HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5015361-15.2021.4.03.0000
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
PACIENTE: JUVENIL ANTONIO ZIETOLIE
IMPETRANTE: CARLOS EDUARDO EDINGER DE SOUZA SANTOS, DANILO KNIJNIK, LEONARDO VESOLOSKI, JULIANE ROCHA PLUCANI
Advogados do(a) PACIENTE: JULIANE ROCHA PLUCANI - RS120878, LEONARDO VESOLOSKI - RS58285-A, DANILO KNIJNIK - RS34445-A, CARLOS EDUARDO EDINGER DE SOUZA SANTOS - RS101976-A
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 10ª VARA FEDERAL CRIMINAL
OUTROS PARTICIPANTES:
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5015361-15.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO PACIENTE: JUVENIL ANTONIO ZIETOLIE Advogados do(a) PACIENTE: JULIANE ROCHA PLUCANI - RS120878, LEONARDO VESOLOSKI - RS58285-A, DANILO KNIJNIK - RS34445-A, CARLOS EDUARDO EDINGER DE SOUZA SANTOS - RS101976-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 10ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado pelos advogados Danilo Knijnik, Leonardo Vesoloski, Carlos Edinger e Juliane Plucani, em favor de JUVENIL ANTONIO ZIETOLIE, contra a decisão da 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo (SP) que, nos autos da exceção de incompetência nº 5003940-80.2019.4.03.6181, reconheceu a competência da Justiça Federal para processar e julgar a ação penal nº 0008191-37.2016.4.03.6181. Os impetrantes alegam, em síntese, que em pedido de arquivamento do inquérito policial acerca de suposta prática, pelo paciente, do crime previsto no art. 27-D da Lei nº 6.385/76, o Ministério Público Federal (MPF) “observou que o fato imputado ‘não é hábil a gerar vantagem indevida reflexa alguma’, ‘dada a atipicidade do fato aqui investigado’” e que, após os atos do art. 28 do Código de Processo Penal (CPP), sobreveio o oferecimento da denúncia, em razão da qual foi oposta exceção de incompetência absoluta da Justiça Federal, tendo o juízo impetrado rejeitado a arguição, sob o fundamento de que a competência fiscalizatória da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) induziria a competência da Justiça Federal. Opostos embargos de declaração, foram rejeitados pela autoridade impetrada. Arguem que, para se determinar a competência da Justiça Federal (CF, art. 109, IV), é preciso que tenha havido, em tese, lesão a interesse direto e específico da União, não bastando que esta, por si ou por autarquia, exerça atividade fiscalizadora sobre o bem objeto do delito. Aduzem que, no “Conflito de Atribuições nº 1.567, o STF decidiu que compete à Justiça Estadual processar e julgar o delito capitulado no art. 26-E, também da Lei nº 6.385/76, pois ‘o fato das atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, estarem sujeitos à fiscalização de uma autarquia federal, a saber, a Comissão de Valores Mobiliários, por si só, não basta para atrair a competência da Justiça Federal". Por isso, pedem a concessão da ordem de habeas corpus “para reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar a ação penal nº 0008191-37.2016.4.03.6181 e, consequentemente, a nulidade ab initio dos atos nela praticados”, bem como sejam intimados da sessão de julgamento para fins de sustentação oral. Instada (ID 164226141), a autoridade impetrada prestou informações (ID 164678633). A Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem (ID 164770016). Os impetrantes atravessaram petição pleiteando fosse determinada a suspensão dos atos instrutórios no juízo de origem, audiências de oitiva das testemunhas e interrogatório, até o julgamento deste writ (ID 173424371). O pedido de suspensão das audiências de instrução foi indeferido (ID 182970651), com ciência da Procuradoria Regional da República (ID 183099027). É o relatório.
