HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5021417-64.2021.4.03.0000
RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW
PACIENTE: ANTONIO CARLOS BONINI DE PAIVA
IMPETRANTE: RICARDO HIROSHI BOTELHO YOSHINO
Advogado do(a) PACIENTE: RICARDO HIROSHI BOTELHO YOSHINO - SP203816-A
IMPETRADO: PROCURADOR DA REPÚBLICA EM SÃO PAULO/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5021417-64.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW PACIENTE: ANTONIO CARLOS BONINI DE PAIVA Advogado do(a) PACIENTE: RICARDO HIROSHI BOTELHO YOSHINO - SP203816-A IMPETRADO: PROCURADOR DA REPÚBLICA EM SÃO PAULO/SP R E L A T Ó R I O Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Antonio Carlos Bonini de Paiva contra ato coator atribuído ao Procurador da República em São Paulo, requerendo a suspensão das investigações e trancamento do IP n. 2020.0099198 em trâmite perante a Polícia Federal em Marília (SP) Alega-se, em síntese, o seguinte: a) o paciente é contribuinte pessoa física e possuía em 31.12.14, depósitos de ativos lícitos no exterior, que por ausência de conhecimento, não eram declarados ao Banco Central do Brasil – Bacen, motivo pelo qual foi indiciado pelo delito de evasão de divisas nos termos do art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/86 nos autos do IP n. 2020.0099198-DPF/MII/SP; b) visando incentivar a repatriação de ativos de origem lícita enviados ou mantidos no exterior por pessoas residentes no País, foi aprovada a Lei n. 13.254/16, que instituiu anistia criminal e também uma causa extintiva de obrigações de natureza cambial ou financeira envolvendo tais bens; c) o paciente, procedendo conforme orientações recebidas, enviou a Declaração de Regularização Cambial e Tributária – Dercat, conforme recibo n. 1.10.50.00.94.16-05; d) entretanto, o art. 11 da Lei n. n. 13.254/16 excluía de sua incidência alguns grupos de pessoas, quais sejam, detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas; e) dessa forma, o paciente foi excluído do programa, pois na ocasião do preenchimento da Dercat era detentor do cargo de Vice-Prefeito do município de Cândido Mota (SP); f) o indiciamento ocorreu por requisição do Ministério Público Federal, no entanto, a edição da Resolução do Conselho Monetário Nacional n. 4.841/20 tornou atípica a conduta do paciente, uma vez que o valor obrigatório de declaração ao Bacen foi majorado; g) “o delito de evasão de divisas na modalidade de manter depósito no exterior sem declaração à repartição federal competente, previsto no artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, é norma penal em branco, a carecer de complemento normativo para perfectibilização da norma abstrata do tipo penal” (sic, fl. 5, Id n. 190112966); h) “assim, visando dar efetividade e complemento a norma, a partir da circular nº 3.07/2001, criadora da Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior, o Banco Central passara a editar normas regulamentando a maneira pela qual os brasileiros possuidores de capital no exterior deveriam realizar a declaração deste montante, estipulando seus prazos, procedimento e o valor mínimo para esta declaração” (sic, fl. 6, Id n. 190112966); i) dessa maneira, em tese, apenas que possuir montante superior ao estabelecido na norma complementar pratica o delito de evasão de divisas nos termos do art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/86; f) atualmente, com a vigência da Resolução CMN n. 4.841/20, o valor relativo à obrigatoriedade de declaração ao Banco Central do Brasil passou a ser de US$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares) dos Estados Unidos da América; g) tal modificação foi benéfica ao paciente, uma vez que consta de sua Dercat o valor de R$ 1.044.687,09 (um milhão e quarenta e quatro mil, seiscentos e oitenta e sete reais e nove centavos), muito inferior a quantia estabelecida pela nova Resolução CMN n. 4.841/20; h) logo, deve ser aplicado o artigo 2º, parágrafo único, do CódigoPenal ao caso, o qual dispõe que “a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”, o que também é previsto pelo artigo 5º, XL, da Constituição da República; i) no mesmo sentido do alegado neste habeas corpus, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em sede de embargos de declaração nos Autos n. 2007.28.00.029334-0/MG proferiu julgamento reconhecendo a aplicação da Resolução CMN n. 4.841/20 por ser mais benéfica ao réu daqueles autos; j) estão presentes o fumus boni iuris, em razão do princípio da retroatividade da lei mais benigma e o periculum in mora, em vista de o “inquérito policial estar na iminência de retornar à Delegacia de Polícia de origem (Marília) para oitiva de mais pessoas – e eventualmente do próprio Paciente –, com base em imputações, data venia, atípicas, sem o mínimo elemento probatório apto a respaldar uma eventual futura ação penal” (sic, fl. 17, Id n. 190112966); k) requer a suspensão das investigações até o julgamento deste habeas corpus e o trancamento do IP n. 2020.0099198 (Id n. 190112966). Em vista da autoridade coatora, o impetrante foi intimado a esclarecer a competência deste Tribunal Regional Federal tendo em vista o que dispõe o art. 108, I, d, da Constituição da República (Id n. 190126436). O impetrante esclareceu a competência desta Corte para analisar o presente habeas corpus em vista de o indiciamento ter ocorrido por requisição do Ministério Público Federal (Id n. 190187198). A liminar foi indeferida (Id n. 190202839). Foram prestadas as informações (Id n. 192881661). O impetrante reiterou o pedido de trancamento do inquérito policial, alegando que as Declaração de Imposto de Renda foram retificadas a partir do ano-calendário de 2014, com a declaração dos valores depositados no exterior (Id n. 193097373). O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Álvaro Luiz de Mattos Stipp, manifestou-se pela não concessão da ordem (Id n. 197570638). É o relatório.
