APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006181-90.2020.4.03.6181
RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE: MARIA DE FATIMA SOUSA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO MONTEIRO VILLARINHO - RJ087536-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, OPERAÇÃO TRIUNO
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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006181-90.2020.4.03.6181 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: MARIA DE FATIMA SOUSA DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO MONTEIRO VILLARINHO - RJ087536-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, OPERAÇÃO TRIUNO R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta por Maria de Fatima Sousa dos Santos, contra a sentença de Id n. 153129339 que, em embargos de terceiro, julgou improcedente seu pedido de liberação de valores bloqueados por ordem do Juízo de origem. A defesa apresentou as razões de apelação em segunda instância, com os seguintes argumentos: a) a embargante é esposa de Eli Guedes da Silva há 43 (quarenta e três) anos, aposentada, desde dezembro de 2015, como Auditora Fiscal da Receita Federal do Brasil por mais de 31 (trinta e um) anos e sem registro de fatos que inquinem a sua atuação funcional, e teve valores de sua conta corrente e de investimentos sequestrados pelo Juízo a quo sob o fundamento de que não comprovou que os recursos são de sua exclusiva titularidade; b) o cônjuge da embargante possui conta corrente própria e teve valores e investimentos de sua propriedade bloqueados, enquanto que a apelante comprovou que é a correntista principal da conta n. 24574-5, ag. 3831, do Banco Itaú, na qual recebe a sua aposentadoria; c) a apelante recebe aposentadoria líquida da ordem de R$ 19.641,04 (dezenove mil, seiscentos e quarenta e um reais e quatro centavos) na referida conta e, infere-se dos extratos, “desde o período indicado na investigação movida contra seu esposo (...) que não houve ingresso de nenhum valor espúrio em sua conta” (Id n. 155025427, p. 3), bem como tenta obter uma certidão do Banco Itaú comprovando que a movimentação da conta ao longo dos anos foi de sua exclusiva lavra, tendo sido informada que até o momento que o cartão de seu marido somente foi desbloqueando muito tempo após os fatos investigados, em 22.06.16; d) "os documentos comprovam que sua conta-corrente pessoal e os respectivos fundos de investimento já estavam devidamente informados pela requerente na declaração de imposto de renda exercício 2015, referente ao ano-calendário 2014, ou seja, anterior aos fatos em apuração contra seu marido" (Id n. 155025427, p. 4, destaques do original), sendo até a última Declaração do Imposto de Renda mantida a titularidade da conta e dos investimentos correlatos em seu nome, que correspondem aproximadamente aos mesmos valores de investimentos desde 2014, ou seja, na caderneta de poupança, RDB/CDB e fundo equity hedge multimercado, ou seja, tais valores preexistiam antes dos fatos em apuração contra seu marido; e) o único investimento posterior aos fatos imputados ao seu esposo compõe o fundo RF DI Premium, com valor aproximado de R$ 413.788,36 (quatrocentos e treze mil reais e setecentos e oitenta e oito reais e trinta e seis centavos), tendo parte de sua origem precatório judicial no valor de R$ 257.570,07 (duzentos e setenta e cinco mil, quinhentos e setenta reais e sete centavos), recebido em 17.11.16 e depositado em sua conta corrente; f) no ordenamento pátrio vigora o princípio da intranscendibilidade da pena, nos moldes do art. 5ª, XLV, da Carta Magna, de modo que não poderia ter sido o patrimônio da apelante sofrer constrição via SISBAJUD, uma vez que não figurava no polo passivo do feito que determinou o bloqueio dos bens de Eli Guedes da Silva e os bens que venham a ser sequestrados necessitam de indícios veementes de procedência ilícita, conforme o art. 128 do Código de Processo Penal, sendo que, no caso, foi comprovada