IMPETRANTE: CARLOS EDUARDO EDINGER DE SOUZA SANTOS, DANILO KNIJNIK, LEONARDO VESOLOSKI, JULIANE ROCHA PLUCANI
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5015361-15.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO PACIENTE: JUVENIL ANTONIO ZIETOLIE Advogados do(a) PACIENTE: JULIANE ROCHA PLUCANI - RS120878, LEONARDO VESOLOSKI - RS58285-A, DANILO KNIJNIK - RS34445-A, CARLOS EDUARDO EDINGER DE SOUZA SANTOS - RS101976-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 10ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Não há motivo para se reconhecer a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a ação penal de origem, tendo em vista o disposto no art. 109, IV, da Constituição Federal. Segundo a denúncia (ID 164187136): Entre os meses de novembro e dezembro de 2013, FRANK ZIETOLIE e JUVENIL ANTONIO ZIETOLIE, ambos agindo de maneira livre e consciente, na qualidade de diretor-presidente e vice-presidente, respectivamente, do Conselho de Administração da UNICASA INDÚSTRIA DE MÓVEIS S/A (CNPJ nº 90.441.460/0001-48), adquiriram, de modo contínuo, ações de emissão da aludida pessoa jurídica na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&F BOVESPA), sediada em São Paulo/SP, utilizando informação relevante ainda não divulgada ao mercado, da qual deveriam manter sigilo e que era capaz de lhes propiciar vantagem indevida. Com efeito, apurou-se que, no dia 25 de outubro de 2013, o diretor financeiro e de relações com investidores PAULO JUNQUEIRA DE ARANTES FILHO informou verbalmente aos Membros do Conselho de Administração e os principais acionistas que fazem parte do Bloco de Controle e aos demais membros da Diretoria, que a Companhia está iniciando estudo de possibilidade de adesão ao REFIS, para recolher o débito tributário que está em discussão judicial, aproveitando os benefícios dos descontos da multa e juros”. Nessa época, FRANK e JUVENIL eram, respectivamente, diretor-presidente e vice-presidente do Conselho de Administração da UNICASA e, portanto, estavam cientes do estudo de possibilidade (fls. 5/v. à 7 do apenso II). Posteriormente, no dia 3 de novembro de 2013, o advogado Dr. CRISTIANO CARVALHO enviou parecer recomendando a adesão ao REFIS “por ser a opção mais segura e vantajosa para a Unicasa, diante do novo cenário jurídico atual”, e, no dia seguinte, o diretor jurídico Dr. JULIANO SANGALI elaborou Relatório Executivo que recomendava a adesão ao REFIS “por ser extremamente vantajoso jurídica e economicamente para a Companhia”. Como se vê, a adesão ao REFIS visava a valorização da empresa que, consequentemente, poderia gerar vantagens econômicas aos acionistas. Alguns dias depois, no dia 12 de novembro de 2013, Parecer e Relatório Executivo da Diretoria Jurídica circulam por e-mail para Diretoria Estatutária, da qual FRANK e JUVENIL faziam parte. Em razão do cargo que ocupavam, ambos tinham dever de sigilo sobre tal informação (art. 155, § 1º, da Lei nº 6.404/1976, e no art. 13,caput, da Instrução CVM nº 358/2002) até sua divulgação como fato relevante, o que ocorreu apenas em 16 de dezembro de 2013 (f. 2/v. do apenso II)[...] Inobstante, dois dias após a circulação dos e-mails, FRANK começou a comprar ações da companhia. Constatou-se que, no período entre 14 e 22 de novembro de 2013, FRANK ZIETOLIE realizou 28 operações de compra, por intermédio do Banco do Brasil, totalizando o equivalente a R$ 1.517.041,00 (um milhão, quinhentos e dezessete mil e quarenta e um reais) em ações da UNICASA [...] JUVENIL ZIETOLIE, por sua vez, esperou até o dia 22 de novembro de 2013 para começar a comprar ações, quando o controller GUSTAVO DALL’ONDER “retorna cálculo para Paulo Junqueira com um comparativo entre pagamento à vista, as opções de parcelamento, considerando o custo de capital da Companhia baseado na sua rentabilidade histórica para aplicação financeira contra projeções de CDI e SELIC e fluxo de caixa operacional” (fls. 5/v. à 7 do apenso II). A partir desse dia, até a data da divulgação do