IMPETRANTE: RICARDO HIROSHI BOTELHO YOSHINO
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5021417-64.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW PACIENTE: ANTONIO CARLOS BONINI DE PAIVA Advogado do(a) PACIENTE: RICARDO HIROSHI BOTELHO YOSHINO - SP203816-A IMPETRADO: PROCURADOR DA REPÚBLICA EM SÃO PAULO/SP V O T O Inquérito Policial. Requisição. Ministério Público Federal. Legitimidade passiva. Tribunal Regional Federal. Competência. A requisição para instauração de inquérito policial por membro do Ministério Público Federal é ato que não se sujeita ao juízo de discricionariedade da autoridade policial, uma vez que retira dela qualquer juízo a respeito da necessidade de instauração do procedimento, devendo atender de pronto a determinação. Compete ao Tribunal Regional Federal conhecer e julgar habeas corpus contra ato praticado por membro do Ministério Público Federal (CR, art. 108, I, a) (TRF da 3ª Região, HC n. 2010.03.00.015193-5, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 14.03.11). Habeas corpus. Inquérito policial. Requisição ministerial. Competência do tribunal. Com fundamento no art. 108, I, a, da Constituição da República, compete ao Tribunal o habeas corpus impetrado para o trancamento de inquérito policial instaurado por requisição de Procurador da República (RE n. 377.356, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 07.10.08, Informativo STF n. 523). Trancamento. Inquérito policial. Ação penal. Exame aprofundado de provas. Inadmissibilidade. O trancamento do inquérito policial ou da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, ausência de provas da materialidade e autoria, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade (STJ, HC n. 292858, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.11.15). Do caso dos autos. A impetração objetiva a suspensão da investigação e o trancamento do Inquérito Policial n. 2020.0099198 instaurado, em 28.10.20, pela Delegacia de Polícia Federal em Marília (SP), por requisição do Ministério Público Federal de São Paulo (SP), no qual o paciente é investigado pela suposta prática do pelo delito de evasão de divisas nos termos do art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/86. O impetrante alega ausência de justa causa para continuidade da investigação criminal em razão de o delito previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/86 ser norma penal em branco e carecer de complemento normativo, sendo que a Resolução do Conselho Monetário Nacional n. 4.841/20, mais benéfica, tornou atípica a conduta do paciente, uma vez que o valor obrigatório de declaração de propriedade de capital no exterior ao Bacen foi aumentado para US$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares) e a quantia, de origem lícita, declarada pelo paciente na DERCAT perfaz somente o valor de R$ 1.044.687,09 (um milhão e quarenta e quatro mil, seiscentos e oitenta e sete reais e nove centavos). Sem razão à defesa. Consta dos autos que o paciente teria declarado à Receita Federal do Brasil o envio de uma única remessa ao exterior no ano de 2002, sendo que o valor foi obtido por meio de sua profissão de produtor na exploração agropecuária (fl. 166, Id n. 190112973). No entanto, não se verifica que tal alegação tenha sido comprovada, uma vez que o Delegado da Polícia Federal, em despacho, informou o seguinte: Desse modo, considerando que ANTÔNIO CARLOS BONINI DE PAIVA manteve conta no exterior (Suíça) não declarada às autoridades federais competentes no período de 04/03/2002 a 17/10/2016, quando informou a Receita Federal na DERCAT recibada sob nº 1.10.50.00.94.16-05, na qual pretendia regularizar o montnte de R$ 1.044.687,09, o INDICIO como incurso no artigo 22, parágrafo único da lei 7.492/86. Convém ressaltar que em nenhum momento o indiciado revelou quanto, efetivamente, remeteu clandestinamente ao exterior, alegando sempre a decadência quinquenal tributária para não fazê-lo. (sic, fl. 34, Id n. 190112976) Motivo pelo qual entre outros questionamentos o Delegado da Polícia Federal requer que, quando de seu interrogatório, o paciente preste os seguintes esclarecimentos: 1. O interrogado confirma ter tentado internalizar, no ano de 2016, o montante de R$ 1.044.687,09 que se encontravam depositados no exterior, desde 04/03/2002, amparado no artigo 11 da lei 13.254/2016 - Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), impedido porém pela Receita Federal em razão da sua condição de vice-prefeito de Cândido Mota no período 2013/2016? 2. Qual a origem e o montante original enviado ao exterior pelo interrogado? Por que não declarou tal situação à Receita Federal em suas declarações de IRPF? 3. As contas mantidas no exterior tinham natureza de conta única do interrogado ou conta conjunta com sua esposa, ELISABETH JOANA GIALLUISI BONINI DE PAIVA? 4. Com o se deu a operação de câmbio (conversão de moeda) e o envio das remessas investigadas ao exterior? Quem foi o responsável pela operação? 