a origem lícita, sendo indevidamente invertido o ônus da prova para a apelante; h) não subsistem as hipóteses de incidência do art. 4º da Lei n. 9.613/98, sendo o sequestro dos bens da apelante, apenas por ter a condição de esposa de Eli Guedes, injusto; i) requer o levantamento da totalidade dos valores objeto de sequestro, na sua conta corrente e investimentos; j) alternativamente, requer o levantamento parcial dos valores sequestrados, consistentes nos valores da conta corrente e investimentos declarados à Receita Federal anteriores aos fatos investigados, bem como o valor referente ao precatório judicial recebido, no total de R$ 651.704,30 (seiscentos e cinquenta e um mil reais, setecentos e quatro reais e trinta centavos) (Id n. 153129342 e Id n. 155025427). O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Leonardo Cardoso de Freitas, deixou de apresentar contrarrazões e manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Id n. 155419093). É o relatório. Dispensada a revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006181-90.2020.4.03.6181 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: MARIA DE FATIMA SOUSA DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO MONTEIRO VILLARINHO - RJ087536-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, OPERAÇÃO TRIUNO V O T O Restituição das coisas apreendidas. Interesse ao processo. CPP, art. 118. Indeferimento. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo, conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal: Art. 118. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte: PROCESSUAL PENAL. RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. INTERESSE AO PROCESSO (CPP, ART. 118). 1. O requerente não instruiu os autos com documentos que comprovem ser ele o legítimo proprietário ou possuidor do veículo. 2. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo, conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal. 3. Apelação desprovida. (TRF da 3ª Região, ACr n. 2009.61.19.011445-2, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 27.09.10) APELAÇÃO CRIMINAL - PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS (...). 1. O artigo 6º do Código de Processo Penal autoriza a Autoridade Policial proceder diligência, quando tiver conhecimento da prática de infração penal, sendo que o inciso II expressamente lhe confere a prerrogativa de apreender os instrumentos e todos os objetos que se relacionarem com os fatos. (...) 6. Incorreta a decisão do juízo monocrático que determinou a devolução do material, pois a restituição de coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo penal e, na hipótese, de certeza acerca da propriedade dos bens. (...) 8. Apelação provida. (TRF da 3ª Região, ACr n. 199903990873127-SP, Rel. Juiz. Fed. Fausto de Sanctis, j. 20.02.01) PENAL - RESTITUIÇÃO DE MERCADORIAS APREENDIDAS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 118 CPP - RECURSO PROVIDO. 1. Não se pode deferir a restituição de mercadorias apreendidas, antes do trânsito em julgado da decisão, na ação penal, até porque se constituem no próprio corpo de delito e interessam ao processo. 2. Aplicação do artigo 118 do CPP. Precedentes deste Egrégio Tribunal. 3. Recurso provido. (TRF da 3ª Região, ACr n. 2000.61.81.001556-1-SP, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 01.09.03) Do caso dos autos. Pretende a embargante a liberação da totalidade dos valores bloqueados na conta corrente indicada, inclusive investimentos a ela vinculados, ou, alternativamente, o levantamento parcial dos valores sequestrados, consistentes nos valores da conta corrente e investimentos declarados à Receita Federal anteriores aos fatos investigados, bem como o valor referente ao precatório judicial recebido, no total de R$ 651.704,30 (seiscentos e cinquenta e um mil reais, setecentos e quatro reais e trinta centavos). Verifica-se que, nos Autos n. 5004656-73.2020.4.03.6181, em que investigado, na “Operação Triuno” da Polícia Federal, o