fato relevante, JUVENIL realizou 28 compras, por intermédio do Banco do Brasil e do Banrisul, totalizando o equivalente a R$ 3.436.331,00 (três milhões, quatrocentos e trinta e seis mil e trezentos e trinta e um reais) em ações de emissão da UNICASA [...] Em razão disso, o paciente e seu filho (Frank) foram denunciados pela prática do crime tipificado no art. 27-D da Lei nº 6.385/76 (na redação da Lei nº 10.303/2001, então vigente): Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. Nesse contexto, a decisão que rejeitou a exceção de incompetência não padece de manifesta ilegalidade e está devidamente fundamentada, nos seguintes termos (ID 164187142): A exceção não merece acolhida. A conduta prevista no artigo 27-D (insider trading) afeta diretamente interesse da União (artigo 109, IV, da CF), pois envolve a utilização de informação privilegiada no mercado de capitais, que está sujeito à fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia. Assim, a ausência de indicação da competência federal nos dispositivos da Lei 6.385/76 não exclui a competência da Justiça Federal que deriva diretamente do artigo 109, inciso IV, da CF, já que o tipo prevê conduta que coloca em risco a confiança dos investidores do sistema financeiro, especificamente do mercado de valores mobiliários. Neste sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. [...] Os precedentes indicados pela defesa não se aplicam ao presente caso. O conflito de atribuição 1567 (STF) não se refere ao crime de insider trading e o RE 454.735 se refere a crime previsto no artigo 1º, 1, da Lei 8.176/91. Com efeito, a competência da Justiça Federal não foi reconhecida tão-só pela presença, no caso, da CVM, autarquia federal em regime especial, vinculada ao Ministério da Economia, que, na condição de órgão fiscalizador de tais transações mobiliárias, levou à aplicação de penalidade - ao paciente e ao seu filho - "de multa pecuniária individual no valor de R$ 200.000,00, pela utilização indevida de informação privilegiada, em infração ao disposto no art. 155, § 1º, da Lei nº 6.404/76, combinado com o art. 13, caput, da Instrução CVM nº358/2002” (ID 164187136). O que atraiu a competência da Justiça Federal foi o fato de que, conforme o que consta dos autos, o paciente e seu filho teriam se utilizado de informações privilegiadas e realizaram transações vultosas no mercado de capitais (insider trading), lesivas ao sistema financeiro nacional, em prejuízo dos demais investidores e da própria credibilidade do sistema. Nesse sentido, é esclarecedor o parecer do Ministério Público Federal (ID 164770016): Como se vê, a questionada declaração de competência da Justiça Federal,tendo em conta, inclusive, os precedentes invocados em prol de subsidiá-la, para além de fundar-se em que a) a utilização de informação privilegiada no mercado de capitais está sujeita à fiscalização da CVM, autarquia federal, baseia-se, à vista do disposto no art. 109, inc. IV, da Constituição Federal, também em que b) a conduta específica descrita na exordial acusatória coloca em risco a confiança dos investidores do Sistema Financeiro,especificamente do mercado de valores mobiliários, tendo em vista as dúvidas lançadas sobre a lisura de suas atividades; bem como em que c) a danosidade do delito extrapola a esfera patrimonial das vítimas, vulnerando a higidez do Sistema Financeiro Nacional como um todo. [...] A conduta praticada, pois, conduziu à movimentação de quantia expressiva, no importe de cerca de R$ 5 milhões, por meio de 56 (cinquenta e seis) operações e transferência de 819.900 (oitocentos e dezenove mil e novecentas) ações, o que aponta para relevante impacto no Sistema Financeiro e na confiança dos investidores no mercado de capitais. Há de atentar-se, ainda, para a seguinte dicção constante do voto do Diretor-Relator Henrique Balduíno Machado Moreira no Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/10290, que apurou, em seara administrativa, os mesmos fatos (Ação Penal nº 