizada por eventuais atos ilícitos praticados pelos índios. Precedentes deste Colegiado e do STJ.

4 – O risco de dano, por seu turno, revela-se pela eventualidade de sofrer a imposição de multa na hipótese de descumprimento pela comunidade indígena da determinação judicial de não adotar atos atentatórios à posse dos autores.

5 - Em relação à imposição de astreintes à comunidade indígena ré, adequada a sua fixação, não prosperando a tese sustentada pela autarquia de que as peculiaridades e costumes indígenas desnaturam a sua finalidade coercitiva.

6 – Em que pesem os costumes indígenas, certo é que, atualmente, essas comunidades possuem elevado grau de inserção social, não sendo alheias às obrigações sociais, dentre as quais, a observância de ordens judiciais.

7 – Agravo de interno parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por maioria, deu parcial provimento ao agravo interno para conceder em parte o efeito suspensivo ao recurso de apelação para suspender os efeitos da sentença, no ponto em que fixou a responsabilidade solidária da FUNAI em relação à multa por descumprimento da ordem judicial antecipatória de tutela, nos termos do voto do senhor Desembargador Federal Helio Nogueira, acompanhado pelo voto do senhor Desembargador Federal Wilson Zauhy; vencido o senhor Desembargador Federal relator, que lhe negava provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.