esposo da embargante pela prática de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa e associação criminosa, tendo o marido eventualmente recebido quantias decorrentes da atividade espúria, motivo pelo qual foi determinado o sequestro judicial dos ativos financeiros de sua titularidade, incluindo a conta corrente conjunta objeto de análise nestes autos. A decisão que determinou o sequestro dos valores requeridos neste feito foi proferida, nos seguintes termos: Cuida-se de representação formulada pela Polícia Federal – DELECOR, a qual pleiteia a decretação das seguintes medidas judiciais: (a) busca e apreensão nos endereços residenciais de PAULO MAURICIO CARVALHO DE SIQUEIRA, NELSON DOS SANTOS FILHO, WILLIANS GONÇALVES NOGUEIRA, ROBERTO AUGUSTO RIBEIRO, ELI GUEDES DA SILVA, JOSÉ RADOMYSLER, VIVIANE WOJDYSLAWSKI NIGRI, RIMO PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS S/A e RIMO S/A (RIMO ENTERTAINMENT); (b) bloqueio dos ativos financeiros de WILLIANS GONÇALVES NOGUEIRA, ROBERTO AUGUSTO RIBEIRO, ELI GUEDES DA SILVA, JOSÉ RADOMYSLER e VIVIANNE WOJDYSLAWSKI NIGRI; (c) suspensão do exercício da função pública de WILLIANS GONÇALVES NOGUEIRA; e (d) compartilhamento dos elementos de prova com a Receita Federal do Brasil. Em breves linhas, a autoridade policial sustenta que há elementos de prova suficientes da prática dos crimes de organização criminosa (art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013), sonegação fiscal (art. 1.º da Lei n.º 8.137/90), corrupção passiva (art. 317do Código Penal) e lavagem de dinheiro (art. 1.º da Lei n.º 9.613/98), amealhadas ao cabo das investigações promovidas nas operações “Descarte” e “Chiaroscuro” e reforçadas pelos depoimentos colhidos no bojo dos acordos de colaboração premiada firmados com Luiz Carlos D’Afonseca Claro e Gabriel Silveira D’Afonseca Claro. De acordo com a representação da Polícia Federal, a busca e apreensão teria o condão de trazer novos elementos de prova dos fatos investigados, possibilitando, assim: i) a individualização da conduta de cada investigado; e ii) a identificação de outros membros da organização criminosa. Ainda, a autoridade policial entende necessária a decretação do sequestro, limitado ao montante repassado pela SONOPRESS RIMO ao grupo Claro, que atualizado atinge a cifra de R$ 3.610.083,39, tendo em vista que se refere ao valor da suposta propina destinada a servidores da RFB. Nesse tocante, ressalta a necessidade do afastamento do único auditor-fiscal ainda em atividade, o AFRFB WILLIANS GONÇALVES NOGUEIRA, envolvido no suposto esquema de corrupção. Por fim, o Delegado de Polícia Federal ressalta a necessidade do compartilhamento de provas com a Receita Federal do Brasil, nos mesmos moldes das fases anteriores da operação Descarte (ID n.º 37977280). O Ministério Público Federal manifestou-se integralmente favorável à representação da autoridade policial (ID n.º 38540921). No documento ID n.º 39656514, a autoridade policial apresentou a relação dos endereços confirmados para a realização de busca e apreensão. É o breve relatório. Fundamentando, DECIDO. 1) Da competência A competência deste Juízo especializado já foi reconhecida nos autos n.º 5001731-07.2020.4.03.6181 (quebra de sigilos bancário e fiscal), conexos ao presente processo cautelar. Cabe apenas ressaltar que, o inquérito policial 2019.0006664-SR/PF/SP (autos n.º 5004188-46.2019.403.6181), processo principal em relação a esta cautelar, apura fatos objeto do anexo 14 do acordo de colaboração premiada firmado por LUIZ CARLOS e GABRIEL CLARO e homologado por este Juízo, nos quais teria havido a atuação do escritório CLARO ADVOGADOS ASSOCIADOS em operação de lavagem de dinheiro nos mesmos moldes daquelas apuradas nas operações Descarte, Checkout e E o vento levou. Por conseguinte, não há dúvidas de que o contexto probatório é o mesmo, exigindo apuração conjunta nos termos do artigo 76, III, do Código de Processo Penal – CPP, pois se trata, na verdade, da mesma investigação, que foi cindida para evitar excessivo número de investigados. (...) 