0008191-37.2016.4.03.6181, disponível para consulta no PJe de 1º Grau, ID19059729, pág. 22): “48. Por derradeiro, cabe reafirmar que a negociação com o uso de informação relevante ainda não divulgada é uma das práticas mais nocivas ao funcionamento regular do mercado. E a conduta torna-se mais grave quando é praticada por administradores e pessoas vinculadas por acordo de acionistas para controlar a companhia, pois ao se colocar numa indevida posição vantajosa em relação aos demais acionistas e investidores não detentores da informação privilegiada, eles ferem a credibilidade que deve existir na formação justa do preço das ações, com efeitos deletérios para o mercado de capitais, que é sabidamente importante meio de desenvolvimento econômico do país.” A propósito: RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS. MANIPULAÇÃO DE MERCADO E INSIDER TRADING. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA, ALEGAÇÃO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. NÃO OCORRÊNCIA. MAGNITUDE DA LESÃO. INTERESSE DA UNIÃO. Posto isso, DENEGO A ORDEM de habeas corpus. É o voto.
IMPETRANTE: CARLOS EDUARDO EDINGER DE SOUZA SANTOS, DANILO KNIJNIK, LEONARDO VESOLOSKI, JULIANE ROCHA PLUCANI
CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. DISTRIBUIÇÃO. VARAS ESPECIALIZADAS. SUPOSTA ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. RECURSO EM HABEAS CORPUS NÃO PROVIDO.
1. Inexiste violação da garantia de inafastabilidade da jurisdição e do princípio da motivação das decisões judiciais quando o acórdão, ao examinar determinado ponto específico, afirma que o pedido é reiteração de outro já analisado, com a indicação do recurso e dos fundamentos que ensejaram o seu indeferimento.
2. Em qualquer situação de delito que repercuta no sistema financeiro ou que faça parte dos crimes contra a ordem econômico-financeira, cuja legislação que os prevê não contenha dispositivo específico que importe na fixação da competência federal, há que se avaliar, no caso concreto, a existência de circunstância de fato que demonstre a existência de efetiva lesão a bens, serviços ou direitos da União, de suas autarquias ou empresas públicas. Assim, nessas hipóteses, mesmo que não haja previsão na legislação infraconstitucional, como exige o art. 109, VI, da Constituição Federal, o delito será processado e julgado perante a Justiça Federal, mas por incidência do referido dispositivo.
3. No caso, a denúncia, formal e materialmente apta, foi recebida pelos crimes de manipulação de mercado e insider trading. A conduta, tal como descrita, foi capaz de movimentar, no mercado, quantia expressiva que, pela dimensão das perdas, refletiu no sistema financeiro, sobretudo pelo prejuízo suportado pelos investidores.
4. Inexiste ilegalidade na distribuição do feito a uma das varas especializadas em delitos financeiros da Justiça Federal, em razão da matéria, visto que os crimes contra o mercado de capitais integram a ordem econômico-financeira.
5. Recurso em habeas corpus não provido.
(STJ, RHC 55.813/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019; destaquei).
E M E N T A
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INSIDER TRADING. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. ORDEM DENEGADA.
1. A competência da Justiça Federal não foi reconhecida pela autoridade impetrada tão-só pela presença, no caso, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia federal em regime especial, vinculada ao Ministério da Economia, que, na condição de órgão fiscalizador de tais transações mobiliárias, levou à aplicação de penalidade administrativa ao paciente e ao seu filho.
2. O que atraiu a competência da Justiça Federal foi o fato de que, conforme o que consta dos autos, o paciente e seu filho teriam se utilizado de informações privilegiadas e realizaram transações vultosas no mercado de capitais (insider trading), lesivas ao sistema financeiro nacional, em prejuízo aos demais investidores e à própria credibilidade do sistema.
3. Ordem denegada.