5. Quantas operações (remessas), efetivamente, foram realizadas pelo interrogado, e em que datas ocorreram? (fl. 42, Id n. 190112976) O impetrante, em manifestação posterior, alega que o paciente teria feito retificações em todas as suas declarações de Imposto de Renda a partir do ano-calendário de 2014 para incluir os valores depositados no exterior (Id n. 193097373). No entanto, verifica-se que a esposa do paciente, interrogada pela autoridade policial em 11.08.21, declarou que somente no ano de 2016 tomou ciência dos valores depositados no exterior. Disse que seu marido Antonio esclareceu que ela era beneficiária e por isso precisava assinar os documentos para repatriação. Declarou que não informou à Receita Federal do Brasil quando das declarações de Imposto de Renda tais valores por desconhecer sua existência. Não sabe quem foi o responsável pelo envio do dinheiro e desconhece como ocorreu a operação de câmbio (fl. 2, Id n. 190112977). Logo, ao contrário do alegado, não resta comprovada, de forma inequívoca, a origem lícita dos valores a serem repatriados pelo paciente. Ademais, no que concerne à eficácia temporal das normativas administrativas integrativas do tipo penal do art. 22 da Lei n. 7.492/86, cumpre ressaltar que, dada a sua mutabilidade de acordo com a situação econômica do País em determinado momento histórico, aplicam-se ao fato praticado durante sua vigência, "embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram", a teor do art. 3º do Código Penal. Da incidência do art. 3º do Código Penal às normas administrativas transitórias que complementam o preceito penal em branco inserido no art. 22 da Lei n. 7.492/86 decorre que não retroagirão para beneficiar o réu (CF/88, art. 5º, XL; CP, art. 2º, parágrafo único). Portanto, tendo em vista os esclarecimentos requeridos pelo Delegado de Polícia, a comprovação ou não da origem lícita dos valores a serem repatriados pelo paciente e qual seria a norma processual vigente à época, verifica-se ser prematuro o trancamento do inquérito policial nesse momento. Ante o exposto, DENEGO A ORDEM de habeas corpus. É o voto.
IMPETRANTE: RICARDO HIROSHI BOTELHO YOSHINO
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 7.492/86. INQUÉRITO POLICIAL. REQUISIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. REQUISIÇÃO MINISTERIAL. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL. TRANCAMENTO. INQUÉRITO POLICIAL. AÇÃO PENAL. EXAME APROFUNDADO DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. O paciente é contribuinte pessoa física e possuía, depósitos de ativos lícitos no exterior não declarados ao Banco Central do Brasil – Bacen, motivo pelo qual foi indiciado pelo delito de evasão de divisas nos termos do art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/86.
2. A requisição para instauração de inquérito policial por membro do Ministério Público Federal é ato que não se sujeita ao juízo de discricionariedade da autoridade policial, uma vez que retira dela qualquer juízo a respeito da necessidade de instauração do procedimento, devendo atender de pronto a determinação. Compete ao Tribunal Regional Federal conhecer e julgar habeas corpus contra ato praticado por membro do Ministério Público Federal (CR, art. 108, I, a) (TRF da 3ª Região, HC n. 2010.03.00.015193-5, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 14.03.11).
3. Com fundamento no art. 108, I, a, da Constituição da República, compete ao Tribunal o habeas corpus impetrado para o trancamento de inquérito policial instaurado por requisição de Procurador da República (RE n. 377.356, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 07.10.08, Informativo STF n. 523).
4. O trancamento do inquérito policial ou da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, ausência de provas da materialidade e autoria, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade (STJ, HC n. 292858, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.11.15).
5. Ao contrário do alegado, não resta comprovada, de forma inequívoca, a origem lícita dos valores a serem repatriados pelo paciente.
6. No que concerne à eficácia temporal das normativas administrativas integrativas do tipo penal do art. 22 da Lei n. 7.492/86, cumpre ressaltar que, dada a sua mutabilidade de acordo com a situação econômica do País em determinado momento histórico, aplicam-se ao fato praticado durante sua vigência, "embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram", a teor do art. 3º do Código Penal. Da incidência do art. 3º do Código Penal às normas administrativas transitórias que complementam o preceito penal em branco inserido no art. 22 da Lei n. 7.492/86 decorre que não retroagirão para beneficiar o réu (CF/88, art. 5º, XL; CP, art. 2º, parágrafo único).
7. Tendo em vista os esclarecimentos requeridos pelo Delegado de Polícia, a comprovação ou não da origem lícita dos valores a serem repatriados pelo paciente e qual seria a norma processual vigente à época, verifica-se ser prematuro o trancamento do inquérito policial nesse momento.
8. Ordem de habeas corpus denegada.