3) Do sequestro de valores A medida assecuratória de sequestro visa a assegurar a indisponibilidade dos bens móveis e imóveis adquiridos pelo réu com o proveito da infração penal, permitindo, assim, a operacionalização dos dois efeitos extrapenais da sentença condenatória transitada em julgado: reparação do dano causado pelo delito e perda do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. Dispõe o artigo 126, do Código de Processo Penal: Art. 126. Para a decretação do sequestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens. Ademais, ante a acusação de suposta prática de lavagem de valores, aplicável ainda o artigo 4º da Lei nº 9.613/98, que assim dispõe: Art. 4º O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes. É importante destacar, ainda, que, quando não encontrados o produto ou proveito do crime ou quando se localizarem no exterior (artigo 91, §1º, do CP), “[...] as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda” (artigo 91, §2º, do CP – sublinhei). Pois bem. A autoridade policial representou pelo bloqueio dos ativos dos investigados ELI GUEDES DA SILVA, ROBERTO AUGUSTO RIBEIRO, WILLIANS GONÇALVES NOGUEIRA, JOSÉ RADOMYSLER e VIVIANE WOJDYSLAWSKI NIGRI, até o limite de R$ 3.610.083,39, correspondente ao valor atualizado da suposta propina, bem como dos veículos e imóveis dos referidos investigados. Com espeque nos elementos de prova trazidos aos autos, já expostos no tópico relativo à busca e apreensão, é possível dessumir que o valor pago pela SONOPRESS RIMO às empresas do grupo CLARO (R$ 2.438.317,62) consubstancia, em tese, em vantagem ilícita. De acordo com as declarações do colaborador Luiz Carlos Claro, corroboradas pelos demais elementos de prova apontados alhures, o montante teria tido como destinatários finais ELI GUEDES DA SILVA, ROBERTO AUGUSTO RIBEIRO e WILLIANS GONÇALVES NOGUEIRA. (...) Cabe, assim, a imposição de tal medida cautelar a todos os envolvidos supra, relativamente ao total do proveito criminoso, atualizado monetariamente desde a data dos fatos (01/2015), totalizando R$ 3.239.529,28, na medida em que, até o presente momento, ainda não foi possível apurar a exata divisão dos valores ilícitos entre os investigados. É de se ver que os fatos, em tese, delitivos teriam sido supostamente praticados por JOSÉ RADOMYSLER e VIVIANNE NIGRI em benefício direto da empresa SONOPRESS RIMO; em relação à essa empresa, a autoridade policial não requereu o bloqueio de bens por não ser ainda possível estimar o montante da vantagem auferida pela fiscalização deficiente, aduzindo não vislumbrar, nesse momento, a necessidade da medida cautelar. Assim, embora os referidos investigados respondam, em tese, solidariamente, pelo proveito do crime que beneficiou a SONOPRESS RIMO, se a autoridade policial entende não ser necessária a medida cautelar em face da empresa, por não ser possível aferir o montante do benefício obtido, a mesma argumentação se aplica aos investigados JOSÉ e VIVIANNE. Portanto, defiro parcialmente a representação da autoridade policial, para decretar o sequestro dos ativos financeiros, via SISBAJUD, de ELI GUEDES DA SILVA, ROBERTO AUGUSTO RIBEIRO e WILLIANS GONÇALVES NOGUEIRA, até o montante de R$ R$ 3.239.529,28. Com relação ao sequestro de bens imóveis e veículos, entendo que a representação deve ser apreciada de maneira subsidiária, caso o bloqueio de contas não atinja o quantum fixado. Nesta hipótese, caberá à autoridade policial apresentar a relação de bens dos investigados, com a devida avaliação, de modo a se evitar excesso de constrição. (...) Decreto, ademais, com fundamento no art. 132 do Código de Processo Penal, no art. 91, §2º, do Código Penal e no art. 4.º da Lei n.º 9.613/98, o sequestro dos valores mantidos nas contas bancárias e investimentos, no limite de R$ 3.239.529,28, de titularidade de WILLIANS GONÇALVES NOGUEIRA (CPF n.º 031.803.258-95), ROBERTO AUGUSTRO RIBEIRO (CPF n.º 076.112.348-20) e ELI GUEDES DA SILVA (CPF n.º 304.805.907-53). O bloqueio deverá ser efetivado via SISBAJUD. Consigno que o pedido de sequestro de imóveis e veículos será apreciado caso o bloqueio não atinja o montante fixado por este Juízo, cabendo, nesta hipótese, a apresentação pela autoridade policial de relação de bens, com os valores de avaliação. (...)” (destaques originais, Id n. 40403639 dos Autos Criminais n. 5004656-73.2020.4.03.6181) Maria de Fátima de Sousa dos Santos peticionou para requerer o levantamento da constrição judicial às contas corrente e de investimento conjuntas com o seu marido Eli Guedes da Silva, alegando ser a correntista principal e que os valores mantidos são de sua exclusiva titularidade, mormente ser Auditora-Fiscal da Receita Federal aposentada sem mácula em sua folha de serviços, terem os valores sido anteriormente declarados ao Fisco em declaração do IRPF de 2014, portanto anteriormente aos fatos investigados na ação principal, ter o seu marido constado como 2º titular apenas por conveniência em caso de necessidade, bem como a constrição judicial recair sobre seus proventos de natureza alimentar (Id n. 153129181, pp. 1/8). O Ministério Público Federal manifestou-se contrariamente ao levantamento do sequestro em análise, mediante os seguintes argumentos: De início, registre-se que mencionada conta não é individual, e sim conjunta com ELI GUEDES DA SILVA, com o qual MARIA DE FÁTIMA é casada há mais de 42 anos em comunhão parcial de bens, regime no qual há a comunicabilidade dos aquestos, caracterizando um verdadeiro condomínio dos bens adquiridos na constância do casamento. Assim, a princípio, o numerário existente na conta-corrente conjunta constitui patrimônio comum do casal. Por outro lado, a requerente não trouxe aos autos documentação apta a comprovar, de modo incontroverso, o argumento de que o capital bloqueado era formado unicamente por seus proventos sem participação alguma de ELI (participação esta que pode ocorrer mediante o pagamento de outras despesas em comum do casal por ELI a partir de outras contas). Afinal, a mera declaração unilateral da embargante não faz prova apta a desconstituir o regime de casamento vigente entre ela e o investigado, nem demonstra inequivocamente que ELI não empreendeu esforços conjuntos que possibilitaram a economia dos valores apreendidos. Ademais, a realização de investimentos em conta conjunta, sem qualquer ressalva, em prol da família, não comporta a alegação de que o saldo existente na conta era incomunicável (é isso que a requerente pretende ver reconhecido), em absoluta contradição às regras de Direito Civil. Com efeito, MARIA LUISA alegou que o dinheiro depositado na multicitada conta bancária era destinado ao pagamento de despesas pessoais e familiares. Ou seja: em benefício da família, o que leva à inarredável conclusão de consistir em bem que entra na comunhão, e por conseguinte, é comunicável a seu marido. (...) In casu, apesar de MARIA LUISA não ser investigada na referida operação policial, o material probatório até o momento colhido no inquérito policial aponta para uma razoável possibilidade de que o numerário apreendido possa ter sido amealhado em razão das fontes ilícitas de seu marido, que certamente possibilitavam ao casal acumular seus proventos e sanear suas despesas com o dinheiro em espécie frutos dos crimes sob investigação. Assim, aliada à comunicabilidade do capital em razão do regime da comunhão parcial de bens, permanece a suspeita de que tais economias somente foram propiciadas pelo uso do dinheiro em espécie para custeio das despesas ordinárias do casal, e por conseguinte, resta evidenciado o interesse processual na sua retenção. Note-se que, ainda que de origem lícita, referidos ativos financeiros estão sujeitos a sequestro em razão da prática de atos ilícitos cometidos pelo cônjuge meeiro, pois visam ao ressarcimento do prejuízo causado à Fazenda Pública, para tanto podendo a medida incidir sobre quaisquer bens do investigado. (Id n. 153129335) O Juízo a quo recebeu o pedido como embargos de terceiro e proferiu a decisão recorrida, julgando-os improcedentes, nos seguintes termos: Trata-se de embargos de terceiro opostos por MARIA DE FÁTIMA SOUSA DOS SANTOS, a qual requer o levantamento da constrição judicial imposta às contas bancárias e de investimento de titularidade conjunta com o seu cônjuge Eli Guedes (investigado nos autos principais). Em suma, aduz a defesa que a embargante é aposentada do cargo de auditora fiscal da Receita Federal do Brasil, recebendo seus proventos na conta n.º 24574-5, ag. 3831, do Banco Itaú, sendo MARIA DE FÁTIMA a correntista principal. Afirma, ainda, que os valores mantidos em fundos de investimentos são exclusivamente de titularidade da embargante, sendo que, antes da data dos fatos, no ano-calendário de 2014, tais recursos haviam sido declarados ao Fisco. Esclarece que o esposo da embargante figura como 2.º titular das contas apenas por conveniência do casal, caso haja necessidade de um se socorrer ao outro. No mais, aduz a defesa que MARIA DE FÁTIMA não figura como investigada nos autos e que os valores constritos possuem origem lícita, sendo ressaltado, ainda, que a constrição não poderia recair sobre seus proventos, por serem de natureza alimentar. Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo indeferimento do pedido, uma vez que a embargante não apresentou documentação apta a comprovar o argumento de que o capital bloqueado era formado unicamente por seus proventos. O Parquet ressaltou ainda que os valores destinados ao pagamento de despesas pessoais e familiares, conforme alegado pela própria embargante, consistem em bens que entram na comunhão e, portanto, são comunicáveis a seu marido (ID n.º 43394329). É o breve relatório. DECIDO. Preliminarmente, ressalto que a natureza alimentar ou não da verba constrita não constitui fundamento, na seara penal, para sua liberação. Com efeito, tal questão possui relevância na esfera cível, na qual a demonstração da natureza alimentar da verba resulta na impenhorabilidade dos ativos, conforme reza o art. 833 do Código de Processo Civil. Superada tal questão, entendo não ser caso de deferimento do pedido de MARIA DE FÁTIMA SOUSA DOS SANTOS. Com efeito, embora a embargante tenha demonstrado possuir rendimentos lícitos, é de se ver que a documentação apresentada na inicial não comprova que os recursos bloqueados sejam de titularidade exclusiva da requerente. Nesse contexto, a alegação de que Eli Guedes consta como segundo titular da conta bancária apenas para socorrer a esposa em caso de necessidade, já que são idosos, é unilateral, não tendo sido demonstrada. Os documentos apresentados pela requerente constam do ID 42371602, fls. 03/30. Vejamos. O comprovante de rendimentos da fl. 03 do ID 42371602 demonstra que os proventos de aposentadoria do cargo de auditora fiscal da RFB da requerente, no total líquido de R$ 19.641,04, foram creditados, para a competência de 10/2020, na referida conta 24574-5 do Banco Itaú. Daí não se pode tirar a conclusão de que os valores bloqueados, de aproximadamente 1 milhão de reais, sejam oriundos do trabalho da requerente. Já à fl. 04 do ID 42371602, a requerente juntou extrato da referida conta corrente relativo ao período de 13/10/2020 a 22/10/2020. Por óbvio, a movimentação de apenas 09 dias não é apta a indicar a origem dos valores depositados. Os extratos de fls. 05/08 (ID 42371602) apenas demonstram a posição dos saldos dos fundos de investimento e poupança vinculados à referida conta corrente em 09/11/2020. As declarações de IRPF da requerente, relativas aos anos-calendário 2014 e 2019 (fls. 09/29, ID 42371602), também são irrelevantes para o conjunto probatório. É consabido que, no regime da comunhão parcial de bens, o patrimônio objeto da comunhão pode ser incluído na declaração de qualquer um dos cônjuges, mesmo pertencendo ao casal. Por sua vez, o comprovante do resgate de precatório no valor de R$ 275.570,07 na conta 24574-5, em 17/11/2016 (fl. 30, ID 42371602), não demonstra o destino dado ao montante após aportar na referida conta bancária. Portanto, não restam dúvidas de que a requerente não comprovou que os valores bloqueados seriam oriundos exclusivamente dos seus proventos, o que, por si só, já enseja o indeferimento do pedido de restituição. Ressalto, ademais, que, a despeito da alegação de que Eli Guedes seria “o segundo titular da conta corrente”, conforme condições gerais do Itaú, a inclusão de mais de um cliente como titular torna a conta conjunta, respondendo todos os titulares pelos direitos e obrigações perante o banco (https://www.itau.com.br/_arquivosestaticos/Itau/PDF/para-voce/conta-corrente/condicoes-gerais-da-conta-universal-itau.pdf). Ainda, como bem salientado pelo membro do parquet federal, na comunhão parcial de bens, a comunicação entre o patrimônio do casal é a regra e a exclusividade, a exceção (artigo 1658 e seguintes do Código Civil). É importante notar que a própria norma do artigo 1659, VI, do CC, que exclui da comunhão os proventos do cônjuge, é interpretada pela jurisprudência cum grano salis, uma vez que a comunhão exige esforço comum para manutenção da vida familiar, não cabendo a um dos cônjuges poupar a sua remuneração de forma particular (e.g. REsp 1024169/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 28/04/2010). Por conseguinte, os valores investidos em fundos de investimento, poupança e outras aplicações pertencem, à primeira vista, ao casal casado no regime da comunhão parcial de bens, e não a um dos cônjuges exclusivamente. Registro, também, que, como destacado na decisão proferida nos autos n.º 5004656-73.2020.4.03.6181, “as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda (artigo 91, § 2.º, do CP)”. Ou seja, o decreto de sequestro atinge valores lícitos do investigado equivalentes ao produto/proveito do crime. Friso que a liberação, caso comprovada a licitude dos bens, nos termos do art. 4.º da Lei n.º 9.613/98, seria cabível apenas se os investigados respondessem pelo montante total da vantagem ilícita supostamente recebida, in casu, estimado em R$ 3.239.529,28, justamente em razão da disposição do art. 91, § 2.º, do Código Penal, que autoriza que medidas assecuratórias recaiam sobre o equivalente, quando não encontrado o proveito do crime. Em outras palavras, o sequestro pode recair sobre bens de origem lícita, se não for localizado o proveito do crime, como no caso em tela. Ante o exposto, seja porque não demonstrado que os recursos bloqueados se originam exclusivamente dos proventos da embargante; seja porque os recursos integram a comunhão de bens do casal, o pedido deve ser julgado improcedente. DISPOSITIVO Isto posto, com fulcro no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, REJEITO o pedido formulado na inicial. (destaques originais, Id n. 153129338) A apelante, na sequência, interpôs o presente recurso, afirmando, resumidamente, que devem ser liberados todos os valores restritos ou os valores anteriores aos fatos que resultaram na determinação do sequestro dos valores de titularidade de seu marido. O recurso não merece provimento. É incontroverso que a embargante, ao fazer opção pela abertura de conta corrente, com investimentos a ela vinculados, em que seu marido exerce como segundo titular, de modo a torná-lo tacitamente administrador dos seus bens (CC, art. 1.652, II), mantendo, ainda, com o ora investigado regime de casamento em comunhão parcial há mais de 43 (quarenta e três) anos, regime que possui, como regra geral, a característica da comunicação dos bens adquiridos posteriormente ao matrimônio (CC, art. 1.658 e ss.), tornou os valores passíveis de serem sequestrados pelo simples fato de constar o CPF do investigado como titular da conta na instituição financeira em que houve a determinação de bloqueio pelo SISBAJUD. As medidas cautelares patrimoniais, assim como ocorre com as cautelares de caráter pessoal, a exemplo da prisão preventiva, são decretadas com a finalidade de preservar a eficácia prática de uma futura decisão sobre o mérito da demanda, baseiam-se em juízo de cognição sumária e não consubstanciam antecipação de pena ou execução penal, estando fundamentadas em pressupostos específicos, relacionados à exitosa aplicação da lei penal. Não procede, portanto, a alegação de que o bloqueio de bens dos impetrantes infringiu o princípio da presunção de inocência. Ainda que não houvessem os valores sido objeto de sequestro, os documentos juntados pela recorrente não formaram prova cabal de sua origem exclusivamente lícita a autorizar o levantamento da restrição, a qual haveria de ser mantida, de todo modo, até o trânsito em julgado da ação supramencionada. Ademais, como bem observou o Parquet Federal, ainda que se comprovasse a origem lícita dos valores dos investimentos, existe a possibilidade concreta de que os valores em esteio poderiam ter sido acumulados em razão da utilização do dinheiro espúrio, em espécie, para adimplir os gastos cotidianos, de modo que o patrimônio comum pode vir a ser utilizado para indenizar o Fazenda Nacional pela evasão de tributos ocasionados pela atividade delitiva, na forma dos art. 1.663, § 1º, do Código Civil. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ADVOCACIA ADMINISTRATIVA. CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PEDIDO DE DESBLOQUEIO DE VALORES. INTERESSE AO PROCESSO (CPP, ART. 118). RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo, conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal.
2. Na Ação Penal n. 5004656-73.2020.4.03.6181, em que investigado, na “Operação Triuno” da Polícia Federal, o esposo da embargante pela prática de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa e associação criminosa, tendo o marido eventualmente recebido quantias decorrentes da atividade espúria, motivo pelo qual foi determinado o sequestro judicial dos ativos financeiros de sua titularidade, incluindo a conta corrente conjunta objeto de análise nestes autos.
3. É incontroverso que a embargante, ao fazer opção pela abertura de conta corrente, com investimentos a ela vinculados, em que seu marido exerce como segundo titular, de modo a torná-lo tacitamente administrador dos seus bens (CC, art. 1.652, II), mantendo, ainda, com o ora investigado regime de casamento em comunhão parcial há mais de 43 (quarenta e três) anos, regime que possui, como regra geral, a característica da comunicação dos bens adquiridos posteriormente ao matrimônio (CC, art. 1.658 e ss.), torna os valores passíveis de constrição judicial pelo SISBAJUD.
4. As medidas cautelares patrimoniais, assim como ocorre com as cautelares de caráter pessoal, a exemplo da prisão preventiva, são decretadas com a finalidade de preservar a eficácia prática de uma futura decisão sobre o mérito da demanda, baseiam-se em juízo de cognição sumária e não consubstanciam antecipação de pena ou execução penal, estando fundamentadas em pressupostos específicos, relacionados à exitosa aplicação da lei penal. Não procede, portanto, a alegação de que o bloqueio de bens dos impetrantes infringiu o princípio da presunção de inocência.
5. Ainda que não houvessem os valores sido objeto de sequestro, os documentos juntados pela recorrente não formaram prova cabal de sua origem exclusivamente lícita a autorizar o levantamento da restrição, a qual haveria de ser mantida, de todo modo, até o trânsito em julgado da ação supramencionada.
6. Como bem observou o Parquet Federal, ainda que se comprovasse a origem lícita dos valores dos investimentos, existe a possibilidade concreta de que os valores em esteio poderiam ter sido acumulados em razão da utilização do dinheiro espúrio, em espécie, para adimplir os gastos cotidianos, de modo que o patrimônio comum pode vir a ser utilizado para indenizar o Fazenda Nacional pela evasão de tributos ocasionados pela atividade delitiva, na forma dos art. 1.663, § 1º, do Código Civil.
7. Recurso não provido.